Mini Revisão/Mini Review ISSN 2176-9095 Science in Health maio-ago 2014; 5(2): 102-6 CONDUTA OPERATÓRIA VERSUS NÃO OPERATÓRIA NO TRATAMENTO DO TRAUMA ABDOMINAL PENETRANTE – Revisão de literatura. OPERATIVE CONDUCT VERSUS NON-OPERATIVE IN THE TREATMENT OF PENETRATING ABDOMINAL TRAUMA – A Review of literature. André Freitas Cavallini da Silva 1 Pedro Henrique Pinto Fonseca 1 Talita Machado Boulhosa 1 Cyro de Campos Aranha Pereira Neto 1 Ana Carolina Matieli 1 Rodrigo Ippolito Bouças 2 Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro-Jr 3 Eduardo Achar 4 RESU MO Trauma abdominal penetrante é a principal causa de admissão por traumas nos Estados Unidos. Ferimentos perfurantes por armas brancas são três vezes mais comuns do que por arma de fogo, porém a mortalidade desta é maior. A distribuição dos pacientes por sexo foi de 82% masculino e 18% feminino. A média de idade para todos os pacientes era de 32,8 anos. A laparotomia exploratória era o procedimento padrão para armas brancas, até meados de 1960, e por armas de fogo até recentemente. Entretanto, avanços nos procedimentos diagnósticos e estudos por imagens, como laparoscopia, tomografia computadorizada (TC) e avaliação focada de ultrassonografia para o trauma (FAST) contribuíram significativamente para novas condutas. Palavras-chave: Traumatismos Abdominais • Ferimentos Penetrantes • Diagnóstico por Imagem • Laparotomia. ABST R ACT Penetrating abdominal trauma is the major cause of admission to trauma in the United States. Perforating injuries from knives and similars are three times more common than gunshot, that causes higher mortality. Patient distribution by gender showed 82% male and 18% female. Mean age for all patients was 32.8 years. Exploratory laparotomy was the standard procedure for such injuries by mid-1960 until recently. However, advances in diagnostic procedures and studies by images such as laparoscopy, computed tomography (CT) and evaluation focused ultrasound for trauma (FAST) contributed significantly to new behaviors. Key words: Abdominal Injuries • Wounds, Penetrating • Diagnostic Imaging • Laparotomy. 1 Acadêmicos de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). 2 Mestre e Doutor em Bioquímica pela UNIFESP-EPM; Professor Adjunto pela Universidade de Santo Amaro (UNISA); Professor pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) e Professor pela Universidade Bandeirante – Anhanguera (UNIBAN). 3 Mestre e Doutor em Cirurgia pela UNIFESP-EPM; Professor Titular e Chefe do núcleo de Clínica Cirúrgica da Universidade Santo Amaro (UNISA); Coordenador do Curso de Medicina da UNISA e Professor de Habilidades Cirúrgicas da UNICID. 4 Mestre e Doutor em Nefrologia pela UNIFESP-EPM; Especialista em Docência pela Universidade Cidade de São Paulo; Professor Tutor e de Habilidades Cirúrgicas da UNICID. 102 Mini Revisão/Mini Review ISSN 2176-9095 Silva AFC, Fonseca PHP, Boulhosa TM, Pereira-Neto CCA, Matieli AC, Bouças RI, Ribeiro-Jr MAF, Achar E. Conduta operatória versus não operatória no tratamento do trauma abdominal penetrante – revisão de literatura • Science in Health • maio-ago 2014; 5(2): 102-6 INTRODUÇÃO esporádico, as indicações para o seu uso em vítimas de traumas permanecem controversas4. Traumas abdominais penetrantes são a principal causa de admissão por traumas nos Estados Unidos. Ferimentos perfurantes por armas brancas são três vezes mais comuns do que por arma de fogo, porém a mortalidade desta é maior1. A distribuição dos pacientes por sexo foi de 82% masculino e 18% feminino. A média de idade para todos os pacientes era de 32,8 anos2. A exploração cirúrgica de rotina continua a ser a prática padrão para todas as lesões penetrantes em órgãos sólidos5. Assim, o presente trabalho visa comparar a conduta operatória e a não operatória no tratamento do trauma abdominal penetrante e estabelecer um algoritmo para a conduta necessária. A laparotomia exploratória era o procedimento padrão para armas brancas, até meados de 1960, e para armas de fogo até recentemente3. Durante a Segunda Guerra Mundial, no entanto, estudos mostraram que a laparotomia precoce proporciona melhora da sobrevida1. Ao final dos anos 1950, laparotomia de rotina era o tratamento padrão para trauma abdominal penetrante. Nos últimos 30 anos, o pêndulo mudou para a gestão seletiva, inicialmente envolvendo apenas facadas e posteriormente incluindo ferimentos por arma de fogo. Entretanto, avanços nos procedimentos diagnósticos e estudos por imagens, como laparoscopia, tomografia computadorizada (TC) e avaliação focada de ultrassonografia para o trauma (FAST) contribuíram significativamente para novas condutas1. MATERIAL E MÉTODOS Este estudo constitui-se de uma revisão da literatura especializada, realizada entre fevereiro de 2011 e junho de 2011, a partir de consultas a artigos científicos publicados entre 2006-11, selecionados a partir de busca em banco de dados do PubMed e da Bireme. A busca nos bancos de dados foi realizada utilizando-se as terminologias cadastradas nos Descritores em Ciências da Saúde criados pela Biblioteca Virtual em Saúde, desenvolvidos a partir do Medical Subject Headings da U.S. National Library of Medicine. O programa permite o uso da terminologia comum em português, inglês e espanhol. As palavras-chave utilizadas na busca foram laparoscopia, laparotomia, traumas abdominais penetrantes. A vantagem de usar técnicas minimamente invasivas para o diagnóstico e tratamento de lesões abdominais penetrantes ainda é um assunto de debate. Nos 30 anos desde que os primeiros pioneiros da laparoscopia utilizaram um laparoscópico rígido para explorar os abdomes em pacientes com trauma, vários estudos sobre a possibilidade de usar a laparoscopia no trauma foram publicados 3 . Ela se tornou cada vez mais utilizada em todas as áreas da cirurgia. O uso atual da laparoscopia na avaliação e gestão de pacientes vítimas de trauma tem sido uma extensão natural dessa tendência. Os critérios de inclusão para os estudos encontrados foram: a abordagem terapêutica da laparotomia e/ou laparoscopia em traumas abdominais penetrantes e estudos comparativos entre elas. Foram excluídos os estudos que demonstravam o emprego de tal conduta em crianças. RESULTADOS E DISCUSSÃO De acordo com a revisão realizada existem três condutas abordadas no trauma penetrante de abdômen (anterior e posterior): a conduta cirúrgica imediata, a conduta cirúrgica prorrogada e a não cirúrgica (sendo a conduta cirúrgica feita por laparotomia). A laparoscopia diagnóstica em pacientes com trauma foi descrita pela primeira vez por Gazzaniga em 1976. Apesar dessa longa história de uso 103 Mini Revisão/Mini Review ISSN 2176-9095 Silva AFC, Fonseca PHP, Boulhosa TM, Pereira-Neto CCA, Matieli AC, Bouças RI, Ribeiro-Jr MAF, Achar E. Conduta operatória versus não operatória no tratamento do trauma abdominal penetrante – revisão de literatura • Science in Health • maio-ago 2014; 5(2): 102-6 A conduta cirúrgica imediata deve ser tomada quando o paciente apresenta sinais de choque, instabilidade hemodinâmica, evisceração e peritonite. rogada (13,4%) depois de desenvolverem sinais e sintomas – contudo, apenas 48 (9,9%) tiveram lesões significantes - e 17 realizaram a laparotomia não terapêutica (quando confirmada penetração na cavidade peritoneal sem lesão significante ou com lesões mínimas que não requerem reparo cirúrgico). Apenas 50-75% dos traumas penetrantes em abdômen anterior causado por armas brancas atravessam a cavidade peritoneal, e destes apenas 5075% causam uma lesão que requer um reparo operatório. Os órgãos mais acometidos foram o fígado (73%), os rins (30,3%) e o baço (30,3%). Em traumas penetrantes em abdômen posterior há menor probabilidade de lesão significante. Em compensação, essas lesões apresentam problemas ligados à dificuldade clínica em avaliar os órgãos retroperitoneais a partir de exames físicos e FAST. Em pacientes estáveis, a TC é um exame seguro para a exclusão de lesões significantes e sua conduta deve ser feita através dos seus achados1 (Tabela 1). Num estudo prospectivo realizado por Butt et al 1 (2009) em 651 pacientes com traumas penetrantes por armas brancas, 306 (47%) tiveram uma conduta conservadora. Dos 651 pacientes, 345 (53%) apresentaram sinais de abdômen agudo e foram operados imediatamente. Pacientes com lesões isoladas em órgãos sólidos tratados não cirurgicamente tiveram uma diminuição significante no tempo de estadia comparado aos tratados cirurgicamente (3 dias vs 6 dias, respectivamente, p = 0.002). E cerca de $2800 (US) foram economizados por cada paciente que teve sucesso na conduta cirúrgica não operatória. A avaliação da integridade peritoneal pode ser feita através de: avaliação clínica do paciente, tomografia computadorizada, FAST, lavada peritoneal, diagnóstico e laparoscopia. As utilizações desses métodos diminuíram o uso da laparotomia exploradora, tanto imediata quanto prorrogada, levando a um aumento na intervenção não cirúrgica6. A diminuição da taxa de laparotomia exploradora colaborou para a queda tanto da laparotomia imediata quanto da prorrogada e das negativas e, portanto, para a diminuição da taxa de mortalidade, de complicações, do tempo de estadia e do custo Um estudo publicado em 2001 por Velmahos e colaboradores analisou 1405 pacientes que sofreram trauma penetrante por arma de fogo em abdômen anterior. Deles, 484 tiveram conduta não operatória (34%); 65 realizaram laparotomia pror- Tabela 1: Recomendações de classificação e de conduta para resultados tomográficos após lesões penetrantes em flancos e abdômen posterior RISCO ACHADOS TOMOGRÁFICOS CONDUTA Baixo Sem penetração. Penetração em tecido subcutâneo. Alta da Emergência Moderado Penetração Muscular. Hematoma Retroperitoneal, não próximo à estrutura fundamental. Série de Avaliações Clínicas Alto Extravasamento do contraste pelo colo Extravasamento importante do rim Hematoma importante adjacente a um vaso retroperitoneal Ar livre no retroperitônio, não atribuído a objeto Evidência de lesão acima ou abaixo do diafragma Líquido livre em cavidade retroperitoneal Laparotomia Adaptado por Himmelman et al. 104 Mini Revisão/Mini Review ISSN 2176-9095 Silva AFC, Fonseca PHP, Boulhosa TM, Pereira-Neto CCA, Matieli AC, Bouças RI, Ribeiro-Jr MAF, Achar E. Conduta operatória versus não operatória no tratamento do trauma abdominal penetrante – revisão de literatura • Science in Health • maio-ago 2014; 5(2): 102-6 hospitalar7. As complicações baseadas no tipo de tratamento são observadas na Tabela 2. escassos estudos em longo prazo, os resultados apontam para a adoção de tais métodos, associados a uma taxa diminuída de intervenções cirúrgicas e de laparotomia, diminuição das complicações causadas pela intervenção cirúrgica, além dos custos hospitalares e do tempo de estadia dos pacientes. Dessa maneira, conclui-se que essa conduta implica tanto em maior segurança quanto em efetividade em trauma abdominal penetrante. A conduta para pacientes com trauma penetrante em abdômen pode ser visualizada na Figura 1. Assim, de acordo com a revisão sistemática conclui-se que métodos menos invasivos têm sido cada vez mais utilizados na conduta de pacientes com trauma penetrante em abdômen. Apesar dos Tabela 2: Complicações baseadas na categoria de tratamento – n(%). COMPLICAÇÕES CIRURGIA IMEDIATA Sepse 2 (0,51) Abscesso abdominal 11 (2.83) Pneumonia 3 (0.77) Colite por Clostridium difficile 0 (0.00) Celulite 1 (0.26) Gangrena 0 (0.00) Conjuntivite 1 (0.26) Infecção não específica 5 (1.29) Deiscência 3 (0.77) Fístula 0 (0.00) Isquemia intestinal 1 (0.26) Sangramento do Trato Gastrointestinal 0 (0.00) Complicações abdominais não especificadas 4 (1.03) Falência Renal aguda 4 (1.03) Embolia pulmonar 1 (0.26) Pneumotórax 3 (0.77) Empiema 3 (0.77) Insuficiência cardíaca 1 (0.26) Pericardite 1 (0.26) Complicações cardíacas não especificadas 5 (1.29) Hemorragia 4 (1.03) Trombose venosa 1 (0.26) Flebite 1 (0.26) Úlcera de decúbito 0 (0.00) 105 CIRURGIA PRORROGADA 1 (0,35) 7 (2.43) 8 (2.78) 2 (0.69) 0 (0.00) 0 (0.00) 0 (0.00) 9 (3.13) 8 (2.78) 2 (0.69) 2 (0.69) 0 (0.00) 1 (0.35) 1 (0.35) 3 (1.04) 0 (0.00) 1 (0.35) 0 (0.00) 1 (0.35) 0 (0.00) 3 (1.04) 0 (0.00) 0 (0.00) 1 (0.35) NÃO OPERATÓRIA 0 (0.00) 2 (0.03) 2 (0.03) 0 (0.00) 0 (0.00) 1 (0.01) 0 (0.00) 4 (0.05) 0 (0.00) 0 (0.00) 0 (0.00) 1 (0.01) 1 (0.01) 2 (0.03) 1 (0.01) 0 (0.00) 1 (0.01) 0 (0.00) 0 (0.00) 0 (0.00) 2 (0.03) 0 (0.00) 1 (0.01) 0 (0.00) Mini Revisão/Mini Review ISSN 2176-9095 Silva AFC, Fonseca PHP, Boulhosa TM, Pereira-Neto CCA, Matieli AC, Bouças RI, Ribeiro-Jr MAF, Achar E. Conduta operatória versus não operatória no tratamento do trauma abdominal penetrante – revisão de literatura • Science in Health • maio-ago 2014; 5(2): 102-6 Figura 1. Trauma Penetrante em Abdômen Anterior Penetração Peritoneal E/OU Paciente Instável Penetração Peritoneal Incerta E paciente estável Penetração Peritoneal • (baseado no EF em pacientes estáveis) Exame Diagnósticos como garantia (TC, Fast, LPD, LWE) Observe Positivo Incerto 23 h de Observação Série de EF Hemograma 8/8h Laparotomia Sim Perionitis/Instable Pacient Não Não Decreased homoglobin (> 3 g/dl) Leukocytosys Sim TC, LPD OU Laparotonia REFERÊNCIAS 5. D emetriades D, Hadjizacharia P, Constantinou C, 1. B utt MU, Zacharias N, Velmahos GC. Penetrating Brown C, Inaba K, Rhee P, et al. Selective nonoperative management of penetrating abdominal solid organ injuries. Ann Surg 2006 Oct;244(4):620-8. abdominal injuries: management controversies. Scand J Trauma Resusc Emerg Med 2009 17(19. 2. 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