Senhor Presidente - Câmara dos Deputados

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NOVA CRISE
Discurso proferido pelo Deputado
SEVERINO CAVALCANTI (PPB/PE) na
Sessão de
de
de 2002.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados
Não faz muito tempo, apresentei desta tribuna elenco
de prioridades eleitas pela população, em todas as regiões do País,
pesquisa realizada com o objetivo de fornecer ao presidente da
República que for eleito no próximo dia 27, contribuição da
sociedade sobre os maiores problemas da Nação.
Ficava claro, então, que o povo brasileiro depositava
grandes esperanças no novo governo,
natural quando ocorre
mudança no comando político como a que ocorrerá em janeiro. A
própria campanha eleitoral, trazendo à tona os maiores desafios da
economia, com extenso rol de soluções, expostas como viáveis,
ajuda, consideravelmente, a aumentar o grau de expectativa
favorável do eleitorado.
Hoje, ao invés de vocalizar justificados anseios e justas
esperanças
da nossa população,
venho exteriorizar minhas
preocupações com as dificuldades sócio-econômicas antevistas
para 2003 por l2 setores paulistas da economia, após o Banco
Central haver aumentado a taxa de juros de l8 para 21 por cento,
contrariando o bom senso, a lógica e o que esperavam os
brasileiros.
Ora, todo o clamor nacional se voltava para a redução
dos juros, como medida indispensável à retomada do crescimento
econômico. Para a estupefação geral, o governo fez a opção
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equivocada e majorou os juros, sinalizando de forma dramática que
voltar a crescer não figura na sua pauta de ações na ordem
econômica.
O que é deveras lamentável, pois essa posição do
Banco Central, a pouco mais de dois meses do término do atual
governo, representará, sem dúvida, o retardamento por mais um
tempo da retomada do crescimento econômico, única possibilidade,
segundo também os dois candidatos a presidente da República, de
o Brasil reiniciar a ampliação de postos de trabalho, reivindicação de
todos os recantos nacionais.
A matéria estampada na imprensa é elucidativa e
desalentadora ao mesmo tempo, pois declara que só o setor
exportador escapará da crise no próximo ano.
O cenário traçado por doze setores da economia de São
Paulo evidencia que
a combinação sinistra de juros ainda mais
altos com o dólar no patamar em que vem se mantendo tornará os
financiamentos mais caros, aumentará os custos das empresas e
deverá reduzir o ânimo dos consumidores
no final do ano, o
período melhor de vendas.
Segundo a Folha, que publicou o resultado da consulta
de opiniões junto aos empresários, só o setor exportador deve
escapar da crise em 2003.
O que mais se espera: dentro de seis meses, as
empresas enfrentarão
período de forte descapitalização,
resultante da alta dos custos e da pequena demanda.
As conseqüências vão além:
a inadimplência das
empresas e dos consumidores deve voltar a subir, em razão do
encarecimento das dívidas. É lembrado também outro motivo de
incerteza, que é a mudança de governo. Só quando ficar bem clara
a orientação deste, sobretudo no tocante à política econômicofinanceira é que as coisas deverão normalizar-se.
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Ouçamos o que declara o presidente da Abre, Fábio
Mestriner, entidade da indústria de embalagem:
“A alta do dólar elevou os custos das nossas matériasprimas, mas não conseguimos repassa-la para os preços. Ao mesmo
tempo, a subida dos juros aumentou as dívidas (a maioria em dólar)
das empresas que investiram na produção”.
O presidente da Alshop, associação que congrega os
shoppings, Nabil Sahyoun,
não quis nem fazer previsão, por
entender que só será possível fazê-lo depois das eleições.
Todos os depoimentos retratam o desânimo e a
incerteza, sobretudo porque o surpreendente aumento dos juros
ocorreu quando os setores mais dinâmicos da economia
acreditavam que a retomada do crescimento econômico era só
questão de tempo. Parecia impossível que o governo, quase no
apagar das luzes, fosse cometer tal ato, sob o pretexto de inibir o
recrudescimento da inflação como conseqüência da alta do dólar.
O prestigioso jornal publica
sugestões de líderes
empresariais, merecendo destaque a que diz: “Livrar-se de dívida
em dólar é alternativa”. É o temor da descapitalização, o que fazer
para obter
reforço de capital sem ir aos bancos, posto que o
custo do dinheiro ficará cada dia mais inacessível.
O contraponto do agravamento da crise surge, porém,
na palavra do economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira
das Associações de Bancos). Eis o que diz o sr. Luiz Roberto
Troster:
“Estou convencidíssimo de que há um exagero. As
pessoas acham que, quando está bom, está tudo bom. Quando
está ruim, que está tudo ruim”.
O porta-voz dos bancos vê exagero nas preocupações
do empresariado. E sua posição é plenamente compreensível, pois
se há um setor da economia que tem crescido substancialmente,
especialmente nos momentos de crise aguda, é o dos bancos. E
será ainda mais beneficiado com a decisão do Banco Central, pois
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seus lucros aumentarão além das perspectivas otimistas para o
último semestre. O setor bancário será o único diretamente
beneficiado, notadamente no aumento do custo do dinheiro para as
empresas e para o cheque especial.
Os exportadores, indiretamente, também serão
beneficiados, os grandes exportadores na verdade, em decorrência
dos reflexos na política cambial que lhes vêm favorecendo.
Cabe-me, aqui, mais do que criticar a decisão em
tela, questionar as razões que a inspiraram.
A justificativa de ação preventiva contra a recidiva da
inflação não me parece convincente. Poderia até ter sido lembrada,
mas não acredito que ela isoladamente, fosse motivo para assumir
risco tão grande num momento de tanta ansiedade, temor e
expectativa.
Deve ter sido um conjunto de fatores, como alta do
dólar, ataque especulativo, compromissos externos vencendo e o
medo dos dólares em fuga que levou o Banco Central a confiar
no surrado recurso da elevação da taxa de juros, com todo o rol
de prejuízos e inconvenientes que ela traz para a economia do
país.
Há quem acredite que possa tratar-se de medida de
efeito limitado. Cessada a fase pior da turbulência, ela seria
extinta e os juros voltariam ao patamar anterior.
Se assim ocorrer, melhor para o Brasil, para todos nós.
Mas o que a experiência tem demonstrado é que, raramente o
provisório não se torna permanente.
O que mais estranho nessa decisão governamental é
que ele
foi tomada quando é consenso em todos os partidos
políticos e no discurso dos candidatos a presidente da República
de que o combate ao desemprego só será realmente efetivo
quando ocorrer a desoneração da produção, com o estímulo à
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atividade empresarial. Vale dizer:
econômico.
através
do crescimento
Se o panorama visto do Sudeste é inequivocamente
sombrio, fácil é inferir-se, senhoras e senhores deputados que, no
Nordeste, o peso negativo da decisão do Banco Central se fará
sentir de modo extremamente agudo.
As tristes e conhecidas cenas dos retirantes da seca, o
desespero da falta d’agua e de alimentos de primeira necessidade,
corpos de animais abatidos pela fome vão-se repetindo e vez por
outra aparecem no noticiário, num canto de página ou numa rápida
referência na mídia eletrônica.
A elevação dos juros, que já eram insuportáveis, em
tais circunstâncias, produzirá efeitos desastrosos na economia da
região, desencorajando ainda mais o setor produtivo e inibindo
atitudes e gestos daqueles empresários mais ousados,
que
costumam enfrentar os mais difíceis obstáculos quando decidem
fazer um investimento.
A situação nos municípios em estado de emergência
reconhecido pelo governo federal já é dramática.
Prova disso é que o governo reativou no mês passado
o programa Bolsa-Renda, que vai pagar a quase 850 mil famílias de
seis Estados, enquanto a situação não se normalizar, a quantia de
30 reais a cada uma.
O programa instituído no ano passado,
pagava 60 reais no início. Agora o valor foi cortado pela metade.
Mas para quem não tem nada, o pouco que chega é bem-vindo.
Já somam 522
os municípios
castigados pela
estiagem, sendo l94 no Piauí, l65 em Minas, 70 na Paraíba, 43 no
Rio Grande do Norte, 37 no Ceará e l3 em Pernambuco.
Esses dados são do início de outubro. O número de
municípios afetados pela seca está aumentando a todo o momento.
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E o que torna a conjuntura nordestina ainda mais
inquietante é que o golpe dos juros ocorre no momento em que
autorizado instituto anuncia que a escassez de chuvas no Polígono
das Secas deverá agravar-se nos próximos três meses, em
conseqüência do fenômeno El Niño.
Esperávamos, nós, nordestinos,
que o governo,
sensibilizado pelas pregações dos candidatos a presidente da
República, a favor da revitalização da região a partir da volta da
Sudene, aproveitasse a atmosfera de amplo debate das causas da
pobreza e do atraso sócio-econômico do Nordeste em relação às
áreas mais desenvolvidas do País e
procurasse estimular, de
alguma forma, o seu desenvolvimento.
Podemos
afirmar
que, apesar
do quadro
desfavorável, da conhecida fragilidade da economia regional, o
nordestino
acreditava
que avanços ocorridos em setores
específicos, em função de irrigação ou de concessão de estímulos
fiscais e financeiros, constituíam fator extraordinário de estímulo
para perseverar no esforço em prol da reversão das expectativas.
O que mais cedo ou mais tarde terá de ocorrer, pois o que não lhe
falta é determinação e arrojo para empreender.
Quando faço essas considerações, tenho sempre o
cuidado de fazer a ressalva, não me move outro propósito que o de
alertar a Nação para o descompasso que há entre o discurso e a
prática, sempre que se discutem as desigualdades regionais.
Mas não é a seca apenas que torna a batalha do
Nordeste pelo desenvolvimento mais árdua e mais difícil.
A desertificação do sertão nordestino é uma ameaça
ao futuro da região.
A revista “Veja”, de l de setembro de l999, publicou
importante matéria sob o título “O sertão virou pó”. Informa que mais
de l8 mil quilômetros quadrados, área quase do tamanho do Estado
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de Sergipe, já desertificaram
seguiam o mesmo caminho.
e
outros
l80 mil quilômetros
As principais causas da devastação
são
as
mineradoras, ocupação desordenada que arruína o solo, destruição
da caatinga para a extração de argila e lenha e fragilidade do solo
que suporta a pecuária e a agricultura.
Este é mais um problema a ser inserido na grande
temática nordestina e que vem sendo deixado de lado. Não se pode
trata-lo apenas do ponto de vista ambiental, posto que os seus
efeitos do ponto de vista econômico-social são predominantes.
Então, enquanto todas as atenções convergiam para
um caminho extenuante mas que alimentava a esperança de se
aprofundar a busca de soluções para questões que desafiam a
argúcia e a inteligência nordestinas há séculos, foi-nos dito que
mais um atalho teríamos que fazer, e altamente complexo, porque
repleto de armadilhas, antes do efetivo ingresso na trilha das reais
e legítimas transformações.
Se, no maior centro empresarial do Brasil, no Estado
em que se concentra o maior peso do PIB nacional,
não se
descortinam horizontes animadores, mesmo às antevésperas do
pleito que, naturalmente, enormes expectativas desperta, em face
de mais uma elevação da taxa de juros, os reflexos no Nordeste
se farão sentir ainda mais fortemente.
É forçoso fazer o registro pelo componente histórico do
episódio. Mais uma vez ficou patente que o tecnocrata atua sem
levar em consideração a realidade social emergente, sem sopesar
os consectários dos seus atos, tão-somente preocupado com o
alvo que pretende alcançar.
Chego a pensar, Sr. Presidente, que o governo pode
estar ocultando da nação dados e fatos da economia, temendo que
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sua revelação poderia alimentar uma crise de credibilidade nos
seus dois últimos meses.
É certo que, hoje,
as decisões e os atos
governamentais são públicos e acompanhados por pessoas e
grupos das mais diferentes tendências. Sei quanto é difícil isso
estar ocorrendo.
Se avento tal hipótese é por não compreender como
se possa adotar tal medida, sabendo o que ela pode significar de
negativo para a economia e para a estabilidade social.
Desemprego e queda de renda são duas das graves
conseqüências da inacreditável majoração dos juros. O consumo
deprimido leva à demissão de empregados e o comércio não
tardará a diminuir compras para o fim do ano ou deixar de fazêlas, em muitos casos.
A arrecadação de impostos também cairá. E poderá
repetir-se o que tem ocorrido nos anos anteriores: as compras
continuarem aquecidas no fim do ano, porém às custas do
incremento da inadimplência. O crescimento de cheques sem
fundos nessa perspectiva é inevitável, com os danos que ele
acarreta ao setor comercial.
Que não julguem aqueles que não gostam
diagnósticos
de feição negativa que eu esteja
considerações pessimistas sobre a realidade brasileira.
de ouvir
a fazer
Ao
contrário.
Sempre
procuro,
em
meus
pronunciamentos, vislumbrar os aspectos positivos, pois sempre
acreditei na capacidade de trabalho do nosso povo, mesmo diante
de desafios de difícil enfrentamento.
Mas a verdade que há anos o Brasil vive entre a
estagnação e a recessão, com pequenos surtos de crescimento,
aqui e acolá, totalmente insuficientes para dar consistência a uma
economia
que precisa
de expansão para poder absorver,
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anualmente, l milhão e meio
de trabalho.
de jovens que chegam ao mercado
O inaceitável é que se reforce o modelo monetarista,
com ato que constitui evidente desdém pela produção, que ignora
tudo o que os principais lideres políticos do País têm afirmado,
inclusive o senhor Presidente da República, e se coloquem maiores
obstáculos à atividade empresarial.
O que dizer da situação da micro e pequena empresa,
que já estavam asfixiadas, sem acesso a capital de giro as que
lograram sobreviver?
Nenhuma pesquisa precisa ser feita para se ter uma
idéia precisa do que esperam os microprodutores, os pequenos
empreendedores, o sonho do pequeno negócio, a tentativa de viver
por conta própria, sem vínculo com empregador.
Se, anteriormente, já não tinham perspectivas, já
resistiam – quando podiam – aos obstáculos existentes, de ordem
legal e financeira, daqui por diante vão sofrer ainda mais e muitos,
inúmeros, número elevadíssimo deles desistirá, por certo, não
porque desejem, e sim porque o governo não acordou, até hoje, já
no ocaso, para a grande verdade de que o micro e o pequeno
empresários são peças fundamentais para o êxito da grande
engrenagem da economia.
Só posso esperar que esse último aumento
seja
realmente provisório e que se dê início, ainda no atual governo, à
progressiva redução dos juros.
Uma sinalização nesse sentido seria extremamente
benéfica
para o governo que vai começar em janeiro. Seria, por
outro lado, uma forma do presidente Fernando Henrique Cardoso
redimir-se dos equívocos de sua equipe econômica, que apostou,
desde o início do primeiro mandato, na política monetária como o
grande trunfo de sua administração.
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O trabalho precisa ser valorizado. É preciso afirmar-se
sua primazia sobre a especulação financeira pois esta, como é
sabido, é movida por interesses de capitais sem pátria, sem
nenhum compromisso com as nacionalidades.
A impressão que se tem é que
os executores da
nossa política
econômico-financeira
avançaram demais
na
financeirização da nossa economia e agora não vêem como
reconciliar-se com a racionalidade econômica, que coloca
a
produção no topo da pirâmide.
As dificuldades nas áreas do câmbio, da balança
comercial, das dívidas externa e interna, sem falar no agravamento
da dívida social, são atestado eloqüente de que o figurino adotado
com tanto entusiasmo e rigor está exaurido, não podendo mais ser
sustentado, sob pena
de legar-se às gerações futuras a
responsabilidade pela imprevidência e insensibilidade dos dias
atuais.
DEPUTADO SEVERINO CAVALCANTI
Primeiro-Secretário da Câmara dos Deputados
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