71 UTILIZAÇÃO DA ANFOTERICINA B NO TRATAMENTO DA PARACOCCIDIOIDOMICOSE ANTÔNIO FRANCISCO DE OLIVEIRA NETO(*) LUISA PATRÍCIA FOLGAROLLI PAIS (**) SOLIVANDA TRINDADE ALVES(***) RESUMO Realizou-se um estudo retrospectivo analisando os efeitos colaterais principais da Anfotericina B em pacientes portadores da forma crônica de paracoccidioidomicose tratados no Hospital Universitário “Alzira Velano”. Foram avaliados em relação a dados epidemiológicos, órgãos acometidos, associação com outras patologias e variação laboratorial do íon potássio, creatinina e hemoglobina, com suas respectivas repercussões clinicas. Os resultados encontrados foram semelhantes aos da literatura: a Anfotericina B continua sendo uma droga extremamente eficaz no tratamento de micoses sistêmicas, mas apresenta efeitos colaterais significativos, como reações alérgicas, bradicardia, nefrotoxicidade, hipocalemia e anemia. Alguns cuidados durante a administração do medicamento podem atenuar esses efeitos colaterais, tornando sua utilização menos tóxica para o paciente. DESCRITORES: Anfotericina B; tratamento de Paracoccidioidomicose; efeitos colaterais SUMMARY USE OF AMPHOTERICIN B IN THE TREATMENT OF PARACOCCIDIOIDOMYCOSIS A retrospective study on Amphotericin B’s collateral effects was carried out in patients carriers of Paracoccidioidomycosis in the chronic form. They were appraised the variations laboratories of the ion potassium, of the creatinina and hemoglobin. The found results resemble each other with the one of the literature, where they show that Amphotericin B is an effective drug against the Paracoccidioides brasiliensis, even so, extremely nephrotoxicity, could cause serious hipopotassemia and anemia. We suggested some cares during the administration of the medication capable to liven up those collateral effects. KEY WORDS: Amphotericin B, Paracoccidioidomycosis, side effects. 1. INTRODUÇÃO A paracoccidioidomicose, a mais importante micose sistêmica da América do Sul, é causada pelo fungo Paracoccidioides brasiliensis. O número estimado de indivíduos infectados na América Latina é de 10 milhões. Os maiores números de casos são encontrado no Brasil, Colômbia e Venezuela (Goldani et al, 1995). Em geral, acomete adultos do sexo masculino de média idade, previamente saudáveis. Os pacientes são, na maioria, trabalhadores rurais. Manifesta-se de forma aguda (juvenil) ou crônica (adulto). A sintomatologia dependerá do órgão ou órgãos acometidos. A forma crônica, ou tipo adulto, é lentamente progressiva, podendo acometer os pulmões unicamente (em 25% dos casos) ou acometer outros órgãos, como mucosa nasal, pele, gânglios linfáticos, glândula adrenal e, menos freqüentemente, sistema nervoso central. Mais de um órgão pode ser acometido simultaneamente e, em 10% dos casos, pode haver associação com tuberculose (Brummer et al, 1993). O diagnóstico definitivo é feito por biópsia com detecção do fungo. Exames auxiliares, como titulações de anticorpos e padrão radiológico característico em pulmões, também são úteis na avaliação clínica. Para o tratamento específico da paracoccidioidomicose, há atualmente os derivados sulfonilamídicos (sulfas), da associação sulfametoxazol + trimetoprim (SMZ + TMP) , da Anfotericina B e do cetoconazol (Brummer et al, 1984). Tanto a Anfotericina B quanto o cetoconazol levam a uma desorganização funcional da membrana celular fúngica e morte do parasita. As sulfas são inibidoras do ácido paraaminobenzóico (PABA) , um fator imprescindível à síntese do ácido nucléico em microorganismos, mas não no ser humano. A taxa de recidiva é elevada, mesmo após terapia prolongada e alta freqüência de efeitos colaterais como rash cutâneo, intolerância gastrointestinal, citopenias, hiperbilirrubinemia e anemia hemolítica, especialmente, em portadores de deficiência de G6-PD. Anfotericina B é um antibiótico isolado do actinomiceto Streptomyces sp, com atividade antifúngica e possui a característica de ser uma substância * Residente em Clínica Medica do Hospital Universitário Alzira Velano – UNIFENAS, C.P. 23, CEP 37.130-000, Alfenas – MG ** Professora da Disciplina de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da UNIFENAS C.P. 23, CEP 37.130-000, Alfenas – MG ***Residente em Clínica Medica do Hospital Universitário Alzira Velano . UNIFENAS, C.P. 23, CEP 37.130-000, Alfenas – MG R. Un. Alfenas, Alfenas, 4:71-74, 1998 72 A. F. de O. NETO et al. anfótera, isto é, a de se dissolver em meios básicos ou ácidos (Lacaz e Sampaio, 1958). Foi utilizada pela primeira vez no tratamento da paracoccidioidomicose em 1958, com grande sensibilidade do fungo. Ao lado de sua comprovada eficácia, a Anfotericina B é uma droga tóxica que requer longo período de hospitalização para sua administração (Campos et al, 1984). O Objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos principais da Anfotericina B em pacientes portadores de forma crônica de paracoccidioidimicose. 2. MATERIAL E MÉTODO O estudo foi realizado no Hospital Universitário Alzira Velano situado na cidade de Alfenas – MG, vinculado à UNIFENAS, dispondo de 129 leitos , com média de internação de 137 pacientes por mês. A conduta em relação ao tratamento da paracoccidioidomicose tem sido a utilização da Anfotericina B, que é uma droga eficaz, porém com vários efeitos colaterais. Realizou-se um estudo retrospectivo, de 5 anos, através do preenchimento de um formulário com dados obtidos nos prontuários. Todos os pacientes tiveram o diagnóstico de paracoccidioidomicose confirmado e fizeram uso da Anfotericina B como primeira opção de tratamento. Analisaram-se os dados referentes à idade, sexo, profissão, moradia, forma clínica e órgão acometido, método de diagnóstico, associação com outra patologia, sinais e sintomas durante uso da Anfotericina B e seus principais efeitos colaterais observados em relação ao potássio, creatinina e hemoglobina através de dosagem desses no início , meio e fim do tratamento. Foram avaliados 18 pacientes com paracoccidioidomicose, porém apenas 16 prosseguiram na análise. A exclusão ocorreu por óbito em 1 caso e recusa no tratamento no outro. Os valores de potássio foram obtidos por fotometria de chama sendo os valores normais de 3,5 a 5,5 mg/l ; a creatinina foi avaliada através do método de “Lustosa e Baques”, valor normal de referência de 0,4 a 1,3 mg/dl e a hemoglobina por contador eletrônico com valor normal de 13,5 a 17,5 g/dl para homem e 11,5 a 16,0 g/dl para mulheres. As doses de Anfotericina B eram iniciadas com 0,25 mg/kg/dia durante 3 dias, em seguida 0,5 mg/kg/ dia por 5 dias e então 1 mg/kg/dia ou dose máxima 50 mg/dia, sendo a dose total de tratamento de 1,5 a 3 g. A droga era diluída em soro glicosado a 5% e associado a 100mg de hidrocortizona e heparina 0,4 ml. Após término da Anfotericina B, era iniciada a associação Sufametoxazol – Trimetoprim como manutenção. 3. RESULTADOS A idade média dos pacientes foi de 39,10 anos, (amplitude de 13 a 70) anos, sendo 13 % do sexo feminino e 81% do sexo masculino (proporção 1:4,3); 50% habitavam em zona rural e 43% eram lavradores. Dois pacientes haviam feito uso prévio de cetoconazol e um paciente de sulfa. A forma clínica prevalente foi a cutâneo-mucosa (68,75%) tanto em sua forma isolada (Cutâneomucosa 50%; Pulmonar 30%; Ganglionar 20%) quanto multifocal (Cutâneo-mucosa e Pumonar 30%; Cutâneo-mucosa, Pulmonar e Ganglionar 50%; Pulmonar e outros órgãos 20%). Em 13 pacientes o diagnóstico foi realizado através de biópsia de lesão cutâneo–mucosa ou ganglionar. A sorologia foi utilizada em 5 e RaioX de tórax em 2 casos, como métodos auxiliares. Como doenças oportunistas associadas, verificou-se um paciente com HIV e um com tuberculose ganglionar. Em relação a exames laboratoriais, 9 pacientes já apresentavam níveis de hemoglobina abaixo do normal no primeiro dia de tratamento com Anfotericina B. Sete pacientes evoluíram com queda da hemoglobina. Em 6 pacientes houve melhora dos níveis de hemoglobina, e em 3 não foi possível a avaliação (Tabela1). Tabela 1. Variação da hemoglobina (mg/dl) durante tratamento com Anfotericina B em pacientescom Paracoccidioidomicose: 1 2 3 4 5 6 1* 10,4 13,6 13,5 14,8 14,9 11 2** 9,3 ----- 12,9 12,8 11,3 14,7 3*** 9,2 ----- 14,2 12,8 11 12,6 ↓ ? ↑ ↓ ↓ ↑ 7 7,3 9,5 6 ↓ Paciente 8 9 10 11 12 13 14,5 10,5 11,5 9,3 11,2 ----15,1 9,7 ----- 11,5 11,6 ----13,6 ----- ----- 12,8 14,2 8,4 ↓ ↓ ? ↑ ↓ ? * - Início do tratamento com Anfotericina B ** - Tratamento na metade da dose total de Anfotericina B *** - Fim do tratamento com Anfotericina R. Un. Alfenas, Alfenas, 4:71-74, 1998 ↑ ↓ melhora piora ? não foi pssível avaliação 14 15 ----13,4 ↓ 15 12,3 12 13 ↑ Fonte: HUAV 16 9,2 11 12,2 ↑ UTILIZAÇÃO DA ANFOTERICINA B NO TRATAMENTO DA PARACOCCIDIOIDOMICOSE. 73 Em 11 pacientes houve alteração dos níveis de pacientes não apresentaram prejuízo da função renal creatinina, sendo que em 6 houve aumento acima dos (Tabela 2). valores normais adotados (0,3 a 1,3 mg/dl) . Os demais Tabela 2. Variação da creatinina (mg/dl) durante tratamento com Anfotericina B em pacientes com Paracoccidioidomicose: Paciente 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 1* 0,89 1,06 1,1 1,2 1,4 1,7 0,8 2 0,92 ----- 0,6 1,6 1,2 1,3 1,16 0,8 2** ----- 1,3 1 1,5 1,8 1 1 2 1,3 1,6 1,2 0,94 1,2 ----- 1,2 0,95 3*** 1,3 1,5 0,89 ----- 1,67 1,10 1,2 3,7 0,8 1,9 1,2 1,3 ----- 1,8 2,9 0,96 ↑ ↑ ↓ ↑ ↑ ↓ ↑ ↑ ↓ ↑ ↑ ↓ = ↑ ↑ ↑ * - Início do tratamento com Anfotericina B ** - Tratamento na metade da dose total de Anfotericina B *** - Fim do tratamento com Anfotericina B Quando se avaliou o potássio, 13 pacientes apresentaram queda dos níveis séricos iniciais e apenas 3 tiveram um aumento em relação ao nível inicial. A reposição de potássio, seja por via oral ou endovenosa, ↑ ↓ melhora piora Fonte: HUAV = estável era realizada em todos os pacientes, porém 8 deles evoluíram com hipocalemia abaixo do valor normal (Tabela 3). Quadro 3. Variação do íon potássio (meq/l) durante tratamento com Anfotericina B em pacientes com Paracoccidioidomicose: Paciente 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 1* 4,9 4,4 5 4,8 4,7 4 4,7 4,8 4,3 3,2 4,7 4,5 3,7 5,2 4,1 3,6 2** 3,6 5,1 3,3 3,4 3,2 3 3 3,4 3,5 3,9 2,6 2,6 2,4 ---- 3,4 3,3 3*** 4,1 4,2 5,6 2,8 4 3,7 3,3 1,7 4 4,4 3,4 2,7 2,6 3,3 5,6 3,2 ↓ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ * - Início do tratamento com Anfotericina B ** - Tratamento na metade da dose total de Anfotericina B *** - Fim do tratamento com Anfotericina B Os principais efeitos colaterais encontrados em nesta avaliação foram as reações alérgicas (25%), geralmente manifestadas por prurido, placas eritematosas e febre. Em 2 pacientes foi observada uma queda significativa da freqüência cardíaca, sendo que, em um deles, foi necessário suspender a medicação (dose acumulada já se encontrava em 1040 mg) . Houve apenas um óbito em paciente etilista com cirrose hepática causado por hemorragia digestiva alta secundária a varizes esofagianas e insuficiência renal aguda, estando com dose acumulada de 1275 4. DISCUSSÃO No presente estudo, a maior incidência de paracoccidioidomicose foi em trabalhadores rurais, com idade média de 39,10 anos, sendo a maioria do sexo masculino. Estes dados corroboram com os resultados obtidos por Mcewen et al,1995. A paracoccidioidomicose tem sido recentemente classificada em dois tipos : a forma juvenil (aguda) e a forma adulta (crônica) (Bernard et al,1995). A manifestação da forma crônica é ↑ ↓ melhora piora Fonte: HUAV predominantemente cutâneo-mucosa, assim como neste estudo. O tratamento da infecção pelo Paracoccidioides brasiliensis envolve uma fase inicial (ataque) com drogas anti-fúngicas (derivados sulfanamídicos, combinação sulfametaxozol e trimetoprim, Anfotericina B ou derivados azólicos) e umas fase de manutenção do tratamento com sulfa. Optou-se por utilizar a Anfotericina B na fase de ataque e a associação Sufametoxazol e Trimetoprim na manutenção. Anfotericina B é um antibiótico poliônico com ação fungistática e fungicida. O Paracoccidioides brasiliensis continua sensível a Anfotericina B. A droga é eliminada pela bile após conversão metabólica, sua meia-vida sendo de alguns dias. Não é dialisável e a concentração no líquor é muito baixa após administração intravenosa. A farmacocinética desta droga não está alterada em pacientes com anúria ou nefrectomizados. Deve ser administrada com solução glicosada (pois precipita em solução salina), fotoprotegida e administrada em tempo não maior que 6 horas, mas também não pode ser infundida rapidamente. Neste trabalho a droga foi diluída em soro glicosado associado à heparina (0,4ml) e R. Un. Alfenas, Alfenas, 4:71-74, 1998 74 A. F. de O. NETO et al. hidrocortisona (100 mg). Os efeitos imediatos da Anfotericina B são caracterizado por febre, mal –estar geral, calafrios, taquicardia, taquipnéia e hipertensão arterial causadas pela liberação de prostaglandina E2. Esses efeitos podem ser minimizados com uso de dipirona e diminuição da velocidade de infusão. As reações alérgicas foram os efeitos colaterais que mais freqüentemente ocorreram com nossos pacientes (20%). Flebite é outra complicação comum do uso da Anfotericina B e deve ser tratada com calor local e antinflamatórios. Especial atenção deve ser dada à função renal, já que a Anfotericina B é nefrotóxica. Ela causa um decréscimo na taxa de filtração glomerular, bem como hipocalemia, hipomagnesemia, acidose tubular renal e nefrocalcinose. Existem evidências sugerindo que a AnfotericinaB interfere com o feedback túbuloglomerular. Este é o mecanismo pelo qual o aumento do aporte de íons cloro para a mácula-densa do túbulo distal causa um rápido declínio na taxa de filtração glomerular, provavelmente devido ao aumento da resistência vascular das arteríolas aferentes. O feedback túbulo-glomerular é potenciado pela depleção de sódio e suprimido pela prévia sobrecarga de sódio. Os níveis séricos de creatinina devem ser medidos semanalmente em pacientes recebendo Anfotericina B. Na maioria dos casos a função renal retorna ao normal após descontinuação do tratamento. Entretanto, estudos mais recentes têm relatado uma maior incidência de hipertensão arterial em pacientes tratados com AnfotericinaB quando comparados com a população da mesma região. Anfotericina B pode causar hipocalemia devido a sua nefrotoxicidade e como uma conseqüência de seu mecanismo de ação, isto é, o fluxo de potássio das células hospedeiras seguida pela excreção do potássio. Queda do hematócrito pode ocorrer devido à queda da produção de eritrócitos induzida pela AnfotericinaB e, consequentemente, requer monitorização periódica. Outros efeitos da Anfotericina B observados menos freqüentemente são a hipomagnesemia, disfunção hepática, trombocitopenia e constricção de arteríolas periféricas (Bernard et al,1995). 5. CONCLUSÃO A Anfotericina B é a mais efetiva droga disponível para o tratamento da paracoccidioidomicose. Ela pode ser indicada para todas as formas da doença, especialmente casos severos e resistentes a outras drogas. R. Un. Alfenas, Alfenas, 4:71-74, 1998 Entretanto, a Anfotericina B deve ser utilizada com cautela e o tratamento deve ser monitorado por cuidados clínicos e evolução laboratorial. Níveis sérios de sódio, potássio e creatinina devem ser determinados a cada semana e hemograma, eletrocardiograma devem ser feitos ao longo do tratamento. Indica-se enérgica reposição e controle do potássio, e, sempre que necessário doses de potássio devem ser administradas por via endovenosa. Também sempre deve ser feita hidratação venosa com solução salina previamente ao início da infusão da Anfotericina B para prevenir a insuficiência renal. Quando esses cuidados são observados, os efeitos adversos podem ser previstos e revertidos, e a utilização da Anfotericina B torna-se menos tóxica ao paciente. 7.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERNARD, G; NEUGS, C.P.; GRYSCHEK, R.C.B; DUARTE, J. S. Severe juvenile type Paracoccidioidomycosis in an Adult. Journal of Medical e Veterinary Mycology, v.33, p. 67-71, 1995. BRUMMER, E; CASTANEDA, E; RESTREPO, A. Paraccoccidioidomycosis: an Update. Clinical Microbiology Reviews, p. 89 – 117, Apr. 1993. CAMPOS, E. P; SARTORI, J. C; HETCH, M. L.; FRANCO, F. Clinical and Serologic features of 47 patients with Paracoccidioidomycosis treated by Amphotericin B. 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