Relaç˜oes. Livro de Adilson Gonçalves “introduç˜ao `a álgebra

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Relações.
Livro de Adilson Gonçalves “introdução à álgebra”, páginas 7,8.
Sejam A, B dois conjuntos. Se a ∈ A e b ∈ B, o par ordenado (a, b) é o
conjunto {{a}, {a, b}} (Kuratowski). O elemento a é chamado de primeiro
elemento de (a, b) e b é chamado de segundo elemento de (a, b). O “produto
cartesiano” entre A e B é o conjunto {(a, b) : a ∈ A, b ∈ B}. Uma relação
entre A e B é um subconjunto R de A × B. As funções são particulares
relações, à função f : A → B corresponde R = {(a, f (a)) : a ∈ A}.
Seja A um conjunto. Uma relação sobre A é uma relação entre A e
A, ou seja um subconjunto R do produto cartesiano A × A. Se (a, b) ∈ R
digamos que a está em relação com b e escrevamos aRb. Por exemplo se A =
R então uma relação sobre A é um “desenho no plano R2 ”, e as propriedades
da relação as vezes podem ser enxergadas graficamente.
Uma relação R sobre A é dita
(1) Reflexiva se aRa para todo a ∈ A. Graficamente: R contem a
diagonal {(a, a) : a ∈ A}, ou seja a reta de equação y = x.
(2) Simétrica se aRb implica bRa para todo a, b ∈ A. Graficamente:
R é simétrica com respeito à diagonal.
(3) Transitiva se aRb e bRc implica aRc para todo a, b, c ∈ A.
(4) Antisimétrica se aRb e bRa implica a = b para todo a, b ∈ A. Graficamente: se um par (a, b) em R está fora da diagonal o simétrico
dele (com respeito à diagonal) não pertence a R.
(5) Total se para todo a, b ∈ A temos aRb ou bRa. Graficamente:
dado um qualquer par (a, b) ou ele pertence a R ou o simétrico dele
(com respeito à diagonal) pertence a R.
Exemplos.
(1) A relação = sobre N é reflexiva (pois a = a para todo a), simétrica
(pois se a = b então b = a), transitiva (pois se a = b e b = c então
a = c) e antisimétrica (pois se a = b e b = a então a = b). Na
verdade, se trata da única relação com essas quatro propriedades.
De fato, se ∼ é uma relação reflexiva, simétrica, transitiva e antisimétrica então se a, b ∈ A e a ∼ b então b ∼ a sendo ∼ simétrica
logo a = b sendo ∼ antisimétrica. Por outro lado a ∼ a para todo
a ∈ A sendo R reflexiva. Isso implica que R = {(a, a) : a ∈ A}.
É claro que = não é total (pois se a, b são dois elementos distintos
então a 6= b e b 6= a).
(2) A relação 6= sobre N não é reflexiva (pois a 6= a é sempre falso),
é simétrica (pois se a 6= b então b 6= a), não é transitiva (pois se
a 6= b então a 6= b e b 6= a mas a = a) e não é antisimétrica (pois se
1
2
(3)
(4)
(5)
(6)
(7)
a, b são distintos a 6= b e b 6= a). É claro que 6= não é total porque
a 6= a é sempre falso.
A relação R = {(a, b) ∈ R × R : a2 + b2 = 1} (o cı́rculo unitário) é
uma relação sobre R. Ela não é reflexiva (pois por exemplo 12 +12 6=
1), é simétrica (pois se a2 + b2 = 1 então b2 + a2 = 1), não é
antisimétrica (pois 12 + 02 = 1 e 02 + 12 = 1), não é transitiva (pois
1R0 e 0R1 mas 1 não é em relação com 1), não é total (pois 1 não
é em relação com 2 e nem 2 com 1).
∅ é uma relação sobre um qualquer conjunto A (pois é um subconjunto de A × A). Ela é simétrica, transitiva, antisimétrica mas se
A não for vazio então ∅ não é reflexiva e não é total. Isso é porque
as propriedades de simetria, transitividade e antisimetria são definidas por meio de implicações (que são verdadeiras se a premissa
for falsa!) enquanto a reflexividade e a totalidade são definidas
“impondo a existência” de algum par na relação (logo não valem
se a relação for vazia!). Por exemplo isso implica que uma relação
(sobre um conjunto não vazio) total ou reflexiva com certeza é não
vazia. Mas uma relação simétrica, transitiva ou antisimétrica pode
ser vazia.
≤ (menor ou igual) é uma relação sobre N. Ela é reflexiva (pois
a ≤ a para todo a), transitiva (pois se a ≤ b e b ≤ c então a ≤ c),
antisimétrica (pois se a ≤ b e b ≤ a então a = b) e total (pois para
todo a, b ∈ N ou a ≤ b ou b ≤ a) mas não é simétrica (pois 1 ≤ 2
mas 2 6≤ 1).
< (menor estrito: ou seja < é igual a ≤ ∧ =
6 ) é uma relação sobre N.
Ela é transitiva (pois se a < b e b < c então a < c) e antisimétrica
(pois se a < b e b < a então a = b - implicação com premissa falsa
é verdadeira) mas não é simétrica (pois 1 < 2 mas 2 não é menor
que 1), não é reflexiva (pois a < a é sempre falso) e não é total (por
exemplo 1 não é em relação com si mesmo).
Digamos que duas pessoas a, b da turma são em relação (aRb) se
elas têm o mesmo nome. Essa relação (sobre o conjunto das pessoas
da turma) é reflexiva (pois cada pessoa tem o mesmo seu nome),
simétrica (pois se a pessoa a tem o mesmo nome da pessoa b então
a pessoa b tem o mesmo nome da pessoa a) e transitiva (pois se
a, b têm o mesmo nome e b, c têm o mesmo nome então a, c têm
o mesmo nome). Se existem duas pessoas na turma com o mesmo
nome então R não é antisimétrica. R é total se e somente se todas
as pessoas da turma têm o mesmo nome (o que normalmente é
muito raro).
Definição (Relação de equivalência). Uma relação de equivalência é
uma relação R sobre um conjunto A que é reflexiva, simétrica e transitiva.
A ideia é a seguinte: uma relação definida por meio de uma “qualidade
comum” (por exemplo: dois objetos são em relação se tiverem a mesma cor,
3
duas pessoas são em relação se tiverem o mesmo nome, ou a mesma idade)
é uma relação de equivalência. Isso é formalizado pela proposição seguinte.
Proposição. Seja f : X → Y uma função. A relação Rf definida sobre
X por aRf b se e somente se f (a) = f (b) é uma relação de equivalência sobre
X. Rf é a relação de igualdade se e somente se f é injetiva.
Demonstração. Rf é reflexiva porque f (a) = f (a) para todo a ∈ X, é
simétrica porque se f (a) = f (b) então é claro que f (b) = f (a), e é transitiva
porque se f (a) = f (b) e f (b) = f (c) então f (a) = f (c). Se Rf é a relação
de igualdade então f (a) = f (b) se e somente se a = b, logo f é injetiva. Se
f é injetiva e aRf b então f (a) = f (b) logo a = b sendo f injetiva, assim Rf
é a relação de igualdade.
Na verdade, todas as relações de equivalência são desse tipo. Para mostrar isso precisamos da noção de conjunto quociente.
Definição (Conjunto quociente). Seja R uma relação de equivalencia
sobre o conjunto A. A “classe de equivalencia” de a ∈ A é o conjunto
[a]R := {b ∈ A : a ∼ b}. O “conjunto quociente” de R é o conjunto
A/R := {[a]R : a ∈ A}.
Por exemplo as classes de equivalência da relação de igualdade (chamamola R) são os conjuntos com um único elemento {a}, ou seja A/R = {{a} :
a ∈ A}. Mais em geral se f : X → Y é uma função, a classe de equivalência
de a ∈ X via Rf é [a]Rf = {b ∈ X : f (a) = f (b)} logo X/Rf consiste
das “fibras” f −1 (y) com y ∈ f (X) = Im(f ), por exemplo se f : R → R é
definida por f (x) = x2 então [a]Rf = {a, −a} e R/R = {{a, −a} : a ∈ R}.
Um exemplo importante: defina a relação R sobre Z como segue:
aRb se e somente se a + b é par. Se trata de uma relação de equivalência:
• Reflexiva: se a ∈ Z então a + a = 2a é par.
• Simétrica: se a + b é par então b + a é par pois b + a = a + b.
• Transitiva: se a+b é par e b+c é par então a+c = (a+b)+(b+c)−2b
é par pois é soma (algébrica) de números pares.
Todo número inteiro é par ou impar. Se a ∈ Z é par então a + 0 é par logo
aR0. Se a ∈ Z é impar então a + 1 é par logo aR1. Isso implica que existem
exatamente duas classes de equivalência, ou seja Z/R = {[0]R , [1]R }.
Se f : X → Y e g : Y → Z são duas funções, com o contradomı́nio de f
igual ao domı́nio de g, a composição de g com f é a função g ◦ f : X → Z
definida por (g ◦ f )(x) := g(f (x)).
Seja E uma relação de equivalência sobre o conjunto A. Existe uma
função canônica, chamada de “projeção canônica”, definida por
πE : A → A/E,
πE (a) := [a]E .
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É claro que E = RπE (pois aEb se e somente se [a]E = [b]E ). A projeção πE
é uma função sobrejetiva (pois se [a]E ∈ A/E então πE (a) = [a]E ) que na
verdade é o arquetipo de todas as funções sobrejetivas. Mais precisamente,
Teorema (Teorema de isomorfismo). Se f : X → Y é uma função
sobrejetiva então a função τ : X/Rf → Y definida por τ ([a]Rf ) := f (a) é
bem definida, bijetiva e f = τ ◦ πRf .
Demonstração. τ é bem definida pois se [a]Rf = [b]Rf então aRf b
ou seja f (a) = f (b), logo τ ([a]Rf ) = τ ([b]Rf ). É sobrejetiva pois se y ∈ Y
então dado x ∈ X com f (x) = y (que existe pois f é sobrejetiva) temos
τ ([x]Rf ) = f (x) = y, é injetiva pois se τ ([a]Rf ) = τ ([b]Rf ) então f (a) = f (b)
logo [a]Rf = [b]Rf . Isso mostra que τ é bijetiva. Além disso f = τ ◦ πRf pois
τ (πRf (a)) = τ ([a]Rf ) = f (a).
Exercı́cios. Veja também o livro de Gonçalves páginas 12, 13.
(1) Seja A = {0, 1, 2, 3, 4} e R = {(0, 1), (1, 2), (1, 4), (2, 2), (3, 4), (1, 1),
(2, 1), (4, 0), (3, 3), (4, 2), (4, 4), (1, 2), (4, 3), (0, 4)}; é uma relação sobre A. Diga se é reflexiva, simétrica, transitiva, antisimétrica, total.
(2) Seja A = {1, 2, 3, 4} e seja R = {(1, 2), (2, 3), (3, 4), (4, 1)}, relação
sobre A. Encontre uma relação transitiva (sobre A) contendo R.
(3) Mostre que toda relação total é reflexiva.
(4) Encontre uma relação total que não seja transitiva.
(5) Considere a relação R sobre Z dada por aRb se e somente se a − b
é um múltiplo de 3. Mostre que R é uma relação de equivalência.
Quantas classes de equivalência tem?
(6) Seja R a relação Rf sobre o conjunto A = {−2, 0, 1, 2, −4} onde
f : A → R é definida por f (x) = (x + 1)2 . Calcule A/R.
(7) Para cada uma das relações seguintes (sobre R) diga se é reflexiva,
simétrica, transitiva, antisimétrica, total.
(a) xRy se e somente se xy ≥ 1.
(b) xRy se e somente se x2 ≥ y 2 .
(c) xRy se e somente se cos(xy) ≥ 0.
(d) xRy se e somente se y ≥ 2x.
(8) Seja R uma relação de equivalência sobre Y e seja f : X → Y uma
função. Mostre que a relação ∼ sobre X definida por “a ∼ b se e
somente se f (a)Rf (b)” é uma relação de equivalência sobre X.
(9) Seja R uma relação de equivalência sobre o conjunto A. Mostre que
A é a união das classes de equivalência (ou seja para todo a ∈ A
existe uma classe de equivalência que contem a) e que classes de
equivalência distintas têm interseção vazia (ou seja se a, b ∈ A são
tais que [a]R 6= [b]R então [a]R ∩ [b]R = ∅). A gente fala que as
classes de equivalência formam uma “partição” de A.
(10) Mostre que toda função é uma composição de uma função sobrejetiva com uma função injetiva (β ◦ α onde α é sobrejetiva e β é
injetiva).
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