EUTANÁSIA 1 – Introdução A tecnologia disponível no século XXI concede ao médico a possibilidade de prolongar a vida de um doente terminal, porém ao mesmo tempo, lhe impõe uma série de dilemas difíceis de resolver. Qual deve ser o trato com relação a uma pessoa em agonia? Os indivíduos têm o direito de escolher quando e como querem morrer? O médico deve intervir nesta decisão em um ato de suposta bondade? A eutanásia (do grego: eu - boa/prazerosa; thanatos - morte) é o termo que denota a ação para induzir uma morte suave, sem dor e foi utilizada pela primeira vez pelo historiador inglês W. H. Lecky em 1869. Entre os filósofos da antigüidade, tanto entre os cristãos como entre os pagãos, existiram numerosos defensores desta medida cujo objetivo é de extinguir a vida de quem sofre de uma doença incurável ou dolorosa. Há dois tipos de eutanásia: a eutanásia ativa e a eutanásia passiva. A eutanásia ativa consiste em administrar uma droga para antecipar a morte. Na eutanásia passiva, a morte é apressada pelo desligamentos de máquinas que mantém a pessoa viva, ou interrupção de um medicamento importante para a sua vida. 2 - Eutanásia no Brasil A eutanásia consiste em provocar a morte de uma pessoa antes do previsto pela evolução natural da moléstia, um ato misericordioso devido a um padecimento não suportável, decorrente de uma doença sem cura. Esta maneira de causar a morte de outrem pode se dar de uma maneira ativa ou passiva, como um ato voluntário ou não voluntário do paciente. Não é privativo do médico o ato da eutanásia, visto poder ser realizado por qualquer pessoa. O termo eutanásia não existe no Código Penal brasileiro, mas é considerada crime com base em seu artigo 121, no parágrafo 1º, que diz: “Art. 121. Matar alguém: §1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.” Portanto, a jurisprudência e a doutrina do Direito definem o crime de eutanásia como um homicídio, geralmente, privilegiado (no caso, cometido por motivo de relevante valor moral – pena pelo sofrimento de outra pessoa) e doloso (com intenção). Não importa se o crime de eutanásia for praticado de uma maneira ativa (por exemplo, o médico administra um fármaco que cause a morte do enfermo) ou passiva (por exemplo, suspensão de um medicamento). Ambas as formas são consideradas crimes. Se você “deixa alguém morrer” ou se você o “mata”, isto é encarado da mesma maneira, do ponto de vista jurídico, não é permitido, é crime. Não é possível um entendimento de que a eutanásia passiva poderia ser encarada como um crime de omissão de socorro nem tampouco de abandono de incapaz. Eutanásia é crime no Brasil. O médico que cometer esse crime, pode ser condenado a uma pena de reclusão de 12 a 30 anos, reduzida de 1/6 a 1/3 – é o que prevê o nosso Código Penal para o homicídio privilegiado. Porém, quando o paciente já morreu (apresenta morte encefálica), o termo eutanásia não se aplica, mas sim mudança de estado – de vivo para morto. Ninguém, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, pode dispor deste nosso patrimônio inestimável – a vida. Ela é indisponível, porque interessa à sociedade proteger este bem – a vida. Nós podemos usá-la e fruí-la, como bem entendermos. Mas, ninguém pode dispor dela, nem com nossa autorização ou de quem quer que seja. Recentemente (novembro de 2006), o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução que permite aos médicos suspender ou limitar o tratamento e procedimentos que prolonguem a vida de pacientes terminais, sem chance de cura. A resolução exige que o próprio paciente, ou seu representante legal esteja de acordo e dê o aval ao médico. Este procedimento é chamado ortotanásia (morte certa). Esta decisão, porém, não tem caráter legal, podendo o médico ser processado caso execute esta prática, mesmo com a autorização da família. A ortotanásia é diferente da eutanásia. Esta última se caracteriza por interromper a vida de um paciente terminal usando uma droga (ativa) ou desligando os aparelhos que o mantém vivo (passiva). Já na ortotanásia se deixa de recorrer a equipamentos ou remédios que prolonguem a vida, sem possibilidade de cura. 1 Resolução da CFM nº 1.805/2006 (publicada no D.O.U em 28/11/06) “Art 1º - É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. # 1º O médico tem obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. # 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. # 3 É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art 2º O paciente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar...” 3 – Catolicismo A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprova as resoluções do CFM que permite a ortotanásia, porém proíbe categoricamente a eutanásia, seja ela ativa ou passiva. “Quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar o tratamento que daria somente um prolongamento precário e penoso da vida” (Encíclica Evangelium Vitae, do Vaticano) 4 - Judaísmo A eutanásia é um bom exemplo de uma situação em que rabinos de diferentes tendências têm visões similares. Existem muitas evidências, a partir do Talmud, de que a pessoa que está morrendo (goses) não tenha o seu fim apressado, mesmo quando isto evitaria a dor. O argumento freqüentemente utilizado é que o moribundo é, de qualquer maneira, uma pessoa viva, e deve ser tratado com a mesma consideração que qualquer pessoa vivente. Mesmo na situação de o paciente ser terminal, em meio a muita dor e diante da solicitação de acabar com tudo, está prática não deve ser permitida. O médico que agir dessa maneira, causando a morte do paciente, pode ser culpado de assassinato. Independentemente da severidade da condição do paciente ou do mais negativo que possa ser o diagnóstico médico, não se deve realizar nenhum esforço consciente para acabar com a vida do paciente. É claro que o eliminar da dor é um valor importante, mas quando este procedimento conflita com a preservação da vida, deve ser considerado como de valor menor. Não se deve dar alívio ao sofrimento a custa da própria vida. A tradição judaica considera que a decisão de quem deve viver e quem deve morrer é exclusiva do Todo poderoso (“Eu faço morrer e Eu faço viver” - Deuteronômio 32:39). É assim que Joseph Caro - destacado filósofo do século XV - em Shulchan Aruch (código de leis judaicas) estipula que "um doente em seu leito de morte é considerado como uma pessoa viva em todos os sentidos. Não se deve remover o travesseiro de uma pessoa moribunda nem movê-la de seu lugar ou provocar moléstias que acelerem sua morte". Mesmo nos casos de extremo sofrimento, tirar a vida humana, na perspectiva judaica, nunca pode ser o objetivo de qualquer intervenção (Avodah Zarha 18 a). Quando a cura não pode ser conseguida, o cuidado é sempre exigido até o final da vida humana. Esse é o motivo pelo qual a pessoa não deve ser deixada sozinha quando estiver morrendo, mesmo que lhe reste pouquíssimo tempo de vida (Shulchan Aruch: Yoreh De'ah 339.4). O médico serve, como um meio de Deus, para preservar a vida humana, sendo-lhe proibido arrogar-se a prerrogativa divina de decisão entre a vida e a morte de seus pacientes. O conceito de santidade da vida humana significa que a vida não pode ser terminada ou abreviada, tendo como motivações a conveniência do paciente, utilidade ou empatia com o sofrimento do mesmo. Entretanto, embora em princípio a eutanásia seja proibida na halachá, esta faz uma distinção entre o prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o prolongamento da agonia, que não o é. O Judaísmo proíbe a eutanásia, pois é vista como um homicídio. No caso da ortotanásia, embora não seja livremente permitida, também não é de todo condenada. O Judaísmo afirma incondicionalmente a santidade da vida. Entretanto, quando a vida se torna vegetativa, a "santidade" da mesma pode ser questionada. Em casos extremos, quando o sofrimento está sendo prolongado, quando a vida nem é mais vida, a ortotanásia pode eventualmente ser válida. 2 As autoridades que defendem esta prática citam um incidente descrito no Talmud. Quando a morte do Rabino Judah (135-219), editor da Mishná e o mais destacado estudioso de sua época, era iminente, seus discípulos se reuniram em torno de seu leito e rezaram por sua recuperação. Porém, uma de suas criadas, consciente de quão intenso era o sofrimento deste homem e que inútil seria prolongar sua vida, jogou ao chão um cântaro (grande vaso) e o seu barulho atraiu a atenção dos discípulos, que pararam de rezar e o rabino morreu. Este incidente foi analisado pelo Rabino Nissim ben Reuben (século XIV), que concluiu que um pode deixar de rezar por uma pessoa doente cuja dor é intensa e para quem não há esperança de recuperação. Baseados neste episódio, diversos líderes judeus afirmam que quando uma pessoa com uma enfermidade incurável está sofrendo, os médicos não são obrigados a mantê-lo com vida utilizando práticas artificiais, senão que devem deixar a decisão nas mãos divinas. De fato, alguns rabinos têm se mostrado favoráveis ao término de certos métodos terapêuticos que posterguem a vida de um indivíduo que não tem possibilidades de recuperar-se. Nestas circunstâncias, a suspensão de um tratamento médico pode justificar-se. 5 - Outros países Holanda – A eutanásia vem sendo discutida desde a década de 1970. Depois de muita polêmica e de criação de várias normas para a prática, em 2002 a morte assistida foi legalizada no país. Os novos critérios legais estabelecem que a eutanásia só pode ser realizada nos seguintes casos: quando o paciente tiver uma doença incurável e sentir dores insuportáveis; o paciente pede voluntariamente para morrer; e somente depois que um segundo médico emitir opinião favorável sobre o caso. Austrália – Por um curto espaço de tempo – de 1° de julho de 1996 a 24 de março de 1997 - , a Austrália, mais precisamente os territórios do norte do país, legalizou a primeira lei que autorizava a eutanásia ativa. Foi denominada de Lei dos direitos dos pacientes terminais. Depois daquele período, e até hoje, a prática é considerada ilegal. Mesmo assim, foi revelado, em recente pesquisa realizada com cerca de 700 médicos e publicada pelo Journal of Australia, que um terço deles administra altas doses de analgésicos para aliviar as dores e acelerar a morte de pacientes terminais. Vinte por cento dos médicos afirmam que tomaram a decisão sem que houvesse um pedido explícito do paciente. Uruguai – Foi um dos primeiros países a discutir a regulamentação da eutanásia. Quando entrou em vigor o atual Código Penal Uruguaio, em agosto de 1934, foi caracterizado o “homicídio piedoso”, que trata sobre as causas de impunidade. Segundo a legislação do país, cabe ao juiz a exoneração de punição a quem praticou tal procedimento desde que se cumpram três condições: ter antecedentes honráveis, ter sido realizado por motivo piedoso, e a vítima ter feito reiteradas súplicas. Não há autorização para a realização da eutanásia, mas a possibilidade de perdão para o piedoso que a pratica. Espanha – Começou a discutir a regulamentação da eutanásia há muitos anos. Na década de 1920, graças ao engajamento do Dr. Jiménez de Asúa, famoso penalista, houve o estudo de uma proposta para caracterizar a eutanásia como “homicídio piedoso”. Não foi aceita. A eutanásia e o suicídio assistido são considerados crimes no país. 6- Argumentos pró e contra a eutanásia: Os argumentos usados para justificar a eutanásia são fortes e socialmente identificáveis: a) dores e sofrimentos insuportáveis: é sabido que nem todos os medicamentos utilizados podem retirar por completo a dor ou sofrimento de um paciente. Ao contrário do que dizem os que condenam a eutanásia, a medicina nem sempre contém remédios eficazes capazes de retirar a dor e o sofrimento. b) doenças incuráveis: esse argumento parece ser bastante forte, já que muitas pessoas portadoras de doenças, quando do estágio terminal, não existe possibilidade de sua cura apesar da notícia de um novo remédio, pois a venda comercial destes, geralmente, ocorre sempre depois de ano ou dois da divulgação. Os argumentos contrários são justamente a possibilidade de cura e o erro de diagnóstico. c) vontade do paciente, solícito da morte: não se pode desconsiderar a vontade do enfermo, desde que consciente e real. O desejo transitório, ao contrário, deve ser compreendido como o não suportamento das dores por aquele período. d) ônus econômicos decorrentes das doenças sem possibilidade de reversão: com certeza este argumento é frágil do ponto de vista teórico, mas forte do ponto de vista da real apresentação no sistema 3 de saúde no Brasil. Colocaríamos, aqui, apenas uma questão: ao invés de perdermos tempo utilizando aparelhos em doentes tecnicamente incuráveis, porque não utilizá-los em doentes com possibilidade de cura? Léo Pessini expõe que “Os parcos recursos disponíveis poderiam muito bem ser utilizados em contextos de salvar vidas que têm chances de recuperação.” Certamente, este último ponto analisado teria grande discussão social, pois não cabe ao médico - ou qualquer outro - decidir sozinho sobre qual o paciente/doente é mais importante que o outro, ou qual a vida que deve ser prolongada. Além disso, a prática constitui homicídio. Fontes: Site advogado.adv.br Site alertamedico.com.br Jornal do Cremerj Site santajus.unisanta.br Site cfm.org.br Site jinuj.net. 4