ESPAÇOS QUOCIENTE Vamos agora estudar a topologia quociente. Esta topologia surge frequentemente em geometria em construções como a do toro, obtido a partir dum quadrado identificando as arestas duas a duas (figura 22.1, pag 136) Dado um espaço topológico X com uma relação de equivalência ∼, seja X/∼ o conjunto das classes de equivalência. Podemos pensar em X/∼ como o conjunto obtido identificando pontos de X que são equivalentes. Exemplo 0.1. Seja X = [0, 1] e consideremos a relação de equivalência em que x ∼ x para qualquer x ∈ [0, 1] e 0 ∼ 1. Então X/∼ é o conjunto obtido identificando os pontos 0 e 1. Exemplo 0.2. Seja X = R e consideremos a relação de equivalência x ∼ y ⇔ |x| = |y|. Então o quociente X/∼ é o conjunto obtido identificando x com −x para x 6= 0. Vamos agora ver como definir uma topologia em X/∼ . Seja p : X → X/∼ a função que a cada ponto x ∈ X faz corresponder a sua classe de equivalência: dado x ∈ X, p(x) = [x] ∈ X/∼ . Naturalmente queremos que p seja contı́nua. Definimos a topologia quociente em X/∼ como a topologia mais fina tal que p é contı́nua: Definição 0.1. A topologia quociente em X/∼ é a colecção dos subconjuntos A ⊂ X/∼ tais que p−1 (A) é aberto em X. Exemplo 0.3. Consideremos a seguinte relação de equivalência em R: x ∼ y ⇔ (xy > 0 ou x = y = 0). Temos três classes de equivalência: [−1] =] − ∞, 0[, [0] = {0} e [1] =]0, +∞[. Assim, R/∼ = {[−1], [0], [1]}. Temos p−1 ([−1]) =] − ∞, 0[ p−1 ([0]) = {0} p−1 ({[−1], [0]}) =] − ∞, 0] p−1 ({[−1], [1]}) = R − {0} p−1 ([1]) =]0, +∞[ p−1 ({[0], [1]}) = [0, +∞[ Assim, os abertos de R/∼ são os conjuntos ∅, {[−1]}, {[0]}, {[1]}, {[−1], [1]} e {[−1], [0], [1]}. Exemplo 0.4. Seja S n ⊂ Rn+1 a esfera de raio um centrada na origem. Definimos uma relação de equivalência em S n identificando os pontos diametralmente opostos: x ∼ y ⇔ x = ±y. Chamamos espaço projectivo ao quociente Pn = S n /∼ . Para n = 0, S 0 = {−1, 1} com a topologia discreta, logo P0 tem apenas um ponto. Veremos mais adiante que os espaços S 1 e P1 são homeomorfos. Uma forma útil de pensar nos abertos em X/∼ é a seguinte: dizemos que um subconjunto C ⊂ X é saturado sse C for uma união de classes de equivalência. Isto é, (x ∈ C e x ∼ y) =⇒ y ∈ C Exemplo 0.5. Consideremos R com a relação de equivalência x ∼ y ⇔ y = ±x. Então [1, 2] ⊂ R não é um conjunto saturado. De facto, 1 ∈ [1, 2] mas −1 ∈ / [1, 2]. Por outro lado, o conjunto [−2, −1] ∪ [1, 2] é saturado. Proposição 0.2. p induz uma bijecção entre os abertos saturados de X e os abertos de X/∼ . Isto é, 1 2 ESPAÇOS QUOCIENTE (1) Dado um aberto A ⊂ X/∼ , então p−1 (A) é um aberto saturado; (2) Se C ⊂ X é um aberto saturado, então existe um aberto A ⊂ X/∼ tal que C = p−1 (A). Demonstração. (1) Seja A ⊂ X/∼ um aberto. Então por definição de topologia quociente, p−1 (A) é aberto. Mostremos que p−1 (A) é saturado. Seja x ∈ p−1 (A) e seja y ∼ x. Então p(y) = [y] = [x] = p(x) ∈ A logo y ∈ p−1 (A). (2) Se C = p−1 (A) então A é automaticamente aberto por deifnição de topologia quociente. Logo basta mostrar que A existe. Seja A = p(C). Mostremos que C = p−1 (A). A inclusão C ⊂ p−1 (p(C)) verifica-se sempre logo basta mostrar que p−1 (p(C)) ⊂ C. Seja x ∈ p−1 (p(C)). Então [x] = p(x) ∈ p(C). Como C é saturado isto implica que [x] ⊂ C logo x ∈ C. Ver exemplos 4 e 5 página 139. Vamos agora ver como definir funções contı́nuas em espaços quociente. Teorema 0.3. Sejam X, Z espaços topológicos, ∼ uma relação de equivalência em X. Seja f : X → Z uma função contı́nua tal que x ∼ y ⇒ f (x) = f (y), isto é, f é constante em classes de equivalência. Então f induz uma funcção f˜ : X/∼ → Z tal que f˜ ◦ p = f . f˜ é contı́nua sse f for contı́nua. Demonstração. f é constante em cada classe de equivalência logo definimos f˜([x]) como o valor de f na classe de equivalência [x]. Então f˜ ◦ p(x) = f˜([x]) = f (x). Se f˜ for contı́nua, f = f˜ ◦ p é contı́nua. Assumimos portanto que f é contı́nua e mostremos que f˜ é contı́nua. Seja A ⊂ Z um aberto. Então f˜−1 (A) é aberto sse p−1 (f˜−1 (A)) for aberto em X. Mas p−1 (f˜−1 (A)) = f −1 (A), e como f é contı́nua este conjunto é aberto. Logo f˜−1 (A) é aberto, portanto f˜ é contı́nua. Exemplo 0.6. Seja X = [0, 2π] ⊂ R e consideremos a relação de equivalência 0 ∼ 2π. Vamos mostrar que [0, 2π]/∼ é homeomorfo a S 1 . Seja f : [0, 2π] → S 1 ⊂ R2 a função f (t) = (cos t, sin t). Para ver que esta função é contı́nua observamos que ela é obtida a partir da função R t / R2 / (cos t, sin t) (que é contı́nua porque as funções coordenadas são contı́nuas) restringindo o domı́nio e o conjunto de chegada. Claramente f (0) = f (2π) logo f induz uma função contı́nua no quociente f˜ : [0, 2π]/∼ → S 1 . Vamos agora construir a função inversa h : S 1 → [0, 2π]/∼ . Recordemos que a função cos t : [0, π] → [−1, 1] é bijectiva com inversa arccos x : [−1, 1] → [0, π]. x = cos t logo ( arccos x 0≤t≤π t= 2π − arccos x π ≤ t ≤ 2π Assim, vamos construir a função inversa usando o lema da colagem. Seja 1 S+ = {(x, y) ∈ S 1 : y ≥ 0} 1 S− = {(x, y) ∈ S 1 : y ≤ 0} ESPAÇOS QUOCIENTE 3 1 S+ é a intersecção de S 1 com o subconjunto fechado {(x, y) ∈ R2 : y ≥ 0} ⊂ R2 . 1 1 Logo S+ é fechado em S 1 . De forma análoga S− é fechado em S 1 . Definimos 1 h± : S± → [0, 2π] por h+ (x, y) = arccos x h− (x, y) = 2π − arccos x Para ver que h+ é contı́nua consideramos a composição de funções contı́nuas [−1, 1] × R (x, y) / [−1, 1] / [0, π] /x / arccos x e observamos que h+ é obtida restringindo o domı́nio e expandindo o conjunto de chegada. De forma análoga vemos que h− é contı́nua. Aplicamos agora o lema da colagem às funções contı́nuas 1 p ◦ h+ : S+ → [0, 2π]/∼ 1 p ◦ h− : S− → [0, 2π]/∼ 1 1 Estas funções coincidem na intersecção S+ ∩ S− = {(−1, 0), (1, 0)}: p ◦ h+ (−1, 0) = [π] = p ◦ h− (−1, 0) p ◦ h+ (1, 0) = [0] = [2π] = p ◦ h− (1, 0) pelo que induzem uma função h : S 1 → [0, 2π]/∼ .