O desenvolvimento alcançado pela tecnologia e - Portal

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Ciência, tecnologia e direito: entre a vida e a morte
Maria Zoê bellani Lyra Espindola1
Resumo:
O artigo apresenta uma discussão acerca do desenvolvimento alcançado pela
tecnologia e pelas ciências biomédicas no século XX, especialmente no tocante ao
prolongamento ou cerceamento da vida humana, demonstrando a preocupação da
comunidade jurídica internacional a respeito do limite entre o que é possível ser
desenvolvido pela ciência e aplicado pela tecnologia, e o que é desejável. Ressalta a
necessidade de elaboração de uma proposta legal racional e justa de regulação do direito
do paciente terminal, capaz de assegurar que a autonomia do paciente esteja orientada à
promoção da dignidade humana.
O desenvolvimento alcançado pela tecnologia e pelas ciências biomédicas
no século XX e, principalmente, sua intensificação nas últimas décadas, vem
despertando o interesse e a preocupação da comunidade internacional a respeito do
limite entre o que é possível ser desenvolvido pela ciência e aplicado pela tecnologia, e
o que é desejável.
Na medida em que as ciências biomédicas avançam cada vez mais na
possibilidade de salvar e prolongar a vida, criam-se inevitavelmente inúmeros e
complexos conflitos éticos, que por sua vez dificultam um conceito justo do fim da
existência humana. Desta forma a crescente eficácia e segurança das novas propostas
terapêuticas motivam questionamentos quanto aos aspectos econômicos, morais e
jurídicos resultantes do emprego desproporcionado de tais medidas e das possíveis
indicações inadequadas de sua aplicação. (1)
Nos tempos atuais, com a tendência desenvolvida pela sociedade moderna
da era pós-industrial, caracterizada pelo utilitarismo produtivista e pela ética do
hedonismo, tem-se que a morte, a dor e o sofrimento tornam-se os máximos transtornos,
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Advogada, mestranda do curso de pós-graduação em direito da UFSC, área de concentração em Direito,
Estado e Sociedade, linha de pesquisa Biossegurança e Biodireito. Florianópolis, SC, fone: (048) 3694101. e-mail: [email protected].
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revestindo-se de uma forte carga de desvalor. Surgem, portanto, propostas que permitem
a fuga da dor e da agonia, manifestadas na eutanásia ativa ou passiva e no suicídio
assistido. (2)
Neste horizonte parecem coexistir princípios quase inconciliáveis, como a
preservação da vida, o alívio do sofrimento e a autonomia do paciente. Abre-se, no
âmbito internacional e interno aos Estados, a discussão sobre a possibilidade de
disposição sobre a vida humana, sobre o valor do consentimento para a eutanásia
manifestado prévia ou concomitantemente ao acometimento e desenvolvimento de
doença incurável pelo paciente. Questiona-se e reivindica-se o direito à qualidade de
vida e a uma morte digna.
No Estado da Califórnia (EUA), em 1991, aprovou-se a lei denominada
“The Pacient Self-Determination Act”, popularizada com a sigla PSDA. (3) A lei
declara que o enfermo ou o futuro paciente, ante a possibilidade de vir a ser um paciente
terminal, tem o direito de manifestar antecipadamente sua vontade no que diz respeito
ao tipo de tratamento por ele preferido. Esta iniciativa de supervalorização da
autonomia do paciente repercutiu em outros países, como o Canadá e a Holanda,
despertando a atenção de organismos internacionais de defesa dos direitos fundamentais
do homem. (4)
Ocorre, portanto, que o princípio da autonomia do paciente, bem como
outros direitos do paciente terminal, não encontra plena aceitação no plano internacional
e nacional, pois ainda se discute o conteúdo e alcance dos termos eutanásia, distanásia,
ortotanásia, e são constantes os avanços científicos que permitem uma mais segura
definição do momento da morte.
No Brasil, encontra-se consagrado o direito fundamental à vida, declarado
na Constituição Federal e incorporado de diversos tratados internacionais. Entretanto,
por conta dos novos avanços da ciência na área, existe ainda indefinição da
regulamentação infraconstitucional, civil e penal. No âmbito das normas deontológicas,
houve recentemente a complementação do artigo 66 do Código de Ética Médica pela
Resolução nº 1840/97 do Conselho Federal de Medicina, no que concerne a conduta do
médico em relação ao paciente terminal. (5) Definindo os critérios para constatação da
morte clínica, a nova Resolução declara a possibilidade de intervenção do médico nos
casos de morte encefálica, com ou sem o consentimento do paciente, abrindo a
discussão à comunidade acadêmica, médica e a toda a sociedade acerca dos casos de
pacientes em estado vegetativo continuado ou permanente.
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A complexidade do tema manifesta-se nos aspectos médicos, éticos,
jurídicos, sociais e religiosos intrinsecamente envolvidos. Questiona-se, assim, o limite
da disposição do homem sobre a sua própria vida e a função e importância das ciências
experimentais para o desenvolvimento pleno do ser humano e garantia da sobrevivência
das gerações futuras. A liberdade seria um valor absoluto, que se auto-fundamenta, ou
estaria vinculada à condições prévias de afirmação, como por exemplo, o imperativo da
existência da vida humana, pois sem vida não há que se falar em liberdade?
No atual cenário internacional e nacional, com o aperfeiçoamento constante
das ciências biomédicas, passa-se um tempo de instabilidade em relação a valores já
consagrados juridicamente. Principalmente a realidade brasileira, carece de uma
proposta legal racional e justa de regulação do direito do paciente terminal,
especialmente na questão da regulação de sua autonomia e da possibilidade da
intervenção médica, restando esta determinação somente ao âmbito deontológico, que
por sua vez, ainda não está completamente definido.
Resta, portanto, a reflexão sobre o significado da autonomia do paciente e
de sua relação com a dignidade humana, seja no sentido de respeitar o direito de viver,
ou de resguardar o direito de morrer, a partir do instante em que a morte é justa.
Referências Bibliográficas
(1) FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 7.ed. São Paulo: Fundo Editorial
BYK, 2000.
(2) SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica. Tradução de
Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 1996.
(3) UNITED STATES OF AMERICA. House of Representatives, 4449. The Paciente
Self-Determination Act of 1990. Washington, U.S. 101st Congress, 2d Session, 1990:
1-9.
(4) BAÚ, Marilise Kostelnalki. Capacidade jurídica e consentimento informado.
Bioética, Brasília, Conselho Federal de medicina, vol. 08, n. 02, p. 285-295, sem., 2000.
(5) BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1480 de 08/08/1997.
Brasília, 1997. Disponível em: <http://www.cfm.org.br/>. Acesso em: outubro de 2004.
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