A CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA DO SETOR DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA SOB A ÓTICA DOS USUÁRIOS E PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM A CHARACTERIZATION OF THE INDUSTRY DEMAND URGENT AND EMERGENCY UNDER THE PERSPECTIVE OF USERS AND ROFESSIONAL NURSING Flávia Lopes dos Santos: [email protected] Michelly Tays Andreoti: [email protected] Orientador: Paulo Fernando Barcelos Borges: [email protected] RESUMO Este estudo busca a caracterização da demanda do setor de urgência e emergência sob a ótica dos usuários e profissionais de enfermagem. Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória com abordagem qualitativa, realizada em um hospital do interior paulista. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas e depoimento gravado com 08 pacientes e 10 profissionais de enfermagem, sendo 08 técnicos em enfermagem e 02 enfermeiros que atuam no setor acima citado. Os dados foram apresentados em forma de narrativas e seus pontos em comum agrupados em eixos temáticos. Nos relatos, os pacientes revelam as dificuldades encontradas para obter atendimento na atenção primaria de saúde, e os profissionais declaram as angústias e o impacto que a superlotação do setor de urgência e emergência ocasiona. As narrativas permitem compreender a experiência relacionada entre a equipe de enfermagem e os usuários, evidenciando a problemática envolvendo os motivos pelos quais os mesmos buscam o setor de urgência e emergência e o impacto da alta demanda na atuação destes profissionais. Além disso, retrata a deficiência na organização e na prestação dos serviços de saúde e a ausência de referência e contrarreferência, sendo estes fatores potencializadores do aumento de fluxo no setor, sobrecarga de trabalho, estresse e prejuízo na qualidade da assistência prestada. Palavras-chave: Urgência e Emergência. Enfermagem. Qualidade da assistência a Saúde. Aumento do Fluxo de Usuários. ABSTRACT This study aims to characterize the demand for urgent and emergency sector from the perspective of users and nursing professionals. This is a descriptive, exploratory qualitative research, conducted at performed in a hospital in São Paulo. Data collection was conducted through semi-structured interviews and recorded statement of 08 patients and 10 nursing professionals, 08 nursing technicians and 02 nurses working in the above mentioned industry. The data were presented in the form of narratives and their commonalities grouped into themes. In the reports, the Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 patients reveal the difficulties encountered in obtaining care in primary health care, and professionals declare the anguish and the impact that overcrowding in the emergency department and urgent causes. Narratives allow us to understand related experience between the nursing staff and users, highlighting the issues surrounding the reasons why they seek emergency care sector and the impact of high demand on the performance of these professionals. Furthermore, portrays the deficiency in the organization and delivery of health services and the lack of reference and counterreference with these potentiating increase flow in this sector, work overload, stress and loss in quality of care factors. Keywords: Emergency Department. Nursing. Health care quality. Increased Flow Users. INTRODUÇÃO O sistema de saúde é composto por instituições prestadoras de serviços de saúde, na qual segue um nível hierárquico de atendimento, de acordo com a complexidade dos casos. Esse sistema exige uma organização e interação desses níveis de atenção a saúde: Unidade Básica de Saúde (UBS), ambulatório de especialidades e hospitais. Reconhece-se que há uma falha neste sistema e um dos reflexos desta falha é a utilização do setor de urgência e emergência de forma incorreta. Para Simons (2008), um dos argumentos apresentados para o aumento excessivo da procura pelos Serviços de Urgências Hospitalares (SUH) é que a maior parte dos atendimentos realizados é decorrente de problemas ‘simples’ que poderiam ser atendidos em serviços de atenção básica, especializados ou até mesmo em serviços de urgência de menor complexidade. Este trabalho teve por objetivo caracterizar a demanda neste setor, analisando os motivos pelos quais os usuários buscam o setor de urgência e emergência e identificar a percepção da equipe de enfermagem frente ao fluxo desse campo de ação, considerando também o impacto que esse fator trás para atuação desse profissional. A vivência das autoras no setor de urgência e emergência associado a uma revisão integrativa sobre o assunto, despertou o interesse pela pesquisa que teve o seguinte questionamento: a deficiência na organização e na prestação de serviços de saúde motiva o aumento no fluxo do setor de urgência e emergência? Em resposta a essa questão foi levantada a seguinte hipótese norteadora do Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 trabalho: A deficiência na organização e prestação dos serviços de saúde nos diferentes níveis de atenção, bem como a ausência de referência e contrarreferência contribuem para o aumento do fluxo no setor de urgência e emergência, ocasionando sobrecarga de trabalho, estresse e perda na qualidade da assistência prestada. A pesquisa foi realizada no setor de Urgência e Emergência de um hospital filantrópico em uma cidade do interior do estado de São Paulo, após aprovação do Comitê de ética do Unisalesiano, Protocolo nº. 816.800 em 29/09/2104. Trata-se de uma pesquisa do tipo descritiva de caráter exploratório, com abordagem qualitativa, sendo utilizado como método o estudo de caso, com coleta áudio gravável. 1 AS POLÍTICAS DE SAÚDE E O ATENDIMENTO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em 1988, sistema esse considerado um conjunto de ações e de serviços prestados á saúde e realizados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais ou por entidades a ele vinculadas, responsável pela promoção, prevenção e assistência a saúde, baseadas nos princípios e diretrizes estabelecidas pelo sistema (PEREIRA et al., 2008). O setor de urgência e emergência é classificado como principal porta de acesso do sistema de saúde e ampara os usuários com as mais diversificadas queixas e agravos à saúde em caráter de urgência ou não. Para abordar a temática urgência e emergência se faz necessário compreender ambos os significados. Segundo SANTOS (2008), considera-se urgência uma prioridade moderada de atendimento, cujo portador necessita de atendimento mediato, pois não há risco de morte e a de emergência definida como uma alta prioridade de atendimento, cujo individuo necessita de tratamento medico imediato, pois há risco de morte. O Sistema de Saúde preconiza que as ações de saúde sejam descentralizadas, hierarquizadas e regionalizadas, sendo que a rede de atenção a saúde deve ser constituída de forma a agregar serviços de complexidade crescente, de acordo com os níveis de atenção a saúde (SANTOS, 2003). Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 O sistema de referência e contrarreferência desempenha um importante papel na organização do sistema de saúde, que tem por principio a integralidade no cuidado, garantindo a seus usuários um atendimento íntegro envolvendo todas suas necessidades nos mais diversos níveis de complexidade (DIAS, 2012). Desse modo este sistema possibilita o atendimento nos diferentes níveis de complexidade, de forma que a assistência seja prestada de acordo com as reais necessidades do individuo. 2 A PRÁTICA DE ENERMAGEM NO SETOR DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA A enfermagem é considera uma profissão desenvolvida por um grupo de trabalhadores qualificados para prestar assistência conforme o código de ética e regras para o exercício da profissão (PIRES, 2009). Os cuidados prestados em saúde são realizados pelos profissionais de enfermagem que atuam como uma equipe, porém apresentam diferentes competências. A cada uma das categorias profissionais (auxiliar de enfermagem, técnico em enfermagem e enfermeiro), corresponde a um processo de formação próprio, que pressupõe um conjunto distinto de atividades (PEDUZZI; ANSELMI, 2004). Segundo Lopes (2009), o trabalho da equipe de enfermagem neste campo de ação, requer conhecimento e preparo para assumir, com competência, a função que cada membro da equipe exerce, sendo que todos têm o dever de conhecer suas limitações legais e suas atribuições. O setor de urgência e emergência é um ambiente complexo onde são atendidos desde casos simples até emergências decorrentes de acidentes automobilísticos, violência, doenças de diversas etiologias, entre outras. Os profissionais deste setor devem estar capacitados para atuar com agilidade, porém de forma humanizada, sempre levando em consideração a importância de sua atuação durante um procedimento de urgência, bem como suas limitações frente ao fluxo desse setor. 3 METODOLOGIA Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 Foi realizado um estudo de caso buscando caracterizar os usuários do setor de urgência e emergência e a percepção da equipe de enfermagem frente a esse campo de ação. Foram entrevistados oito usuários de ambos os sexos, tendo como critérios de inclusão a idade entre vinte e cinquenta anos, serem residentes na cidade de pesquisa. Também foram entrevistados dez profissionais da equipe de enfermagem, sendo oito técnicos em enfermagem e dois enfermeiros, de ambos os sexos, tendo como critérios de inclusão a atuação no setor por mais de seis meses. Todos os entrevistados participaram da coleta de dados voluntariamente, assinando o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). A técnica realizada foi a coleta áudio gravável de dados com base em uma entrevista semiestruturada, sendo realizada por um processo de captação de áudio de um celular modelo Samsung Win Duos, e um MP4 modelo Philco onde o tempo médio das entrevistas foi de aproximadamente 8 minutos. As entrevistas foram realizadas simultaneamente ao processo de atendimento do setor de urgência e emergência. Após as entrevista, realizou-se a transformação dos relatos orais em texto através de três etapas, sendo transcrição, textualização e transcriação para melhor contextualização das informações coletadas. Meyhi e Holanda (2007) explicam as etapas do seguinte modo: A transcrição é uma operação estritamente técnica. Inicia-se com a escuta dos relatos por algumas vezes, absorvendo as informações coletadas. Após é realizado a passagem minuciosa da entrevista para o papel, com todos os erros, lapsos e vacilos, inclusive as perguntas do entrevistador. A textualização é um ajuste das palavras. Compreende primeiramente em eliminar as perguntas de forma a permanecer somente as respostas, ganhando também uma pequena reorganização das palavras, tornando-se mais clara. E por último, a transcriação mostra uma forma de deixar os depoimentos mais complexos, removendo ou acrescentando palavras, frases, pontuação e parágrafos, tornado a leitura mais fácil e prazerosa. Essas etapas têm a finalidade de transformar as informações coletadas em um texto organizado, com uma sequência lógica, que possibilita o leitor analisar o conteúdo com mais clareza e objetividade. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 4 DISCUSSÃO E RESULTADOS Optou-se pela discussão dos dados mediante eixos temáticos, ou seja, após identificação de conteúdos em comuns nas narrativas dos entrevistados. O agrupamento de dados significativos tem como objetivo auxiliar na orientação e planejamento do trabalho. O estudo foi aplicado em dois grupos distintos, sendo de extrema importância de caracterizar os sujeitos da pesquisa, de forma a distingui-los para melhor compreensão da discussão. Para manter o anonimato dos participantes, as idades dos participantes foram alteradas. Quadro 1 – Caracterização dos profissionais de enfermagem PROFISSIONAIS SEXO IDADE Enf. 01 Enf. 02 T.E 01 T.E 02 T.E 03 T.E 04 T.E 05 T.E 06 T.E 07 T.E 08 Feminino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Masculino Masculino Feminino Feminino 31 30 23 30 42 43 24 21 26 38 TEMPO DE ATUAÇÃO NO PRONTO SOCORRO (ANOS) 1 3 2 1,5 15 20 2 1 2 9 CATEGORIA PROFISSIONAL Enfermeiro Enfermeiro Técnico em Enfermagem Técnico em Enfermagem Técnica em Enfermagem Técnica em Enfermagem Técnico em Enfermagem Técnico em Enfermagem Técnica em enfermagem Técnica em Enfermagem Fonte: LOPES; ANDREOTI, 2014 Quadro 2 – Caracterização dos usuários dos serviços de saúde USUÁRIOS SEXO IDADE (ANOS) Usuário 01 Masculino 31 Usuário 02 Feminino 48 Usuário 03 Usuário 04 Usuário 05 Usuário 06 Usuário 07 Feminino Masculino Masculino Masculino Feminino 25 38 38 28 25 Usuário 08 Feminino 27 PROFISSÃO Encarregado de deposito Auxiliar de serviços Gerais Do lar Eletricista Tratorista Almoxarife Auxiliar de serviços gerais Do lar ESTADO CIVIL BAIRRO ONDE RESIDE Solteiro Pasetto POSSUI UNIDADE DE SAÚDE NO BAIRRO ONDE RESIDE Sim Divorciada Jd. Bela Vista Sim Solteira Casado União Estável Divorciado Casada São Benedito Rebouças Ribeiro Pasetto Jd.Santa Maria Bom Viver II Sim Sim Sim Sim Sim Casada Sim Fonte: LOPES; ANDREOTI, 2014 Quadro 3: Caracterização dos motivos pelos quais o usuário buscou o serviço de urgência e emergência USUÁRIOS OS MOTIVOS PELOS QUAIS O USUÁRIO BUSCOU O SERVIÇO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA Usuário 01 Dor na nuca. Relata não ser hipertenso Usuário 02 Dor no calcâneo direito Usuário 03 Dor no corpo e diarréia Usuário 04 Vomito e diarréia Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 Usuário 05 Dor de garganta Usuário 06 Tontura Usuário 07 Dor de cabeça e náuseas Usuário 08 Dor de garganta Fonte: LOPES; ANDREOTI, 2014 4.1 Apresentação dos eixos Para maior clareza na demonstração dos resultados, o conteúdo foi divido em eixos temáticos, de forma a interpretar os dados. A elaboração dos eixos foi realizada após a leitura minuciosa dos relatos e identificação de pontos em comuns, de importância significativa e que vão de encontro com os objetivos desta pesquisa. Quadro 4: Eixos Temáticos Eixo 1 O significado de urgência e emergência para os profissionais de enfermagem Eixo 2 A alta demanda do setor de urgência e emergência e suas consequências para os usuários e profissionais de enfermagem Eixo 3 As dificuldades do acesso ao serviço de saúde na atenção básica e suas implicações Fonte: LOPES; ANDREOTI, 2014 EIXO I: O significado de urgência e emergência para os profissionais de enfermagem. O significado de urgência e emergência foi conceituado de diferentes formas pelos profissionais da equipe de enfermagem. O termo emergência é definido como uma categoria na triagem onde a assistência é prestada em casos de prejuízo á saúde com risco de vida potencial ou qualquer alteração no organismo que exigem tratamento imediato. Da mesma forma que a emergência, a urgência é considerada uma categoria de triagem, no entanto o cuidado é fornecido em casos de doença grave ou dano a saúde que não conduz um risco de vida imediato (BRUNNER e SUDDARTH, 2011). Urgência é quando o paciente necessita de um atendimento rápido, porém pode esperar, pois não corre risco de morte e Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 emergência não se dá pra esperar, pois o paciente corre risco eminente de morte (Enf. 02) Urgência é tudo aquilo que precisa de uma intervenção, porém com menos necessidade que a emergência essa sim precisa de atendimento imediato, pois nesse caso o paciente corre risco de morte (...) (Enf. 01) Durante os relatos surgiram alguns equívocos, porém observou-se que o profissional pode não saber conceituar urgência e emergência na íntegra, porém tem consciência de quais atendimentos devem ser priorizados. [...] um paciente hipertenso, apresentando pressão arterial 170x90mmHg, chega aqui ao mesmo tempo que uma pessoa baleada, com um sangramento importante... O paciente hipertenso precisa ser medicado, porém pode aguardar, isso é uma urgência. Já aquele paciente baleado, deve ser atendido imediatamente, pois sua condição pode se agravar rapidamente... Isso é uma emergência! (T.E. 03) Urgência é o que pode esperar... por exemplo: uma sutura de pequeno porte. Na emergência o paciente deve ser atendido o mais rápido possível, caso isso não aconteça pode levá-lo a morte. (T.E. 06) O trabalho em enfermagem envolve uma combinação de conhecimento cientifico e ético, articuladas ás competências clinicas, a fim de realizar uma intervenção de qualidade ao usuário do serviço de saúde (PETTER; PERRY 2013). Diante disso ressalta-se a importância do conhecimento teórico e prático entre a equipe de enfermagem, porém de acordo com alguns relatos, observa-se a falta de compreensão no que se diz respeito ao conceito de urgência e emergência: “Urgência e emergência é quando um paciente chega de resgate, esse sim apresenta risco de morte” ( T.E. 07) “Urgência é quando o paciente tem que ser atendido rápido e emergência podem esperar um pouco” (T.E.04 ) Diante disso Santos (2008) considera que atendimento tanto de urgência como de emergência, requer profissionais preparados e treinados que saibam Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 priorizar os atendimentos e o conhecimento sobre o estado do paciente faz a diferença no final do atendimento. Eixo II: A alta demanda do setor de urgência e emergência e suas consequências para os usuários e profissionais de enfermagem O fluxo elevado no setor de urgência e emergência traz consequências para ambas às partes. O processo de trabalho geralmente é intenso. Pacientes buscam o atendimento de urgência e emergência para solucionar seus problemas de saúde, seja ele simples ou não, confiando na instituição e nos profissionais que ali atuam, na expectativa de resolução de seu caso. Muitos pacientes que são atendidos no setor de emergência estão insatisfeitos com os serviços oferecidos pelos ambulatórios e pelas UBS, esperam uma solução definitiva, e outros devido à falta de tempo para consultas de rotina ou dificuldade de acesso as mesmas, desejam realizar uma breve avaliação para eliminar qualquer doença (SOUZA; SILVA; NORI. 2007). Eu tenho o hábito de vir aqui por conta da agilidade no atendimento... Eu acho mais rápido que na UBS (...) (Usuário 01) [...] na UBS eles falam que tem que ter consulta marcada... Esses agendamentos demoram muito... Se eu for lá agora eles não me atendem... Lá eles só atendem um tanto de pessoas por dia (...) (Usuário 03) [...] eu sei que aqui eles me passam um medicamento mais eficaz... Eu vim aqui por que tenho um tratamento melhor (...) (Usuário 05) Os pacientes deste setor encontram-se divididos entre aqueles que realmente precisam de uma assistência imediata e os demais que não se enquadram em caráter de urgência ou emergência. O desconhecimento da população acerca do caráter de atendimento de urgência e emergência juntamente com as condições ainda deficitárias apresentadas pela atenção primária levam os pacientes a buscar os serviços de PS para atender suas necessidades (SOUZA; SILVA; NORI, 2007). Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 Tais problemas são de ordem estrutural. Somente mudanças realizadas para conscientização da população e uma reorganização dos serviços de atenção primaria de saúde poderiam saná-los. “Costume... Eu só venho aqui” (...) (usuário 04) “Porque lá na UBS é só com agendamento... Aqui é mais rápido” (Usuário 06) [...] “se for marcar demora muito... Na ultima vez que fui agendar uma consulta demorou três meses! Prefiro vir aqui” (...) (Usuário 08) Os serviços de urgência e emergência sofrem com a demanda espontânea por atenderem como “portas abertas”, diminuindo consideravelmente a qualidade da assistência prestada, ocasionado pela sobrecarga de trabalho e quantitativo de recursos humanos inadequados. Além de assegurar as manobras de sustentação de vida em casos de urgência e emergência, essas unidades tem representado o livre acesso para usuários com queixas crônicas e sociais, que buscam esses serviços e sobrecarregam a equipe de enfermagem, buscando soluções para problemas simples que deveriam ser atendidos em outros níveis de atenção a saúde (OHARA; MELO; LAUS, 2010). Em alguns momentos acabamos deixando a desejar... Trabalhamos num número reduzido de funcionários... Queremos prestar um atendimento melhor, porém, muitas vezes isso não é possível (...) (T.E 05) Na enfermagem a falta de reconhecimento do trabalho destes profissionais é algo cotidiano. O trabalho deve ser algo prazeroso, atendendo os requisitos mínimos para a atuação e para a qualidade de vida dos indivíduos. A desvalorização do profissional de saúde juntamente com o fluxo inadequado, falta de paciência dos usuários e recursos humanos deficientes, torna esse ambiente estressante e cansativo. A unidade de urgência e emergência possui uma demanda espontânea, na maioria das vezes maior que a prevista, resultando em condições de trabalho nem sempre apropriadas, decorrentes de um numero intenso de atendimentos. Para Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 reverter este quadro existe a necessidade de além de uma equipe de enfermagem qualificada, um quantitativo suficiente para atender a esta demanda (OHARA; MELO; LAUS, 2010). Tem dias que é muito estressante... Muita correria, gente no corredor, muito soro, quando falta funcionário nem se fala... Sobrecarrega mais ainda (...) (T.E 08) Quem tem dois empregos é um estresse bem maior... Acho que se o funcionário fosse bem remunerado ele poderia ficar em um emprego só e se doar bem mais (T.E 02) A imprevisibilidade da demanda aliada a gravidade, ao desgaste e a complexidade torna esse cenário um verdadeiro desafio para os profissionais que atuam neste setor, que podem ter seu desempenho facilmente influenciado pelos fatores citados acima. A maior fonte de satisfação da equipe de enfermagem em unidade de emergência é o reconhecimento do seu trabalho pelo usuário. Outra realidade constatada por este estudo é a baixa remuneração destes profissionais. A falta de reconhecimento salarial obriga esta categoria a obter mais de um vínculo para manter suas necessidades financeiras. O duplo vínculo também é apontado pelos profissionais como um fator de prejuízo na qualidade de atendimentos aos usuários deste setor. EIXO II: As dificuldades de acesso ao serviço de saúde na Atenção Básica e suas implicações. O setor de urgência e emergência é visto como uma “porta de entrada” para o sistema de saúde, não obedecendo aos níveis de atenção à saúde, conforme as diretrizes do SUS. Para Potter e Perry (2013) a atenção primaria de saúde desenvolve ações em busca de melhores resultados para toda população, incluindo cuidados primários, imunização, programas em âmbito nacional, planejamento familiar e controle de doenças. Esses programas quando bem sucedido, reduz a incidência de doenças, minimiza complicações e reduz a necessidade de utilização dos outros níveis de atenção à saúde, neste caso com recursos de intervenção mais caros. Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 A obtenção de acesso aos serviços de saúde em relação à organização por agendamentos de consultas para o mesmo dia em que o usuário necessita do atendimento, poderá não ser obtido caso haja indisponibilidade da rede básica, induzindo o mesmo a buscar hospitais para casos simples (ASSIS; JESUS, 2012). Eu procurei nesse serviço porque aqui o atendimento é mais rápido, na UBS precisa estar agendando e não tenho tempo... Por isso preferi vir até aqui. (Usuário 07) Esse horário (14h30min) eu não conseguiria passar no medico lá no posto de saúde! Eu teria que ter sentido essa dor antes das seis horas da manhã para poder tentar um encaixe para uma consulta (...) (Usuário 02) O fluxo desse setor é bem grande, devido à grande quantidade de pacientes ambulatoriais e de UBS... Isso acaba sobrecarregando o trabalho... Emergências são poucas (T.E 02) Os serviços de saúde devem garantir ao usuário uma assistência integral e de qualidade. Para que esse atendimento ocorra de maneira eficiente é necessário um conhecimento sobre a finalidade de cada serviço, devendo existir uma interlocução entre as redes, nos seus diferentes níveis de complexidade (BAGGIO; CALLEGARO; ERDMANN, 2008) Diante dessa informação o sistema de referência e contra referência expressa grande importância no atendimento continuo do usuário, porém observamse dificuldades de integração dos diversos níveis assistenciais. [...] “se eu for na UBS agora (14:30), eles não vão me atender, encaminham para o pronto socorro, afirmando não ter médico. Não vejo vantagem nenhuma em ir ao posto de saúde” ( Usuário 02) [...] “estou com muita dor de garganta, se eu for à UBS agora eles não me atendem e orientam vir pra cá... Emergência” (Usuário 08) “Eu acredito que a maioria das pessoas que procuram este serviço é devido à rapidez no atendimento... Na verdade 90% dos casos são de posto de saúde, então para não esperar a consulta no posto eles procuram atendimento aqui... Casos de emergência são poucos” (T.E 01) Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 Conforme evidenciado nos relatos, a falta de entendimento da real finalidade do setor de urgência e emergência, bem como a ausência de um sistema articulado, ou seja, de referência e contra referência, prejudica a continuidade da assistência prestada, refletindo em um atendimento sem resolutividade. CONCLUSÃO Após a realização desta pesquisa, foi possível compreender as angústias e o impacto que os profissionais do setor de urgência e emergência sofrem devido à superlotação, bem como as dificuldades que os usuários enfrentam para conseguir atendimento na atenção primária e os principais motivos que os levam ao setor de urgência e emergência. As narrativas proporcionaram a captação de informações, o que possibilitou analisar a realidade vivenciada por ambas as partes envolvidas na pesquisa, confirmando a validade desta técnica metodológica. Ficou claro que a deficiência na organização e prestação dos serviços de saúde nos diferentes níveis de atenção, bem como a ausência de referência e contrarreferência proporciona aumento do fluxo no setor de urgência e emergência e perda na qualidade da assistência prestada. Considerando todas as dificuldades e barreiras que os usuários encontram na tentativa de atendimento pela atenção primaria de saúde, bem como as dificuldades que os profissionais da equipe de enfermagem enfrentam diante da superlotação, déficit de recursos humanos que refletem em estresse, cansaço físico e mental, é de extrema importância que se estabeleça mudanças culturais da população quanto ao uso do setor de urgência e emergência, bem como uma reestruturação no fluxograma de atendimento, onde os níveis de atenção sejam restabelecidos e obedecidos de forma criteriosa. Sendo assim o usuário será atendido pelos níveis de atenção de acordo com sua necessidade. Constatou-se também que a implantação de algumas medidas pode organizar o fluxo deste setor, como por exemplo, a triagem com classificação de risco proposta pelo Ministério da Saúde e o sistema de referenciar o usuário quando necessário. Diante de todas as evidências pesquisadas e apresentadas, concluiu-se que é importante ouvir os dois lados e conhecer as dificuldades que ambos enfrentam, Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 5., n.10, jan/jul de 2014 evitando assim decisões ou julgamentos precipitados. Para tanto, faz-se necessário compreender os motivos que trazem essa problemática, bem como tentar solucionálos, buscando alternativas que possam melhorar a qualidade da assistência prestada e o acesso dos usuários nos demais níveis de atenção a saúde. REFERÊNCIAS ASSIS, M.M.A; JESUS, W. L. A. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Rev. Ciências e saúde coletiva. Feira de Santana/BA, v.17, n.11, p. 2875-85, 2012. BAGGIO, M. A; CALLEGARO, G.D; ERDMANN, A. L. Compreendendo as dimensões do cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev. Bras. Enferm. Brasília/DF, v.61, n.05, p. 552-7, set. /out. 2008. BRUNNER e SUDDARTH. 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