Autora: Lorena Lima de Moraes Concepções de maternidade: desnaturalizando a regra social O presente trabalho é fruto do meu projeto de dissertação de mestrado que se encontra em fase inicial. Neste, pretendo analisar as noções de maternidade frente à situação atual da saúde reprodutiva brasileira. Tendo em vista que o Brasil se destaca em relação ao uso de métodos contraceptivos, assuntos como gravidez indesejada, aborto e abandono ainda permanecem em voga evidenciando que as políticas públicas referentes ao planejamento familiar não alcançam êxito completo. Dessa forma, busco nas “variadas” concepções de maternidade a questão que retrata que nem sempre o ideal da maternidade romântica - em que “acredita-se que toda mulher deseja naturalmente ter filhos e ama-os desprendidamente acima de si mesma” (Rodrigues, 2008) – é uma condição reproduzida como se fosse algo natural. A partir de fatos divulgados na mídia referente aos abandonos de recém-nascidos, problematizarei o “dilema da maternidade” frente uma perspectiva de gênero que questiona o ideal do amor materno em contrapartida aos sentimentos mais adversos ao que a moral social impõe como regra para a condição feminina. Como referencial teórico e proposta de discussão, apresento 3 “modelos” de maternidade conforme os estudos que vem sendo desenvolvidos a fim de colocar as diferentes posições que as mulheres atualmente encontram quando em um momento de suas vidas se deparam com a pressão social de fazer valer a sua condição biológica – a gestação e/ou a maternidade. A partir de uma construção sócio-histórica e cultural “acredita-se que toda mulher deseja naturalmente ter filhos e ama-os desprendidamente acima de si mesma”. Tal modelo de mulher foi reforçado pelo modelo de mãe inspirado na Virgem Maria, nas sociedades cristãs (Soihet, 1986 apud Rodrigues, 2008). Esse fato favoreceu o controle da sexualidade feminina, o incentivo a grandes famílias, o conformismo das mulheres a esse papel de mãe por vocação. Aquelas mulheres que tivessem um comportamento diferente do que esta regra impõe, representando uma ameaça a esse padrão eram perseguidas e apontadas como prostitutas, aborteiras ou bruxas já que transmitiam perigo à lei moral da sociedade e da fé (Tosi, 1985, apud Rodrigues, 2008). Portanto, proponho os “modelos” de maternidades a partir daquelas mulheres que seguem o padrão imposto desde o tempo da Santa Inquisição, seguidas das mulheres que permitem-se se angustiar com o dilema da maternidade. Nascida para o casamento e para a vida doméstica, o valor da mulher está na sua condição maternal. Além disso, essas determinações sociais se integram com a idéia de ‘natureza feminina’, na qual se baseia em fatos biológicos que ocorrem no corpo da mulher – a capacidade de gestar, parir e amamentar, assim como também a menstruação, fatores estes, biológicos, que reforçam tal discurso naturalizante. Dentre as questões impostas pelo organismo feminino, temos a maternidade que além de um fenômeno biológico, é tido por muitas mulheres como o papel mais importante em suas vidas; conforme a sociedade prescreve. Contudo, ter um filho implica na geração de novos agentes sociais, dessa forma, esse tema é tão abarcado por diversas instâncias da sociedade, principalmente, econômica e política. De acordo como sugere Scavone (2001), a maternidade pode ter vários motivos quando nos referimos a escolha, que podem ser explicadas nas esferas do biológico, do subjetivo e do social. Tais motivos de escolha podem ser reconhecidos através do “desejo atávico pela reprodução da espécie, ou pela continuidade da própria existência; a busca de um sentido para a vida; a necessidade de uma valorização e de um reconhecimento social (como no caso de algumas mães adolescentes, ansiosas por ocupar um espaço de maior respeitabilidade na sociedade); o amor pelas crianças; a reprodução tradicional do modelo da família de origem, entre outros” (SCAVONE, 2001, p.50). Atualmente, alcançar a realização de ser mãe é uma questão muito discutida entre as mulheres, além de ser expressamente controlada pela sociedade. Pois, na complexa condição de vida que a modernidade nos oferece, ter um filho não significa uma tarefa das mais fáceis. Mesmo diante dessa realidade, muitas mulheres sonham com esse momento. Lembramos que essas mulheres pertencem aos mais diversos níveis sociais e diferente faixa etária. Muitas se preparam com ansiedade pra realizar esse sonho, outras engravidam sem planejamento, mas enfrentam a gravidez com muita satisfação, outras lutam com a própria biologia quando possuem dificuldade de engravidar, recorrendo às novas tecnologias reprodutivas. Contudo, a partir do avanço da industrialização e da modernização, as mulheres dividiram o seu papel de ser mãe com o trabalho fora de casa, ou muitas vezes começaram a adiar a maternidade em decorrência do trabalho. A contracepção foi uma conquista tecnológica que hoje é imprescindível na vida da mulher que não se enquadra nas regras morais referentes à maternidade, garantindo para essas mulheres a escolha da maternidade a partir do dilema de ser ou não ser mãe. O avanço na contracepção possibilitou a escolha ou não escolha pela maternidade, além de tudo, teve um importante papel que foi romper com o determinismo biológico – característico da regra moral - da mulher-mãe e principalmente, teve o papel de desassociar a questão da sexualidade com a reprodução; lembrando, que até hoje a Igreja é contra os métodos contraceptivos alegando que a relação sexual deve ser concebida apenas dentro do casamento e com a finalidade de reprodução. Dessa forma, as mulheres correspondentes ao 2º modelo de maternidade são mulheres que não possuem a menor vontade, vocação ou mesmo inspiração para serem mães, e consequentemente, não possuem a melhor visão derivada da sociedade, principalmente se são mulheres que possuem uma boa situação financeira; e se forem casadas, a desconfiança social se torna permanente. Pois, como imaginar, um casal que vive numa relação conjugal, bem como a regra moral determina não conceber descendentes? Seria a condição perfeita para a concepção de um novo agente social que se desenvolveria nas mais adequadas condições sociais para se tornar um indivíduo adulto que só viria somar na sociedade. Mais uma vez, a regra aparece condicionando aqueles que estão mais aptos moralmente para manter a coesão social. Para o terceiro modelo aqui ilustrado apresenta-se a mulher que engravida e que não planejou esse filho e sequer deseja tê-lo encontrando-se motivada a procurar recursos que impeçam a concepção. Interromper a gravidez ou eliminar o bebê após o nascimento muitas vezes é a saída encontrada. Isso ocorre principalmente quando ela tem algum problema de saúde, não tem autorização de seu grupo social para conceber, vive dificuldades econômicas, tem compromissos profissionais ou apenas não quer ter o filho (Rodrigues, 2008). De acordo com Gilda Rodrigues (2008, p.53) “há sempre motivos individuais para evitar a dor, o sofrimento e o sacrifício envolvidos na gestação e na criação de filhos que são absolutamente reprovados pela sociedade”. A Igreja juntamente com ampla parte da sociedade condena a interrupção da gravidez, tendo em vista que o aborto não é legalizado no Brasil, dessa forma, fazer um aborto além de ser um agravante à regra moral é um ato passível de condenação judicial. O aborto teve a sua primeira grande repercussão no final do século XIX, explicitando como a maternidade não é vista e sentida pelas mulheres da mesma maneira, abrindo um importante espaço de questionamento diante da interrupção da gravidez indesejada. Dessa forma, a gravidez deixa de ser algo visto como irreversível e como fase imprescindível do ciclo de vida da mulher, contestando a maternidade frente aos padrões da natalidade dominante. Lembramos que essa prática é essencialmente reprovada pela moral adotada pela sociedade, mas nem por isso, deixa de ser praticada da melhor ou da mais insegura forma. Scanove (2001, p. 52) reforça, “a prática do aborto é uma outra possibilidade de escolha para a não realização da maternidade, reforçando o caráter social da maternidade e sua não determinação biológica”. Outras práticas também utilizadas para se livrar de uma gravidez já ocorrida e não desejada é o abandono ou o infanticídio. A “mãe abandonante”, segundo Fonseca (2009), se trata de uma mulher que decorrente de abusos (emocionais, físicos, sexuais) ou por recorrentes descuidos durante a sua própria infância, não é capaz de assimilar os atributos normais da vida adulta: sexo e maternidade (mesmo que passível de escolha). Logo, ignora sua gravidez por quanto mais tempo conseguir e, depois do parto, simplesmente “esquece” o ocorrido, assim como também o bebê resultante da gravidez. Dessa forma, abandona-o em vias públicas, ou aquelas mais “orientadas”, deixam em abrigos ou na porta de alguém para adoção, evitando a morte do bebê por abandono. Contudo, a outra forma ainda mais traumatizante, é o infanticídio. A maternidade indesejada é uma situação dramática para as mulheres, pois, nem sempre elas têm estruturas psicológicas para suportar esse fenômeno tão avassalador e muitas vezes acabam tendo uma depressão, tanto durante como pós-parto. Quando “não contam com apoio afetivo do companheiro, da rede de parentesco, dos empregadores e do Estado, ficam desesperadas e procuram eliminar o recém-nascido percebido como ilegítimo ou inoportuno, o que pode desencadear punição severa, além do sofrimento pessoal” (RODRIGUES, 2008, p.21). Portanto, a maternidade carrega seu grande dilema, “expresso nos ditos populares que apontam a presença simultânea de amor e ódio, alegria e sofrimento, força de vida e risco de morrer, os filhos como importante conquista ou terrível problema” (RODRIGUES, 2008, p.54). Isso desencadeia muitos conflitos, que a regra moral definitivamente não dá conta, porque seria uma forma de castrar não só o comportamento social como em suas várias tentativas, continuaria a interferir na questão emocional da mulher e contudo, física. Diante desse dilema, tomarei como base do objeto de estudo a proposta do Projeto de Lei do Parto Anônimo para discutir o tema da maternidade. Como objetivo principal pretende-se realizar uma análise de discurso dos atores sociais (juristas, representantes religiosos, profissionais de saúde, representantes políticos) que idealizaram este projeto bem como daqueles que se posicionam de forma negativa diante a proposta do mesmo, evidenciando as noções de maternidade frente às concepções destes atores relacionando temas que perpassam pelos âmbitos do parentesco, da moralidade, direitos da criança e direitos reprodutivos, dentre outros a fim de instigar a discussão. O Projeto de Lei do Parto Anônimo foi criado com a finalidade principal de abolir os casos de abandono de recém-nascidos pelas próprias mães em locais de alto risco que levaria à morte dessas crianças e consequentemente, quando descobertas, à criminalização dessas mulheres. A lei do parto anônimo garante a proteção de mães angustiadas e desesperadas que ao deparar-se com uma gravidez indesejada podem optar pelo aborto, infanticídio ou abandono, assim o parto anônimo funcionaria como uma solução que além de tudo facilitaria no processo de adoção da criança por uma família. Para este momento, visando a possibilidade da construção do objeto de estudo diante da disciplina da Demografia, acredito poder usufruir deste espaço para fundamentar o meu trabalho relacionando variáveis como aborto, gravidez indesejada e nascidos vivos a partir de bancos de dados com a PNDS/2006 e o DATASUS com a finalidade de trabalhar essas informações para tentar construir um mapeamento da saúde reprodutiva feminina frente às políticas públicas que visam diminuir, ou mesmo abolir essas situações embaraçosas e de risco que podem levar à morte, da mulher ou da criança. Contudo, é necessário um arcabouço teórico e metodológico da Demografia para que o objeto em questão – o parto anônimo – seja sustentado por uma visão que apresente dados numéricos tendo em vista que o mesmo não fornece dados concretos, a não ser os poucos descobertos e publicados pela mídia. Assim, é a partir de outras variáveis que pretendo problematizar esta alternativa que sugere sanar a “falha” de uma saúde reprodutiva brasileira desejável.