11. O espaço quociente 11.1. Proposição. Seja X um espaço topológico, seja Y um conjunto, e seja π : X → Y uma aplicação sobrejetiva. Então a coleção τπ = {V ⊂ Y : π −1 (V ) é aberto em X} é uma topologia em Y , que chamaremos de topologia quociente definida por π. A demonstração é simples e é deixada como exercı́cio. 11.2. Definição. Diremos que π : X → Y é uma aplicação quociente se X é um espaço topológico, π : X → Y é uma aplicação sobrejetiva e Y tem a topologia quociente definida por π. 11.3. Proposição. Seja π : X → Y uma aplicação quociente. Então a topologia quociente é a topologia mais fina em Y tal que a aplicação π é contı́nua. A proposição é conseqüência imediata da definição de τπ . 11.4. Proposição. Seja π : X → Y uma aplicação quociente e seja Z um espaço topológico. Então uma função g : Y → Z é contı́nua se e só se a função composta g ◦ π : X → Z é contı́nua. Demonstração. A implicação ⇒ é imediata. Para provar a implicação oposta, seja W um aberto de Z. Como g◦π é contı́nua, temos que (g◦π)−1 (W ) = π −1 (g −1 (W )) é aberto em X. Segue que g −1 (W ) é aberto em Y . 11.5. Proposição. Sejam X e Y espaços topológicos, e seja π : X → Y uma aplicação sobrejetiva e contı́nua. Se π é aberta ou fechada, então a topologia τ de Y coincide com a topologia quociente τπ . Demonstração. Suponhamos que π seja aberta. Como π é contı́nua, é claro que τ ⊂ τπ . Para provar que τπ ⊂ τ , seja V ∈ τπ . Então π −1 (V ) é aberto em X. Como π é aberta e sobrejetiva, segue que V = π(π −1 (V )) ∈ τ . Quando π é fechada, a demonstração é parecida. 11.6. Exemplo. Seja S 1 = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1} e seja π : t ∈ [0, 2π] → (cost, sent) ∈ S 1 . Claramente π é sobrejetiva e contı́nua. Usando resultados de compacidade em Rn não é difı́cil provar que π é fechada. Logo S 1 tem a topologia quociente definida por π. 11.7. Proposição. Seja X um espaço topológico. Seja D uma famı́lia de subconjuntos disjuntos de X cuja união é X. Seja [ τD = {A ⊂ D : {A : A ∈ A} é aberto em X}. 29 Então τD é uma topologia em D. Diremos que D é uma decomposição de X. Dado x ∈ X seja P (x) o único elemento de D que contém x. A aplicação P : X → D assim definida é chamada de aplicação decomposição. Demonstração. É claro que ∅, D S ∈ τD . Se Ai ∈ τD para cada i ∈ I, então i∈I Ai ∈ τD , pois [ [ [[ {A : A ∈ Ai } = {A : A ∈ Ai } i∈I i∈I é aberto em X. Se A, B ∈ τD , então A ∩ B ∈ τD , pois [ [ [ {C : C ∈ A ∩ B} = ( {A : A ∈ A}) ∩ ( {B : B ∈ B}) é aberto em X. Para provar a igualdade anterior é necessário observar que se A, B ∈ D e A ∩ B 6= ∅, então A = B. 11.8. Proposição. Toda aplicação decomposição P : X → D é uma aplicação quociente. Demonstração. Se A ⊂ D, é claro que P −1 (A) = {x ∈ X : P (x) ∈ A} = [ {A : A ∈ A}. Segue que τD = {A ⊂ D : P −1 (A) é aberto em X}. Logo τD é a topologia quociente definida por P . Reciprocamente temos o resultado seguinte. 11.9. Proposição. Seja π : X → Y uma aplicação quociente. Então existe uma aplicação decomposição P : X → D e existe um homeomorfismo f : Y → D tal que f ◦ π = P . Demonstração. Seja D = {π −1 (y) : y ∈ Y }. Como π é sobrejetiva, é claro que D é uma decomposição de X. Seja P : X → D a aplicação canônica. Seja f : Y → D definida por f (y) = π −1 (y) para cada y ∈ Y . É claro que f é bijetiva. Como f (π(x)) = π −1 (π(x)) contém x, segue que f (π(x)) = P (x) para cada x ∈ X. Como f ◦ π = P é contı́nua, segue que f é contı́nua. E como f −1 ◦ P = π é contı́nua, segue que f −1 é contı́nua. 11.10. Definição. Seja X um espaço topológico, e seja ∼ uma relação de equivalência em X. A decomposição D formada pelas classes de equivalência definidas pela relação ∼ é denotada por X/ ∼ e é chamada de espaço de identificação de X módulo ∼. 30 11.11. Exemplos. (a) Já vimos que o cı́rculo unitário S 1 é um quociente do intervalo [0, 2π]. Aqui D = {{x} : 0 < x < 2π} ∪ {{0, 2π}}. Para x, y ∈ [0, 2π], tem-se que x ∼ y se x − y é um múltiplo inteiro de 2π. (b) Seja X = [0, 2π] × [0, 2π]. Dados (x1 , y1 ), (x2 , y2 ) ∈ X, definamos (x1 , y1 ) ∼ (x2 , y2 ) se x1 − x2 é um múltiplo inteiro de 2π e y1 = y2 . Então ∼ é uma relação de equivalência em X e o espaço de identificação X/ ∼ é homeomorfo ao cilindro S 1 × [0, 2π]. A aplicação quociente vem dada por π : (x, y) ∈ [0, 2π] × [0, 2π] → ((cosx, senx), y) ∈ S 1 × [0, 2π]. (c) Seja X = [0, 2π]×[0, 2π]. Dados (x1 , y1 ), (x2 , y2 ) ∈ X definamos (x1 , y1 ) ∼ (x2 , y2 ) se x1 − x2 é um múltiplo inteiro de 2π e y1 = y2 ou se x1 = x2 e y1 − y2 é um múltiplo inteiro de 2π. Neste caso X/ ∼ é homeomorfo ao toro S 1 × S 1 . A aplicação quociente vem dada por π : (x, y) ∈ [0, 2π] × [0, 2π] → ((cosx, senx), (cosy, seny)) ∈ S 1 × S 1 . (d) Seja X = [0, 2π] × [0, 2π]. Dados (x1 , y1 ), (x2 , y2 ) ∈ X definamos (x1 , y1 ) ∼ (x2 , y2 ) se x1 − x2 é um múltiplo inteiro de 2π e y1 + y2 = 2π. Neste caso X/ ∼ é homeomorfo à fita de Möbius. Exercı́cios 11.A. Sejam X e Y espaços topológicos, e seja π : X → Y uma aplicação sobrejetiva. Prove que é condição necessária e suficiente para que π seja uma aplicação quociente que B seja fechado em Y se e só se π −1 (B) é fechado em X. 11.B. Sejam X e Y espaços topológicos, e seja π : X → Y uma aplicação contı́nua. Se existir uma aplicação contı́nua σ : Y → X tal que π ◦ σ(y) = y para todo y ∈ Y , prove que π é uma aplicação quociente. 11.C. Sejam X e Y espaços topológicos, e seja π : X → Y uma aplicação quociente. (a) Prove que π é aberta se e só se π −1 (π(U )) é aberto em X para cada aberto U de X. (b) Prove que π é fechada se e só se π −1 (π(A)) é fechado em X para cada fechado A de X. 11.D. Seja X = [0, 1], com a topologia induzida por R. Seja Y = {0, 1}, e seja π : X → Y a função caracterı́stica do intervalo [1/2, 1]. (a) Prove que a topologia quociente τπ em Y vem dada por τπ = {∅, Y, {0}}. Y é o espaço de Sierpinski, que encontramos no Exercı́cio 3.B. (b) Prove que π não é aberta nem fechada. 31