ENTREVISTA COM O AUTOR EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE Livro: EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA – Comentários à Resolução 1.805/06 CFM - ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS, Juruá Editora 1- Quais as principais diferenças e conceitos de eutanásia, ortotanásia e distanasia? R. A eutanásia é a “boa morte”. Trata-se de propiciar, por uma questão de misericórdia, a um enfermo que sofre atrozmente uma morte rápida e indolor. A ortotanásia consiste em aliviar o sofrimento de um enfermo terminal, mas não lhe ocasionando diretamente a morte. Apenas mediante a suspensão de tratamentos extraordinários, os quais somente lhe trariam desconforto, sem um resultado prático na cura ou melhora da moléstia. Por derradeiro, a distanásia seria o conceito oposto à eutanásia. Trata-se de uma morte ocasionada com intenso sofrimento ao doente. 2- O que é morte medicalizada ? R. Fala-se de “morte medicalizada”, fazendo referência ao afastamento cada vez maior da realidade da morte do cotidiano social, familiar e afetivo para reservar o tema à técnica da medicina, reduzindo-a a seu aspecto médico – hospitalar. Com isso a realidade da morte é cada vez mais afastada e ocultada, ocasionando uma verdadeira e profunda solidão aos moribundos, que vão aos poucos deixando de serem tratados como pessoas que sofrem, que têm seus laços familiares e afetivos para tornarem-se objetos de um tratamento frio e técnico. 3- Quais as bases teóricas capazes de amparar o direito do paciente sem possibilidade terapêutica de cura optar pela eutanásia ? R. Certamente a principal base teórica encontra-se no “Princípio da Dignidade Humana”, o qual aponta para o fato de que a inflição de um sofrimento atroz e desnecessário a um doente terminal não se justifica. Além disso, deve-se mencionar a questão da autonomia da pessoa humana, devendo ser reservado ao enfermo o direito de decidir sobre os rumos de seu tratamento, devidamente orientado e assistido por seus entes queridos e pela equipe médica. Neste ponto é relevante destacar minha posição contrária à prática da eutanásia. Dar a morte a alguém dolosamente não pode ser uma opção médica e nessa situação a autonomia do paciente deve ser questionada, já que não é de se fiar na higidez mental daquele que pede para morrer. A ortotanásia, como a não adoção de procedimentos inúteis e causadores de sofrimentos indevidos é uma opção médica e também pode ser acatada como uma escolha sensata do doente em certos casos. Na ortotanásia o enfermo não é morto por alguém. É a doença que segue seu rumo natural e inevitável. 4- Como adequar a premissa do acesso à terapêutica adequada com fulcro no Princípio da Justiça nos casos de eutanásia e ortotanásia? R. Neste tema a grande questão é a indevida influência de fatores econômicos e de conveniência no momento da decisão pela eutanásia ou pela ortotanásia. Qualquer decisão ou norma que pretenda regular a questão deve atentar para a necessária cautela com esse aspecto. O único critério que deve orientar essa espécie de decisão deve ser o interesse exclusivo do enfermo e sua condição de pessoa humana com direito a um tratamento digno e à não inflição de sofrimento inútil. Portanto, um tratamento extraordinário não é aquele dispendioso ou trabalhoso para a equipe médica, para o hospital ou para a família do doente. É aquele que ocasiona sofrimento inútil ao paciente. 5- Como o Sr. Analisa a questão da eutanásia e ortotanásia sob o enfoque do conflito existente ante os Princípio do Direito à Vida e o Princípio do Respeito à Dignidade Humana ? R. Neste tema a questão é equilibrar os princípios. Fala-se em “direito à vida”. Portanto, não se trata de uma “obrigação à vida” e nem de um simples “direito à vida”, mas um “direito a uma vida digna”. Isso pode ensejar um equilíbrio entre os princípios. Mas, essa qualificação do “direito à vida”, mediante o adicional da “dignidade” não deve levar à conclusão de que se pode ou deve suprimir a vida das pessoas somente com base no sofrimento e na sua autonomia, sem considerar o devido valor da vida humana. Não se pode olvidar que uma pessoa em sofrimento pode muitas vezes clamar pela morte, em uma atitude desesperada e desequilibrada, tal qual um suicida que atenta contra a própria vida pelos mais variados motivos, muitas vezes de natureza emocional e não pela dor física. Admitir a autonomia em casos nos quais um tratamento poderia reverter uma moléstia, seria o mesmo que abandonar uma pessoa desequilibrada, a qual precisa de assistência e deixá-la morrer ou matar-se livremente, sob um argumento pouco convincente e muito conveniente ao descaso para com o ser humano, de que se estaria respeitando sua dignidade e autonomia. 6- Eutanásia e ortotanásia : tratando-se de tema tão delicado e controverso, como os médicos podem aplicar adequadamente o Princípio da Qualidade de Vida em pacientes terminais tendo em vista os aspectos éticos e jurídicos ? R. É preciso não descurar da orientação que aponta para a absoluta incompatibilidade entre defender a dignidade humana concomitantemente com um descaso pelo valor da vida humana. Neste caso a busca da virtude da mediania entre dois extremos é importante. Não se pode descurar da vida, mas também não se deve deixar contaminar pela “obstinação terapêutica”, submetendo o paciente a sofrimentos inúteis, que constituem verdadeira “distanásia”. Outro aspecto relevante é o de que o doente terminal, em qualquer caso, deve receber toda assistência paliativa necessária, cuidados higiênicos, alimentares, psicológicos, afetivos, espirituais etc. 7- Como os profissionais da medicina devem tratar e se comportar perante pacientes terminais em virtude da reduzida ou anulada capacidade cognitiva dos mesmos? R. Neste aspecto o profissional da medicina e todos aqueles que se relacionam com o doente devem ter a clara noção de que lidam com um hipossuficiente, alguém que necessita de sua tutela. Assim, tudo aquilo que possa ser feito no melhor interesse do enfermo deve ser feito. Por isso a eutanásia deve ser sempre evitada como solução prática. A obrigação moral de cada um de nós, profissional médico ou não, é velar pelos interesses daqueles seres humanos que não podem se autotutelar. A ortotanásia surge como opção a ser estudada em casos extremos, nos quais se verifique que aquilo que se está praticando com a manutenção da sustentação artificial não é a preservação da vida, mas um prolongamento do processo natural de morte. 8- Existe tipificação penal nos casos de eutanásia e ortotanásia? R. No caso da eutanásia, onde alguém mata outra pessoa movida por um sentimento de compaixão, configura-se, na legislação brasileira, o crime de homicídio. No caso do Brasil pode haver o reconhecimento de uma causa de diminuição de pena da ordem de um sexto a um terço, chamada pela doutrina de “privilégio”, tendo em vista o “relevante valor moral” que moveu o agente (o sentimento de comiseração). Portanto, configura-se o chamado “Homicídio Privilegiado”, previsto no artigo 121, § 1º., CP. Há legislações estrangeiras que consideram a prática da eutanásia como uma excludente de antijuridicidade do homicídio, mas esse não é o caso brasileiro. Por outro lado, se o agente não mata diretamente a vítima, mas a ajuda a, ela mesma, tirar a própria vida, pode configurar-se o crime de “Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio”, previsto no artigo 122, CP. Nesse caso, tendo em vista que o autor seja movido por um sentimento de comiseração, poderá ser reconhecida uma atenuante genérica relativa também ao relevante valor moral, nos termos do artigo 65, II, “a”, CP. Nesses casos não se fala propriamente em “eutanásia”, mas em “suicídio assistido”. Finalmente, no que tange à legítima ortotanásia, ou seja, a conduta de evitar sofrimentos inúteis e permitir o curso natural do processo de morte, sem provocálo, trata-se de fato atípico penalmente e até eticamente defensável, tendo em vista o Princípio da Dignidade Humana. Não se deve confundir, porém, o conceito de “ortotanásia” com o de “eutanásia passiva”, erro muito comum. A “eutanásia passiva” ou “por omissão” é regulada pelos mesmos critérios da eutanásia ativa. Nesses casos o agente provoca a morte da vítima, apenas com a diferença de que sua conduta é omissiva e não comissiva.