Armadilhas e Hegemonias no Pós-Crise Fevereiro - 2009 João Basilio Pereima Neto Professor e Vice-Chefe do Departamento de Economia da UFPR [email protected], Márcio José Vargas Cruz Professor de Economia da UFPR [email protected]. A propagação da atual crise financeira está empurrando a economia norteamericana e os demais países industrializados para dois cenários complexos em termos de coordenação macroeconômica. O primeiro cenário é um problema macroeconômico formado pela combinação de recessão, desemprego, deflação e juros baixos. A isto Keynes chamou de "armadilha da liquidez", para descrever uma situação em que a política monetária é incapaz de combater o desemprego. Na armadilha as taxas básicas de juros nominais são tão baixas que é impossível baixá-la ainda mais. Uma taxa nominal de juros igual a 1% a.a. e uma deflação de 5% a.a, geram uma taxa real de juros de 4% a.a. positiva. A deflação já existe no preço dos ativos e com uma possibilidade não desprezível poderá chegar aos preços dos bens de consumo. Os dois casos clássicos de armadilha de liquidez são a crise de 1929 e a crise do Japão dos anos 1990 ambas durando uma década ou mais. Estes dois casos históricos, os únicos aos quais a atual crise pode ser comparada, mostram que a armadilha de liquidez evoluiu em ambos os episódios para um quadro de longa depressão nos EUA e longa estagnação no Japão. A economia japonesa, diga-se de passagem, sofreu até 2007 com baixo crescimento. Mesmo elevando sua relação dívida/PIB à inimagináveis 197% ela foi incapaz de sair completamente da estagnação. Os próximos anos voltarão nossos olhos para o caso japonês com mais acuidade, como um exemplo em escala reduzida do que poderá ocorrer no mundo capitalista em escala ampliada. Os EUA produziram esta crise combinando desregulamentação financeira com taxas de juros muito baixas, conforme admitiu Greenspan (ex-presidente do Fed) no mea-culpa de 23/10/2008. Para minimizar os efeitos da crise e tentar conter a recessão em 2009, os bancos centrais têm reduzido as taxas de juros. Como elas já estão baixas, quase zero em termos nominais em alguns países, especialmente nos EUA, a política monetária passa a perder potência pois o limite mínimo da taxa nominal de juros é 0% e a do Fed já está em 0,25% a.a em termos nominais. Até julho de 2008 a armadilha de liquidez é era um desdobramento provável da crise. Em dezembro de 2008 já era um fato consubstanciado na maioria das economias da OCDE. A teoria macroeconômica mostra que uma economia que cai na armadilha de liquidez perde completamente o instrumento de política monetária. Nem a redução de juros (preço da moeda), que em termos nominais já está em zero ou muito próximo, nem a emissão primaria (quantidade) de moeda produzem efeitos reais. Neste caso, resta a política fiscal com corte de impostos e aumentos de gastos. Entretanto, os EUA estão com sérios problemas fiscais e com uma relação dívida/PNB muito elevada, fruto de gestões perdulárias nos últimos 30 anos. Uma das consequências da armadilha da liquidez é que a para sair de uma depressão só resta a política fiscal expansionista, isto é, mais gastos e/ou menos impostos, o que ampliaria ainda mais a dívida norte-americana. A restrição fiscal por enquanto não é discutida mais a fundo porque o desespero do curto prazo está atropelando as preocupações distantes, da sustentabilidade das gerações futuras. O segundo cenário, mais polêmico, é a corrosão do poder do dólar no sistema financeiro mundial, como consequencia do esforço de combate à crise. Nos últimos anos os EUA sustentaram a hegemonia do dólar através de um jogo perigoso, que pode estar chegando ao fim. Durante os últimos 30 anos a economia americana incorreu no chamado "déficits gêmeos": uma combinação de déficit fiscal e déficit na balança comercial. Para financiá-los recorreu a uma fórmula eficaz, mas de difícil sustentabilidade. Os países superavitários na economia internacional usam suas reservas para comprar os títulos do tesouro americano financiando o déficit fiscal. Este fluxo de capital financeiro equilibra também o seu balanço de pagamentos, permitindo o financiamento dos déficits comerciais, que atingem hoje, aproximadamente US$ 650 bilhões por ano. Ao fim os EUA crescem comprando produtos manufaturados e petróleo barato dos demais países, os quais crescem com modelos de crescimento puxado pelas exportações (export-led growth), estimulados pelo consumo norte-americano. Tudo garantido pela hegemonia do dólar na economia internacional. Uma solução simples e engenhosa ao mesmo tempo. Este jogo não chegou ao fim porque por ora os maiores credores internacionais - China, Alemanha, Japão, Rússia e Arábia Saudita – ainda estão dispostos a continuar financiando os déficits americanos e usar o dólar no comércio internacional. Como não há um ativo internacional substituto ao dólar os países credores têm incentivos em manter o dólar como a moeda do sistema mundial de trocas. O esquema beneficia ambos os lados. Se recusarem aplicar suas reservas em ativos financeiros americanos e se recusarem a comercializar em dólar, estão jogando contra sua própria riqueza armazenada em dólar. Mas este equilíbrio só faz sentido para o lado credor se o número de jogadas tende ao infinito, isto é, se os países continuarem acreditando que os ganhos mútuos serão mantidos para sempre. Mas se é difícil um indivíduo ou uma empresa se endividar a vida toda e continuar encontrando alguém disposto a financiá-lo, assim é também para os países. Essa crise financeira, associada aos problemas fiscais americanos, está mudando os parâmetros do jogo. O mundo ainda não migrou para outro padrão internacional monetário, abandonando o dólar, porque ele não existe. É preciso construir um. Já houve tentativas recentes de abandonar o dólar, a qual só não foi adiante porque a diplomacia e a guerra evitaram. Em 2001 a Rússia e União Européia estavam em negociações – a chamada "cimeira técnica" - para criar um comércio bilateral baseado em euro e não mais em dólar. Exportadores de petróleo também já tentaram criar mercados de petróleo em euro e outras moedas que não o dólar. A política de guerra no Oriente financiada pelos americanos evitou até o momento a criação destes mercados, cooptando países como Israel, Kuwait, Egito, Jordânia e outros, para que continuem vendendo em dólar. A crise financeira poderá se agravar se conduzir os EUA a depressão que se seguirá à “armadilha de liquidez”. Para sair dela os americanos terão que aumentar a já gigantesca dívida interna e apelar para emissão primária, criando uma área de risco-dólar com excesso de moeda em circulação. Excesso esse que dificilmente será enxugado, pois para retirar dólares de circulação o FED teria vender novos títulos públicos aumentando ainda mais o gigantesco desequilíbrio fiscal que está em construção. Isto será um incentivo adicional, além da crise, para que o mundo procure um novo sistema financeiro mundial, baseado num outro padrão monetário que não o dólar. Os principais líderes do G-20 já falam em Bretton Woods II. Para quem imagina que isto é impossível ou muito difícil, basta lembrar que a era Bretton Woods, o maior acordo econômico de todos os tempos, foi tramada sob as ensurdecedoras explosões da segunda guerra mundial. Hoje está mais fácil! O infinito pode estar ficando perto e o jogo da hegemonia monetária chegando ao fim. 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