Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Universidade Federal do Rio de Janeiro Diretrizes Clínicas para o Manejo da Neurocriptococose em Paciente HIV Jaqueline Abel da Rocha Luiz Antonio Alves de Lima Introdução: A criptococose é uma infecção oportunista, causada pelo Criptococcus neoformans, que acomete indivíduos com imunodepressão avançada (CD4 < 100). As três principais formas de apresentação são: meníngea, pulmonar e cutânea. Dessas, abordaremos a neurocriptococose em virtude da maior prevalência e gravidade. Apresentação clínica: Quadro subagudo caracterizado por febre, cefaléia, desorientação e rigidez de nuca. Fatores de Mau Prognóstico1: • Rebaixamento do nível de consciência • Celularidade < 20 cels/mm3 no LCR • Título do látex para C. neoformans no LCR > 1:1024 • Invasão micótica fora do SNC • CD4 < 50 • Hiponatremia Diagnóstico: • Realizar tomografia computadorizada de crânio e, posteriormente, punção lombar, se não houver contraindicação. • Análise do líquor (LCR)2: • Celularidade: 5 - 100 cels/mm3 • Proteína: 50 – 150 mg/dL • Glicose: normal ou baixa • Pressão de abertura elevada em 75% dos casos • Nanquim: sensibilidade em torno de 60 - 80% • Cultura: sensibilidade > 95% • Látex no LCR: sensibilidade > 95% • Látex no sangue: sensiblidade > 95% • Hemoculturas: sensibilidade 50-70% • Habitualmente não se realiza teste de sensibilidade aos antifúngicos. No entanto, em casos de falência terapêutica, de recaída e de pacientes em uso crônico de fluconazol, esse teste torna-se desejável Tratamento: • Antifúngicos mais usados: Anfotericina B: liga-se a membranas citoplasmáticas que contêm esteróis (no caso de fungos, o ergosterol), provocando sua desestruturação Fluconazol: inibe a enzima do citocromo P450 dos fungos, que é responsável pela síntese do ergosterol da membrana citoplasmática Flucitosina: se incorpora ao RNA, inibindo a síntese protéica O potencial efeito antagônico da associação de anfotericina B e fluconazol in vitro não foi comprovado in vivo. A terapia da neurocriptococose é composta de três fases3: • Indução: pelo menos 2 semanas • Consolidação: 8 semanas • Manutenção: até CD4 > 100 e CV < 50, por pelo menos 3 meses, em pacientes com ≥ 1 ano de terapia antifúngica Um estudo com 236 pacientes tratados com anfotericina B + flucitosina, evidenciou melhor prognóstico no grupo de pacientes com cultura negativa no LCR na 2ª semana de tratamento, concluindo que essa deve ser uma das metas do tratamento da neurocriptococose4. A associação de anfotericina B 0,7-1 mg/kg/dia e Flucitosina 100mg/kg/dia é o tratamento de escolha para a fase de indução3. No entanto, a flucitosina não é comercializada no Brasil, tornando subótima a terapia antifúngica empregada nessa fase em nosso país. As alternativas para a fase de indução são3,5: • Anfotericina B 0,7-1mg/kg/dia ou Anfotericina B lipossomal 3-4mg/kg/dia ou Anfotericina B complexo lipídico 5mg/kg/dia por 2-4 semanas3 • Anfotericina B 0,7-1mg/kg/dia ou Anfotericina B lipossomal 3-4mg/kg/dia ou Anfotericina B complexo lipídico 5mg/kg/dia por 4-6 semanas5 • Anfotericina B 0,7-1mg/kg/dia + Fluconazol 400-800mg/dia por 2 semanas • Fluconazol 400-800mg/dia + Flucitosina 100mg/kg/dia • Fluconazol 800 – 2000mg/dia por 10-12 semanas • Itraconazol 200mg 12/12h por 10-12 semanas Estudos recentes mostram uma tendência à superioridade na combinação de anfotericina B e fluconazol em relação à monoterapia com anfotericina B6,7. No entanto, esses estudos não têm poder estatístico para comprovar tal evidência, sendo necessária a realização de ensaios clínicos com um número maior de pacientes. Orientamos a terapia combinada para os pacientes com fatores de mau prognóstico. A anfotericina B desoxicolato pode ser substituída por anfotericina B lipossomal 3-4 mg/kg/dia ou por anfotericina B complexo lipídico 5mg/kg/dia em pacientes com alteração da função renal ou que não toleram os efeitos da infusão da anfotericina B desoxicolato. Um estudo randomizado duplo cego não demonstrou inferioridade da anfotericina lipossomal (3 e 6mg/kg/dia) em relação a anfotericina B desoxicolato 0,7mg/kg/dia e o grupo que usou anfotericina lipossomal 3mg/kg/dia apresentou menos efeitos colaterais8. • Indicações de se prolongar a fase de indução (1-6 semanas)5: o Paciente permanece comatoso o Paciente com piora clínica o o Paciente que não melhora ou que mantém sinais de hipertensão intracraniana Cultura no LCR ainda positiva Manejo das Complicações: Hipertensão Intracraniana Definição: Pressão de abertura ≥ 25 cm LCR Responsável por 90% das mortes na neurocriptococose nas duas primeiras semanas. • Punção lombar de alívio o Diminuir a pressão de abertura em 50% (cerca de 20-30 mL) o Diminuir a pressão de abertura para ≤ 20 cm LCR • Derivação em casos refratários (mesmo que o LCR ainda não esteja estéril) • Manitol, corticóide e acetazolamida não são recomendados Persistência da infecção Cultura no LCR positiva após 4 semanas de antifúngico Recaída Cultura volta a ser positiva Retorno da clínica após melhora Manejo das persistências e das recaídas5: • Iniciar terapia antirretroviral (TARV) • Indução por 4-10 semanas, preferencialmente com terapia combinada (Anfotericina B 1mg/kg/d) • Checar o MIC • Nas recaídas, usar doses mais altas (800-1200mg/d) de fluconazol por 10-12 semanas para consolidação Síndrome de Reconstituição Imune (IRIS) Diversas definições na literatura. • Em 2002, Shelburne et al9 propôs a seguinte: Pacientes infectados pelo HIV em uso de TARV eficaz (demonstrada pelo aumento do CD4 ou queda da carga viral), apresentando sintomas consistentes com processo inflamatório que não pode ser justificado por nova infecção oportunista, neoplasia ou efeito adverso a drogas. No caso de neurocriptococose, com cultura do LCR negativa (excluindo recaída), queda do título do látex no LCR e aumento de celularidade no LCR (evidenciando resposta inflamatória). • Cerca de 16,1% dos pacientes que iniciam TARV evoluem com IRIS. Desses, a neurocriptococose é responsável por 19,5% dos casos, com uma mortalidade de 20,8%, segundo estudo publicado em 2010. O risco de IRIS foi maior nos pacientes com CD4 < 509. • Estudos recentes sugerem adiar o início da TARV por algumas semanas, pelo menos até que haja esterilização do LCR, em pacientes com diagnóstico de neurocriptococose10,11. Referências: 1- Consenso Brasileiro de Criptococose 2008 2- Medical Managment of HIV infection – Johns Hopkins University School of Medicine 2009 -2010 3- Guidelines for Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in HIVInfected Adults and Adolescents IDSA 2008 4- Early Mycological Treatment Failure in AIDS-Associated Cryptococcal Meningitis Robinson PA, Bauer M, Leal ME (CID 1999) 5- Guidelines for Management of Cryptococcosis • CID 2010:50 (1 February) 6- Combination antifungal therapies for HIV-associated cryptococcal meningitis: a randomised trial Brouwer, A.E., A. Rajanuwong, W. Chierakul (Lancet, 2004) 7- A Phase II Randomized Trial of Amphotericin B Alone or Combined with Fluconazole in the Treatment of HIV-Associated CryptococcalMeningitis Pappas et al CID 2009:48 (15 June) 8- Comparison of 2 Doses of Liposomal Amphotericin B and Conventional Amphotericin B Deoxycholate for Treatment of AIDS-Associated Acute Cryptococcal Meningitis: A Randomized, Double-Blind Clinical Trial of Efficacy and Safety HIV/AIDS • CID 2010:51 (15 July 9- Immune reconstitution infl ammatory syndrome in patients starting antiretroviral therapy for HIV infection: a systematic review and metaanalysis Lancet Infect Dis. 2010 Apr;10(4):251-61 10- Early versus Delayed Initiation of Antiretroviral Therapy for Concurrent HIV Infection and Cryptococcal Meningitis in Sub-Saharan Africa CID 2010:50 11- Incidence and risk factors of immune reconstitution inflammatory syndrome complicating HIV-associated cryptococcosis in France AIDS 2005, 19:1043–1049 Rotina de Diagnóstico SIDA + Quadro Neurológ ico Febre TCC Ausência de lesão expansiva Le são exp ansiva Aferir Pressão de Abertura Bioquímica e celularidad e Exame direto e cultura pa ra: •Germes comuns •Fung os •Micobactérias Punção Lombar + Látex qua litativo para Cripto no LCR Lá tex quantitativo para Cripto no LCR Rotina de Tratamento Anfo B 0,7 mg/kg/dia + Fluconazol 800 mg/dia Manejo da HIC 2 semanas Punção lombar para controle de cultura Negativa Fase de consolidação: Fluconazol 400 mg/dia Fase de manutenção: Fluconazol 200 mg/dia Positiva Prolongar Fase de Indução (1-6 sem)