UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CENTRO DE EDUCAÇÃO E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS – NÍVEL DE MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS VALTENIR LAZZARINI PROTEÇÃO (SOCIAL) ESPECIAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES: EQUIVALÊNCIA, COMPLEMENTARIDADE OU CONTRARIEDADE? FOZ DO IGUAÇU – PR 2014 VALTENIR LAZZARINI PROTEÇÃO (SOCIAL) ESPECIAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES: EQUIVALÊNCIA, COMPLEMENTARIDADE OU CONTRARIEDADE? Dissertação apresentada à Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – para obtenção do título de Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteiras, junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociedade, Cultura e Fronteiras, área de concentração: Sociedade, Cultura e Fronteiras. Linha de Pesquisa: Trabalho, Política e Sociedade. Orientadora: Profa. Dra. Rosana Katia Nazzari Co-Orientador: Prof. Dr. Amarildo Jorge da Silva FOZ DO IGUAÇU – PR 2014 VALTENIR LAZZARINI PROTEÇÃO (SOCIAL) ESPECIAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES: EQUIVALÊNCIA, COMPLEMENTARIDADE OU CONTRARIEDADE? Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Sociedade, Cultura e Fronteiras – Nível de Mestrado, área de Concentração em Sociedade, Cultura e Fronteiras, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. COMISSÃO EXAMINADORA _______________________________________ Profa. Dra. Rosana Katia Nazzari – Orientadora Unioeste _____________________________________ Prof.º Dr.º Valdir Gregory Unioeste ___________________________________________ Profa. Dra. Francisca Rodrigues de Oliveira Pini Instituto Paulo Freire Foz do Iguaçu, 28 de fevereiro de 2014. LAZZARINI, Valtenir. Proteção (social) especial a crianças e adolescentes: equivalência, complementaridade ou contrariedade? Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteira) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Foz do Iguaçu, 2014. RESUMO Profundamente influenciadas pelo papel do Estado na regulação/manutenção das contradições de classe, as políticas públicas e, dentre elas as políticas sociais, refletem as desigualdades oriundas do processo de disputa presente na sociedade. Nesse processo de disputa, a proteção social atende aos interesses tanto da classe trabalhadora, na perspectiva de sobrevivência com dignidade, como da burguesia, no interesse de manutenção da mão de obra para exploração e como estratégia anticrise cíclica. As conquistas das disputas, entre outras formas, ficam registradas nas normas internacionais dos direitos humanos (Pactos, convenções, tratados, etc.) e nas normas nacionais (Constituição, Leis, Decretos, Resoluções, etc.), as quais são instrumentos diários na efetivação dos direitos conquistados. Crianças e adolescentes são merecedores de proteção especial na normativa internacional e, de forma equivalente, a prioridade absoluta na normativa nacional. Utiliza-se a expressão “proteção especial” em diversos contextos, principalmente pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, e, com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social e do Sistema Único de Assistência Social, surge a “proteção social especial”. Os dois termos se confundem, e este estudo procura responder se os mesmos são equivalentes, complementares ou contrários. PALAVRAS-CHAVE: direitos humanos, criança, adolescente, proteção especial. LAZZARINI, Valtenir. ¿Protección (social) especial a niños y adolescentes: equivalencia, complementariedad o contrariedad? Disertación (Máster en Sociedad, Cultura y Frontera) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Foz do Iguaçu, 2014. RESUMEN Influenciadas profundamente por el rol del Estado en el ajuste y manutención de las contradicciones de clase social, las políticas públicas y, entre ellas, las políticas sociales, reflejan las desigualdades originadas del proceso de disputa presente en la sociedad. En ese proceso de disputa, la protección social atiende a los intereses tanto de la clase de trabajadores, bajo la perspectiva de sobrevivencia con dignidad, como de la burguesía, en el interés de manutención de la mano de obra para explotación e como estrategia anticrisis cíclica. Las conquistas de las disputas, entre otras formas, quedan registradas en las normas internacionales de los derechos humanos (Pactos, Convenciones, tratados, etc.) y en las normas nacionales (Constitución, Leyes, Decretos, Resoluciones, etc.), las cuales son instrumentos cotidianos en la concretización de los derechos conquistados. Niños y adolescentes son merecedores de una protección especial en la normativa internacional y, de forma equivalente, la prioridad absoluta en la normativa nacional. Se emplea la expresión “protección especial” en diversos contextos, principalmente por los Consejos de los Derechos del Niño y del Adolescente, y, con la aprobación de la Política Nacional de Asistencia Social y del Sistema Único de Asistencia Social, surge la “protección social especial”. Las dos frases se confunden y este estudio busca responder si los mismos son equivalentes, complementarios o contrarios. PALABRAS LLAVE: Derechos Humanos; Niño; Adolescente; Protección Especial LAZZARINI, Valtenir. Special (Social) Protection to children and teenagers: equivalence, complementary or opposites? Dissert (Master in Society, Culture and Frontier) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Foz do Iguaçu, 2014. ABSTRACT Deeply influenced by the role of the state in the regulation/maintenance of class contradictions, public policies and, among them the social policies, reflect the inequalities arising from the dispute in this present society. In this dispute process, social protection attends to the interests of both the working class, in view of survival with dignity, like the bourgeoisie in the interest of maintaining manpower for operation and cyclic anticrisis strategy. The achievements of disputes, among others, are registered in international human rights standards (pacts, conventions, treaties, etc.) and in the national standards (Constitution, laws, decrees, resolutions, etc.), which are everyday instruments in realization of conquered rights. Children and adolescents are deserving of special protection in the international normative and, equivalently, the absolute priority in the national law. We use the term "special protection" in several contexts, especially the Councils for the Rights of Children and Adolescents, and, with the approval of the National Policy of Social Assistance and Unified System of Social Assistance comes the "special social protection". The two terms are confused, and this study seeks to answer whether they are equivalent, complementary or opposites. KEYWORDS: human rights, children, adolescent, special protection. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Hierarquia das Políticas de Direitos......................................................................... 46 Figura 2 - Estrutura do PPA Governo Federal: 2012-2015 ...................................................... 87 Figura 3- Inter-relação das políticas na efetivação dos direitos humanos ................................ 96 LISTA DE TABELAS Tabela 01 - Direitos sociais e correspondentes funções e subfunções .................................... 39 Tabela 02 - Atuais Ministérios, secretarias e órgãos com status de Ministério do Poder Executivo Federal ..................................................................................................................... 40 Tabela 03 - Atuais Secretarias com status de ministério (ligadas à Presidência da República) .................................................................................................................................................. 41 Tabela 04 - Atuais Órgãos com status de ministério (ligados à Presidência da República) .... 41 Tabela 05 - Atuais secretarias e órgãos da Administração Direta – Paraná - 2012 .................. 41 Tabela 06 - Atuais secretarias e órgãos da Administração Direta e Indireta – Foz do Iguaçu 2013 .......................................................................................................................................... 42 Tabela 07 - Proteção especial na normativa internacional dos direitos humanos .................... 62 Tabela 08 - Ocorrência de proteção especial e proteção social especial nas deliberações/resoluções do Cedca/PR – 2003 a 2013 .............................................................. 72 Tabela 09 - Resumo das deliberações do FIA/PR 2004 a 2006 ............................................... 78 Tabela 10 - Proteção especial/Proteção social especial nos PPA‟s governo federal entre os anos 2004 a 2015 ...................................................................................................................... 84 Tabela 11 - Proteção especial/Proteção social especial nos PPA‟s governo Paraná entre os anos 2004 a 2015 ...................................................................................................................... 85 Tabela 12 - Proteção especial/Proteção social especial nos PPA‟s governo Foz do Iguaçu/PR entre os anos 2002 a 2013 ........................................................................................................ 86 LISTA DE ABREVIATURAS ADI - Ação direta de inconstitucionalidade CDC - Convenção sobre os Direitos da Criança CDCA‟s – Conselhos dos Direitos de Crianças e Adolescentes CEDCA/PR - Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Paraná CF - Constituição Federal CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente FEAS/PR – Fundo Estadual de Assistência Social do Paraná FIA – Fundo da Infância e Adolescência FIA/PR - Fundo da Infância e Adolescência do Paraná IPEA- Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA - Lei Orçamentária Anual LOAS - Lei Orgânica de Assistência Social MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome NOB/RH - Norma Operacional Básica de Recursos Humanos NOB/SUAS - Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social ONGs – Organizações Não Governamentais ONU - Organização das Nações Unidas PNAS - Política Nacional de Assistência Social PPA - Plano Plurianual SESA/PR - Secretaria de Estado da Saúde do Paraná SGD - Sistema de Garantia dos direitos humanos de Crianças e Adolescentes SUAS - Sistema Único de Assistência Social SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 1 ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS ................................... 13 1.1 PAPEL DO ESTADO ....................................................................................................... 13 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS .................................................................................................. 14 1.2.1 Política Social ................................................................................................................ 16 1.3 O QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS ....................................................................... 20 1.3.1 O Contexto dos Direitos Humanos .............................................................................. 21 1.3.2 Principais documentos internacionais dos direitos humanos positivados ................ 23 1.3.2.1 A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança - CDC .............................. 26 1.3.2.2 A Criança e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos ................................ 27 1.3.3 Direiros humanos e legislação interna ........................................................................ 29 1.4 CONSIDERAÇÕES .......................................................................................................... 32 2 PARTICIPAÇÃO E CONTROLE NA DEFINIÇÃO DA POLÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ........................................................... 35 2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO E A MUNICIPALIZAÇÃO COMO DIRETRIZES DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ................................................................................................................... 37 2.2 DEFINIÇÃO E CONTROLE DAS POLÍTICAS ............................................................. 43 2.3 NATUREZA JURÍDICA E DISCRICIONARIEDADE NOS CONSELHOS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .............................................................. 50 2.4 FUNDO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – FIA ..................................................... 53 2.4.1 Fundo da infância e adolescência do Paraná – FIA/PR ............................................ 55 2.5 DELIBERAÇÃO OU RESOLUÇÃO? COMO EXERCER CONTROLE ....................... 56 2.6 CONSIDERAÇÕES .......................................................................................................... 58 3 A PROTEÇÃO ESPECIAL NA NORMA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E SEU FINANCIAMENTO ....................................................................... 60 3.1 ASPECTOS DA NORMATIVA NACIONAL E INTERNACIONAL ............................ 61 3.1.1 A proteção especial no ECA ........................................................................................ 65 3.2 SITUAÇÕES DE RISCO .................................................................................................. 69 3.3 AS DELIBERAÇÕES DO CEDCA/PR E OS RECURSOS DO FIA/PR ........................ 72 3.4 A PRESENÇA DA PROTEÇÃO (SOCIAL) ESPECIAL NO ORÇAMENTO PÚBLICO .................................................................................................................................................. 81 3.5 CONSIDERAÇÕES ........................................................................................................... 89 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 92 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 99 9 INTRODUÇÃO As diferentes conformações e papéis do Estado têm se tornado, nas últimas décadas, tema de debate entre diversos pensadores. Compreender que as relações sociais de classe estabelecidas são antagônicas, e que a classe hegemônica utiliza-se de todos os meios para a manutenção desta situação pode explicar um conjunto de situações da realidade concreta, mas, sem dúvida, é um ponto de vista. O atual Estado capitalista, de democracia burguesa, positivou, em um conjunto de normativas, as políticas públicas, especialmente as sociais, as quais são resultado da disputa das forças presentes na sociedade. Se por um lado são conquistas dos trabalhadores, por outro também respondem ao interesse da burguesia numa forma de manutenção da força de trabalho. O desenvolvimento das políticas públicas tem se mostrado intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento social da humanidade, que se processa em ritmos diferenciados no espaço e no tempo. A cultura, cada vez mais globalizada, influencia as mudanças na normativa (arcabouço jurídico como leis, decretos, etc.) e essas mudanças, registradas, por vezes, em fatos e momentos históricos, são o que reconhecemos como memória histórica e coletiva a qual, segundo Luvisolo (1989), é a memória valorizada, e sua perda é considerada negativa. Durante esse desenvolvimento histórico, por séculos, crianças e adolescentes foram considerados objetos da ação dos adultos, o que influenciou, no decorrer da história, o atendimento à criança e ao adolescente em suas diversas fases. Nessas diversas fases da história de atendimento à infância brasileira, as crianças eram consideradas objetos de direito e, sobretudo, da ação do Estado. A lei anterior (Código de Menores, 1979) previa apenas dois direitos a crianças e adolescentes: Art. 118. Em nenhum caso haverá incomunicabilidade de menor, o qual terá sempre direito à visita de seus pais ou responsável e de procurador com poderes especiais, de comum acordo com a direção do estabelecimento onde se encontrar internado, ou devidamente autorizado pela autoridade judiciária. Parágrafo único. A autoridade judiciária poderá suspender, por tempo determinado, a visita dos pais ou responsável, sempre que a visita venha a prejudicar a aplicação de medida prevista nesta Lei. Art 119. O menor em situação irregular terá direito à assistência religiosa. (BRASIL, 1979) 10 Essa cultura de considerar a criança como objeto começa a mudar no mundo em meados do século passado, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, mais tarde, especificamente, com a Declaração Universal dos Direitos da Criança e da Convenção das Nações Unidas para os Direitos da Criança. Consolidam-se as alterações na normativa através de adequações na legislação interna do Brasil. Na Constituição Federal de 1988 foi inserido o emblemático artigo 227 que afirmou ser [...] dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988) Com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), novos termos, sentidos e significados são atribuídos à crianças e adolescentes. Entre estes, é possível destacar disposições sobre a proteção integral, no primeiro artigo; um capítulo sobre a prevenção especial; e outro dedicado exclusivamente a medidas específicas de proteção. A mudança de paradigma da doutrina da situação irregular1 para crianças e adolescentes sujeitos de direitos e de proteção integral é muito recente se comparada à nossa história de atendimento às crianças. Essa mudança de paradigma não superou as práticas assistencialistas, mas superou a compreensão jurídica, social e teórica. A modalidade de atendimento que se desenvolveu e que permanece ainda hoje, sempre foi vista pelo prisma assistencialista, compensatório, de entidades nãogovernamentais, sobretudo, ligadas à Igreja Católica, que faziam atendimentos supostamente “protetivos” a crianças e adolescentes. 1 Tinha-se, até então, no Brasil, duas categorias distintas de crianças e adolescentes. Uma, a dos filhos socialmente incluídos e integrados, a que se denominava «crianças e adolescentes». A outra, a dos filhos dos pobres e excluídos, genericamente denominados «menores», que eram considerados crianças e adolescentes de segunda classe. A eles se destinava a antiga lei, baseada no «direito penal do menor» e na «doutrina da situação irregular». Essa doutrina definia um tipo de tratamento e uma política de atendimento que variavam do assistencialismo à total segregação e onde, via de regra, os «menores» eram simples objetos da tutela do Estado, sob o arbítrio inquestionável da autoridade judicial. Essa política fomentou a criação e a proliferação de grandes abrigos e internatos, onde ocorriam toda a sorte de violações dos direitos humanos. Uma estrutura verdadeiramente monstruosa, que logrou cristalizar uma cultura institucional perversa cuja herança ainda hoje se faz presente e que temos dificuldade em debelar completamente. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Estatuto_da_Crian%C3%A7a_e_do_Adolescente) Acesso em 29 maio 2013. 11 Art 60. As entidades criadas pelo Poder Público e as de natureza privada planejarão e executarão suas atividades de assistência e proteção ao menor atendendo às diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor. § 1º O trabalho de toda entidade dedicada à assistência e à proteção ao menor em situação irregular visará, prioritariamente, ao ajustamento ou integração sóciofamiliar deste. (BRASIL, 1979) Para tanto, a definição de proteção ainda carrega muitas marcas deste tipo de atendimento previsto no Código de Menores, remetendo ao menor em “situação irregular”. Para compreender a mudança que ocorreu e que ainda está ocorrendo, procurou-se observar o desenvolvimento histórico dos direitos humanos e como a criança e o adolescente são percebidos e reconhecidos nesse processo. O caminho utilizado para alcançar o objetivo foi a pesquisa sobre documentação indireta. A pesquisa bibliográfica, a qual, segundo Gil (1999) “... é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” e a pesquisa documental a qual “vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa”. Conhecedores de parte da normativa internacional dos direitos humanos, buscou-se nesta e, em especial, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança possíveis conceitos de proteção especial. Encontrou-se citação de “proteção especial”, primeiramente, na Convenção dos Direitos da Criança e, a partir desta, buscou-se as demais citadas pela mesma em seu preâmbulo. Além da normativa internacional, também foi analisada a nacional, especificamente, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Para ampliar a busca, acessouse a internet fazendo a busca aberta do “conceito de proteção especial”. Através dessa busca, deparou-se com vários artigos que discutem a situação de risco, o que chamou atenção, pois a grande maioria das citações de proteção especial refere-se “às crianças e adolescentes em situação de risco”. Procurou-se entre os vários artigos, muitos dos quais voltados à epidemiologia, por indicações de literatura sobre a proteção especial, mas não obteve-se resultado significativo, contudo, a leitura desses artigos ajudaram a entender a origem do risco e também a abrir novas possibilidades na pesquisa. Finalmente, para poder cumprir com o objetivo, analisou-se as deliberações do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA/PR) no período de 12 2003 a 2013 bem como planilha produzida pela Câmara Técnica do Fundo da Infância e Adolescência, Fundo esse gerido pelo CEDCA/PR. Inicia-se, no capítulo I, com o papel do Estado, as políticas públicas, especialmente as sociais, e com a definição dos direitos humanos normatizados internacional e nacionalmente, focalizando os direitos da criança e do adolescente. Para efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes, abordou-se a participação e o controle na definição dessa política no capítulo II e, na sequência, no capítulo III, investigou-se a presença da “proteção especial” na normativa afeta ao segmento e seu financiamento. Após ser verificada a presença da “proteção especial” na normativa, analisou-se, no conjunto dos planos plurianuais do orçamento da União, Estado do Paraná e do Município de Foz do Iguaçu, entre os anos 2004 e 2015, como a locução „proteção especial‟ ou „proteção social especial‟ aparecem nos referidos planos. Nas considerações finais, retomam-se os principais pontos abordados no desenvolvimento da pesquisa e aponta-se uma tentativa de entendimento expressa no título da pesquisa. 13 1 ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS 1.1 PAPEL DO ESTADO Desde que a humanidade se complexificou e surgiu o Estado, este tem merecido atenção de diversos teóricos que procuram defini-lo na expectativa de explicar as relações sociais. Não se faz na sequência, a discussão do Estado brasileiro e o reflexo deste na discussão do tema, mas, tão somente, um breve apanhado das discussões gerais em relação ao Estado. No artigo intitulado Fundamentos de Política Social, Behring (2006) apresenta um breve debate clássico sobre o papel do Estado. Segundo a autora, com o declínio da sociedade feudal e da lei divina que davam sustentação às hierarquias políticas (séc. XVI e XVII), começa uma discussão sobre o papel do Estado. Com Maquiavel, busca-se uma abordagem racional do exercício do poder político por meio do Estado. Naquela época, o Estado era considerado mediador civilizador (Carnoy, 1987 apud Behring, 2006), tendo a função de controlar as paixões, ou seja, o desejo insaciável de vantagens materiais, próprias aos homens em estado de natureza. Já para Hobbes, em seu Leviathan (1651 apud Behring, 2006), no estado de natureza, os desejos e as repulsas determinam as ações livres dos homens, mas faz-se necessário renunciar á liberdade individual, em função do medo da violência e da guerra, em favor do soberano. A submissão seria uma opção racional refreando suas paixões. Concordando com a ideia de Hobbes , John Locke porém, dizia que o absolutismo era incompatível com o governo civil, pois o soberano não teria a quem recorrer a não ser a ele mesmo. Fazia-se necessário, então, que o poder político estivesse em mãos da coletividade. O poder teria origem num pacto estabelecido mutuamente entre os indivíduos para preservar a vida, a liberdade e a propriedade. O surgimento do tema da propriedade causa uma cisão na discussão, devido à clara associação entre poder político e propriedade. Novos e polêmicos elementos são acrescentados neste debate no ano de 1762 por Jean-Jacques Rousseau, com seu Contrato Social. Para este, 14 [...] o homem é naturalmente bom, do bom selvagem -, enquanto a sociedade civil é a descrição de como os homens vivem em realidade, e não uma construção ideal. A sociedade civil, para Rousseau, é imperfeita: foi corrompida pela propriedade, e é produto da voracidade do homem, obra do mais rico e poderoso que quer proteger seus interesses próprios.” (BEHRING, 2006, p. 3-4) Um Estado com o poder residente na cidadania por meio da vontade geral é a saída proposta por Rousseau frente ao impasse da desigualdade social e política na sociedade civil. Diferente de Locke, o pacto proposto não inclui somente os proprietários, mas o conjunto da sociedade em mecanismos de democracia direta (Bobbio, 1988 apud Behring, 2006). Tendo por base as leis definidas pela vontade de todos, apenas esse Estado de Direito teria a capacidade de limitar os extremos (pobreza e riqueza) presentes na sociedade civil, e também promover, como meio decisivo para a livre escolha, a educação pública para todos. Finalizando esse breve debate, ressalta que [...] a consolidação econômica e política do capitalismo nos séculos XVIII e XIX introduziu outros e duradouros condimentos nesta calorosa discussão sobre a relação Estado, sociedade civil e bem-estar. Se, para os pensadores do período de fundação do Estado moderno, este era o mediador civilizador - idéia resgatada pelas perspectivas keynesianas e social-democratas que preconizaram, no século XX, um Estado intervencionista -, para o pensamento liberal emergente, era um mal necessário (Bobbio, 1988). E continua sendo para os liberais do presente [...] (BEHRING, 2006, p. 4) O Estado capitalista no qual vivemos hoje tem se mostrado cada vez mais intervencionista a favor da classe hegemônica, como recentemente se viu no socorro ao sistema financeiro em 2008. Por outro lado, a lógica de “perder os anéis para não perder os dedos” tem-se mostrado eficaz. Políticas públicas de Estado ou de Governo, a exemplo do programa de transferência de renda conhecido como Bolsa Família, segundo Behring (2006), têm permitido a sobrevivência de um contingente enorme de mão de obra, mantendo um exército de reserva estrutural que pressiona os salários para baixo. 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS A diferenciação entre políticas de governo e políticas de Estado devem ser feitas considerando que ambas são resultado de um processo de disputa, de conflito de forças 15 históricas contraditórias presentes em nossa sociedade. O resultado desse conflito é o que configura, historicamente, a adoção dessas ou daquelas políticas. Utiliza-se, como definição para política de Estado, aquela que tem sua duração para mais de um governo, e que foi submetida ao processo público de discussão e participação da sociedade na sua definição, além de contar com um grau maior de institucionalidade como ter sido aprovado, por exemplo, por lei ou, como afirma Almeida (2013): ... são aquelas que envolvem as burocracias de mais de uma agência do Estado, justamente, e acabam passando pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, depois que sua tramitação dentro de uma esfera (ou mais de uma) da máquina do Estado envolveu estudos técnicos, simulações, análises de impacto horizontal e vertical, efeitos econômicos ou orçamentários, quando não um cálculo de custo-benefício levando em conta a trajetória completa da política que se pretende implementar. O trabalho da burocracia pode levar meses, bem como o eventual exame e discussão no Parlamento, pois políticas de Estado, que respondem efetivamente a essa designação, geralmente envolvem mudanças de outras normas ou disposições pré-existentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade. Para política de governo, considera-se aquelas que não sobrevivem à mudança de mandatos e tem sua definição mais burocrática nos gabinetes, contando com pouca ou nenhuma participação, e sua institucionalização se dá por vias e instrumentos administrativos ou, mais precisamente, como considera Almeida (2003), ... são aquelas que o Executivo decide num processo bem mais elementar de formulação e implementação de determinadas medidas para responder às demandas colocadas na própria agenda política interna – pela dinâmica econômica ou políticaparlamentar, por exemplo – ou vindos de fora, como resultado de eventos internacionais com impacto doméstico. Elas podem até envolver escolhas complexas, mas pode-se dizer que o caminho entre a apresentação do problema e a definição de uma política determinada (de governo) é bem mais curto e simples, ficando geralmente no plano administrativo, ou na competência dos próprios ministérios setoriais. Há que se ressalvar que nem toda política de governo é política pública, pois, como se posiciona Teixeira (2002), “[...] é preciso considerar a quem se destinam os resultados ou benefícios, e se o seu processo de elaboração é submetido ao debate público.” Como resultado desse processo de disputa, tanto a política de governo como a política de Estado podem representar o interesse da maioria ou não, a depender do caso concreto ao se avaliar determinada política pública. 16 Avaliar políticas públicas, sejam estas de Estado ou de governo, não é tarefa fácil e sempre será uma visão parcial, ou melhor, uma visão de um determinado ponto de observação. Diferentes fatores das mais diversas naturezas podem causar impactos na análise e na avaliação. Chiari (2012) argumenta que “Este fato é especialmente verdadeiro quando a política pública endereça-se às questões sociais, dentre as quais se inscrevem, por exemplo, as políticas de educação, saúde, segurança pública.” 1.2.1 Política Social Dentre as proposições neoliberais para a saída da crise nos fins dos anos 60 e início dos 70, incluía-se o desmonte dos direitos sociais, quebrando o vínculo entre política social e esses direitos. Essas proposições só se transformam em programas de governo em fins dos anos 70 e início dos anos 80, com Margareth Thatcher (Inglaterra, 1979), Ronald Reagan (EUA, 1980) e Helmut Khol (Alemanha Ocidental, 1982). A implementação desses governos permitiu um controle da inflação e aumento das taxas de lucro devido ao crescimento do desemprego e a diminuição dos tributos, mas sem uma significativa reanimação do capitalismo, segundo Behring (2009). Esta reanimação não ocorreu, pois a desregulamentação financeira levou a uma explosão de operações especulativas (CHESNAIS, 1996 apud Behring, 2009), e o Welfare State não regride como esperado, apesar de alguns retrocessos aos direitos (NAVARRO, 1998 apud Behring, 2009) e um efeito contrário ao esperado acaba acontecendo, pois o crescimento do desemprego pressionou por aumento da proteção social e, em consequência, ocorreram maiores gastos públicos. Por uma conjuntura histórica de redemocratização, o Brasil consegue “... inscrever o conceito de seguridade social na Constituição de 1988, apesar de suas restrições a apenas três políticas, e da tensão entre universalidade e seletividade que está presente em seus princípios” (BEHRING, 2009). O neoliberalismo tem uma primeira fase de ataque ao keynesianismo e ao Welfare State e, uma segunda fase mais propositiva, segundo Sônia Draibe (1993 apud Behring, 2009 ), no que diz respeito aos programas sociais, no trinômio articulado da focalização, privatização e descentralização. 17 Essa fase procura desuniversalizar e assistencializar as ações, reduzindo os gastos sociais para o equilíbrio financeiro do setor público. Trata-se de política social residual que busca solucionar aquilo que não pode ser resolvido pelo mercado, pela comunidade ou pela família. A principal resposta dessa fase é a renda mínima, a qual, combinada ao apelo de solidariedade através de organizações da sociedade civil, estabelece que essa renda não pode ter um teto alto para não desestimular o trabalho. No final do período depressivo, entre 1914 e 1939, as políticas sociais se multiplicam e, no início do período de expansão após a Segunda Guerra Mundial, se generalizam. A crise mundial de 1929/1932 promove mudança de direção na atitude da burguesia, em relação à sua certeza sobre as respostas automáticas do mercado, o que se expressa na chamada revolução keynesiana. A sustentação pública de um conjunto de medidas anticrise ou anticíclicas é o ponto comum das proposições de Keynes. Para Mandel (1982 apud Behring, 2009), tais medidas, dentre elas as políticas sociais, conseguiram, na melhor das hipóteses, a redução e amortecimento da crise. Mas, veja-se como se explica, pela ótica marxista, o longo período de expansão após a Segunda Guerra Mundial, bem como o significado das políticas sociais naquele contexto. Observa-se o crescimento da composição orgânica do capital 2, o aumento da taxa de mais-valia3 (o que pressupõe derrotas do movimento operário) e a baixa dos preços das matérias primas. Essa situação cria seus próprios obstáculos, que estão na base do esgotamento da expansão capitalista no final dos anos de 1960. Com a redução do exército industrial de reserva4 na situação de pleno emprego promovida pelo keynesianismo, ampliou-se a resistência do movimento operário, baixando a taxa de mais-valia num tempo histórico mais largo. Houve, ainda, uma generalizada incorporação da revolução tecnológica na produção, diminuindo os 2 Expressão em valor da composição técnica do capital, que por sua vez é a razão entre a massa dos meios de produção e o trabalho necessário para pô-los em movimento. O aumento da composição orgânica do capital significa uma redução do número de trabalhadores necessários por unidade de meios de produção, sem diminuir a produção. Ao contrário, trata-se de diminuir seus custos perseguindo um aumento da extração da mais-valia (BOTTOMORE, 1988, p. 69). 3 Sendo a força de trabalho uma mercadoria cujo valor é determinado pelos meios de vida necessários à sua subsistência, se este trabalhar além de um número de horas, estará produzindo um valor a mais, um valor excedente, sem contrapartida, denominado por Marx de mais-valia. A taxa de mais-valia é a relação entre a mais-valia e o capital variável (salários) e define o grau de exploração sobre os trabalhadores. Mantendo-se inalterados os salários reais, a taxa de mais-valia tende a elevar-se quando a jornada ou a intensidade do trabalho aumentam (SANDRONI, 1992, p. 201). 4 Também caracterizado por Marx como superpopulação relativa excedente. Trata-se de uma reserva de força de trabalho que é inerente ao processo de acumulação do capital. Este é impulsionado pela concorrência e pela busca de lucros a aplicar novos métodos e tecnologias de produção poupadoras de mão-de-obra, já que ampliam a produtividade do trabalho. O exército industrial de reserva também contém a pressão operária sobre o aumento dos salários. Ele é ampliado, ainda, pela não absorção total da mão-de-obra jovem, pela mecanização da agricultura e processos migratórios daí decorrentes, e falência de pequenas empresas, pressionadas pela concentração de capitais (BOTTOMORE, 1988, p. 144; SANDRONI, 1992, p. 128). 18 lucros extraídos do anterior diferencial de produtividade do trabalho 5. A concorrência é acirrada, bem como a especulação. Há uma estagnação do emprego e da produtividade, o que gera uma forte capacidade ociosa na indústria. Assim, configurou-se uma superabundância de capitais, acompanhada de uma queda dos lucros. (BEHRING, 2009 p. 14-15) É na era do keynesianismo que ocorre a evolução da política social como estratégia anticíclica. Mas, antes disso, houve pressão do movimento operário em relação à insegurança da existência (desemprego, invalidez, doença, velhice), impondo o princípio dos seguros sociais. “Esse processo levou ao princípio da segurança social, a partir do qual os assalariados deveriam ter cobertura contra toda perda de salário corrente”. (BEHRING, 2009). Como gestor de medidas anticrise, o Estado implementa sistemas nacionais de seguridade, tomando emprestadas as enormes somas disponibilizadas por esses mecanismos de poupança forçada, a partir do qual desencadeia ações anticíclicas. Mas as ações da seguridade social, sozinhas, não conseguem garantir um efeito anticíclico. É preciso ampliar o conceito de seguridade social, que tem como seu núcleo inicial o sistema previdenciário, para além dos seguros sociais, diz respeito a um conjunto de medidas econômicas e políticas como “[...] compra de equipamentos de consumo coletivo; garantia estatal dos preços da cesta básica para populações de baixa renda, entre inúmeras outras formas.” (BEHRING, 2009, p. 16) Como parte de uma estratégia política e econômica, a política social é um fato decorrente, segundo Behring (2009), de uma “crise de legitimação política articulada à queda dos gastos na área social”. Para milhões de famílias, os benefícios e serviços sociais são fundamentais no dia-a-dia. As políticas sociais são concessões/conquistas mais ou menos elásticas, a depender da correlação de forças na luta política entre os interesses das classes sociais e seus segmentos envolvidos na questão. No período de expansão, a margem de negociação se amplia; na recessão, ela se restringe. Portanto, os ciclos econômicos, que não se definem por qualquer movimento natural da economia, mas pela interação de um conjunto de decisões ético-políticas e econômicas de homens de carne e osso, balizam as possibilidades e limites da política social. (BEHRING, 2009 pg. 19) 5 Renda tecnológica proveniente da maior produtividade do trabalho num mesmo ramo de produção. Uma empresa que possui tecnologia de ponta produz a um menor custo em relação às demais no mesmo ramo, extraindo maiores lucros, no contexto da concorrência (BEHRING, 2002, p. 125). 19 É possível perceber que a economia política desenvolve-se, historicamente, em função das condições objetivas e subjetivas e, neste contexto, a política social deve ser considerada inserida na relação desses processos na totalidade. Na boa síntese de Netto (2006), as tendências que operam no campo das políticas sociais são: a desresponsabilização do Estado e do setor público com uma política social de redução da pobreza articulada coerentemente com outras políticas sociais (de trabalho, emprego, saúde, educação e previdência); o combate à pobreza opera-se como uma política específica; a desresponsabilização do Estado e do setor público, concretizada em fundos reduzidos, corresponde à responsabilização abstrata da “sociedade civil” e da “família” pela ação assistencial; enorme relevo é concedido às organizações não-governamentais e ao chamado terceiro setor; desdobra-se o sistema de proteção social: para aqueles segmentos populacionais que dispõem de alguma renda, há a privatização/mercantilização dos serviços a que podem recorrer; para os segmentos mais pauperizados, há serviços públicos de baixa qualidade; a política voltada para a pobreza é prioritariamente emergencial, focalizada e, no geral, reduzida à dimensão assistencial. (BEHRING, 2009, p. 22) O sistema de proteção social brasileiro desenvolveu-se, de modo geral, diverso daquele observado na Europa, segundo Yazbek (2012, p. 11). A autora afirma que “... as peculiaridades da sociedade brasileira, de sua formação histórica e de suas dificuldades em adiar permanentemente a modernidade democrática, pesaram fortemente nesse processo.” Com isso, o acesso a bens e serviços sociais é caracterizado pela desigualdade, heterogeneidade e fragmentação. O sistema de proteção social não é uma reação automática às necessidades, “mas representam formas históricas de consenso político, de sucessivas e intermináveis pactuações que, considerando as diferenças no interior das sociedades, buscam incessantemente responder a, pelo menos, três questões: quem será protegido? Como será protegido? Quanto de proteção?” (YAZBEK Silva; GIOVANNI, 2008:16, apud YAZBEC M. C., pg. 6). Colin (2007) refere-se a estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o qual [...] aponta as cinco áreas que integram a proteção social: 1. a política de assistência social como política de enfrentamento das desigualdades; 2. a política do trabalho como geradora de emprego e renda; 3. a política de previdência social como asseguradora da força de trabalho e das condições de aposentadoria; 4. as políticas de educação e saúde como condição essencial para a cidadania; e 5. as políticas de infraestrutura que potencializam o desenvolvimento. (COLIN, 2007, p. 2) 20 Em 1993, o artigo 204 da Constituição Federal (CF) foi regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), a qual, em seu artigo primeiro, define a Política de Assistência Social como “[...] direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir atendimentos às necessidades básicas”. (COLIN, 2007, p. 2). Para implantar e implementar esta política, a partir da IV Conferência Nacional de Assistência Social em 2003, foi proposto o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sistema este estabelecido na resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) 145/2004 que aprovou a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e, em 2011, inserido no texto da LOAS através da lei federal 12.435. O SUAS consolida-se com a edição da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) em 2005 e, posteriormente, com a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB/RH) disciplinando os recursos humanos mínimos necessários ao funcionamento de seus programas e serviços. Mas somente em 2009, o CNAS descreve quais são os serviços típicos da Política de Assistência Social através da Resolução CNAS 109/2009. A proteção social procura responder às necessidades do capital, mas também do trabalho, pois muitos dependem desta para sobreviver. Assim, nesse processo permanente de disputa torna-se um importante instrumento de luta de classes e como defesa de condições dignas de existência, e, em última instância, de garantia dos direitos humanos. 1.3 O QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS Se andarmos pelas ruas e perguntarmos às pessoas o que são os direitos humanos, obteremos várias respostas. Elas poderiam dizer sobre os direitos que conhecem, mas muito poucas conhecem os seus direitos. Nosso desenvolvimento histórico nos levou, por diversas circunstâncias, a um sentido de vida muito individualista e egoísta. Isso se tornou difícil e as pessoas se sentem injustiçadas em função de uma injustiça que outro sofreu, mas, em observação contrária, é percebida quando somos injustiçados e não recebemos o apoio de outro. 21 Direitos Humanos é uma forma sintética de nos referirmos a direitos fundamentais da pessoa humana, aqueles que são essenciais à pessoa humana e que precisa ser respeitada como pessoa. São aqueles necessários para a satisfação das necessidades humanas fundamentais. Respirar é uma necessidade básica, portanto a pessoa tem direito a um ar puro e não ar poluído que pode ser o caminho da morte . (DALLARI, 200-, p. 1) Enquanto as nações ou grupos especializados usufruem dos direitos específicos que se aplicam só a eles, os direitos humanos são os direitos aos quais todas as pessoas têm direito, não importa quem sejam ou onde morem, simplesmente porque estão vivos. 1.3.1 O Contexto dos Direitos Humanos Apresenta-se, nos parágrafos seguintes, um breve contexto dos direitos humanos segundo Dalmo Dallari (200-), para o qual, apesar das divergências, muitos autores afirmam ter sido, na Grécia Antiga, o aparecimento primeiro na história. Refere-se a um dos textos de Sófocles onde Antígona responde ao rei que agiu “... em nome de uma lei que é muito mais antiga do que o rei, uma lei que se perde na origem dos tempos, que ninguém sabe quando foi promulgada”. Mas é a Idade Média um momento de rever valores, e o cristianismo passa a ter uma influência muito grande na vida política, aparecendo, no final desta época histórica, Santo Tomás de Aquino, o qual discute diretamente a questão dos direitos humanos, retornando a Aristóteles e dando à filosofia a visão cristã, para qual a fundamentação é teológica ou seja, “... o ser humano tem direitos naturais que fazem parte de sua natureza, pois lhe foram dados por Deus”. (DALLARI, 200-, p. 2) Como consequência, desenvolve-se uma linha teórica e política que levará à uma ambiguidade em sua utilização, levando-se a considerar que o direito dos reis eram direito natural, propiciando assim o surgimento do absolutismo. É também na Idade Média que se constituiu uma aristocracia a partir das famílias dos que lutaram contra os bárbaros, tornando-se proprietários de terras e sócios do poder real, os quais buscavam, no direito natural, o fundamento para seus privilégios e as justificativas para as violências contras aqueles que não tinham os mesmos privilégios. Chegando ao final da Idade Média, surge a burguesia, forte economicamente mas marginalizada do poder político, o que lhe faltava para defender direitos pessoais e seu 22 patrimônio. O crescimento político da burguesia favorece o crescimento dos direitos humanos, pois, no século XVII, acontece a primeira grande revolução burguesa, na Holanda, quando aparecem grandes pensadores liberais. Fruto da associação do burguês aos pensadores liberais, é que surge modernamente a liberdade como um valor. Ainda no século XVII, surge a liberdade como um valor nos Estados Unidos da América, a partir de uma revolução burguesa e, no final deste mesmo século, também burguesa, acontece a Revolução Francesa. Refletindo historicamente, verificamos que os direitos humanos foram concebidos como direitos naturais, impostos por Deus e vinham sendo utilizados contra os burgueses, em favor dos reis, em favor da aristocracia, para cometer violências. O burguês não rejeita esses direitos, mas os reclama para si também. Aparecem pensadores, considerados liberais, como Espinoza, Locke, Rosseau, Montesquieu, que pregam a existência dos direitos fundamentais como a liberdade e a igualdade. (DALLARI, 200-, p. 3) Segue Dallari (200-) afirmando que o século XVIII está muito presente em nossa CF, a qual foi concebida como um acordo entre iguais, mas na verdade não existe essa igualdade. Observa ainda que nosso Parlamento não funciona porque foi concebido para uma sociedade do século XVIII. “Porque não usamos o computador para saber a opinião das pessoas, pois temos a loteria esportiva que é a captação de opiniões. Porque só para a opinião esportiva?” (DALLARI, 200-, p. 3) A humanidade mergulhou em duas grandes guerras nos século XX. Após isso se aprova em 1948, pela ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este é um dos documentos mais importantes na formulação dos direitos fundamentais, porém ainda não efetivado em sua plenitude. Na Constituição Federal brasileira, segundo Dallari (200-), há ênfase muito grande na liberdade e pouco à igualdade. Questiona o autor como fica a liberdade para aquele que não possui dinheiro, e se resolve alguma coisa dizer a um “... favelado você é livre, o Estado não vai interferir na sua vida, use sua miséria como você quiser?” O direito positivado em nossa CF é um instrumento que pode e deve ser utilizado para a promoção dos direitos humanos, tendo a CF recepcionado os fundamentos destes internacionalmente reconhecidos em importantes documentos. 23 1.3.2 Principais documentos internacionais dos direitos humanos positivados Se olharmos somente pelo direito positivado no século XX, ou seja, aquele composto por todas as leis, decretos, tratados etc., aprovados e com vigência em um determinado tempo e espaço, encontraremos diversos documentos existentes que garantem os direitos humanos. Dentre eles, é possível destacar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966); Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). O fato de se ter dois pactos aprovados no mesmo ano pode causar estranheza, mas é preciso recordar que, nessa época, o mundo vivia ainda a sombra da Guerra Fria6 e a polarização entre comunismo e capitalismo. Essa divisão acabou por ser refletida nos pactos e, apesar de eles terem a mesma importância e validade, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi mais fortemente implantado pelo Ocidente7, enquanto o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais teve sua efetivação mais aprofundada pelo Oriente. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, conhecidos como direitos de primeira geração, é composto por direitos e liberdades como: [...] direito à autodeterminação; direito à garantia judicial; igualdade de direitos entre homens e mulheres; direito à vida; proibição da tortura; proibição da escravidão, servidão e trabalho forçado; liberdade e segurança pessoal; proibição de prisão por não cumprimento de obrigação contratual; liberdade de circulação e de residência; direito à justiça; direito à personalidade jurídica; proteção contra interferências arbitrárias ou ilegais; liberdade de pensamento, de consciência e de religião; liberdade de opinião, de expressão e informação; direito de reunião; liberdade de associação; direito de votar e de ser eleito; igualdade de direito perante à lei e direito à proteção da lei sem discriminação; e ainda direitos da família, das crianças, das minorias étnicas, religiosas e linguísticas. (MODELL, 2000) Nesses direitos de primeira geração, se faz mais forte o senso de não intervenção do Estado sobre a vida do cidadão, sendo as liberdades seu enfoque principal. 6 Guerra Fria é a designação atribuída ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, compreendendo o período entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991). Em resumo, foi um conflito de ordem política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência. (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria>) 7 A diferença entre Ocidente e Oriente nessa situação está se referindo como o usado politicamente e temporariamente em meados para o final do século XX se referindo ao antagonismo entre os blocos capitalistas e socialistas durante a Guerra Fria. (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Mundo_ocidental>) 24 O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, direitos esses tidos como sendo os de segunda geração, traz na sua compreensão, por exemplo: [...] direito ao trabalho, incluindo remuneração igual para homens e mulheres; direito a formar sindicatos; direito de greve; direito à previdência e assistência social; direitos da mulher durante a maternidade; direitos da criança, incluindo proibição ao trabalho infantil; direito a um padrão de vida razoável que inclua alimentação, vestuário e moradia; direito a todos seres humanos de estarem a salvo da fome; direito à saúde mental e física; direito à educação; e direito a participar da vida cultural e científica do país. (MODELL, 2000) Nos dois Pactos mencionados acima os direitos da criança estão presentes, logo, estes são sujeitos de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais etc.. Em todos os documentos de Direitos Humanos, vamos observar que estes são indivisíveis, interdependentes e correlacionados não havendo hierarquia entre os mesmos. Aborda-se na sequencia os princípios fundamentais da universalidade, responsabilidade, indivisibilidade, participação os quais podem subsidiar a discussão de nosso tema. O princípio de universalidade determina que os direitos sejam aplicados de maneira igual para todas as pessoas e, com isso temos o conceito da não discriminação que, por lógica, afirma que meninos e meninas têm direitos iguais. Esse princípio ainda evidencia que todos os direitos aplicam-se em todo lugar e a qualquer tempo. Importante ressaltar que, quando os Estados-partes ratificam os tratados, tornam-se responsáveis por todos os cidadãos. As crianças são reconhecidas como portadoras de direitos e não como objetos de caridade. O princípio da responsabilidade torna os Estados os primeiros responsáveis pela garantia dos direitos, devendo, para tal, após ratificar um tratado internacional, respeitar os direitos do cidadão através de uma legislação adequada, e proteger para que não sejam violados por terceiros, além de assegurar integralmente esses direitos por meio de medidas apropriadas e efetivas. Outro princípio presente nos documentos internacionais dos direitos humanos é o da indivisibilidade. Os direitos são indivisíveis, interdependentes e correlacionados. Exemplificadamente, podemos dizer que, para o exercício do direito ao voto (direito político), depende do direito à informação e à educação, sem os quais o exercício do direito político fica prejudicado. Nenhum grupo de direitos é mais importante que o outro e, embora sejam igualmente importantes, os recursos são limitados e temos que estabelecer prioridades sem perder o enfoque holístico. No estabelecimento de prioridades, outro princípio que se faz presente é o 25 da participação, pois o indivíduo tem direito de participar da vida política e cultural, sendo as crianças reconhecidas como agentes sociais de suas próprias vidas, bem como da sociedade. Infelizmente, se observarmos os espaços de conferências dos direitos da criança e do adolescente, espaços esses que deveriam ser privilegiados de participação, essas se dão formalmente sem, efetivamente, ser reflexo de organização e participação autônoma e independente de crianças e adolescentes. Em função do princípio de participação, os Estados são obrigados a estimular a participação das pessoas em todas as esferas, mas, na prática, essa participação é controlada. Toma-se por exemplo, para justificar tal afirmação, a própria composição dos segmentos8 presentes nas conferências ou mesmo dos Conselhos da Criança. O princípio de participação está também presente na Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC). Essa convenção é considerada um marco de afirmação dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Teve sua aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1989 e foi ratificada por 192 países, sendo que Estados Unidos da América e a Somália não ratificaram. No ano de 2000, foram aprovados dois protocolos facultativos: um relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantis; outro, ao envolvimento de crianças em conflitos armados. Ambos os protocolos já foram ratificados pelo Brasil. Mas, para chegar a esse importante documento, o mundo percorreu um caminho que se iniciou em 1924 com a Declaração de Genebra dos direitos da criança, passando em 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1959, pela segunda Declaração dos Direitos da Criança e, em 1966, pelos dois Pactos internacionais dos direitos humanos (civis e políticos; econômicos e sociais). Foi por ocasião dos 20 anos da segunda Declaração que foi instituído um grupo de especialistas para elaborar o que se tornou, em 1989, a CDC. Num primeiro momento, pode parecer tempo demasiado, no entanto, foi um grande feito da diplomacia internacional ter conseguido, em 10 anos, discutir e conciliar um acordo com tantos países com culturas diferentes. É possível ressaltar de seu conteúdo, inicialmente, a definição de que “[...] criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”. Segue discorrendo sobre a liberdade e direitos civis, ambiente familiar e cuidados alternativos. 8 Os segmentos tradicionais que estão representados e participam com maior número em conferências, regionais, estaduais e nacional são: conselheiros de direitos governamentais e não governamentais; conselheiros tutelares; entidades governamentais e não governamentais; adolescentes. Em menor número estão outros representantes de órgãos públicos e representantes do Fórum DCA. 26 Mas todos esses compromissos internacionais assumidos, para serem ratificados, os Estados-parte devem adequar sua legislação interna, ou seja, a Constituição, e, por consequência, leis federais e demais regulamentos. 1.3.2.1 A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança - CDC A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989 e vigente desde 1990, ratificada pelo Brasil nesse mesmo ano, destaca-se como o tratado internacional de proteção dos direitos humanos com o mais elevado número de ratificações. “Foi ratificado por 192 países. Somente dois países não ratificaram a Convenção: os Estados Unidos e a Somália - que sinalizaram sua intenção de ratificar a Convenção ao assinar formalmente o documento”. (UNICEF, Brasil) A Convenção possui um preâmbulo e 54 artigos sendo que, do primeiro ao 40, são artigos de direitos, do 41 ao 45, dispõe sobre o monitoramento e, do 46 ao 54, sobre a ratificação. Dentre seus artigos, a convenção tem quatro princípios gerais: não discriminação no artigo segundo; o do interesse superior da criança no artigo terceiro; direito à sobrevivência e desenvolvimento no artigo sexto e, por último, o de participação no artigo 12. Os direitos previstos na Convenção incluem: o direito à vida e à proteção contra a pena capital; o direito a ter uma nacionalidade; a proteção ante a separação dos pais; o direito de deixar qualquer país; o direito de entrar e sair de qualquer Estado-parte para fins de reunificação familiar; a proteção para não ser levada ilicitamente para o exterior; a proteção de seus interesses no caso de adoção; a liberdade de pensamento, consciência e religião; o direito ao acesso a serviços de saúde,descanso, lazer, divertimento, atividades recreativas, participação na vida cultural e artística, devendo o Estado reduzir a mortalidade infantil e abolir práticas tradicionais prejudiciais à saúde; o direito a um nível adequado de vida e segurança social; o direito à educação, devendo os Estados oferecerem educação primária compulsória e gratuita; a proteção contra a exploração econômica, com a fixação de idade mínima para admissão em emprego; a proteção contra o envolvimento na produção, tráfico e uso de drogas e substâncias psicotrópicas; a proteção contra a exploração e o abuso sexual. (LOBO, 2005) Complementarmente, foram adotados dois Protocolos facultativos à Convenção dos Direitos da Criança: o Protocolo Facultativo sobre a Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis, e o Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento das Crianças em Conflitos Armados. O Brasil já superou a ideia de prostituição infantil por entender que crianças e adolescentes são violentadas, exploradas e abusadas. 27 Esses dois Protocolos procuram o fortalecimento de medidas protetivas no que diz respeito às violações sobre as quais se referem. O protocolo sobre a Prostituição Infantil obriga aos Estados-parte que proíbam a venda de crianças, a prostituição e a pornografia infantis. O Protocolo sobre Conflitos Armados define, no seu primeiro artigo, que “Os Estadosparte devem adoctar todas as medidas possíveis para assegurar que os membros das suas forças armadas que não atingiram a idade de 18 anos não participam directamente nas hostilidades.” Em seu artigo quarto, amplia inclusive essa proibição ao recrutamento por grupos armados. O Comitê sobre os Direitos da Criança é o mecanismo de controle e fiscalização criado pela Convenção, ao qual cabe monitorar a implementação da Convenção através do exame de relatórios periódicos (cada cinco anos) encaminhados pelos Estados-parte. Esse Comitê é formado por 18 membros eleitos por méritos individuais por seus países. A cada quatro anos, é feita eleição e os membros têm o papel de análise dos relatórios bem como requerer maiores informações aos Estados-parte sobre a implementação da CDC. Após a análise do relatório, o Comitê emite recomendações que devem ser seguidas pelo Estado-parte que apresentou o relatório. Ana Maria Lima Lobo (2005), ao finalizar sua análise, observa que A integralidade dos protagonistas da proteção a que se refere o artigo terceiro implica em que os Estados-partes, sociedade e família são co-responsáveis pela proteção e promoção dos direitos da criança. Os Estados-partes atuam por meio de políticas públicas; a sociedade por meio da participação na elaboração de políticas públicas e na fiscalização da política de atendimento à criança e ao adolescente; e a família atua por meio do suporte para o crescimento social, emocional, harmônico e saudável da criança. (LOBO, 2005) Compondo o Sistema Internacional dos Direitos Humanos há o Sistema Interamericano e, como documento maior deste, a Convenção Americana que foi aprovada em 1969. 1.3.2.2 A Criança e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos O sistema interamericano dos direitos humanos é composto pela Convenção Americana e pela Carta da Organização dos Estados Americanos. A Convenção Americana 28 aprovada em 1969 é o instrumento de maior importância dentro desse sistema. No Brasil, a Convenção entrou em vigor em 1992. Qualquer pessoa, grupo ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-Membros da organização pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação às disposições da Convenção Americana por um Estado-parte. Em seu artigo 19, a Convenção Americana (1969) dispõe sobre os direitos da criança: “Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado”. No artigo 27, ao discorrer sobre a suspensão de garantias em “[...] caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do EstadoMembro, [...]” exclui essa suspensão de garantias quando se refere aos direitos da criança. A Convenção constitui a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, composta por sete membros, com a “[...] função principal de promover a observância e a defesa dos Direitos Humanos [...]”. Um dos motivos para que muitos deixem de procurar o auxílio no caso de violação dos direitos da criança é o desconhecimento dos mecanismos previstos na Convenção. Outro motivo que contribui é que a Comissão não possui escritórios regionais dificultando esse acesso. Portanto, a criança e o adolescente brasileiros encontram-se sujeitos, além dos direitos fundamentais disciplinados no artigo 5º da Constituição Federal, também às garantias e direitos fundamentais disciplinados na Convenção Americana de Direitos Humanos. Ainda assim, infelizmente, a violência contra a criança e o adolescente ainda é uma dura realidade. O sistema interamericano de proteção precisa ser aprimorado, buscando proximidade das dificuldades enfrentadas na defesa dos direitos humanos, garantindo o acesso à Corte Interamericana de Direitos Humanos a fim de que diminuam significativamente os casos de violações aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Americana. (LOBO, 2005, p. 08) As tentativas de impedir, através de leis, que violações aconteçam não são recentes. Na história do Brasil, encontramos diversas passagens com registro de projetos ou leis que buscam proteger a infância. 29 1.3.3 Direitos humanos e legislação interna O primeiro projeto de proteção à infância do qual se tem conhecimento foi enviado à Assembleia Constituinte de 1823 por José Bonifácio de Carvalho, no período do Império, no qual estabelecia que: [...] a escrava, durante a prenhez e passado o terceiro mês, não será obrigada a serviços violentos e aturados; no oitavo mês só será ocupada em casa, depois do parto terá um mês de convalescença e, passado este, durante um ano, não trabalhará longe da cria. (CARNEIRO, 2005, pg. 30) A Lei do Ventre Livre (1871) começou a evidenciar o problema do jovem abandonado. O governo cria, com isso, o primeiro sistema de atendimento à criança e ao adolescente. Assim, a roda dos expostos, em 1896, foi transformada na “Casa dos Expostos” em decorrência do aumento do número de crianças que a esta eram submetidas, e também pela deficiência da proteção dada pelas amas pagas para alimentar as crianças no período de adaptação. O Estado, com a implantação da República, intensifica a atenção para o problema do jovem abandonado a partir da criação do Fundo de Assistência ao Menor e de seu Conselho Diretor, instituído como órgão de Planejamento do Serviço Social. O Código de Menores, redigido por Mello Mattos, foi aprovado em 1927. Destacavase, dentre os dispositivos apresentados, uma detalhada descrição das atribuições da autoridade competente – o Juiz de Menores. Sob sua esfera de ação, encontram-se os "Infantes com menos de 2 anos de idade, criados fora das casas dos paes", os menores nos "asylos dos expostos", as nutrizes de aluguel, as residências, as escolas, as vias públicas, os estabelecimentos de recolhimento e internação de menores, as oficinas, as indústrias, etc. Eram também da competência do Juizado de Menores a suspensão do Pátrio Poder e as ações dirigidas aos menores abandonados, delinquentes, "pervertidos" ou que estivessem em "perigo de o ser". Criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), em dezembro de 1964, a esta foi delegada pelo Governo Federal a implantação da Política Nacional do BemEstar do Menor. 30 Sendo assim, em outubro de 1979, passa a vigorar a Lei n.º 6.697/79, popularmente conhecida como Código de Menores, que só é revogada com a aprovação da Lei n.º 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em julho 1990. Mas antes da aprovação do Estatuto, temos a Assembleia Nacional Constituinte que aprovou a Constituição Federal de 1988 e nesta já foi inserida o princípio da prioridade absoluta à crianças e adolescentes em seu artigo 227. Nossa Constituição, em seu artigo 5°, §3° previu que “[...] os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” (CF, 1988) Decorre, conforme o disposto acima, que nossa Constituição torna-se adequada ao compromisso firmado perante a comunidade internacional quando houver aprovação da forma exposta. Além da adequação Constitucional, há que se ajustar ou aprovar legislação específica infraconstitucional para tal. Nesse entendimento, a aprovação da lei federal 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, torna-se consequência do compromisso assumido perante a Assembleia das Nações Unidas quando da aprovação da CDC. Essa adequação interna foi realizada, inicialmente, na Constituição em seu artigo 227, e, posteriormente, com o ECA para plena efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Para a efetivação dos direitos humanos, nosso Estado-parte (Brasil) se constitui na Carta Magna como uma República Federativa “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios [...]”, sendo o poder emanado “do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (CF, 1988). Deriva da afirmação acima a responsabilidade dos Estados e Municípios pela efetivação dos direitos humanos, ressalvada as devidas competências. Não podem então, Estados e Municípios, negarem-se à referida promoção sob o argumento de que é a União (Governo Federal) a responsável por tal. O Princípio da Dignidade da pessoa humana, inscrito no primeiro artigo de nossa Constituição, traz, segundo Alvarenga (1998, apud Lobo, 2005, p. 08), “um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida, acompanhando o homem até a sua morte”. Esse princípio, contudo, é violado toda vez que a criança e o adolescente sofre qualquer tipo de mau-trato. A dignidade da pessoa humana não 31 consegue conviver com a humilhação, o descaso, o desrespeito à intimidade física e psíquica do ser humano. Os artigos terceiro e quinto ao sétimo dispõem sobre a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização e o bem estar de todos, proibidas quaisquer formas de discriminação; o princípio da igualdade, da liberdade e do respeito à intimidade e à incolumidade física, dentre outros; o direito à educação, à saúde, à proteção, à infância e à segurança. Entre os artigos 226 a 230, encontramos o Capítulo VII (DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE E DO IDOSO). Nesse capítulo, encontramos o artigo 227 trazendo: a) o princípio da prioridade absoluta; b) a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado pela promoção dos direitos da criança e do adolescente; c) o direito à proteção especial; e d) diretrizes para política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente. (LOBO, 2005, p. 09) Mas foi a lei federal 8.069/90, que aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentando, no âmbito infraconstitucional, a proteção integral à criança e ao adolescente. Aprovado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente rompe com a doutrina da situação irregular do Código dos Menores vigente até então. Esse Código, superado pelo ECA, dizia que “[...] o sistema jurídico da infância e juventude deveria incidir sob a esfera dos indivíduos menores de dezoito anos quando esses se encontrassem em situação irregular. O artigo 2º dessa lei define as situações irregulares”. (LOBO, 2005, p. 09) Inspirado pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e pela Constituição Federal, o ECA inaugura o paradigma da doutrina da proteção integral, abrangendo as esferas civil, administrativa, judicial, política, mídia, etc., em razão dos direitos superiores das crianças. O ECA é considerado, por operadores do direito, revolucionário em matéria de proteção aos direitos da infância, pois, além de absorver os conceitos da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, especialmente a doutrina da proteção integral, inovou “[...] estabelecendo parcerias entre governo e sociedade civil e definindo linhas de ações e diretrizes político-administrativas para o atendimento à criança e ao adolescente. (Lobo, 2005, p. 09) A lei federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) pode ser vista 32 [...] como o conjunto de regras que visam modelar a participação social de indivíduos, grupos e coletividade, em seus papéis de pais, mães, irmãos, amigos e companheiros. Ampliou o rol de direitos das crianças e adolescentes e acentuou a importância da família, das instituições e da comunidade, como responsáveis pela formação destes indivíduos. (LOBO, 2005, p. 10) Essa participação social encontra desdobramentos práticos, como as previstas no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), nas ações programáticas previstas no eixo da educação básica, as quais abordam diretamente a questão da participação da criança: 4- Desenvolver uma pedagogia participativa que inclua conhecimentos, análises críticas e habilidades para promover os direitos humanos; 11- Favorecer a inclusão da educação em direitos humanos nos projetos políticopedagógicos das escolas, adotando as práticas pedagógicas democráticas presentes no cotidiano; 17 – Incentivar a organização estudantil por meio de grêmios, associações, observatórios, grupos de trabalhos entre outros, como forma de aprendizagem dos princípios dos direitos humanos, da ética, da convivência e da participação democrática na escola e na sociedade; 21 – Dar apoio técnico e financeiro às experiências de formação de estudantes como agentes promotores de direitos humanos numa perspectiva crítica; (PNEDH, 2007, p. 33-34) Este plano desafia a escola a se reconhecer local privilegiado para a estruturação de concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas humanizadoras (PNEDH, 2008, p. 31). 1.4 CONSIDERAÇÕES A partir de vivências e dos estudos realizados é possível considerar que as relações de classe estabelecidas na sociedade marcam a organização e papel do Estado frente a essa mesma sociedade. A classe dominante, ao ter privilégios obtidos frente à desigualdade e à exploração, utiliza-se do Estado e dos seus aparelhos para manter está situação. Essa relação de dominação não é pacífica, pois há resistência dos dominados e explorados que buscam mudar a situação em que se encontram. As leis têm sido, neste Estado democrático de direito, o argumento de neutralidade entre as classes com o discurso de que são para todos. Mas o resultado da disputa presente nas relações de classe, e mesmo sua 33 aplicação ou efetivação, nos casos das políticas sociais, por exemplo, depende do resultado dessas forças em disputa num dado momento. As políticas sociais no Estado atual continuam sendo, como observou Behring (2009), de interesse tanto da classe burguesa (dominante) como dos trabalhadores (dominados, explorados). A burguesia as utiliza como estratégia anticrise e como garantia mínima de sobrevivência e reprodução da mão de obra assalariada. Por seu lado, os trabalhadores a buscam, por segurança e condições de bem estar, para garantir o mínimo de dignidade. Nesse processo de disputa, como se pode perceber no desenvolvimento histórico dos direitos de crianças e adolescentes, as mudanças na base normativa internacional e nacional apontam, cada vez mais, para a garantia dos direitos humanos, mas sua efetivação continua dependendo do processo de disputa. Ressalta-se que os documentos de direitos humanos também estão permeados de ideologia e são reflexo das disputas presentes na sociedade. Diversas declarações, pactos e convenções ressaltam a obrigação de especial proteção a crianças e adolescentes como sujeitos em desenvolvimento, e que se deve propiciar a todas elas as facilidades e oportunidades para seu pleno desenvolvimento. Contrariamente às inúmeras regras de proteção a crianças e adolescentes, percebemos, segundo fontes oficiais do disque 100 nacional, um aumento de denúncias de maus-tratos (abuso, crueldade, opressão, exploração, negligência), o que não significa, necessariamente, um aumento da violência praticada, mas esse aumento está, ainda, longe de um ideal defendido e concordado por uma sociedade que se diz civilizada. As violências sofridas na infância ficam registradas na memória individual e, de certa forma, tornam-se parte do aprendizado de como relacionar-se com o outro. Se os laços sociais não são fortes, esses exemplos podem marcar profundamente o modo de agir e reagir quando adulto, pois “[...] para relatar seus sofrimentos, uma pessoa precisa antes de mais nada encontrar uma escuta”. (POLLACK, 1989). Quando essa escuta não acontece, vemos um círculo de violência se reproduzindo independente de termos uma normativa avançada de proteção a crianças e adolescentes. O conflito entre memória coletiva e individual pode expressar a contradição entre a consciência e a necessidade da sociedade proteger suas crianças, mas também revela, ainda, que a memória individual não foi esquecida, encontra-se tão somente silenciada, prestes a irromper no momento (in)apropriado. 34 O conceito e concepção de crianças e adolescentes bem como de infância são uma construção histórica9. Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o termo "menor" foi abolido, passando a definir todas as crianças como sujeito de direitos, com necessidades específicas, decorrentes de seu desenvolvimento peculiar, e que, por conta disso, deveriam receber uma política de atenção integral a seus direitos construídos social e historicamente. A mudança é radical, vai à raiz: o menor deixa de ser visto como menor e retoma seu lugar de criança. O menor passa a ser visto como cidadão de direitos e não como um expectador das tentativas de sabê-lo vítima ou responsável pelos descalabros sociais. A criança volta a ocupar o seu lugar de um ser humano, de um sujeito construído historicamente, com direitos e deveres que devem ser exercidos hoje, com uma vida concreta que pode ser muito dura e distante do sonho dourado da infância mítica da classe média. (FROTA, 2007, p. 153) Certamente, tivemos muitas conquistas ao reconhecermos a criança e o adolescente como sujeitos de direito, mas toda essa conquista não significa garantia de que as pessoas já estejam preparadas para um relacionamento adequado com a criança e o adolescente, contudo, garante a existência de mecanismos legais que podem contribuir para coibir a prática de violência contra eles. Mesmo considerando o discurso da classe hegemônica de neutralidade do Estado e de que este se submete à Carta Maior a qual assegura diversos direitos a crianças e adolescentes, estes direitos não são efetivados conforme estão normatizados por este Estado, pois são a expressão da desigualdade e exploração presente nas relações de classe. Nesse quadro de desigualdade e de disputa, algumas conquistas abrem a possibilidade de participação direta do cidadão na definição daquelas políticas que o Estado deve efetivar. Essa possibilidade pode e deve ser utilizada como instrumento para tencionar a disputa, no sentido de ampliar e efetivar os direitos conquistados, na perspectiva de superação da desigualdade social. Se partirmos das premissas de que vivemos uma permanente correlação de relação de forças, de disputa de concepções de mundo, e de que nenhuma educação é neutra, ignorar o diálogo e não mobilizar a sociedade para a vivência da experiência participativa é uma opção que denota uma visão de infância e adolescência já superada, e um posicionamento político contrário às recomendações internacionais, à legislação e aos planos nacionais. 9 Para melhor entendimento sugere-se a leitura de FROTA, Ana Maria Monte Coelho. Diferentes concepções da infância e adolescência: a importância da historicidade para sua construção. In Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ, v. 7, n. 1, p. 147-160, abr. 2007. Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/7n1/artigos/pdf/v7n1a13.pdf. Acesso em 11de maio de 2014. 35 2 PARTICIPAÇÃO E CONTROLE NA DEFINIÇÃO DA POLÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES A Constituição Federal (1988) grafou, em seu artigo 227, as responsabilidades e a prioridade absoluta no atendimento aos direitos de crianças e adolescentes e, para tal, o parágrafo sétimo do mesmo artigo remeteu ao disposto no artigo 204. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. (BRASIL, 1988) Necessário ressaltar que, além dos recursos da seguridade, o artigo remete a outras fontes, sendo coerente com a responsabilidade definida no artigo 227, mas observa-se, atualmente, uma concentração à política de assistência social quando se discute a política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes, especialmente a proteção. Além do financiamento, dois outros aspectos relevantes merecem ser brevemente comentados. O primeiro diz respeito à descentralização político-administrativa, grande conquista da Constituição que reservou a coordenação e as normas gerais à esfera federal, mas que, na prática, não vem sendo efetivada, ao contrário, observa-se uma volta à centralização vivida ainda com o Código de Menores, a exemplo dos diversos programas definidos nacionalmente (Programa Bolsa Família, Segundo Tempo, Pró Jovem, etc.), cabendo aos municípios, basicamente, a sua administração. O segundo aspecto que deve ser oportunamente aprofundado é sobre a forma de participação popular, a qual está prevista por meio de organizações representativas, as quais são diferentes daquelas entidades de atendimento que hoje são quase a totalidade nos conselhos da criança e do adolescente. Dessa forma, reforçam uma lógica de definição da política pelos próprios executores, afastando o exercício do controle de forma mais qualificada. 36 A perspectiva que se impõe nessa discussão é a do direito, e não a da necessidade ou problema. Os cidadãos, de forma geral, são detentores dos direitos humanos, os quais podem ser classificados em direitos econômicos, civis, políticos, sociais, culturais e ambientais. Crianças e adolescentes também são cidadãos sujeitos de direitos, e as normativas internacionais relacionadas ao tema conferem a esse segmento especial atenção dos Estadosparte na efetivação dos direitos humanos. A legislação interna brasileira, especialmente com a aprovação do ECA, institui um sistema de garantia dos direitos humanos de crianças e adolescente, sistema esse que tem seu significado delineado da resolução no. 113 do Conanda: Art. 1º O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal. (CONANDA, 2006) Esse sistema está organizado em três eixos: promoção, defesa e controle. O eixo da promoção é o desenvolvimento da "política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente", conforme o artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente, através de três tipos de programas, serviços e ações públicas: I – Políticas sociais - Educação, Saúde, Assistência, Esporte, Cultura, Lazer, Habitação, Trabalho, etc.; II – Serviços e programas de execução de medidas de proteção e; III – Serviços e programas de execução de medidas sócio-educativas. Já no eixo da Defesa estão aqueles órgãos incumbidos de prestar proteção jurídicosocial: I - judiciais; II - público-ministeriais; III - defensorias públicas; IV - advocacia geral da união e as procuradorias gerais dos estados; V - polícia civil judiciária, inclusive a polícia técnica; VI - polícia militar; VII - conselhos tutelares; e VIII - ouvidorias. Também nesse eixo estão as entidades sociais de defesa de direitos humanos, incumbidas de prestar proteção jurídico-social, nos termos do artigo 87, V da ECA. No terceiro eixo, é realizado o controle das ações de promoção e defesa através de instâncias colegiadas, nas quais a participação é paritária entre representantes do governo e de entidades sociais. O primeiro nível de controle é exercido pelo CDCA‟s e, na sequência, pelos conselhos setoriais de políticas públicas como de educação, saúde, assistências, etc. No terceiro nível, 37 estão os órgãos de controle interno e externo como controladorias, ouvidorias e Tribunais de Contas. Para além destes níveis do controle que funcionam de forma integrada, está o controle social, o qual, segundo Res. 113 do Conanda (2006), é “[...] exercido soberanamente pela sociedade civil, através de suas organizações e articulações representativas”. Esta participação paritária requer, por parte da sociedade civil organizada10, conhecer a natureza jurídica destes conselhos bem como a dos mecanismos estratégicos como os Fundos da Infância e, sobretudo, saber como ter acesso à informação para o verdadeiro exercício de controle social. Abordam-se, na sequência, duas diretrizes para apontar alguns elementos para reflexão em relação à definição da política pública a que se refere a nossa temática principal, quais sejam: a descentralização político-administrativa e a municipalização. 2.1 A DESCENTRALIZAÇÃO E A MUNICIPALIZAÇÃO COMO DIRETRIZES DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES A Constituição Federal de 1988 inaugura um novo marco de organização do Estado e de relação com os Estados Federados, Distrito Federal e Municípios. Parte do poder, antes concentrado nas mãos da União, passa a ser dividido com os demais entes federados. Nesse novo acordo federativo, coube à União a coordenação e as normas gerais e, aos Estados e Municípios, a coordenação e execução dos respectivos programas. Essa descentralização concretiza-se com a transferência de funções e de recursos. Esse movimento em direção à descentralização nos anos 80 do século passado, teve dois catalisadores fundamentais, segundo Espinosa (2012): “... o desgaste da legitimidade e a crise fiscal do Estado”. Seguindo com suas observações o autor afirma que: [...] os governos enxergaram a descentralização como uma válvula de escape e administração da crise, visto que, ao envolver mais atores políticos e sociais para 10 Entendida aqui como a parcela da Sociedade civil que se constitui e se organiza atuando como força política na procura de soluções para os conflitos sociais. É a estrutura moldando-se em superestrutura para defender interesses da maioria, ou mesmo parciais, atuando em conjunto com o Estado e as forças de mercado, na „busca maior‟, qual seja, a de uma melhor simbiose com a Sociedade civil. (MARX, Ivan Claudio. Sociedade civil e sociedade civil organizada: o ser e o agir. Jus Navigandi, Teresina, ano11, n.1019, 16 abr. 2006). 38 atender funções e responsabilidades, logravam não só atenuar as crises, mas também socializar os problemas e proceder de maneira conjunta para sua solução, evitando, com isso, que a responsabilidade caísse apenas sobre os governos centrais ou federais. (ESPINOSA, 2012) Se as perspectivas colocadas com a descentralização e municipalização apontavam para uma aproximação e apropriação do poder por Estados e Municípios para a busca de solução de seus problemas, essa perspectiva encontra-se, em grande parte, frustrada, pois não veio acompanhada da devida transferência de recursos. Num movimento inverso ao pretendido, a descentralização onerou os Municípios de responsabilidades, ao passo que permitiu, ao governo federal, manter a centralização de recursos para fazer frente aos compromissos em relação à dívida. Para fazer frente aos compromissos e responsabilidades, Municípios se veem obrigados a aceitar transferências voluntárias oferecidas pela União, recursos esses insuficientes e, muitas vezes, não respeitando as áreas demandadas pelo mesmo. Por serem transferências voluntárias, cada vez mais os Municípios ficam reféns de acordos políticos e de intermediações de deputados e senadores para obtenção delas. Antes de avançar na discussão destas diretrizes, vejamos quais são as funções e como está organizada a estrutura administrativa do Estado para efetivar os direitos, porém com um recorte focando nos direitos sociais, entendidos como aqueles constantes em nossa Constituição Federal (CF): Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição - Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010 (BRASIL, 2010) A promoção desses direitos aos cidadãos está organizada e agrupada por meio de funções que se expressam no orçamento público e devem ser entendidas como o maior nível de agregação das diversas áreas que competem ao setor público, conforme expresso na Portaria Nº 117/1998, do Ministério do Planejamento e Orçamento (BRASIL, 1998). Dos direitos sociais elencados na CF, percebe-se que a maioria possui função própria no setor público, como se observa na tabela abaixo. 39 Tabela 01 - Direitos sociais e correspondentes funções e subfunções DIREITO SOCIAL FUNÇÕES Segurança 06 – Segurança Pública A proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (esses direitos podem estar em diversas funções) 08 – Assistência Social Previdência Social 09 – Previdência Social Saúde 10 – Saúde Trabalho 11 – Trabalho Educação 12 – Educação Cultura 13 – Cultura Moradia 16 – Habitação Lazer 27 - Desporto e Lazer SUB-FUNÇÕES 181 – Policiamento 182 – Defesa Civil 183 – Informação e Inteligência 241 – Assistência ao Idoso 242 – Assistência ao Portador de Deficiência 243 – Assistência à Criança e ao Adolescente 244 – Assistência Comunitária 271 – Previdência Básica 272 – Previdência do Regime Estatutário 273 – Previdência Complementar 274 – Previdência Especial 301 – Atenção Básica 302 – Assistência Hospitalar e Ambulatorial 303 – Suporte Profilático e Terapêutico 304 – Vigilância Sanitária 305 – Vigilância Epidemiológica 306 – Alimentação e Nutrição 331 – Proteção e Benefícios ao Trabalhador 332 – Relações de Trabalho 333 – Empregabilidade 334 – Fomento ao Trabalho 361 – Ensino Fundamental 362 – Ensino Médio 363 – Ensino Profissional 364 – Ensino Superior 365 – Educação Infantil 366 – Educação de Jovens e Adultos 367 – Educação Especial 391 – Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico 392 – Difusão Cultural 481 – Habitação Rural 482 – Habitação Urbana 811 – Desporto de Rendimento 812 – Desporto Comunitário 813 – Lazer Fonte: próprio autor O direito à alimentação aparece com a subfunção 306, inserida na função 12 (saúde), porém assume novo status com a aprovação da lei federal nº 11.346/2006, a qual institui o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada. Deixou assim de ser responsabilidade específica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), passando a ser coordenada pela Casa Civil e gerida por uma câmara intersetorial, restando, porém, saber se também haverá função específica para esse direito social. 40 Muitos desses direitos são promovidos também em subfunções cruzadas, entendendo que a subfunção representa uma partição da função, visando agregar determinado subconjunto do setor público, segundo menções na Portaria Nº 117/1998, do Ministério do Planejamento e Orçamento (BRASIL, 1998). A subfunção cruzada define-se, portanto, como sendo a utilização de uma subfunção em outra função que não aquela que originalmente foi atribuída. Para ilustrar essa definição, pode-se citar a função 12 (educação) e subfunção 126 (tecnologia da informação). Essa subfunção originalmente está associada à função 03 (administração e planejamento). Além dessas funções que se correlacionam com os direitos sociais, a estrutura administrativa de órgãos governamentais procura seguir a mesma lógica. No nível federal, esses órgãos são os Ministérios e seus equivalentes, os quais são os responsáveis pela execução direta da política governamental. Nos Estados, Distrito Federal e Municípios há Secretarias e outros órgãos, conforme sintetizam as tabelas abaixo: Tabela 02 - Atuais Ministérios, secretarias e órgãos com status de Ministério do Poder Executivo Federal MINISTÉRIO Agricultura, Pecuária e Abastecimento Cidades Ciência, Tecnologia e Inovação Comunicações Cultura Defesa Desenvolvimento Agrário Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Desenvolvimento Social e Combate à Fome Educação Esporte Fazenda Integração Nacional Justiça Meio Ambiente Minas e Energia Pesca e Aquicultura Planejamento, Orçamento e Gestão Previdência Social Relações Exteriores Saúde Trabalho e Emprego Transportes Turismo SIGLA MAPA MCida des MCTI MC MinC MD MDA MDIC MDS MEC ME MF MI MJ MMA MME MPA MPOG MPS MRE MS MTE MT MTur 41 Tabela 03 - Atuais Secretarias com status de ministério (ligadas à Presidência da República) SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS SAE Secretaria de Aviação Civil SAC Secretaria de Comunicação Social SeCom Secretaria dos Direitos Humanos SDH Secretaria da Micro e Pequena Empresa SMPE Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SEPPIR Secretaria de Políticas para as Mulheres SPM Secretaria de Portos SEP Secretaria-Geral da Presidência SG Secretaria de Relações Institucionais SRI Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rios_do_Brasil> Acesso em: 29 maio 2013. Adaptada pelo autor. Tabela 04 - Atuais Órgãos com status de ministério (ligados à Presidência da República) ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO AGU Banco Central BC Casa Civil CC Controladoria-Geral da União CGU Gabinete de Segurança Institucional GSI Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rios_do_Brasil> Acesso em: 29 maio 2013. Adaptada pelo autor. Tabela 05 - Atuais secretarias e órgãos da Administração Direta – Paraná - 2012 SECRETARIAS E ÓRGÃOS - PR Casa Civil Casa Militar Procuradoria Geral do Estado Secretaria da Administração e Previdência Secretaria da Agricultura e do Abastecimento Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Secretaria da Comunicação Social Secretaria da Família e Desenvolvimento Social Secretaria do Desenvolvimento Urbano Secretaria da Cultura Secretaria da Educação Secretaria da Fazenda Secretaria da Indústria, do Comércio e Assuntos do Mercosul Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos Secretaria da Saúde Secretaria da Segurança Pública Secretaria de Infraestrutura e Logística Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos Secretaria do Planejamento e Coordenação Geral Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Economia Solidária Secretaria do Turismo Secretaria Especial para Assuntos da Copa do Mundo de Futebol 2014 Secretaria Especial da Chefia de Gabinete do Governador Secretaria de Controle Interno Secretaria Especial de Corregedoria e Ouvidoria Geral Secretaria Especial de Relações com a Comunidade Secretaria Especial para Assuntos Estratégicos Secretaria Especial do Esporte Fonte: próprio autor SIGLA CC CM PGE SEAP SEAB SETI SECS SEDS SEDU SEEC SEED SEFA SEIM SEJU SESA SESP SEIL SEMA SEPL SETS SETU CCI 42 Tabela 06 - Atuais secretarias e órgãos da Administração Direta e Indireta – Foz do Iguaçu - 2013 UNIDADES DE ADMINISTRAÇÃO DIRETA: SIGLA Gabinete do Prefeito Assessoria Especial de Governo AEG Assessoria Especial de Tecnologia da Informação AET Assessoria Especial de Planejamento AEP Procuradoria Geral do Município PGM Secretaria Municipal da Administração e Gestão de Pessoas SMAD Secretaria Municipal da Fazenda SMFA Secretaria Municipal da Assistência Social, Família e Relações SMAS com a Comunidade Secretaria Municipal da Educação SMED Secretaria Municipal da Saúde SMSA Secretaria Municipal de Agricultura SMAG Secretaria Municipal de Meio Ambiente SMMA Secretaria Municipal de Obras SMOB Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento SMTD Socioeconômico, Indústria e Comércio Secretaria Municipal de Turismo SMTU Secretaria Municipal de Esporte e Lazer SMEL Secretaria Municipal de Segurança Pública SMSP Entidades da Administração Indireta: Instituto de Transportes e Trânsito de Foz do Iguaçu FOZTRANS Instituto de Habitação de Foz do Iguaçu FOZHABITA Autarquia Especial Foz Previdência FOZPREV Fundação Cultural de Foz do Iguaçu Fonte: próprio autor A existência dos órgãos pode variar no tempo, dependendo dos governos. Em decorrência disso, pode haver funções agrupadas em um único órgão, uma única função em diferentes órgãos ou exclusivamente em um único órgão. A estrutura administrativa acima evidenciada representa uma parte, uma possibilidade de exercício do poder do povo. Essa forma de exercício é o da representação, mas a cidadania também pode, e deve exercer seu poder diretamente, participando das decisões sobre o seu interesse. No processo de descentralização e envolvimento de mais atores políticos e sociais na solução dos problemas, nossa Constituição aponta a participação da população através de suas entidades representativas, como diretriz na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Como materialização dessa diretriz, temos a criação de diversos conselhos de políticas públicas, muitos dos quais com poder deliberativo, para definir e controlar as ações sob sua competência. 43 O Estatuto da Criança e do Adolescente, adaptação legislativa interna da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ao regulamentar a prioridade absoluta a crianças e adolescentes inscrita em nossa Constituição no artigo 227, definiu como primeira diretriz da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes a municipalização. Essa diretriz, aliada à descentralização política-administrativa, apontou, naquele momento, para uma nova perspectiva, um novo jeito de fazer política, dando à comunidade local a possibilidade, dentro de suas peculiaridades, de dar a resposta mais indicada à uma dada situação. Esse conjunto de diretrizes constitucionais e legais se materializou à medida que os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente foram sendo implantados, especialmente aqueles no nível municipal, possibilitando o exercício da participação, definição e controle das políticas púbicas. 2.2 DEFINIÇÃO E CONTROLE DAS POLÍTICAS Os Estados-partes11 assumem a obrigação de estimular a participação de seus cidadãos, pois esse é um dos princípios dos direitos humanos juntamente com a responsabilidade, universalidade e indivisibilidade. Estamos chegando, no Brasil, a quase três décadas de democracia burguesa após o último período de ditadura e, aos olhos dos mais velhos, parece pouco tempo, enquanto aos jovens parece que sempre foi assim. A democracia, desde seu surgimento, não progrediu nem se expandiu de forma contínua até chegar a nossos dias, “[...] o rumo da história democrática mais parece a trilha de um viajante atravessando um deserto plano e quase interminável, quebrada por apenas alguns morrinhos, até finalmente iniciar a longa subida até sua altura no presente.” (DAHL, 2001) Outra falsa ideia que se tem é a de que a democracia tenha sido inventada de uma só vez num determinado lugar e, a partir dele, desenvolvido e expandido. Tal ideia conflita com estudos antropológicos e históricos que investigam o surgimento de práticas e ferramentas “em momentos diferentes e em diferentes lugares,” e como esses foram produzidos. “Será que as ferramentas ou as práticas se espalharam por divulgação a partir de seus inventores para 11 Estados-partes ou Estados-membros são os Estados políticos que compõe a Organização das Nações Unidas – ONU. Veja mapa em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Estados-membros_das_Nações_Unidas> 44 outros grupos – ou teriam sido inventadas de maneira independente por grupos diferentes?” (DAHL, 2001). A resposta para essas questões, que também pode ser aplicada à democracia, quase sempre são incertas, contudo, Dahl (2001) observa que parte da expansão da democracia pode ser atribuída à “difusão de ideias e práticas democráticas”, mas, se existiram condições que permitiram o surgimento da democracia, essas não poderiam ser únicas em determinado lugar. Pressuponho que a democracia possa ser inventada e reinventada de maneira autônoma sempre que existirem as condições adequadas. Acredito que essas condições adequadas existiram em diferentes épocas e em lugares diferentes. Assim como uma terra que pode ser cultivada e a devida quantidade de chuva estimularam o desenvolvimento da agricultura, determinadas condições favoráveis, sempre apoiaram uma tendência para o desenvolvimento de um governo democrático. (DAHL, 2001, p. 19). Mas de que democracia se está falando? Ela é única desde seu surgimento? Uma discussão aprofundada sobre democracia ensejaria adentrar em considerações de diferentes teóricos sobre o tema. Não é intenção aprofundar, neste texto, as diferentes correntes alternativas discutidas dentro da teoria política contemporânea, especialmente a corrente participacionista12. Apesar de não se fazer este aprofundamento é necessário, ao menos, pontuar que a democracia em seu estágio é resultado do processo de disputa das forças sociais presentes na sociedade. [...] a análise teórica da democracia burguêsa nos revela que esta pode, concretamente - isto é, em formações sociais determinadas-, tanto servir como instrumento de reforço da dominação ideológica burguesa, como levar ao desenvolvimento da consciência revolucionária do proletariado. (SAES, 1998, p. 165) Nesse processo de disputa a possibilidade de participação é fundamental, mas num primeiro momento, pode causar estranheza a necessidade de abordar uma definição para “participar”, pois democracia em plenitude pressuporia a participação, mas entende-se, neste texto, por participar, estar presente, com direito à voz e/ou voto, conversar, discutir, fazer propostas e decidir qual será efetivada. É implicar-se, ou seja, assumir a responsabilidade pela decisão política, tanto na sua definição quanto na sua execução e controle. 12 Para uma reflexão maior sobre democracia participativa ver VITULLO, Gabriel E. Teorias Alternativas da Democracia: uma análise comparada. In: Cadernos de Ciência Política. UFGRS, 1999. 45 Mas para implicar-se há condições que precisam ser refletidas: como garantir uma efetiva participação dos cidadãos? Como dar condições de esclarecimento a todos? E como isso se daria? Dahl apresenta critérios13 de um processo democrático que procuram responder a essas dúvidas. Nossa cultura identifica muito a democracia enquanto representativa, ou seja, escolhemos alguém (pelo voto ou outro meio) para que faça em nosso nome. Exemplo claro são as eleições para prefeito, vereador, deputados, governadores e presidente. Mas vem ganhando espaço e força uma forma de participação da população relacionada aos conselhos com caráter deliberativo. Considerada por muitos como sinônimo de democracia, a participação, cada vez mais, é exaltada como forma de comprometimento e de exercício da cidadania14. Desde nossa Constituição Federal (CF), inauguram-se, com a redemocratização do país, novas formas de participação popular na solução de seus problemas. Proliferam-se os conselhos com caráter deliberativo que cumprem, ao menos, duas funções: a participação popular na decisão daquilo que lhe diz respeito e a descentralização/desconcentração de poder. As leis federais que sucedem a CF disciplinam a formação desses conselhos dandolhes contornos mais precisos, e os Conselhos dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CDCA‟s), ao menos em teoria, são a expressão do disposto na lei federal 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA é a primeira lei a adotar os princípios básicos da CF, determinando a descentralização político-administrativa e a participação popular, interferindo na formulação, execução e controle das políticas sociais e, inclusive, implicando um novo acordo federativo. Essa participação tem fundamental importância quando da definição da política de atendimento pelos CDCA‟s. Essa política, prevista no artigo 86 do ECA, se faz por um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais. As linhas de ação, definidas no artigo 87 do ECA, segundo Costa (2008), podem ser assim divididas: Políticas Sociais Básicas, direitos de todos e dever do Estado, como educação e saúde; Políticas de Assistência Social, para quem se encontra em estado de necessidade temporária ou permanente, como os programas de renda familiar mínima; 13 Participação efetiva; Igualdade de voto; Entendimento esclarecido; Controle do Programa de Planejamento; Inclusão dos adultos. Esses critérios podem ser mais bem estudados em Dahl, Rober A (2001, p. 49-50). 14 Para uma reflexão maior, buscar as considerações sobre cidadania em STOER, Stephen R.E.; MAGALHÃES, Antônio M.: Rodrigues, David. Os Lugares da Exclusão Social: um dispositivo de diferenciação pedagógica. São Paulo: Cortez, 2004. 46 Políticas de Proteção Especial, para quem se encontra violado ou ameaçado de violação em sua integridade física, psicológica e moral, como os programas de abrigo; Políticas de Garantia de Direitos, para quem precisa pôr para funcionar em seu favor as conquistas do estado democrático de direito, como, por exemplo, uma ação do Ministério Público ou de um centro de defesa de direitos. (COSTA, 2008) O mesmo autor apresenta, por meio da figura 1, a visualização dessa divisão, procurando explicitar a hierarquia das diferentes políticas na efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Figura 1 - Hierarquia das Políticas de Direitos Fonte: Costa (2008) Quando da implementação dos programas e ações nessas linhas de ação, faz-se necessário observar o conjunto de diretrizes que emana do ECA em seu artigo 88. Podemos visualizar, nas diretrizes, os princípios da política de atendimento, quais sejam: Princípio da Descentralização: municipalização do atendimento; Princípio da Participação: criação de Conselhos; Princípio da Focalização: criação e manutenção de programas específicos; Princípio da Sustentação: manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais; Princípio da Integração Operacional 15: atuação convergente e intercomplementar dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência Social no atendimento ao adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional; Princípio da Mobilização: desenvolvimento de estratégias de comunicação, visando à participação dos diversos segmentos da sociedade na promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil. (COSTA, 2008) É preciso observar que o movimento popular, efervescente no momento de aprovação da CF, foi, com o passar dos anos, diminuindo em sua organização e atuação. Essa 15 Alteração em sentido similar foi realizado no ECA pela lei 12.010/09, prevendo a integração dos órgão em relação às crianças e aos adolescentes em acolhimento institucional e familiar. 47 diminuição, contudo, não é equivalência de ausência de lutas e sim reflexo do enfraquecimento do Estado pela ofensiva neoliberal que conseguiu instalar seu ideário de privatização e redução do mesmo na garantia de políticas e serviços a todos os cidadãos. Se, para aprovação dos direitos humanos de crianças e adolescentes na CF, houve uma mobilização que chegou a coletar mais de 1 milhão de assinaturas, hoje percebemos a dificuldade de encontrar pessoas/organizações dispostas a compor os diferentes conselhos, não sendo raro encontrar as mesmas pessoas/organizações em vários destes. Faz-se necessária uma distinção, qual seja, a forma de participação popular, pois a CF e o ECA previram essa participação através de organizações representativas as quais são diferentes daquelas entidades de atendimento pois, Não se deve confundir as "organizações representativas da população" com "entidades de atendimento" que prestam serviços e são regidas pelo artigo 90 do Estatuto. O Hospital é uma entidade de atendimento, logo não pode fazer parte do Conselho. O Conselho Municipal é responsável por registrar (autorizar o funcionamento), fiscalizar e garantir recursos para as entidades de atendimento, logo, elas não podem participar de um órgão que vai fiscalizar a elas mesmas. Todas as demais organizações, se são representativas da população, podem participar. (SÊDA, 2005) Mais que exercício de participação popular, a presença de organizações representativas nos conselhos tem o objetivo de definir e controlar as políticas públicas para efetivação dos direitos assegurados à população infanto-juvenil. Após o início de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, começam a ser criados e instalados vários conselhos como expressão primeira da participação popular de forma direta. “Ao estabelecer canais de participação direta na gestão do poder político, como modo de exercício do poder, remeteu-se ao legislador infraconstitucional a tarefa de regular a forma dessa participação”. (CYRINO; LIBERATI, 2003, p. 86) A criação dos Conselhos foi o caminho encontrado pelo legislador, nascendo também “[...] um novo „lócus‟ de discricionariedade [...]”, pois, tradicionalmente, cabia ao Executivo a escolha do que fazer e quando fazer. A participação e controle popular das políticas foram estabelecidos no artigo 204, inciso II, da Constituição, e , através da “[...] participação paritária entre representação de governo e da sociedade civil nesses novos organismos, surgiu, no campo do ordenamento jurídico, um novo perfil, um novo canal institucional, a saber, os Conselhos.” (CYRINO; LIBERATI, 2003, p. 87) 48 Essa previsão de participação popular por meio de organizações representativas também encontra afirmação no inciso II do artigo 88 do ECA, que fixa as diretrizes da política de atendimento: II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais. (BRASIL, 1990) Na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, a forma de participação popular prevista foi por meio de organizações representativas. Essas organizações são diferentes daquelas entidades de atendimento, as quais, hoje, são quase a totalidade dos conselhos da criança e do adolescente. Essa composição por entidade de atendimento acaba comprometendo o exercício do controle de forma mais qualificada por parte da sociedade civil organizada, pois a mesma está implicada no processo de elaboração e de execução, e também sujeita às pressões do governo via financiamento, o qual se dá, na maioria das vezes, por transferências voluntárias. Essa participação tem fundamental importância quando da definição da política de atendimento pelos CDCA‟s através das linhas de ação definidas no artigo 87 do ECA, no qual ressalta-se o princípio da focalização, o qual será retomado mais adiante quando discute-se os programas de proteção. Mas, mesmo com todas as dificuldades da participação popular na definição e controle que se apresentam, a política geral de atendimento foi ganhando seus contornos e uma organização maior a partir da institucionalização do Sistema de Garantia dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente por meio da Resolução nº 113, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, ao qual, conforme o artigo segundo compete: [...] promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e violações. (CONANDA, 2006) O artigo segundo acima explicitado não mereceria maiores comentários se tivesse se tornado efetivo. Porém, quando discutimos a proteção a crianças e adolescentes, a realidade não nos permite deixar de fazer duas constatações: 1) somente a parte final dos direitos sociais (a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados), objeto principal de 49 respostas da política de Assistência Social, tem merecido alguma atenção; 2) a não integração e articulação dos eixos (promoção, defesa e controle) ocorrem e, consequentemente, um isolamento das políticas setoriais em si, com raras exceções. O Sistema de Garantia dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (Res. nº. 113/2006-Conanda) ao estabelecer o eixo estratégico de promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, refere-se à concretização deste através da política de atendimento prevista no artigo 86 do ECA, a qual integra o âmbito maior da política de promoção e proteção dos direitos humanos. E, além de localizar esse eixo estratégico no sistema maior dos direitos humanos, define, em seu artigo 14 parágrafo primeiro, como deve se dar o desenvolvimento dessa política: Essa política especializada de promoção da efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes desenvolve-se, estrategicamente, de maneira transversal e intersetorial, articulando todas as políticas públicas (infra-estruturantes, institucionais, econômicas e sociais16) e integrando suas ações, em favor da garantia integral dos direitos de crianças e adolescentes. (CONANDA, 2006) É preciso reafirmar e ressaltar no enunciado acima o caráter transversal, intersetorial e de todas as políticas, além da integração das ações das mesmas. Nessas poucas linhas, há um comando claro de como as diferentes políticas deveriam estar, com prioridade absoluta promovendo os direitos humanos de crianças e adolescentes. Esse eixo estratégico desenvolve-se através de três tipos de programas, ações e serviços: I - serviços e programas das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes; II serviços e programas de execução de medidas de proteção dos direitos humanos; III - serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e assemelhadas. Interessa-nos mais, nesse momento, o inciso II acima, o qual seria a resposta desse ordenamento todo àquelas crianças e adolescentes que têm seu direito ameaçado e/ou violado, pois precisam de uma resposta imediata do Estado para que seus direitos sejam preservados, ou, no caso de violados, prontamente reparados, como se infere do artigo 17 da Res. 113/2006 – Conanda: 16 INFRA-ESTRUTURANTES: Agricultura, Indústria, Comércio, Transporte etc.; INSTITUCIONAIS: Segurança Pública, Direitos Humanos, Defesa do Estado etc.; ECONÔMICAS: Fiscal, Cambial etc.; e SOCIAIS: Educação, Saúde, Previdência Social, Assistência Social, etc. 50 Art. 17 Os serviços e programas de execução de medidas específicas de proteção dos direitos humanos têm caráter de atendimento inicial, integrado e emergencial, desenvolvendo ações que visem prevenir a ocorrência de ameaças e violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes e atender às vítimas imediatamente após a ocorrência dessas ameaças e violações. § 1.º Esses programas e serviços ficam à disposição dos órgãos competentes do Poder Judiciário e dos conselhos tutelares, para a execução de medidas específicas de proteção, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente; [...]” (CONANDA, 2006) Quais são os programas, ações e serviços públicos que, desde 2006, respondem à decisão acima? Tivemos, temos ou teremos? É preciso lembrar que essa resolução é proveniente de uma deliberação/decisão do Conselho Nacional e, como tal, em respeito à prioridade absoluta e à prevalência do interesse superior da criança e do adolescente, deve ser efetivada pelo governo e pela sociedade civil, conforme já decido pelo Supremo Tribunal Federal. 2.3 NATUREZA JURÍDICA E DISCRICIONARIEDADE NOS CONSELHOS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Para subsidiar essa discussão, inicialmente nos reportamos à previsão legal positivada, ainda em vigência, contida no decreto-lei 200/67, o qual, em seu artigo 172, atribuiu a responsabilidade ao Poder Executivo, o qual [...] assegurará autonomia administrativa e financeira, no grau conveniente, aos serviços, institutos e estabelecimentos incumbidos da execução de atividades de pesquisa ou ensino ou de caráter industrial, comercial ou agrícola, que, por suas peculiaridades de organização e funcionamento, exijam tratamento diverso do aplicável aos demais órgãos da Administração direta [...] (BRASIL, 1967) Cyrino e Liberati (2003, p. 93), ao analisar esse aspecto, dizem que “[...] interessamnos as seguintes ilações: a) nem todos os órgãos da Administração Pública são iguais; b) pode haver tratamento diferenciado dado pela Administração, entre seus órgãos, desde que suas peculiaridades de organização e funcionamento assim o exigirem”. Afirmam, então, os autores que os Conselhos de Direitos são órgãos especiais e, considerando o parágrafo primeiro do artigo 172 do decreto-lei acima citado, terão denominação genérica de órgãos autônomos. 51 As especificidades que garantem o status de órgão especial ao Conselho dos Direitos, primeiro, estão relacionadas com sua composição paritária, ou seja, o mesmo número de representantes do governo e da sociedade civil. A segunda diz respeito ao caráter deliberativo. “E deliberar significa decidir sobre a matéria que lhes for afeta. Não se trata de órgãos meramente consultivos do Poder Executivo.” (CYRINO; LIBERATI, 2003, p. 94) Continuam Cyrino e Liberati (2003), afirmando que, em função de suas especificidades e em conformidade com o dispositivo legal citado, outra característica se apresenta, qual seja, a autonomia. Surge, com isso, uma questão a ser respondida: seria então o Conselho órgão centralizado ou descentralizado? Segundo a concepção jurídico-positivista, uma das características para se considerar descentralizado, o órgão deveria ter personalidade jurídica, e o Conselho dos Direitos não possui. Mas para o conceito extrajurídico ou substancial de descentralização, o que interessa é Saber se estão vencidos os entraves que esclerosam a Administração, roubando-lhe a flexibilidade necessária para conduzir com destreza e eficácia as atividades que exigem preparação técnica e rapidez de decisões, ou se os interesses locais de uma determinada área são convenientemente atendidos. (CYRINO; LIBERATI 2003, p. 96) Resumindo esses aspectos sobre a natureza jurídica dos Conselhos, Cyrino e Liberati (2003, p. 95) afirmam que essa natureza jurídica é de: a) órgão especial – devido à sua estrutura e funcionamento específicos; b) órgão autônomo e independente – não estão subordinados hierarquicamente ao governo; c) Administração descentralizada – com capacidade pública para decidir as questões que lhes são afetas, com a peculiaridade de que suas deliberações se tornam vontade estatal, e não vontade do órgão, sujeitando o próprio Estado ao seu cumprimento. (CYRINO; LIBERATI 2003) Esse órgão público autônomo e especial é o novo lócus para a escolha das opções políticas de governo; mas, diferentemente da tradicional “vontade” (discricionariedade) do Executivo, agora essa opção é partilhada paritariamente com a sociedade civil através de suas entidades. Malvezzi (2007) em seu artigo “A Discricionariedade no Ato Administrativo” discute esse conceito e cita Celso Antônio Bandeira de Mello para quem a discricionariedade é 52 [...] a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. (MALVEZZI, 2007) No artigo citado acima, a autora segue esclarecendo que essa liberdade não pode ser exercida por conveniência pessoal. Citando Marçal Justen Filho (2005), complementa a ideia de discricionariedade, pois, para esse autor, “[...] é da essência da discricionariedade que a autoridade administrativa formule a melhor solução possível, adote a disciplina jurídica mais satisfatória e conveniente ao poder público.” Aliada à participação popular, a Constituição estabelece como princípio, através do artigo 227, a prioridade absoluta, reduzindo assim a margem da discricionariedade do Chefe do Poder Executivo através desses dois imperativos constitucionais, qual seja, a prioridade absoluta e a formulação/deliberação de certas matérias por instâncias mais democráticas com participação da sociedade civil. Portanto, além de a discricionariedade sofrer a restrição constitucional quanto ao seu apreciador, pois compete ao Chefe do Executivo repartir essa tarefa, antes exclusivamente sua, com os Conselhos – ou melhor, transferir o lócus do poder de escolha para esses Conselhos –, o mérito administrativo, antes intangível, é agora, também, resultado de manifestação complexa; e o princípio constitucional da prioridade absoluta deve ser levado em conta quando das escolhas ou opções políticas, bem como obriga o Administrador Público, conforme o caso, a torná-las realizáveis. (CYRINO; LIBERATI, 2003, p. 89). Digiácomo (200-), ao analisar a transparência no funcionamento do Conselho dos Direitos como condição para legitimidade e legalidade de suas deliberações, observa convenientemente [...] que uma resolução do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, que consiste na materialização de uma deliberação do Órgão, tomada no pleno exercício de sua competência constitucional específica, VINCULA (OBRIGA) o administrador público, que não terá condições de discutir seu mérito, sua oportunidade e/ou conveniência, cabendo-lhe apenas tomar as medidas administrativas necessárias a seu cumprimento (e também em caráter prioritátio, ex vi do disposto no art.4º, parágrafo único, alínea “c”, in fine, da Lei nº 8.069/90 c/c art.227, caput da Constituição Federal), a começar pela adequação do orçamento público às demandas de recursos que em razão daquela decisão porventura surgirem. A "discricionariedade" acerca da elaboração e implementação de políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente, portanto, cabe ao citado Conselho de Direitos, e NÃO ao administrador público "de plantão", até porque teve o legislador a nítida intenção de desvincular tal responsabilidade da pessoa do Prefeito, Governador, Presidente da República e/ou do partido político ao qual estes fazem parte, de modo a evitar a ocorrência de sua solução de continuidade em razão da alternância de 53 mandatários e/ou partidos políticos no poder, de modo que o exercício do poder fosse efetivamente compartilhado com a sociedade, por intermédio do Órgão no qual esta encontra assento. (DIGIÁCOMO 200-, grifo do autor) Essa legitimidade e poder de decisão vinculante dos CDCA‟s, reconhecida inclusive por decisão do Superior Tribunal de Justiça17, tem se restringido, na maioria das vezes, na gestão dos recursos do Fundo da Infância e Adolescência (FIA). Diante dos poucos recursos destinados à efetivação da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes, a possibilidade de deliberar os recursos tem atraído a atenção de entidades da sociedade civil. 2.4 FUNDO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – FIA O Fundo da Infância e Adolescência tem sua origem nas diretrizes da política de atendimento, definidas no artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “IV manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente.” Esse artigo deve ser entendido conjuntamente com o artigo 214 do mesmo diploma legal: “Os valores das multas reverterão ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do respectivo município”. Mas qual seria o conceito desse Fundo? Na opinião de Cyrino e Liberati, é possível ter duas compreensões as quais não se excluem. A primeira está alinhada com o conceito extrajurídico segundo o qual “Fundos são recursos financeiros destinados ao atendimento das políticas, programas e ações voltadas para o atendimento dos direitos da criança e do adolescente, distribuídos mediante deliberação dos Conselhos dos Direitos, nos diferentes níveis de governo”. A segunda compreensão está alinhada com o conceito jurídico positivo para o qual os Fundos são “produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”.18 O objetivo expresso nos dois conceitos é de haver separação entre os recursos gerais da Fazenda Pública, reservando parte desses recursos para a realização de certos objetivos, 17 18 RESP 493811, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, j. 11/11/03, DJ 15/03/04. Artigo 71 da Lei 4.320/64. 54 garantindo assim que, após essa separação, não haja outra destinação senão aquela prevista na lei, evitando assim desvios na aplicação dos mesmos. O Fundo da Infância e Adolescência (FIA) se caracteriza por ser um fundo especial conforme especifica o próprio título VII da lei federal 4.320/64, lei esta que foi recepcionada com status de lei complementar pela CF e seus artigos que seguem. Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação. Art. 72. A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a turnos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais. Art. 73. Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo. Art. 74. A lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de contrôle, prestação e tomada de contas, sem de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente. (BRASIL, 1964) Essa característica especial se deve ao princípio da unidade de tesouraria, princípio esse previsto no artigo 56 da citada lei. “Assim, tudo que entrar para os cofres públicos deverá ocorrer por uma única via, a saber, a Fazenda Pública.” (CYRINO; LIBERATI, 2003, p. 215) O FIA é uma exceção a essa regra, a qual permite que determinadas receitas constituam uma reserva específica para atender objetivos determinados, qual seja, os direitos da criança e do adolescente em atendimento à deliberação do Conselho dos Direitos. Essas receitas especificadas estão definidas no Estatuto da Criança e na lei de criação dos FIA em cada nível. Essas receitas são oriundas de [...] dotações orçamentárias, transferências de recursos inter e intragovernamentais, multas administrativas aplicadas em procedimentos para apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente (arts.194 usque 197 e 245 usque 258 da Lei nº 8.069/90) e/ou cominadas em ações civis públicas ajuizadas com vista à garantia de direito fundamental de crianças e adolescentes (art.213, §2º e 3º da Lei nº 8.069/90), tal qual previsto nos arts.154 e 214 da Lei nº 8.069/90, dentre outras previstas na lei específica que cria o fundo. (DIGIÁCOMO, 200-) Constitui-se, então, outra característica do FIA, qual seja, o da especificidade da receita. Entendemos por especificidade de receita aquela instituída em lei que podem ser próprias ou transferidas, mas com destinação certa. 55 Dessas duas características, especialidade e especificidade “[...] resulta a necessidade de vinculação do produto dessas receitas à realização de objetivos predeterminados, sendo essa a verdadeira razão da existência dos fundos”. (CYRINO; LIBERATI, 2003, p. 219) Essa vinculação já foi definida quando da aprovação do Estatuto da criança e do Adolescente, no artigo 88, IV: “manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente”. Essa vinculação deve ser entendida como prerrogativa exclusiva do Conselho em deliberar sobre os recursos mediante plano de aplicação, não significando com isso “[...] que a operacionalização do Fundo dar-se-á administrativamente no Conselho. Uma vez inexistindo unidade orçamentária própria, poderão os Fundos vincular-se (do ponto de vista contábil) a qualquer órgão do governo”. (CYRINO; LIBERATI, 2003, p. 220) 2.4.1 Fundo da infância e adolescência do Paraná – FIA/PR O FIA/PR foi instituído pela lei estadual 9.579/91, a qual dispõe sobre a criação do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDCA/PR. O artigo 14 da referida lei diz que: “Fica criado o Fundo Estadual para a Infância e a Adolescência, de acordo com o que dispõe o artigo 88, inciso IV da Lei Federal 8.069/90, administrado pelo Conselho e com recursos destinados ao atendimento das crianças e dos adolescentes.” Dentre os Fundos da Infância existentes no Brasil, o FIA/PR é o que conta com o maior aporte de recursos do orçamento do Estado. Isso se deve por haver no passado a decisão política de dotar o mesmo de recursos financeiros disponíveis, e não somente previsão orçamentária como acontece na maioria dos Fundos do Brasil. Essa decisão permite hoje que o FIA/PR receba, do tesouro do Estado, aproximadamente 110 milhões de reais anualmente, receitas essas provenientes de percentuais de taxas vinculadas a esse Fundo. Esses recursos são investidos na política estadual dos direitos da criança e do adolescente mediante deliberações do CEDCA/PR. O decreto 3.963/94 aprovou o regulamento do FIA/PR dando contornos mais precisos a esse Fundo Especial. O aspecto relevante a ser observado foi o da destinação de recursos. Art. 1º - O Fundo Estadual para a Infância e a Adolescência tem por objetivo captar e aplicar recursos destinados às ações de atendimento à criança e ao adolescente. 56 § 1º - As ações de que trata o "caput" deste artigo destinam-se a programas de proteção especial à criança e ao adolescente expostos à situação de risco pessoal e social e, excepcionalmente, a projetos de assistência social para crianças e adolescentes que delas necessitem, a serem realizadas em caráter supletivo, em atendimento às de liberações do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente. (PARANÁ, 1994, grifo nosso) Desde sua criação (1991), tanto o CEDCA/PR como o FIA/PR sofreram alterações nos dispositivos legais, mas essas prerrogativas permanecem válidas. As decisões dos Conselhos são tomadas em plenárias públicas e ganham forma em suas deliberações/resoluções. 2.5 DELIBERAÇÃO OU RESOLUÇÃO? COMO EXERCER CONTROLE Os CDCA‟s reúnem-se periodicamente para discutir e deliberar. Uma dúvida que surge, por vezes, são publicações como deliberação e, outras vezes, resolução. Deliberar é decidir e a resolução é a formalização da decisão que deve ser publicada em órgão oficial, em respeito aos princípios da transparência e publicidade. Necessário lembrar que a resolução nº113 do Conanda, em seu artigo 23 e parágrafos, dispõe que: § 1º As deliberações dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, no âmbito de suas atribuições e competências, vinculam as ações governamentais e da sociedade civil organizada, em respeito aos princípios constitucionais da participação popular, da prioridade absoluta do atendimento à criança e ao adolescente e da prevalência do interesse superior da criança e do adolescente, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. § 2º Constatado, através dos mecanismos de controle, o descumprimento de suas deliberações, os conselhos dos direitos da criança e do adolescente representarão ao Ministério Publico para as providências cabíveis e aos demais órgãos e entidades legitimados no artigo 210 da Lei nº 8.069/90 para demandar em Juízo por meio do ingresso de ação mandamental ou ação civil pública. (CONANDA, 2006) Essa resolução, então, acaba afetando todo o Sistema de Garantia dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (SGD), pois deverá ser promovida, controlada e defendida. Especificamente no eixo de controle da efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes, a referida resolução nº 113, em seu artigo 21, dispõe de níveis independentes e articulados para a realização do necessário controle, tais como: 57 I - conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; II - conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e III - os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos nos artigos 70, 71, 72, 73, 74 e 75 da Constituição Federal. Parágrafo Único. O controle social é exercido soberanamente pela sociedade civil, através das suas organizações e articulações representativas. (CONANDA, 2006) Chama-se a atenção e faz-se questão de repetir o mencionado acima, pois as conferências e conselhos são espaços de exercício do controle social e não propriamente o controle social, sendo este exercido soberanamente pela sociedade civil, através de suas organizações e articulações representativas. Acreditar que os conselhos fazem o controle social seria uma contradição com o exposto acima, ao passo que os mesmos têm, na sua composição, representantes do governo. Mas afinal o que é controlar? Controlar é a ação de fiscalizar, acompanhar, ver se a decisão anterior foi realizada ou não. Saber dos motivos da não execução e avaliar quais ações tomar para que seja efetivada. No exercício do controle social, é fundamental o acesso à informação, seja ela quantitativa ou qualitativa. Um primeiro olhar deve ser dirigido à nossa CF que diz, em seu artigo 5° incisos XIV e XXXIII: XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; ... XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (BRASIL, 1988) Igual referência pode-se encontrar na Constituição Estadual do Paraná, grafado no artigo 27, parágrafo 4°, inciso “II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de Governo observado o disposto no art. 5°, X e XXXIII da Constituição Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional 7 de 24/04/2000)”. Por certo, haverá, nas Leis Orgânicas dos Municípios, redações similares. Mas, além do ordenamento geral, encontramos também, nas leis federais, a garantia de acesso à informação e à previsão de prazos. Especialmente, podemos citar as leis federais n° 9.051/95, artigo primeiro, que dispõe sobre a expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, e a lei n° 9.784/99, artigo 24, a qual regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. 58 A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF 101/2000 - em seus artigos 48 e 49, dispõe da transparência, controle e fiscalização, e uma consulta deve ser feita ao contido na Lei Federal 10.257/91 – Estatuto da Cidade – em seus artigos segundo, II; quarto, § 3º; 32 §1º; 40 §4º, I e 45. Para o exercício do controle social, as organizações representativas devem ter independência frente ao governo e, fundamentalmente, terem acesso à informação. Temos, em nosso regime democrático, dispositivos constitucionais e legais que permitem o acesso à informação, mas a simples grafia na lei não é sinônimo, infelizmente, de efetivação. 2.6 CONSIDERAÇÕES A descentralização político-administrativa e a municipalização foram conquistas no processo de redemocratização, mas em função das disputas de poder presentes na sociedade foram frustradas na perspectiva inicial que se colocavam. A carência de recursos nos Municípios e Estados tem levado os mesmos à busca de transferências voluntárias junto a União, submetendo-se aos interesses do governo de plantão. Reproduz-se, assim, a prática clientelista com possível troca de apoio nas eleições. Na perspectiva da descentralização, novos atores sociais foram envolvidos na busca de soluções para os problemas da comunidade local, principalmente através da criação de conselhos de políticas públicas de caráter deliberativo, e composto paritariamente por representantes do governo e de entidades. A participação popular direta nas decisões, conquistada no processo constituinte, encontrou canal prioritário no segmento criança e adolescente através dos CDCA‟s os quais definem a política para este segmento. Essa política deve ser articulada entre ações governamentais e não governamentais. Seguem linhas de ação as quais, segundo Costa (2008), possuem diferenciação entre a política de assistência social e a política de proteção especial, estabelecendo inclusive hierarquia entre estas, e a criação de programas específicos como diretriz da focalização prevista no ECA. Quando os CDCA‟s definem a política, esta vai ser mais ou menos adequada aos princípios dos direitos humanos conforme as forças em disputada neste espaço. Essas pressões e jogos de interesse fazem parte do processo de disputa pelas forças sociais que compões determinada sociedade no tempo e no espaço. 59 As entidades de atendimento tem se mostrado mais suscetível à pressão do governo em função da dependência do financiamento público. Não há, contudo, garantia de que entidades representativas não sofram essas pressões, mas, objetivamente, não dependeriam de financiamento do governo e, em tese, teriam maior independência para o exercício do controle social. O exercício de controle social qualificado poderia possibilitar a superação da atual fragmentação e concentração da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescente sob o olhar da política de assistência social, pois deve ser estrategicamente desenvolvida de maneira transversal, intersetorial, e articulada com as diferentes políticas públicas (infraestruturantes, institucionais, econômicas e sociais). Depreende-se que essa estratégia deve estar presente, também, junto à diretriz de focalização quando da necessária resposta de programas específicos, como aqueles destinados à execução de medidas específicas de proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, não se resumindo a respostas de uma única política, como por exemplo, os da política de assistência social com seus serviços tipificados19. Para a definição dessa política, a legislação criou os CDCA‟s os quais são órgãos especiais, segundo Cyrino; Liberati (2003), por sua estrutura e funcionamento específicos, por serem autônomos e independentes, ou seja, não estão subordinados hierarquicamente ao governo, e por terem administração descentralizada “... e suas deliberações se tornam vontade estatal, e não vontade do órgão, sujeitando o próprio Estado ao seu cumprimento”. Os CDCA‟s contam com um mecanismo estratégico para efetivação da política definida, qual seja, o FIA. Este fundo especial gerido pelos CDCA‟s é considerado como tal tanto pela concepção jurídica positivada como pela extrajurídica, que prevê a separação de recursos públicos para serem destinados a objetivos específicos, através de deliberação dos CDCA‟s, as quais são formalizadas e publicadas através de resolução. Apesar do caráter dos CDCA‟s e, no caso, o do Paraná, o FIA/PR ser importante no volume de recursos, o exercício do controle pelos CDCA‟s é pouco realizado. Apesar de existirem inúmeras obrigações legais de que informações sejam disponibilizadas, pouco tem sido apresentado. Do ponto de vista da sociedade civil, que deveria exercer o controle social neste espaço através de suas representações, contando inclusive com dispositivos legais de acesso à 19 A tipificação dos serviços socioassistencias foi estabelecida através da Resolução 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS 60 informação, não se percebe uma incidência que possa forçar uma mudança na prática estabelecida. De pouco adianta ter espaços institucionais com previsão de participação popular, com caráter deliberativo que vinculam a vontade do governante, se os representantes que ali estão deixarem de cumprir com suas atribuições na definição e controle das políticas. Essa possível “omissão” pode se tornar relevante diante da necessidade de se estabelecer os programas de proteção especial, que devem ser desenvolvidos de maneira transversal, intersetorial, articulada e financiada pelas diferentes políticas públicas. 3 A PROTEÇÃO ESPECIAL NA NORMA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E SEU FINANCIAMENTO A ocorrência textual de proteção especial nos documentos internacionais dos direitos humanos de crianças e adolescentes estão, quase na sua totalidade, referindo-se à necessidade dos Estados-partes darem prioridade a este segmento populacional em função de sua condição peculiar de desenvolvimento. O conjunto de documentos da norma internacional referidos no capítulo I, foram incorporados à normativa nacional, principalmente na CF e no ECA, e também em resoluções dos CDCA‟s. A CF é a única legislação brasileira que, textualmente, se refere à proteção especial, não propriamente a ela, mas aos aspectos que esta proteção abrangerá, os quais são mencionados no parágrafo III do artigo 227. Esses aspectos são, de certa forma, regulamentados na legislação infraconstitucional conhecida como ECA, a qual dispõe sobre a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, composto por dois livros, sendo o primeiro a Parte Geral e o segundo a Parte Especial. Na Parte Especial do ECA, há previsão de programas de proteção e seus regimes, os quais se destinam à execução de medidas específicas de proteção aplicadas pela autoridade competente. Esses programas não se confundem, segundo Neto (2005), com o significado de proteção social especial estabelecido a partir de 2004 com o Sistema Único de Assistência Social e fortemente marcado pela situação de risco pessoal e social. 61 A discussão em torno do conceito de risco está carregada ideologicamente e, se inicialmente pode ser utilizada para acrescer serviços a grupos vulneráveis, também pode ser utilizada para designar aqueles que não agem de acordo com os padrões socialmente aceitos. Tanto a proteção (social) especial como a situação de risco estão presentes nas discussões e definições dos recursos públicos à política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes, estabelecidas nas deliberações dos CDCA‟s. No caso do CEDCA/PR, essas discussões e deliberações estão, quase na totalidade, em torno dos recursos do FIA/PR, o qual é gerido por esse conselho. Apesar do grande volume de recursos do FIA/PR (R$ 114.637.100,00 em despesas prevista para 2013), estes representam somente 0,27% do montante de receitas para o orçamento do Estado do Paraná em 2013, o qual deveria prever os recursos para programas a crianças e adolescentes com a prioridade estabelecida no artigo quarto do ECA. Mas a existência ou não destes no orçamento, especialmente no Plano Plurianual (PPA), depende das disputas das forças presentes na sociedade capitalista, e seu resultado está em contradição com a normativa dos direitos humanos de crianças e adolescentes, a qual é “aprovada por todos”. 3.1 ASPECTOS DA NORMATIVA NACIONAL E INTERNACIONAL Procedendo à leitura da normativa internacional, especialmente a referenciada na Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, buscou-se pela locução “proteção especial”. Apresenta-se, na sequência, tabela com a normativa internacional, data de sua aprovação, se cita ou não a “proteção especial” em seu texto, seja no preâmbulo ou nos artigos, e, por fim, a transcrição da citação encontrada. Lembra-se, contudo que os mesmos não estão isentos de uma ideologia. Pretende-se, com isso, possibilitar a visualização e aproximação dos textos com a locução “proteção especial” para melhor referência, pois se trata de documentos ainda pouco conhecidos da maioria da população, e também pouco citados em outros documentos. 62 Tabela 07 - Proteção especial na normativa internacional dos direitos humanos NORMATIVA ANO Carta das Nações Unidas Declaração Universal dos D.H. Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança Declaração sobre os Direitos da Criança 1945 1948 PROT. ESP. NÃO NÃO 1924 NÃO 1959 SIM Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 1966 NÃO 1966 SIM Convenção sobre Direitos da Criança os 1989 SIM Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos relativos à Prot. e ao Bem-Estar da Criança (res Ass. Geral 41/85 – 03/12/86) Regras-Padrão Mínimas para a a Admininstração da Justiça Juvenil das Nações Unidas (As Regras de Pequim) Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em Situação de Emergência e de Conflito Armado 1986 NÃO 1985 NÃO 1974 SIM TEXTO PRINCÍPIO 2º A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança. PRINCÍPIO 4º A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pósnatais. 2. Deve-se conceder proteção especial às mães por um período de tempo razoável antes e depois do parto. Durante esse período, deve-se conceder às mães, que trabalham, licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios previdenciários adequados. PREÂMBULO Tendo em mente que a necessidade de proporcionar proteção especial à criança foi afirmada na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança de 1924 e na Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (particularmente nos artigos 23 e 24), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (particularmente no artigo 10) e nos estatutos e instrumentos relevantes das agências especializadas e organizações internacionais que se dedicam ao bem estar da criança; PREÂMBULO Tendo em conta a necessidade de proporcionar uma proteção especial a mulheres e crianças, que formam parte das povoações civis. 63 Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Princípios Orientadores de Riad) 1990 SIM Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativos ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados 2000 SIM 2000 NÃO Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativos à venda de crianças, prostituição e pornografia infantis Fonte: próprio autor 5. Deverá reconhecer-se a necessidade e a importância de adotar políticas progressivas de prevenção da delinqüência, de efetuar um estudo sistemático, de elaborar medidas que evitem criminalizar e penalizar um menor por um comportamento que não cause danos sérios ao seu desenvolvimentos ou prejudique os outros. Tais políticas e medidas devem envolver: a) A promoção de oportunidades, em especial oportunidades educacionais, para satisfazer as várias necessidades dos jovens e servir como enquadramento de apoio para salvaguardar o desenvolvimento pessoal de todos os jovens, em especial daqueles que se encontram manifestamente em perigo ou em situação de risco social e têm necessidade de cuidados e proteção especiais. Reafirmando que os direitos da criança requerem uma proteção especial e fazendo um apelo para que a situação das crianças, sem distinção, continue a ser melhorada e que elas se possam desenvolver e ser educadas em condições de paz e segurança, Artigo 3.º 1. Os Estados-Partes devem aumentar a idade mínima de recrutamento voluntário de pessoas nas suas forças armadas nacionais para uma idade acima daquela que se encontra fixada no número 3 do artigo 38.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, tendo em conta os princípios contidos naquele artigo e reconhecendo que, nos termos da Convenção, as pessoas abaixo de 18 anos têm direito a uma proteção especial. Dentre os textos da normativa internacional analisados, encontra-se a ocorrência da locução “proteção especial” em seis deles. O primeiro documento, Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), em seu princípio segundo diz que: A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. (ONU, 1959, grifo nosso) Ao se traçar um paralelo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), é possível encontrar, logo no seu início, texto semelhante, porém sem mencionar a “proteção especial”: 64 Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990) O artigo 227 da Constituição do Brasil, mencionado anteriormente, e o ECA incorporaram os princípios da norma internacional relativos à criança e ao adolescente. Na citação acima, observa-se uma forte comprovação disso. Mas por que então não ficou registrado no ECA a locução proteção especial? De todas as ocorrências de “proteção especial” que se observa na norma internacional, somente a que consta nos Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios Orientadores de Riad) não tem o caráter das demais citações. Todas as demais situações fazem crer que, para os direitos humanos, a criança é merecedora de proteção especial por ser uma fase de vida do ser humano que requer essa proteção especial, independente da situação (pobreza, maus-tratos, etc...), o que foi traduzida no ECA como prioridade absoluta. Contudo, nos Princípios Orientadores de Riad (1990), há uma citação que foge a esse entendimento de “prioridade abslouta” e se aproxima com o que se observa em muitas citações como situação de risco. O contexto da citação está inserta na necessidade do Estadoparte adotar políticas progressivas de prevenção à delinquência juvenil: a) A promoção de oportunidades, em especial oportunidades educacionais, para satisfazer as várias necessidades dos jovens e servir como enquadramento de apoio para salvaguardar o desenvolvimento pessoal de todos os jovens, em especial daqueles que se encontram manifestamente em perigo ou em situação de risco social e têm necessidade de cuidados e proteção especiais. (ONU, 1990, grifo nosso) Nessa citação, pode-se concluir, segundo os Princípios Orientadores de Riad, que a proteção especial deve ser dada àquele que está em perigo ou em situação de risco social. Contudo, a norma também não explicita essa situação, e considere-se que o fato de ser um documento no âmbito da ONU, não significa que está isenta de uma ideologia20. Após a leitura da normativa internacional, buscou-se pela locução “proteção especial” na legislação interna, precisamente a Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. 20 Recomenda-se a leitura SILVA, A. P. F. da. A construção ideológica da escola como antídoto ao estigma “situação de risco” atribuído à crianças e jovens: elementos para uma crítica. Dissertação de Mestrado, PUC, SP, 2005. 65 Emblemático o artigo 227 da Constituição, muito citado por profissionais da área social em estudos sobre a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, e também por operadores de direito em artigos avaliando ou analisando os direitos da criança e do adolescente, mas pouquíssimo citado e analisado o parágrafo terceiro, qual seja: O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. (BRASIL, 1988) A Constituição, dentro da legislação brasileira analisada, é a única a, tacitamente, mencionar a locução “proteção especial”. Após a análise da normativa internacional, e sabendo que o Brasil teve acesso privilegiado ao texto em discussão da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, pode-se concluir que o artigo 227 é a expressão condensada da proteção especial referida na normativa internacional ao conferir o caráter de prioridade absoluta a este segmento. O parágrafo terceiro, ao mencionar que “O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:” pode ser entendido como uma evidência de situações de risco como mencionado nos Princípios Orientadores de Riad? Mas o ECA é a legislação específica que normatiza o artigo 227. Eis, a seguir, o modo como esse diploma legal aborda essa questão. 3.1.1 A proteção especial no ECA Novos termos são utilizados no que se refere à garantia de direitos prevista no ECA, como a proteção integral, em seu primeiro artigo; um capítulo sobre a prevenção especial; e outro dedicado exclusivamente a medidas específicas de proteção. 66 Compõem o ECA dois livros, a saber: Livro I, Parte Geral que inicia no artigo primeiro e vai até o 85; o Livro II, Parte Especial iniciando no artigo 86 e findando com o artigo 258. Em seus 267 artigos, Livro I e II, e mais nas disposições finais e transitórias não encontra-se registrada a locução “proteção especial”. Contudo, no Livro II, há um capítulo destinado às medidas específicas de proteção. Ao se buscar o sinônimo de específico, chegase à especial, então, ter-se-ia aqui a proteção especial? Não se pretende aqui dar todas as respostas, pois pode parecer precipitado, diante da pouca literatura encontrada, ter tal pretensão, contudo, há que se considerar que o ECA também definiu de que maneira as entidades garantiriam o atendimento nos programas de proteção e em quais regimes: Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: I - orientação e apoio sócio-familiar; II - apoio sócio-educativo em meio aberto; III - colocação familiar; IV - acolhimento institucional; V - prestação de serviços à comunidade; VI - liberdade assistida; VII - semiliberdade; e VIII - internação. (BRASIL, 1990) Os programas de proteção nos regimes especificados levam imediatamente a acreditar que se destinam à efetivação da medida de proteção aplicada pela autoridade competente (Conselho Tutelar e Juiz da Vara da Infância) e, por força do artigo 113 do ECA, essas medidas protetivas também podem ser aplicadas conjuntamente com as medidas sócioeducativas. Antonio Carlos Gomes da Costa (2008) comentando os regimes do ECA, considera o regime de orientação e apoio sócio-familiar “...como a primeira e a mais fundamental retaguarda para os Conselhos Tutelares e a Justiça da Infância e da Juventude.” Com o advento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), surge nesse a expressão “proteção social especial” locução muito próxima de “proteção especial” mas teriam o mesmo conceito? Cabe aqui ressaltar que a proteção social dispensada a crianças e adolescentes, bem como às famílias brasileiras, foi historicamente contemplada pela implementação das políticas 67 públicas asseguradas pela Constituição Federal de 1988, pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (dezembro de 1993) e, finalmente, com o advento do ECA. Para tanto, com a aprovação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), há uma definição de “proteção social especial” na Política Nacional de Assistência Social. Essa definição explora o conceito de exclusão social: [...] diferentemente de pobreza, miséria, desigualdade e indigência, que são situações, a exclusão social é um processo que pode levar ao acirramento da desigualdade e da pobreza e, enquanto tal, apresenta-se heterogênea no tempo e no espaço. (BRASIL, 2004, p. 21) Diante do referencial pesquisado, a definição de proteção social especial, segundo a Política Nacional da Assistência Social – PNAS/2004, [...] é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. (BRASIL, 2004, p. 37) Complementarmente, faz uma diferenciação de níveis entre proteção social especial de média e de alta complexidade. Contudo, Neto (2005, p. 17 a 19), em seu artigo “ Por um Sistema de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos de Criança e Adolescentes”, discorda frontalmente que proteção social especial e proteção especial tenham o mesmo significado. Falando da política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente (art. 86 do ECA) defende a operacionalização desta através de três linhas estratégicas: a) serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos, b) programas de execução de medidas socioeducativas; e c) serviços e programas das demais políticas públicas, especialmente das políticas sociais, quando afetos aos fins da política especial de promoção e proteção (“atendimento”) dos direitos humanos. (NETO, 2005) Das três linhas estratégicas, Neto (2005) se detém em explicar e exemplificar, com maior ênfase, a primeira (letra „a‟) a qual, para o autor, [...] tem um caráter de atendimento inicial, integrado, emergencial e ao mesmo tempo alavancador da inclusão moral e social de seus beneficiários (vítimas de violações de direitos): “cuidados e cuidadores”. Aí estão os programas de 68 abrigamento (ou abrigo), de colocação familiar, de orientação sociofamiliar, de localização de desaparecidos, de prevenção/apoio médico e psicossocial a vítimas de maus-tratos, abusos, violências, explorações etc. – serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos. Esse tipo de “proteção” pouco tem a ver com a “proteção social” e não deve ser confundida com ela. Esta última é uma forma de atuação da política de assistência social e tem sua abrangência ampliada ou limitada, conforme o pensamento doutrinário que justifica essa ou aquela outra abrangência do campo da “proteção social”. Mas, de qualquer maneira, será um equivoco lastimável fazer com que os “programas de execução de medidas de proteção de direitos”, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 87, III a V, e 90) acabem absorvidos pelos “programas de proteção social”, institucionalizados a partir da Lei Orgânica da Assistência e regulados pelo Suas. (NETO, 2005 p. 18) Afirma o autor que os serviços e programas nascidos do ECA devem ser implementados para servir de retaguarda, principalmente às Varas da Infância e Juventude e aos Conselhos Tutelares, pois são instâncias públicas para execução das decisões desses dois órgãos, para atender às suas requisições. Para essas instâncias [...] não vão crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, como um encaminhamento social, depois de reconhecidas como nessa situação social, por meio de um estudo social (âmbito do Serviço Social). Para lá vão crianças e adolescentes com seus “direitos ameaçados e violados” (art. 98 – Estatuto citado), por força da aplicação formal de uma “medida específica de proteção” de direitos, aplicada por autoridade competente, nos termos do Estatuto, isto é, após procedimento contencioso próprio, onde se garanta ampla defesa para as partes e que resulte em decisão judicial ou administrativa, da qual caiba recurso. (NETO, 2005 p. 19) Na segunda linha (letra „b‟) estão os programas de medidas socieducativas como a internação, a semiliberdade, a liberdade assistida etc. “A ele se aplicam também as considerações acima, mutatis mutantis, sobre sua natureza jurídica, abrangência, especificidades, interfaces etc.” Por fim, a terceira linha (letra „c‟), serviços e programas das demais políticas públicas “...implica a facilitação do acesso aos serviços públicos (educação, saúde, proteção no trabalho, previdência, segurança pública etc.)...”. As afirmações de Costa (2008) e Neto (2005) vêm trazer argumento para destinar os recursos do FIA, quando relativos à proteção, tão somente para as medidas protetivas, ou seja, para programas e serviços que sirvam na execução das medidas específicas aplicadas pelo Conselho Tutelar e Juiz da Vara da Infância. Essas medidas são para a criança e o adolescente que tiver seus direitos ameaçados ou violados, conforme artigo 98 do ECA, correspondendo aos programas e serviços elencados nos art.87, III a V e os do artigo 90. 69 Os serviços e programas de proteção, os quais compõem o eixo de promoção, são definidos no artigo 17 da Res. 113 (Conanda, 2006) como aqueles que se destinam à [...] execução de medidas específicas de proteção dos direitos humanos têm caráter de atendimento inicial, integrado e emergencial, desenvolvendo ações que visem prevenir a ocorrência de ameaças e violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes e atender às vítimas imediatamente após a ocorrência dessas ameaças e violações. § 1.º Esses programas e serviços ficam à disposição dos órgãos competentes do Poder Judiciário e dos conselhos tutelares, para a execução de medidas específicas de proteção, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente; [...] (CONANDA, 2006) O Estatuto da Criança, por ser lei regulamentadora do artigo 227, esperava-se que claramente dispusesse sobre a proteção especial, mas assim não foi feito. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além de reiterar o contido no artigo 227 da Constituição de 1988, cuja redação estabelece o princípio da prioridade absoluta, detalha os direitos dos quais crianças e adolescentes são sujeitos. Diante deste novo paradigma de atendimento, o ECA assevera, como princípio maior, a garantia do desenvolvimento pleno e saudável a todas as crianças e adolescentes em vários de seus artigos, passando este novo paradigma a ser frequente no linguajar dos operadores do direito e dos agentes da política pública. Na continuidade, procurou-se verificar as deliberações do CEDCA/PR relativas ao necessário financiamento dos programas de proteção e seu reflexo no fundo gerido por esse conselho. Mas antes, faz-se necessário uma rápida incursão sobre situação de risco, em função de diversas citações sobre a obrigação de haver proteção especial quando a criança ou adolescente está em situação de risco pessoal e/ou social, 3.2 SITUAÇÕES DE RISCO Entrar na discussão de risco é uma tarefa bastante complexa a qual não se pretende aprofundar neste momento, mas necessário se fazem algumas discussões por que está intimamente ligada à utilização da locução “proteção especial”. Segundo Freitas (2001), a origem do termo remonta ao século XV e vem da palavra italiana riscare a qual significa navegar entre rochedos perigosos. Foi incorporada ao 70 vocabulário francês em 1660 e provém da teoria das probabilidades a qual “implica na consideração de previsibilidade de determinadas situações ou eventos”. Mary Jane Paris Spink (2003), diz que: [...] a palavra risco tem seu primeiro registro no século XIV. Inexistia em grego, em árabe e no latim clássico. Tem registro em espanhol desde o século XIV, mas ainda sem a clara conotação de 'perigo que se corre'. É no século XVI que adquire seu significado moderno. E apenas em meados do século XVII tem registro nos léxicos da língua inglesa. Etimologicamente, suscita mais hipóteses do que certezas. A mais plausível é que risco seria um derivativo de resecare, ou seja, cortar. A palavra parece ter sido usada para descrever penhascos submersos que cortavam os navios, emergindo daí seu uso moderno de risco como possibilidade - mas não como evidência imediata. Essa hipótese permite, ainda, entender o uso muito singular de risco em português, para referir-se a uma linha traçada - quiçá uma linha proveniente de um corte de navalha. (SPINK, 2003) Perguntado sobre a diferença entre perigo e risco, Assiz (2007) responde dizendo que: Primeiro é preciso que tenhamos em mente que a segurança é definida como o conjunto das ações que se opõem ao perigo, e que a proteção é apenas um dos meios da segurança. Chamamos perigo, do latim: periculum, a situação ou conjuntura, em que está ameaçada a integridade física ou moral de uma pessoa; ou seja, a exposição ao risco; podendo ser perigo direto quando se associa as pessoas, e/ou indireto quando se se associa as coisas ou objetos. Já o risco, a probabilidade de perigo, compreende-se como toda incerteza possível de gerar um prejuízo ou dano, corporal ou material. (ASSIZ, 2007) Poderíamos inferir inicialmente que risco é a probabilidade de acontecer algo, e esse algo na sociedade atual está quase sempre associado ao negativo. Mas ainda não é o bastante. Silva (2005, pg. 76), ao analisar a construção ideológica da escola como antídoto ao estigma “situação de risco”, analisa os aspectos ideológicos envolvidos e considera que “... situação de risco muitas vezes é ideologicamente construída com o intuito de „diagnosticar‟ locais e pessoas ainda não tocadas pelas vantagens e virtudes da grande panacéia universal: o desenvolvimento econômico”. Discorrendo sobre a situação de risco, Rosemberg (1994) ressalta que “A categoria descritiva famílias em risco foi emprestada da epidemiologia e da psiquiatria e transposta para o terreno das políticas sociais sem uma crítica epistemológica necessária” (ROSEMBERG, 1994, p. 37) A conceituação risco, no campo da psiquiatria, tem sua origem nas “[...] condições de existência da criança ou de seu ambiente que comportam um risco de doença mental superior ao que se observa na população em geral.” (AJURIAGUERRA, 1973, apud ROSEMBERG, 1994, p. 37). 71 Silva (2005), analisando o risco no campo da epidemiologia, “[...] considera o fator „risco‟ como a „descrição de uma maior probabilidade de ocorrências indesejáveis em saúde quando um indivíduo ou grupo é portador de certas características denominadas indicadores de risco e cuja lista e ponderações podem se construir em grades de risco‟, (Deschamps apud Rosemberg, 1994b, p.31).” Quando a análise considera o risco no campo da epidemiologia, considera este como a descrição de “[...] uma maior probabilidade de ocorrências indesejáveis em saúde quando um indivíduo ou grupo é portador de certas características denominadas indicadores de risco e cuja lista e ponderações podem se constituir em grades de risco.”(DESCHAMPS, 1985, p. 472 apud ROSEMBERG, 1994, p. 37) Esse conceito serviu, inicialmente, para identificar grupos vulneráveis e acrescer à disponibilidade de serviços à esses. “Porém, ao se estender para o campo das relações sociais, pode-se considerar que os riscos são essencialmente de natureza psicossocial. (SILVA, 2005, p. 111) Fechando seu entendimento crítico sobre situação de risco, a autora expõe seu pensamento dizendo que: Nesse sentido, entendemos a “situação de risco” como uma forma de designar aquelas pessoas que não agem de acordo com os padrões socialmente aceitos e que precisam de “ajuda” para conseguir se adequar. Tal forma de denominação oferece um pressuposto falso relacionado à possibilidade de escolha, à medida que idealiza uma criança no limiar entre o risco – perder-se definitivamente – e a “salvação” – ou a correção do mal que a desviava. (SILVA, 2005, p. 112) E finalmente, “ „Situação de risco‟ é uma síntese estatística que pode ou não coincidir com as possibilidades de risco em uma situação concreta”. (SILVA, 2005, p. 135) Crianças e adolescentes em “situação de risco” têm sido tema de discussão nos conselhos de direitos, pois são os órgão responsáveis pela definição da política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente em seus respectivos níveis municipal, estadual e nacional. Esse tema quase sempre vem à discussão quando da aprovação de planos de aplicação para financiamento de projetos ou programas de atendimento, pois, não raras vezes, os conselhos se restringem à discussão do Fundo que gerenciam. 72 3.3 AS DELIBERAÇÕES DO CEDCA/PR E OS RECURSOS DO FIA/PR Como exposto anteriormente, o CEDCA/PR é o conselho responsável pela definição da política de atendimento aos direitos das crianças e adolescentes do Paraná. Conta com um poderoso instrumento, qual seja, o FIA/PR do qual é o gestor. Procurou-se estudar as deliberações desse conselho, especialmente as destinadas a definir recursos do referido fundo, na intenção de verificar se essas contemplavam destinação para serviços e programas de proteção especial. Analisou-se as deliberações entre os anos 2003 e 2013 as quais estão disponíveis no site do CEDCA/PR. Buscou-se, inicialmente, pela grafia de “proteção especial” e, posteriormente, por “proteção social especial”. Observou-se presença de proteção especial em nove deliberações/resoluções computando-se um anexo, com 12 ocorrências textuais. A proteção social especial aparece em 10 deliberações/resoluções computando-se dois anexos, com 22 ocorrências textuais. Há um predomínio da presença da proteção especial até o ano de 2010, havendo a primeira ocorrência de proteção social especial em 2011. Entre 2011 e 2013, são 11 deliberações/resoluções, havendo somente em duas a ocorrência de proteção especial, enquanto que a proteção social especial predomina com 10 deliberações/resoluções. Apresenta-se, na sequência, tabela com os dados obtidos na pesquisa das referidas deliberações/resoluções. Tabela 08 - Ocorrência de proteção especial e proteção social especial nas deliberações/resoluções do Cedca/PR – 2003 a 2013 Proteção Proteção Número Ementa Social Transcrição/Contexto Especial Especial 04/2004 Pela aprovação SIM Não Art. 8º. Os recursos do FIA serão exclusivamente para dos critérios para atendimento de política de proteção especial, na liberação de implantação ou implementação de projetos, programas e recursos do FIA serviços. 12/2004 Pela aprovação SIM Não Art. 6º. Os recursos do FIA serão exclusivamente para dos critérios para atendimento de política de proteção especial, na liberação de implantação ou implementação de projetos, programas e recursos do FIA serviços. Art. 7º. Para efeitos da presente deliberação, às entidades não entende-se por proteção especial à criança e ao governamentais. adolescente que são vítimas de abandono, de maus tratos, os órfãos, as negligenciadas, abusadas, exploradas sexualmente e no trabalho, as traficada e as em cumprimento de medida sócio educativa 73 03/2005 Pela aprovação das normas que orientarão a liberação de recursos orçamentários do FIA/2005 para prefeituras e entidades. SIM Não 15/2005 Pela aprovação das normas que orientarão a liberação de recursos do FIA/ 2006 aos municípios, tanto para prefeituras como para entidades não governamentais. Pela aprovação das normas e critérios que orientarão a liberação de recursos do FIA2007. SIM Não SIM Não Parâmetros para o funcionamento e destinação dos recursos do FIA Estadual SIM Não 18/2006 03/2010 Art.2º O repasse de recursos orçamentários do FIA/2005 destinar-se-á ao financiamento de programas de atenção à infância e adolescência, sendo de proteção especial para municípios acima de 20 mil habitantes e de proteção social para municípios com população abaixo de 20 mil habitantes (anexo 01) § 1º Para fins desta deliberação, será considerado Programas de PROTEÇÃO ESPECIAL o desenvolvimento de medidas protetivas de média e alta complexidade e medidas socioeducativas em meio aberto, ... Art.2º O repasse de recursos do FIA/2006 destinar-se-á ao financiamento de programas de atendimento à criança e ao adolescente, sendo os de proteção especial para a totalidade dos municípios e de proteção social apenas para municípios com população abaixo de 20 mil habitantes. (...) § 1º Para fins desta deliberação, serão considerados Programas de PROTEÇÃO ESPECIAL o desenvolvimento de medidas protetivas de media e alta complexidade e medidas socioeducativas em meio aberto,... Art. 2º. Os CMDCA's ao direcionarem os recursos disponibilizados para os municípios, deverão considerar: (...) . As prioridades estabelecidas pelo CMDCA na perspectiva de constituir a rede de proteção especial para crianças e adolescentes; (...) Art. 3º. O repasse de recursos do FIA/2007 destinar-se-á ao financiamento de programas de proteção e socioeducação para atendimento à criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social. (...) § 3º Para o município receber financiamento para programa de contraturno intersetorial deverá ter população abaixo de 20 mil habitantes e ter atendida a demanda infanto-juvenil de proteção especial. Art. 3º. O Fundo para a Infância e Adolescência do Estado do Paraná tem por finalidades: I - a organização e manutenção de uma Rede de Proteção Especial Intersetorial voltada ao público infanto-adolescente; Art. 16. Ficam estabelecidos princípios gerais de destinação de recursos do Fundo Estadual para a Infância e Adolescência do Paraná – FIA/PR, de forma a constituir política pública estadual de garantia dos direitos, estimular e fortalecer redes estadual, regionais e locais de atendimento:... VI – Priorizar a Constituição de uma REDE DE PROTEÇÃO ESPECIAL INTERSETORIAL que inclua ações, programas e projetos de forma intersetorial e pública, seja com execução governamental ou não governamental. VII – Apoiar, de forma continuada, a partir de regulamentação específica após a previsão legal de repasse fundo-fundo, os programas que compõem uma REDE de PROTEÇÃO ESPECIAL INTERSETORIAL, priorizando as situações de violação dos direitos a partir do maior para o menor risco, conforme matrizes contidas nos anexos I, II e III. (...) Art. 17. A aplicação dos recursos do Fundo Estadual para a Infância e Adolescência do Paraná – FIA/PR, deliberada pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDCA, deverá ser destinada para o financiamento de ações governamentais e não- 74 governamentais relativas a: (...) II – programas e ações de promoção, proteção e defesa, tendo como referência a Rede de Proteção Especial Intersetorial. 226/201 0 01/2011 02/2011 09/2011 Define orientações sobre destinação de bens adquiridos com recursos do FIA-estadual na interface com equipamentos e serviços do SUAS, SUS e demais sistemas das políticas públicas da segurança pública, educação e garantia de direitos. RESERVA RECURSOS PARA COMPLEMENT AR OS CUSTOS DE CONSTRUÇÃO E A AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO S PARA OS CENTROS DA JUVENTUDE JÁ DELIBERADOS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS Dispõe sobre a convocação da 8ª Conferência Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Programa Crescer em Família. SIM Não art 1º Reiterar que os recursos do FIA tem caráter suplementar às políticas públicas que compõe a chamada “rede de proteção especial intersetorial”, e serão utilizados no apoio a programas, projetos e ações voltadas ao atendimento de crianças e adolescentes, conforme definido em sua legislação de criação; decreto regulamentador; resolução sobre os parâmetros e deliberações específicas do CEDCA. (...) Art. 8º Para análise das situações apresentadas deverá ser analisada a “rede de proteção especial intersetorial” levando em consideração os anexos estabelecidos na resolução nº 03/2010 dos parâmetros do FIA,” tanto na relação com a intersetorialidade quanto em relação as demandas e tipos de programas. Não SIM que a execução das medidas socioeducativas em meio aberto – Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade estão tipificadas no SUAS como serviço de Proteção Social Especial, referenciados no CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social; (...) c) Entrega dos projetos analisados pelos Escritórios Regionais à Sede da SEDS – Coordenação de Proteção Social Especial: 26/01/2012; SIM Não EIXO 2 - PROTEÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS Diretriz 03 - Proteção especial a crianças e adolescentes com seus direitos ameaçados ou violados, consideradas as condições de pessoas com deficiência e as diversidades de gênero, orientação sexual, cultural, étnico-racial, religiosa, geracional, territorial, de nacionalidade e de opção política. Não SIM Embora ainda pouco difundida no País, esse serviço encontra-se consolidado em outros países, especialmente nos europeus e da América do Norte, além de contar com experiências exitosas no Brasil e América Latina. Tal serviço encontra-se contemplado, expressamente, na 75 52/2011 Pela continuidade do programa “LiberdadeCidadã" medidas socioeducativas em meio aberto Não SIM 01/2012 Alteração da Resolução nº 002/2011 Liberdade Cidadã Medidas Socioeducativas em Meio Aberto Não SIM Não SIM Criação e composição da Comissão para elaboração de Deliberação tendo como foco o atendimento à Não SIM 46/2012 56/2012 Política Nacional de Assistência Social (2004), como um dos serviços de proteção social especial de alta complexidade e no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa de Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006). que a execução das medidas socioeducativas em meio aberto – Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade estão tipificadas no SUAS como serviço de Proteção Social Especial, referenciados no CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social; (...) Art. 17. Os Planos de Trabalho e de Aplicação deverão ser protocolados junto ao Escritório Regional da SEDS, o qual procederá a análise prévia à luz desta deliberação e solicitará os ajustes a que se referem o Parágrafo Único do Artigo 14, quando necessário. Os projetos analisados serão remetidos à Coordenação de Proteção Social Especial que referendará ou não o parecer do Escritório Regional em relação ao projeto técnico e, posteriormente, ao Grupo de Planejamento Setorial da SEDS que procederá a análise dos Planos de Aplicação. (...) c) Entrega dos projetos analisados pelos Escritórios Regionais à Sede da SEDS – Coordenação de Proteção Social Especial: 26/01/2012; d) Mara Cristina Ferreira – Coordenadora de Proteção Social Especial. que a execução das medidas socioeducativas em meio aberto – Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade estão tipificadas no SUAS como serviço de Proteção Social Especial, referenciados no CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social; (...) Art. 10. Os Escritórios Regionais da SEDS deverão orientar os municípios e entidades não governamentais quanto aos critérios e requisitos desta deliberação, receber a documentação constante no Artigo 9º e encaminhá-la à SEDS/Coordenação de Proteção Social Especial. (...) Art. 17. Os Planos de Trabalho e de Aplicação deverão ser protocolados junto ao Escritório Regional da SEDS, o qual procederá a análise prévia à luz desta deliberação e solicitará os ajustes a que se referem o Parágrafo Único do Artigo 14, quando necessário. Os projetos analisados serão remetidos à Coordenação de Proteção Social Especial que referendará ou não o parecer do Escritório Regional em relação ao projeto técnico e, posteriormente, ao Grupo de Planejamento Setorial da SEDS que procederá a análise dos Planos de Aplicação. (...) c) Entrega dos projetos analisados pelos Escritórios Regionais à Sede da SEDS – Coordenação de Proteção Social Especial: Até 24/10/2012; (...) Fonte: Coordenação de Proteção Social Especial, SEDS, 2012. a) Sionara de Paula – Coordenação de Proteção Social Especial; (...) c) Entrega dos projetos analisados pelos Escritórios Regionais à Sede da SEDS – Coordenação de Proteção Social Especial: 22/02/2013. 76 22/2013 88/2013 crianças e adolescentes com deficiência. Programa Crescer em Família, alterada pela Deliberação nº 023/2013 CEDCA/PR, pela Resolução nº 005/2013 CEDCA/PR, pela Deliberação nº 048/2013 CEDCA/PR e pela Deliberação nº 050/2013 CEDCA/PR Capacitações Não SIM b) As Equipes Regionalizadas deverão emitir parecer e encaminhar as solicitações até o dia 16 de agosto de 2013, para a Coordenação de Proteção Social Especial (CPSE) da SEDS. (...) Embora ainda pouco difundida no País, esse serviço encontra-se consolidado em outros países, especialmente nos europeus e da América do Norte, além de contar com experiências exitosas no Brasil e América Latina. Tal serviço encontra-se contemplado, expressamente, na Política Nacional de Assistência Social (2004), como um dos serviços de proteção social especial de alta complexidade e no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa de Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006). Não SIM Coordenação de Proteção Social Especial (...) · “Programa Liberdade Cidadã 2014”, no valor de R$ 90.000,00; · “Garantia de Direito à Convivência Familiar e Comunitária – Cuidador de Criança e Adolescente”, no valor de R$ 93.215,50; · “Capacitação aos Agentes Institucionais para o Trabalho de Aquisição de Autonomia dos Adolescentes e Jovens Acolhidos no Estado do Paraná”, no valor de R$ 94.590,00; · “Seminário: A atuação do Sistema de Justiça e sua interrelação com demais atores do Sistema de Garantia de Direitos na área da Infância e Adolescência”, no valor de R$ 35.576,00. Nesse ínterim, a presente proposta justifica-se. A disponibilização de brinquedotecas aos equipamentos da política da assistência social municipais tem por objetivo garantir o direito ao brincar e propiciar à criança a oportunidade de socialização em um ambiente lúdico. Uma forma mesma de garantir a proteção no sentido amplo que discutimos acima, acionando-se também, para tanto, toda a Rede de Proteção municipal, o que implica em parcerias com a proteção social especial, entidades, escolas, conselhos tutelares, entre outros. O aperfeiçoamento dos atores que desenvolverão as atividades justifica-se, tendo em vista a carência de formação especifica nessa área. COMPARTILHADA PELOS TECNICOS DO CRAS. SE PROPOS A CONTRATAR UMA EQUIPE QUE ATUE COM A PROTEÇÃO ESPECIAL PARA 2014. DESAPROVADO (...) 3.O município justificou que ,no momento não tem possibilidade de contratação de equipe técnica exclusiva para o serviço de acolhimento por ser de pequeno porte,com demanda pequena (8 crianças/adolescentes em média) e pela inviabilidade financeira. Esclareceu que conta com atuação da assistente social do órgão gestor e da psicóloga do CRAS, que atendem o serviço de acolhimento de forma compartilhada. Acrescentou ainda que, para próximo ano,esta prevendo a formação da equipe técnica para atuar na proteção social especial. (...) 3, O município justificou que não tem previsão de contratação de equipe técnica exclusiva para o serviço de acolhimento por ser de pequeno porte, com demanda pequena (em media 5,3 97/2013 Brincadeiras Comunidade na Não SIM 156/201 3 Programa Crescer em Familia SIM SIM 77 crianças e adolescentes) e pela inviabilidade financeira. Esclareceu ainda que reorganizou os serviços socioassistenciais, contando com a atuação de um profissional de serviço social para o núcleo de Proteção Social Especial, onde está referenciado o serviço de acolhimento. (...) 1. A prefeitura de Grandes Rios Justifica que o atendimento técnico das crianças adolescentes, que hoje estão acolhidos, será realizado pelos técnicos da Secretaria Municipal de Assistência Social e da Secretaria Municipal da Educação. Informa ainda que, a partir de janeiro de 2014, pretende realizar um concurso para contratação de um psicólogo para atuar no órgão Gestor da Assistência Social, com a proteção Social Especial. Fonte: próprio autor Percebe-se que, a partir do ano de 2005, os textos das deliberações começam a permear e se confundir entre proteção especial e proteção social, mas ainda sem fazer referência à proteção social especial, possivelmente por influência da Política Nacional de Assistência Social aprovada no segundo semestre de 2004. Dentre as deliberações, somente a 012/2004 dá um entendimento à proteção especial especificando que essa proteção é destinada aos “[...] que são vítimas de abandono, de maus tratos, os órfãos, as negligenciadas, abusadas, exploradas sexualmente e no trabalho, as traficadas e as em cumprimento de medida sócio-educativa.” As demais deliberações quando fazem essa distinção o fazem citando os serviços e programas, notadamente os citados no artigo 87, III a V e 90 do ECA. Veja-se o exemplo da deliberação 03/2005: I - Programas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade, compreendendo ações de: a) promoção social do adolescente e sua família; b) inserção e reinserção escolar; c) iniciação e formação profissional do adolescente; d) atividades de esporte, cultura, lazer e protagonismo juvenil; e) acolhimento de adolescentes egressos de medidas socioeducativas de restrição ou privação de liberdade. II – Programa de Guarda subsidiada em família substituta, ou em família acolhedora com orientação e apoio sóciofamiliar (para atender ação de desligamento dos abrigos governamentais e não governamentais ou de colocação familiar direta, tendo sua gestão exercida exclusivamente pelas prefeituras); III - Serviços de referência na prevenção e atendimento médico, jurídico e psicossocial às crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos, abuso e exploração sexual e suas famílias, apoiados na rede de Saúde, Educação e Assistência Social; IV – Serviços de prevenção e atendimento às crianças e adolescentes com dependência de substâncias psicoativas quando houver retaguarda de CAPS ou estiver em processo de implantação; (CEDCA/PR, 2005) Surge, na deliberação 015/2005, a citação de risco como referência às crianças e adolescentes que serão atendidos com os recursos do FIA/PR: “ V- Programas municipais de 78 orientação psicosociofamiliar de crianças e adolescentes em situação de risco;”. Também a 018/2006, “... destinar-se-á ao financiamento de programas de proteção e socioeducação para atendimento à criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social.” Desnecessário seria o uso de risco associado aos programas de proteção e sócioeducação, haja vista o exposto anteriormente sobre a quem se destina os mesmos, conforme Res. 113 do Conanda. Dentre as funções exercidas pelo CEDCA/PR está a de “Formular a política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, [...] Controlar as ações de execução da Política Estadual de atendimento à criança e ao adolescente em todos os níveis, [...] Gerir seu respectivo Fundo, [...]”. Pelo que se pode observar, as deliberações revelam que o CEDCA/PR faz a gerência do FIA/PR e formula a política que se expressa nas deliberações e nos Planos Estaduais aprovados, mas e o controle das ações na execução da política? Uma resposta, pelo menos em parte, para essa questão, se depreende quando se faz a análise da tabela elaborada pela Câmara Técnica do FIA/PR, apresentada aos conselheiros durante reunião ordinária no ano de 2007. Tabela 09 - Resumo das deliberações do FIA/PR 2004 a 2006 BENEFICIADO DELIBER AÇÃO QUANT. 21 PM % ONG22 % TOTAL R$ 7.582.217,01 004/2004 518 250 48 268 52 012/2004 440 0 0 440 100 6.733.834,01 003/2005 459 331 72 131 29 10.689.914,79 015/2005 TOTA GERAL 501 348 69 153 31 14.802.547,36 1918 929 48 992 52 39.808.513,17 TIPO DE PROJETO/PROGRAMA L A E P S C CONVIVÊ NCIA FAMILIA RE COMUNI TÁRIA VÍTIMA DE VIOLÊN CIA DEPENDÊ NCIA QUÍMICA VIVÊNCI A DE RUA REABILIT AÇÃO 004/2004 27 78 13 7 2 52 50 012/2004 21 75 21 16 3 102 003/2005 67 10 16 14 2 015/2005 TOTA GERAL 63 17 8 53 21 12 216 71 49 DELIBE RAÇÃO 21 22 Prefeituras Municipais Organizações Não Governamentais ORIENT. E APOIO PSICOSOCIOFA MIST M. O CONTRAT URNO INIC. E FORM. SOCIOP ROF. 48 176 65 42 27 99 34 14 21 36 233 46 2 17 28 74 178 53 9 185 141 185 686 198 51 8 44 0 45 9 50 1 19 18 79 VALORES R$ DELIBE RAÇÃO 004/2004 012/2004 003/2005 015/2005 TOTA GERAL LA E PSC 498.882,8 9 464.607,2 5 2.767.210 ,07 3.037.244 ,89 6.767.945 ,10 CONVIV ÊNCIA FAMILI VÍTIMA AR E DE COMUNI VIOLÊNC TÁRIA IA 1.614.252, 95 171.346,04 1.643.998, 98 403.896,88 430.536,3 1.595.750,1 9 4 2.093.882, 11 615.235,35 5.782.670, 2.786.228,4 43 1 DEPEND ÊNCIA QUÍMIC A 154.562,0 4 236.759,3 0 384.813,4 0 278.092,5 6 1.054.227, 30 VIVÊ ORIENT. E NCIA APOIO DE REABIL PSICOSOC RUA ITAÇÃO IOFAM. 23.200, 731.956,0 00 8 612.330,21 51.194, 1.270.847 53 ,25 481.846,92 20.363, 136.082,0 85 2 366.897,78 138.20 214.012,8 0,00 9 856.399,81 232.95 2.352.898 2.317.474,7 8,38 ,24 2 MISTO 646.885, 61 403.634, 59 814.565, 36 1.976.95 4,89 3.842.04 0,45 CONTRA TURNO 2.373.010, 97 1.218.548, 74 3.570.478, 46 4.433.413, 95 11.595.452 ,12 INIC. E FORM. SOCIOP ROF. 755.790,2 2 558.499,5 7 603.217,3 2 1.159.110 ,91 3.076.618 ,02 7.582.21 7,01 6.733.83 4,01 10.689.9 14,79 14.802.5 47,36 39.808.5 13,17 PERCENTUAIS POR TIPO DELIBE RAÇÃO LA E PSC CONVIV ÊNCIA FAMILI AR E COMUNI TÁRIA 004/2004 5,21 15,06 2,51 1,35 0,39 10,04 9,65 9,27 33,98 12,55 100,00 012/2004 4,77 17,05 4,77 3,64 0,68 23,18 9,55 6,14 22,50 7,73 100,00 003/2005 14,60 2,18 3,49 3,05 0,44 3,05 4,58 7,84 50,76 10,02 100,00 015/2005 TOTA GERAL 12,57 10,58 4,19 2,40 0,40 3,39 5,59 14,77 35,53 10,58 100,00 9,28 11,26 3,70 2,55 0,47 9,65 7,35 9,65 35,77 10,32 100,00 DELIBE RAÇÃO CONSU MO % TOTAL % % VÍTIMA DE VIOLÊNC IA DEPEND ÊNCIA QUÍMIC A VIVÊ NCIA DE RUA REABIL ITAÇÃO ORIENT. E APOIO PSICOSOC IOFAM. MISTO CONTRA TURNO INIC. E FORM. SOCIOP ROF. POR TIPO DE GASTO - INCIDÊNCIA DE ITENS EQUIPA OBRA MENTOS % S % SERVIÇOS 004/2004 23 2,18 930 88,32 98 9,31 2 0,19 1053 100,00 012/2004 402 24,68 1026 62,98 34 2,09 167 10,25 1629 100,00 003/2005 335 27,19 669 54,30 103 8,36 125 10,15 1232 100,00 015/2005 TOTA GERAL 475 31,77 736 49,23 119 7,96 165 11,04 1495 100,00 1235 22,35 3361 60,82 354 6,41 459 8,31 5526 100,00 RESUMO DAS DELIBERAÇÕES - CONSTRUÇÃO DELIBE RAÇÃO QUANT. M² TOTAL R$ 956.799,62 004/2004 44 10.634,70 012/2004 8 502,05 169.129,79 003/2005 57 11.355,23 2.164.722,27 015/2005 TOTA GERAL 89 15.655,02 3.067.872,21 198 38.147,00 6.358.523,89 OBS.: A metragem está subdimensionada. Falta este dado em alguns processos Fonte: Câmara Técnica do FIA/PR - 2007 DETALHAMENTO - OBRAS DEL. 04/04 DEL. DEL.15/0 12/04 DEL.03/05 5 85 29 101 104 Nº de Municíios PM 58 ONG 28 Construçã o 44 26 Reforma Ampliaçã 20 o Readequa 0 ção Compra 6 de imóvel Metragem 14.060,67 Recursos 1.625.359,3 R$ 3 91 137 14 57 39 89 15 18 44 9 28 52 0 4 4 2 1 0 4.077,12 18.779,78 23.530,13 688.743, 19 3.787.482, 21 5.655.724 ,38 0 33 8 80 Discutir e aprovar uma deliberação, fazer a publicação, dar conhecimento aos municípios para acessar os recursos disponibilizados, aguardar a chegada dos projetos, analisar, aprovar, conveniar e repassar os recursos, tem sido, com maior ou menor grau de detalhes, o tramite que o CEDCA/PR estabelece no gerenciamento dos recursos do FIA/PR no que diz respeito aos recursos destinados aos Municípios e ONGs. Entre o texto da deliberação e o projeto apresentado, nem sempre existe a correspondência. Quando da análise dos projetos pelos conselheiros estaduais, muitos são encaminhados para ajustes ou reprovados por não estarem de acordo a deliberação. Nessa fase, ainda o CEDCA/PR consegue fazer o controle, contudo, quando essa fase termina e é realizado o convênio e, consequentemente repassados os recursos para execução, começa a haver um esmaecimento do controle. Alguns casos, posteriormente, na maioria mediante denúncia, voltam ao controle, mas a grande maioria está longe, enquanto sua efetividade, de um exercício de controle. Essa falta ou impossibilidade de controle, fruto também da quantidade e distribuição de projetos, tem facilitado que proponentes mascarem muitos projetos na busca de recursos para manutenção dos mesmos. Não se nega a necessidade desses recursos, tão somente que a fonte da busca não deveria ser o FIA/PR. Por que tal afirmação? É feita considerando o decreto estadual 3963/94 de regulamentação do FIA/PR, o qual cita, novamente para maior clareza: Art. 1º - O Fundo Estadual para a Infância e a Adolescência tem por objetivo captar e aplicar recursos destinados às ações de atendimento à criança e ao adolescente. § 1º - As ações de que trata o "caput" deste artigo destinam-se a programas de proteção especial à criança e ao adolescente expostos à situação de risco pessoal e social e, excepcionalmente, a projetos de assistência social para crianças e adolescentes que delas necessitem, a serem realizadas em caráter supletivo, em atendimento às deliberações do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente. (PARANÁ, 1994, grifo nosso) Pelo volume de projetos e pelo montante de recursos, pode-se inferir que a excepcionalidade de projetos de assistência não tem sido a regra, nem mesmo respeitado o caráter supletivo, sendo o FIA/PR, em muitos casos, a única fonte para implantação e manutenção de alguns projetos. É possível perceber a grande quantidade de projetos de assistência social sob a denominação de “contra turno” na tabela elaborada pela Câmara Técnica do FIA com base em quatro deliberações (04, 012/2004 e 03, 015/2005). Faz-se a ressalva, contudo, que nem todos os projetos intitulados dessa forma são de assistência, mas são os que fogem à regra geral, 81 qual seja, a proteção especial. Por outro lado, teríamos ainda os projetos de iniciação e formação sócio-profissional e aqueles considerados mistos que podem também fugir a regra geral. Para reforçar essa ideia, a partir de 2005, as deliberações começam a incluir a “proteção social”, limitando inclusive aos municípios com população inferior a 20.000 habitantes. A segunda folha da tabela 9, com dados de percentuais dos projetos aprovados, oferece a confirmação da linha de argumentação, ou seja, a média de 35,77% de projetos considerados de “contra turno”. Chama atenção a deliberação 012/2004 pelo percentual abaixo da média ficando em 22,50% e a 03/2005 a qual extrapola em muito a média chegando aos 50,76%. Pode-se inferir que, em relação à deliberação 012/2004, há dois fatores que colaboram para isso. O primeiro, devido ao fato da deliberação dar um entendimento à proteção especial, nominando as situações de violação que deveriam ser atendidas, inibindo assim que projetos de assistência voltados à situação de vulnerabilidade fossem apresentados. Por outro lado, o fato dessa deliberação ter atendido somente a ONGs, as quais, em média, têm apresentado menor número de projetos (37%) de contra turno se comparado com os Municípios (63%)23. Já na deliberação 03/2005, pode ser encontrada explicação ao “vento” do SUAS que soprou com intensidade no início de 2005 após a aprovação, em meados do segundo semestre de 2004, da PNAS e da Norma Operacional Básica em início de 2005, encontrando, inclusive, apoio na própria deliberação de modo a alentar a apresentação de projetos de assistência. Mas, para além da fonte do FIA, é no orçamento que os recursos públicos são previstos para efetivar essas deliberações dos conselhos, deliberações estas que dão forma à política definida. 3.4 A PRESENÇA DA PROTEÇÃO (SOCIAL) ESPECIAL NO ORÇAMENTO PÚBLICO As diferentes forças presentes na sociedade capitalista disputam os recursos do fundo público, e o orçamento estatal reflete essa disputa, pois é ali que essas forças procuram inserir os seus interesses. 23 Considerando a média das deliberações com exceção da 012/2004 82 Esses interesses são privados e, desde a década de 1980, há um domínio hegemônico do capital financeiro, segundo Salvador (2012). “O orçamento público é que garante concretude à ação planejada do Estado e espelha as prioridades das políticas públicas que serão priorizadas pelo governo.” (SALVADOR, 2012) Continua o autor afirmando que a CF assegurou avanços relacionados aos direitos da cidadania, e que a efetivação desses avanços deveria ter o aporte prioritário de recursos no orçamento público, mas que seu financiamento é feito pelos pobres via impostos sobre o salário e por meio de tributos indiretos. Uma das alternativas para garantir a expansão dos direitos da cidadania e seu financiamento, foi a vinculação de recursos para áreas sociais através dos fundos sociais vinculados a conselhos com composição paritária entre os representantes governamentais e não governamentais, com função de acompanhar e fiscalizar políticas públicas (SALVADOR, 2012). Essas despesas vinculadas se constituem em importantes despesas para garantir direitos, mas, ao mesmo tempo, segundo Salvador (2012), não significam que os gastos feitos gerem justiça social nem que os serviços oferecidos se tornem universais na perspectiva de acabar com as desigualdades sociais. Um exemplo dessa situação é o que ocorre na execução do orçamento da seguridade social. Em 2009, os recursos exclusivos do orçamento da seguridade social financiaram, além das funções típicas da seguridade social (previdência, assistência social e saúde), outras 24 funções orçamentárias. (SALVADOR, 2012, p. 14,15) Ao comparar a participação da assistência social na composição do orçamento da seguridade social, Salvador (2012) registra um aumentando de 5,51% entre os anos de 2000 a 2010, e que, nesse último ano, dos R$ 39,1 bilhões liquidados na função 8 (assistência social) aproximadamente R$14 bilhões foram gastos no Programa Bolsa Família (PBF). Ao analisar a participação de cada uma das fontes, no período de 2001 a 2011, Salvador (2012) observa a elevada concentração da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), a qual tem sua incidência sobre a receita e o faturamento das empresas. Esse tipo de incidência pode ser repassado aos preços de bens e serviços. Conferese um caráter regressivo a esse tributo, levando a política de assistência social a ser financiada pelos próprios beneficiários desta. O orçamento público no capitalismo brasileiro é refém dos rentistas do capital financeiro, obstaculizando a construção de um sistema de proteção social universal. 83 Os ricos neste país continuam não pagando impostos, pois suas rendas estão isentas da tributação. Ao mesmo tempo em que a maior parcela do orçamento é destinada ao capital portador de juros, por meio do pagamento de juros e amortização da dívida pública. Nesse sentido, a consolidação e expansão das políticas sociais no orçamento público passam pela necessidade do atendimento em cada período fiscal ao princípio da demanda por direitos já regulamentados, irrestrito no caso dos direitos sociais expressos individualmente, e compatível no caso dos direitos expressos como demanda por bens coletivos. A consequência deste enunciado é a não existência de teto físico-financeiro aos orçamentos sociais, mas tão somente princípios fiscais compatíveis com os princípios da política social. Na prática, isso significa que o orçamento público deve atender prioritariamente aos direitos sociais, sem restrições financeiras que impeçam a sua consolidação e o seu avanço. (SALVADOR, 2012, p. 20) O orçamento público, desde seu princípio, é um instrumento político. Não se resume a ser um documento técnico-contábil e, tampouco, mero planejamento. Umas das formas de verificar o cumprimento da prioridade absoluta a crianças e adolescentes é, segundo o ECA, a “destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância”. Essa destinação começa a se materializar quando da definição dos recursos do fundo público, especialmente através da aprovação das leis do orçamento público, quais sejam; Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA24). Buscou-se, nas leis orçamentárias do Governo Federal, Estadual (PR) e Municipal (Foz do Iguaçu/PR), pela presença de programas, objetivos, ações, iniciativas, etc., que pudessem demonstrar a presença ou não da proteção especial ou proteção social especial. Fez-se o recorte de análise no PPA, o qual estabelece os projetos e os programas de longa duração do governo, definindo objetivos e metas da ação pública para um período de quatro anos. Em busca, nos sites, dos referidos três níveis de governo, optou-se pelo período entre os anos 2004 a 2015 do governo federal e estadual e entre 2002 a 2013 do Município de Foz do Iguaçu, em função da disponibilidade desses dados. Para investigação, foi utilizada a busca textual por “proteção especial” e “proteção social especial”. Com o retorno dessa investigação, elaborou-se as tabelas abaixo com a ocorrência textual. 24 São as três leis que definem o orçamento público: Plano Plurianual com vigência de quatro anos iniciando no segundo ano de mandato e finalizando no primeiro ano do mandato seguinte.; Lei de Diretrizes Orçamentárias define as prioridades para o ano seguinte e Lei Orçamentária Anual que fixa a estimativa de receitas e despesas para a execução no ano seguinte à sua aprovação. 84 Tabela 10 - Proteção especial/Proteção social especial nos PPA’s governo federal entre os anos 2004 a 2015 Proteção Proteção PPA/ANO ÓRGÃO Programa/Atividade Objetivo social especial especial 2004_2007 20121 0670 Assistência a Garantir proteção especial a Uma Nenhuma Secretaria Vítimas e a testemunhas e a vítimas ocorrência ocorrência Especial dos Testemunhas sobreviventes de crimes Direitos Ameaçadas Humanos 2008_2011 20121 0670 Proteção a Garantir proteção especial a Uma Nenhuma Secretaria Pessoas Ameaçadas testemunhas, defensores dos ocorrência ocorrência Especial dos direitos humanos e crianças e Direitos adolescentes ameaçados de Humanos morte, bem como prestar (SEDH) assistência a vítimas sobreviventes de crimes 2008_2011 20121 0073 Enfrentamento Promover um conjunto de Nenhuma Uma Secretaria da Violência Sexual ações articuladas que ocorrência ocorrência Especial dos contra Crianças e permitam a intervenção Direitos Adolescentes/ técnico-política para o Humanos 2383 Serviços de enfrentamento da violência (SEDH) Proteção Social sexual contra crianças e Executor Especial para adolescentes, o resgate e a atividade - Crianças e garantia dos direitos sexuais MDS Adolescentes Vítimas e reprodutivos de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias 2008_2011 55000 1385 Proteção Social Aumentar o alcance da Nenhuma Cinco Ministério Especial/2B31 Seguridade Social brasileira ocorrência ocorrências do Estruturação da Rede não contributiva, a partir da Desenvolvi de Serviços da concretização de atenções mento Social Proteção Social sócio-assistenciais de e Combate à Especial proteção social especial, de Fome 2A65 Serviços de modo a promover a redução (MDS) Proteção Social de risco pessoal e social em Especial a Indivíduos decorrência da exposição a e Famílias situações de extrema 2A69 Serviços vulnerabilidade, tais como Específicos de abandono, violência física, Proteção Social psíquica e/ou sexual, uso de Especial substâncias psicoativas, situação de rua, entre outras que caracterizam o fenômeno da exclusão social dos indivíduos e famílias que não tiveram seus direitos concretizados, visando a orientação, o convívio e o resgate de vínculos familiares e comunitários 2012_2015 55000 PROGRAMA: 2037 - 0282 - Ampliar o acesso das Nenhuma Uma Ministério Fortalecimento do famílias em situação de ocorrência ocorrência do Sistema Único de vulnerabilidade social ao Desenvolvi Assistência Social acompanhamento familiar e mento Social (SUAS)/ 013T - ao atendimento pela proteção e Combate à Expansão, básica e especial; qualificar Fome manutenção, os serviços e promover sua (MDS) qualificação e articulação com os 85 estruturação da rede de proteção social especial (iniciativa) benefícios e transferência de renda; assegurar o funcionamento da rede de proteção social básica e expandi-la nos territórios intramunicipais e de extrema pobreza; e induzir a estruturação de unidades públicas de prestação de serviços socioassistenciais, de acordo com padrões estabelecidos nacionalmente. Tabela 11 - Proteção especial/Proteção social especial nos PPA’s governo Paraná entre os anos 2004 a 2015 PPA/ANO ÓRGÃO Programa/AÇÃO PRODUTO (TIPO Proteção Proteção PRODUTO/UNIDADE) especial social especial 2004_2007 Secretaria de Programa 16 Prestar atendimento Duas Nenhuma Estado do Assistência assistencial aos indivíduos ocorrências ocorrência Trabalho, Social/2502 e famílias em situação de Emprego e FUNDO risco pessoal e social Promoção Social ESTADUAL DE PROTEÇÃO ESPECIAL ASSISTÊNCIA (pessoa/número) SOCIAL – FEAS Implantar medidas de proteção social nos municípios. Implantar medidas de proteção especial nos municípios. Implantar medidas de enfrentamento à pobreza nos munic. Implantar medidas de aprimoramento à gestão nos munic.(município/número) 2004_2007 Secretaria de Programa 16 Incrementar a capacidade Nenhuma Uma Estado do Assistência gerencial dos municipios ocorrência ocorrência Trabalho, Social/2495 na área de políticas Emprego e PROTEÇÃO públicas de assistência Promoção Social SOCIAL social (município/número) ESPECIAL DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE 2008_2011 Secretaria de Trabalho, Emprego Assegurar proteção social Nenhuma Duas Estado do e Assistência especial às pessoas, ocorrência ocorrências Trabalho, Social/2495 - famílias ou grupos Emprego e Proteção Social (entidade/município) Promoção Social Especial de Média e Alta Complexidade 2012_2015 Secretaria de PROGRAMA: 17 Propiciar atendimento, por Nenhuma Uma Estado da Proteção e meio dos municípios, às ocorrência ocorrência Família e Desenvolvimento pessoas em situação de Desenvolvimento Social /4225 risco pessoal e social. Social – Proteção Social Firmar parcerias com SEDS/FEAS Especial de Média entidades para acolhimento e Alta institucional de pessoas Complexidade sem vínculo familiar, em 86 2012_2015 Secretaria de Estado da Saúde – SESA PROGRAMA: 19 Saúde para todo Paraná situação de risco pessoal e social (idosos, crianças, adolescentes, adultos portadores de deficiências múltiplas, distúrbios psiquiátricos, deficiência mental leve e moderada). Garantir atendimento aos municípios sem gestão plena. Apoiar a Implementação e Manutenção de serviços tipificados de média e alta complexidade na proteção social especial Nenhuma ocorrência Uma ocorrência Tabela 12 - Proteção especial/Proteção social especial nos PPA’s governo Foz do Iguaçu/PR entre os anos 2002 a 2013 PPA/ANO ÓRGÃO Programa/Atividade Objetivo Proteção Proteção especial social especial 2010_2013 Secretaria 0060 - PROTEÇÃO Prover atenções Nenhuma Uma Municipal de SOCIAL ESPECIAL sócioassistenciais a famílias ocorrência ocorrência Assistência DE MÉDIA e indivíduos que se Social COMPLEXIDADE encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, entre outras. Nas tabelas acima, não foram computadas, nas ocorrências, a repetição de ação ou atividade, ou ainda iniciativas que possuíam a mesma redação referindo-se a desdobramentos regionais. Também se desconsiderou, nas ocorrências, as citações textuais que se referiam a indicadores, sendo contado somente no programa, ação, atividade, iniciativa ou objetivo destas. Dos dados extraídos referentes ao governo federal, é possível inferir que, no PPA de 2004 a 2007, só há uma ocorrência do termo proteção especial na descrição do objetivo do programa “0670 Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas”. A não ocorrência de proteção social especial pode ser explicada pelo fato do SUAS ter sido instituído em meados de 2004, quando o PPA já havia sido aprovado no ano anterior. No PPA 2008 a 2011, mantém-se a ocorrência de uma proteção especial mas é possível observar a presença de seis ocorrências de proteção social especial, sendo uma como programa “1385 Proteção Social Especial”, e quatro como atividades deste mesmo programa. Observa-se, ainda neste ano, uma atividade dentro do programa “0073 Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”, programa este de responsabilidade da 87 Secretaria Especial de Direitos Humanos, mas que possui uma atividade que tem, como órgão executor, o MDS. O novo PPA do governo federal, entre 2012 a 2015, é marcado por uma mudança metodológica, conforme se demonstra a seguir: Figura 2 - Estrutura do PPA Governo Federal: 2012-2015 Fonte: Plano Mais Brasil, pg. 116 Na nova perspectiva colocada, observa-se, no PPA 2012 a 2015, uma ocorrência de proteção social especial em uma única iniciativa. Na análise, é possível observar certa inconsistência no uso de proteção especial ou proteção social especial, como a da “omissão de social” na descrição do objetivo da iniciativa como sendo o “... atendimento pela proteção básica e especial;...” Essa inconsistência também é possível ser observada na mensagem da lei do PPA enviada ao Congresso Nacional que, em dado momento, descreve o SUAS referindose aos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), equipamentos públicos de proteção social especial nos quais são desenvolvidos serviços voltados a 88 famílias ou a indivíduos com direitos ameaçados ou violados: violência doméstica, sexual e cumprimento de medidas socioeducativas. Ainda na proteção especial, há os serviços de acolhimento que atendem a situações de abandono, separação do núcleo familiar, calamidades públicas e outros. (PPA, 2012, 2015, p. 87) No início do segundo parágrafo, ao utilizar “Ainda na proteção especial, [...]” concluíse que os CREAS fazem parte da proteção especial juntamente com os serviços que começa a descrever na sequência. Essa alternância da utilização dos termos “proteção especial” e “proteção social especial” acaba por refletir na própria composição e disposição orçamentária, tendo maior ou menor importância enquanto programa, ação ou projeto/atividade. Os dois primeiros PPA‟s do governo do Estado do Paraná, 2004 a 2007 e 2008 a 2011, possuem a mesma metodologia. No primeiro PPA do período analisado, foi possível encontrar, no programa “16 Assistência Social”, duas ações. Na primeira ação, “2502 FUNDO ESTADUAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (FEAS)” constam dois produtos com a ocorrência proteção especial. A segunda ação discorre sobre a implantação de medida de proteção nos municípios, fazendo diferenciação entre medidas de proteção social e medidas de proteção especial, deduzindo-se, assim, serem medidas distintas. Diferentemente do governo federal, no PPA do Paraná 2004 a 2007, já há ocorrência de proteção social especial como pode ser observado na ação “2495 Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade”. O produto desta ação merece consideração, pois refere-se à “...área de políticas públicas de assistência social.” Tal afirmação nos remete à discussão necessária em torno do entendimento da assistência, como já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI)). Furtado (2013) comenta tal decisão afirmando que “A edição da Lei 12101/09, trouxe a compreensão da assistência social (lato sensu), conforme descrito na ADI 2028. Assim, a assistência social hoje pode ser tida como um gênero das espécies de assistência social, educação, saúde (strictu sensu).” Apesar de apontar o produto desta ação para o entendimento lato sensu de assistência social, o mesmo está subordinado a uma ação e um programa que, pela redação, compreendese estarem afetos ao entendimento strictu sensu de assistência social. No PPA seguinte, 2008 a 2011, desaparece a ocorrência de proteção especial aliada à uma redução na descrição do produto de uma única ação onde existe a ocorrência de proteção social especial. 89 Esta ação, que no PPA anterior estava no programa “16 Assistência Social”, agora está inserida no programa “Trabalho, Emprego e Assistência Social”, o que pode ser considerado um retrocesso se comparado ao PPA anterior e à perspectiva colocada pelo SUAS a partir de 2004. Finalmente, no PPA 2012 a 2015, encontram-se duas ocorrências de proteção social especial, sendo uma dentro do programa “17 Proteção e Desenvolvimento Social”, e a segunda na descrição de uma emenda aprovada ao programa “19 Saúde para todo Paraná”, a qual se propõe “Apoiar a Implementação e Manutenção de serviços tipificados de média e alta complexidade na proteção social especial”. O descritivo da emenda aprovada remete aos serviços tipificados da assistência social, os quais foram normatizados através da Res. 109/2009 do CNAS, e na qual consta quais são os serviços típicos da política de assistência social. Estranhamente, a emenda remete aos mesmos serviços do programa da saúde sob a responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde – SESA. No âmbito do Município de Foz do Iguaçu, foi possível encontrar uma única ocorrência de proteção social especial no PPA de 2010 a 2013, no enunciado do programa “0060 - PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA COMPLEXIDADE”. No conjunto, é possível observar a alternância da presença dos enunciados, bem como maior presença nos PPA‟s Nacional e Estadual. 3.5 CONSIDERAÇÕES A utilização de proteção especial enquanto conceito que se refere a dar prioridade ao segmento populacional criança que, para efeitos das normas internacionais, são todos os seres humanos até 18 anos, salvo se legislação específica nacional dispuser de forma diferente, é presente em praticamente todos os documentos analisados, exceto uma passagem nos Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil. Quando da tradução para a legislação interna, esse conceito assume o princípio de prioridade absoluta esculpida no artigo 227 da CF, o qual sintetiza todos os direitos das crianças e adolescentes e ressalta alguns aspectos que esta prioridade deve abranger. A CF, ao enumerar certos aspectos, foi influenciada e influencia a cultura histórica de cuidados a um público que era conhecido, sob o Código de Menores, como aquele em 90 situação irregular, e parece fazer uma ligação com a exceção observada nos Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil: 5. Deverá reconhecer-se a necessidade e a importância de adotar políticas progressivas de prevenção da delinqüência, de efetuar um estudo sistemático, de elaborar medidas que evitem criminalizar e penalizar um menor por um comportamento que não cause danos sérios ao seu desenvolvimentos ou prejudique os outros. Tais políticas e medidas devem envolver: a) A promoção de oportunidades, em especial oportunidades educacionais, para satisfazer as várias necessidades dos jovens e servir como enquadramento de apoio para salvaguardar o desenvolvimento pessoal de todos os jovens, em especial daqueles que se encontram manifestamente em perigo ou em situação de risco social e têm necessidade de cuidados e proteção especiais. (ONU, 1990) Dos setes incisos do parágrafo terceiro do artigo 227 da CF, que enumeram os apectos que a proteção especial deve abranger, três referem-se ao trabalho de adolescentes e os demais aos “infratores”, órfãos e abandonados e “usuários de drogas”, todos esses referenciados como público em situação de risco e que são público da proteção social especial prevista no SUAS. O ECA, como norma regulamentadora da prioridade absoluta dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, etc) de crianças e adolescentes, não menciona proteção especial em seu conteúdo, tão somente proteção integral em seu primeiro artigo e proteção em diversas passagens. Dentre essas passagens, merece destaque a que se refere aos programas de proteção para execução de medidas específicas aplicadas pela autoridade competente. Os regimes desses programas de proteção e os sócio-educativos, previstos no artigo 90 do ECA e comentados por Costa (2008), trazem novamente, na sua maioria, o público mencionado no parágrafo acima referente aos aspetos da proteção especial na CF. Mas, contrariamente ao conceito de proteção social especial do SUAS, que utiliza a situação de risco como condição e se restringe à assistência social (strictu sensu), o que se depreende do ECA e das considerações de Neto (2005) é que esse público pode ser mais amplo, desde que seus direitos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, etc) sejam ameaçados ou violados, e que haja a aplicação de uma medida específica de proteção pela autoridade competente. A Res. 113 do Conanda (2006) dispôs sobre os mecanismos de fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente (SGD), sistema este já subjacente no ECA. O SGD deve ser entendido como um subsistema específico referente a 91 crianças e adolescente dentro do Sistema Internacional de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos. Essa resolução define, claramente, o que são os programas de proteção, a que e a quem se destinam, ficando o desafio de entendimento em relação à proteção quanto a política e medida. A política de proteção é parte menor e integrante da política de Promoção e Proteção dos direitos humanos de crianças e adolescente, sendo esta estabelecida pelos CDCA‟s em seus respectivos níveis, bem como seu financiamento. Em análise das deliberações do CEDCA/PR no período compreendido entre 2003 a 2013, observou-se o predomínio da situação de risco diretamente mencionada, ou através do entendimento dado à proteção especial nas deliberações, ou ainda pela presença, cada vez maior, da proteção social especial. Com a implantação do SUAS, observa-se crescimento em projetos típicos da assistência que encontram respaldo nas deliberações do CEDCA, contrariando seu próprio decreto de regulamento que diferencia a “proteção especial” de projetos de assistência social, admitindo estes últimos somente em casos excepcionais. Esse crescimento também é observado nas ocorrências textuais nos PPA‟s dos três níveis de governo, significando a prevalência do termo “proteção social especial” e, consequentemente, uma priorização da política de assistência quase que como única resposta a crianças e adolescentes com seus direitos ameaçados e/ou violados. 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS A organização e o papel do Estado na sociedade e seu reflexo nas políticas públicas e, dentre estas, nas políticas sociais, é marcado pelas disputas de interesses presentes nessa mesma sociedade as quais ficam registradas nas normas e na execução ou não destas. Essa disputa está presente não só na aprovação das normas no Estado, mas na efetivação das mesmas, desde seu planejamento, previsão de recursos orçamentários e, propriamente, execução dos serviços. Expressão dessa disputa e sua implementação em favor da classe dominante é possível observar com a onda do neoliberalismo, implementando o trinômio focalização, privatização e descentralização aos programas sociais. Esse ataque do neoliberalismo procura desuniversalizar e assistencializar as ações, buscando somente responder àquilo que não pode ser resolvido pelo mercado, pela família ou pela sociedade. Percebe-se, então, que o Estado oferece, como principal resposta, o programa de renda mínima, fortemente combinado com chamado à solidariedade, através de entidades da sociedade civil. Esse processo não é novo quando se observa a modalidade de atendimento a crianças e adolescentes que se desenvolveu, e ainda hoje há em grande parte. Essa modalidade sempre foi vista pelo prisma assistencialista, compensatório, de entidades não-governamentais, sobretudo ligadas à igreja católica, que faziam atendimentos supostamente protetivos. Como resultado de um processo histórico em condições objetivas e subjetivas, a política social encontra-se operando numa tendência de desresponsabilização do Estado para com uma política social articulada, com fundos reduzidos e apelando à responsabilização da sociedade civil e da família. Isso se desdobra num sistema de proteção social dividido entre aqueles que podem recorrer ao mercado e aqueles pobres que buscam os serviços públicos, marcados cada vez mais pela baixa qualidade. Essa lógica operada na realidade é uma contradição com as normas positivadas tanto internamente no Brasil como na comunidade internacional através de tratados, protocolos e convenções dos direitos humanos. Os direitos humanos, ou seja, os direitos fundamentais da pessoa humana, reconhecidos e positivados pelos Estados-partes, são negados sistematicamente à medida que os interesses da classe dominante são colocados em jogo. 93 Direitos humanos são as garantias universais e legais que protegem indivíduos e grupos contra ações que afetam sua liberdade e dignidade humana e, resumidamente, pode-se afirmar que o ser humano é sujeito de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Dentre os princípios dos direitos humanos, o princípio da participação assume relevância para a efetivação e controle dos direitos que lhe devem ser promovidos. Crianças e adolescentes, como seres humanos, têm, no mínimo, os mesmo direitos humanos e outros que lhes são particulares em função da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, como previsto no artigo terceiro do ECA. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurandose-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990) Articulando princípios e direito positivados, espaços de participação como os CDCA‟s podem e devem ser apropriados pela sociedade civil, porém vistos como um dos espaços de participação e controle e não como os únicos, sob pena de não estarem fazendo controle, mas sim sendo controlados. Esses espaços de participação popular, responsáveis pela definição e controle da política de atendimento aos direitos humanos de crianças e adolescente, têm, em seu caráter paritário e em sua competência, a possibilidade de fazer com que a disputa de interesses presente na sociedade seja mais favorável à maioria das crianças e adolescentes. A Res. 113 (2006) do Conanda, além de localizar a política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes como eixo estratégico no sistema maior dos direitos humanos, define, em seu artigo 14, parágrafo primeiro, que: Essa política especializada de promoção da efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes desenvolve-se, estrategicamente, de maneira transversal e intersetorial, articulando todas as políticas públicas (infra-estruturantes, institucionais, econômicas e sociais) e integrando suas ações, em favor da garantia integral dos direitos de crianças e adolescentes. (CONANDA, 2006) Com um comando claro, a Res. 113 (2006) define o caráter transversal e intersetorial 94 de todas as políticas públicas25, além da integração das ações das mesmas, buscando, com isso, efetivar a prioridade absoluta, promovendo os direitos humanos de crianças e adolescentes. Através de um conjunto articulado de ações governamentais e nãogovernamentais, essa política segue linhas de ação as quais, segundo Costa (2008), possuem diferenciação entre a política de assistência social “para quem se encontra em estado de necessidade temporária ou permanente”, e a política de proteção especial “para quem se encontra violado ou ameaçado de violação em sua integridade física, psicológica e moral,” estabelecendo inclusive hierarquia entre elas. Quando os CDCA‟s definem a política, esta vai ser mais ou menos adequada aos princípios dos direitos humanos, conforme as forças em disputa neste espaço e na sua composição, a qual, segundo a CF e o ECA, se daria através de organizações representativas as quais são diferentes de entidades de atendimento, como comenta Edson Sêda (2005): Não se deve confundir as "organizações representativas da população" com "entidades de atendimento" que prestam serviços e são regidas pelo artigo 90 do Estatuto. O Hospital é uma entidade de atendimento, logo não pode fazer parte do Conselho. O Conselho Municipal é responsável por registrar (autorizar o funcionamento), fiscalizar e garantir recursos para as entidades de atendimento, logo, elas não podem participar de um órgão que vai fiscalizar a elas mesmas. Todas as demais organizações, se são representativas da população, podem participar. (SÊDA, 2005) Os poucos recursos e a falta de regras claras no financiamento público têm deixado as entidades de atendimento suscetíveis à maior pressão do governo. Por outro lado, entidades representativas não são imunes às pressões e jogos de interesses, mas ao não depender de financiamento do governo para suas atividades, em tese, teriam maior independência e realizariam o controle social de forma mais qualificada. Se, por um lado, o conjunto de leis garante o acesso à informação e à participação, a simples grafia na lei não é sinônimo, infelizmente, de efetivação. Contudo, essas normativas tornam possíveis a construção de espaços de participação e mecanismos de controle pela sociedade civil. Algumas experiências já vivenciadas precisam ser fortalecidas e outras tantas podem e devem ser implantadas e implementadas. De forma geral, tem-se a possibilidade de participar em associações (de moradores, de usuários etc.), sindicatos, movimentos (sociais, culturais, 25 INFRA-ESTRUTURANTES: Agricultura, Indústria, Comércio, Transporte etc.; INSTITUCIONAIS: Segurança Pública, Direitos Humanos, Defesa do Estado etc.; ECONÔMICAS: Fiscal, Cambial etc.; e SOCIAIS: Educação, Saúde, Previdência Social, Assistência Social, etc 95 ambientais etc.), grupos, fóruns, grêmios estudantis, centros acadêmicos, entidades de atendimento, conselhos etc. Nesses espaços, é possível realizar assembleias, reuniões, manifestações e utilizar-se de abaixo-assinados, cartas abertas, requerimentos, petições, imprensa, ações judiciais, audiências públicas etc. Todos esses espaços e mecanismos podem ser utilizados de forma isolada ou cumulativamente, conforme a situação e decisão daqueles que participam. Não importa que o cidadão esteja num pequeno ou grande município. Não existe, ou melhor, não devem existir impedimentos para a participação e exercício do controle social na busca de solução aos seus problemas e a contribuição com respostas. Este exercício de controle social qualificado pode apontar na perspectiva de superar a atual fragmentação da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescente e concentração sob o olhar da política de assistência social, já que esta não é a única responsável, seja na execução ou no financiamento, pois estes “serão realizados com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes,” conforme emanado do artigo 204 da CF e 90 do ECA. A proposta inicial deste trabalho foi de analisar as definições de proteção (social) especial a crianças e adolescentes na norma internacional e nacional, buscando saber se são equivalentes, complementares ou contraditórias. Para isso, foi realizada a retomada histórica do papel do Estado, das políticas e dos direitos humanos no Capítulo I. Adentrou-se, no Capítulo II e III, um pouco mais na realidade do CEDCA/PR e FIA/PR, por serem dois importantes instrumentos de definição e financiamento da execução de serviços e programas para crianças e adolescentes, bem como, buscou-se a ocorrência da “proteção especial” nos textos da norma internacional e nacional sem deixar de discutir, mesmo que superficialmente, a “situação de risco” por ser muito utilizada como equivalência ou exemplificação de proteção especial. Aproximando-nos do final, iniciou-se uma discussão sobre o possível significado da terminologia utilizada no âmbito internacional e nacional quando da citação de “proteção especial”. Nesse momento, começamos a desenhar o entendimento da proteção prevista no ECA e a proteção social especial no âmbito da Política de Assistência Social. As investigações realizadas suscitaram muitas dúvidas, mas não é pretensão desta pesquisa responder todas, muito pelo contrário. Elas são verdadeiras instigadoras de debate e de maiores e mais aprofundadas pesquisas. 96 Contudo, é possível afirmar que proteção especial não pode ser entendida como equivalência de “situação de risco”, apesar de alguns casos concretos daquela derivarem desta, mas não se restringe a essa situação, como também essa situação não leva necessariamente à proteção especial. Na busca de quais serviços seriam financiados, nos parece prudente que, dentro da crise de recursos financeiros alardeados pelos governos, os recursos do FIA/PR sejam destinados prioritariamente em respostas às necessidades das medidas protetivas elencadas no ECA. Essas medidas devem ser executadas conforme descrito nos artigos 88, III a V e 90 do ECA. As demais políticas, ou seja, as básicas (educação, saúde, segurança, trabalho, habitação, esporte, cultura, lazer, etc...) e de assistência social devem ser garantidas com recursos de seus fundos ou os previstos no orçamento geral do ente respectivo. Após termos exposto a ocorrência ou não da locução “proteção especial” e “proteção social especial” na normativa internacional e nacional, é possível concluir com o objetivo proposto no início da pesquisa. A figura a seguir tenta exemplificar os desafios colocados aos CDCA‟s no momento de deliberar a política de atendimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes. As políticas em referência não excluem as demais. Figura 3- Inter-relação das políticas na efetivação dos direitos humanos Fonte: próprio autor 97 Tomando como referência a política de saúde, somente como exemplo, percebe-se que esta é responsável pela efetivação dos direitos da população em geral (verde), mas deve possuir programas que promovam especificamente os direitos à saúde de todas as crianças e adolescentes (azul). Além disso, a política de saúde também deve responder àquelas crianças e adolescentes que se encontram no que é chamado de proteção especial. Na prática, nem mesmo os direitos sociais vêm sendo objeto de discussão e deliberação nos CDCA‟s. Com raras exceções, as deliberações ficam concentradas na parte final dos direitos sociais: a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Essa concentração parece ainda ser herança da cultura menorista26 vigente até a aprovação da Constituição e do ECA. Diante dos documentos estudados e dados disponíveis, é possível afirmar que: 1 – Proteção social especial a crianças e adolescentes está contida na proteção especial a crianças e adolescentes; 2 – Proteção especial à criança, na norma internacional dos direitos humanos, é a prioridade dada a este segmento geracional por sua condição peculiar de desenvolvimento. 3 – Proteção especial à criança, na norma internacional dos direitos humanos, foi inserida na normativa nacional (CF e no ECA) como conceito de prioridade absoluta . 4 – A Política de Assistência Social é um dos eixos da Proteção Social juntamente com a política do trabalho, de previdência social, de educação, de saúde, e de infraestrutura. 5 – A tipificação dos serviços socioassistenciais estabelecidos na Res. 109/2009 do CNAS, no que diz respeito à proteção social especial a crianças e adolescentes, deve ser entendida tão e somente como a responsabilidade desta política com as crianças e adolescentes em proteção especial. 6 – Praticamente, não existe intersetorialidade das políticas públicas presentes nos programas destinados à proteção especial em função da focalização implementada pela política neoliberal, como se pode observar na presença ou não das locuções proteção social especial e proteção especial nos PPAs dos três níveis de governo. 7 – São minoria os órgãos estratégicos de articulação dos direitos humanos de crianças e adolescentes que coordenam as diferentes políticas setoriais de forma transversal e integrada, em resposta e em cumprimento à prioridade absoluta constitucional e legal. Esta política estratégica está, em sua maioria, subordinada ao órgão responsável pela política de assistência social. 26 Ver nota 1 98 8 – Admitir como sendo única resposta a proteção social especial dentro da política de assistência social às situações de crianças e adolescentes ameaçadas ou violadas em seus direitos é negar os princípios dos direitos humanos e a visão holística que estes impõem. 9 – O SGD de crianças e adolescentes (Res. 113/2006 Conanda), ao ser subsistema do sistema geral dos direitos humanos, não utiliza “especial” quando se refere à proteção no seu conteúdo, por já estar dispondo exclusivamente deste segmento especial, não havendo por que fazer tal diferenciação. 10 – Os programas de proteção, no artigo 90, incisos I a IV do ECA, tampouco se referem à especial, pois tem a mesma lógica do SGD, sendo desnecessário tal distinção. Para esses programas, “não vão crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, como um encaminhamento social, depois de reconhecidas como nessa situação social, por meio de um estudo social (âmbito do Serviço Social).” (Neto, 2005, p. 9) Esses programas do ECA se constituem em retaguarda para aplicação de medida específica de proteção, aplicada pela autoridade competente. 11 – As medidas específicas de proteção (contrário de geral, pois o que é geral é normal e o que não é normal é especial), podendo assim ser entendidas como medidas de proteção especial previstas no artigo 101 do ECA, são medidas aplicadas pela autoridade competente após procedimento contencioso que garanta ampla defesa às partes e que resulte numa decisão, judicial ou administrativa em que caiba recurso. Faz-se necessário uma mudança cultural para que as fronteiras das políticas sejam ultrapassadas e de forma interdisciplinar, como requerem os direitos humanos, as crianças tenham seus direitos efetivados com a devida prioridade absoluta. 99 REFERÊNCIAS Referências Bibliográficas BEHRING, E. R. . Política Social no Contexto da Crise Capitalista. Brasília: ABEPSS/CFESS/CEAD-UnB, 2009 (Texto para Curso de Especialização à Distância ABEPSS/CFESS/CEAD-UnB). BEHRING, E. R. Fundamentos de Política Social. In: MOTA, A. E.; BRAVO, M. I. S.; UCHÔA, R.; NOGUEIRA, V.; MARSIGLIA, R.; GOMES, L.; TEIXEIRA, M. (Org.). Serviço Social e Saúde: formação e Trabalho Profissional. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2006, v. 1, p. 13-39. BOSCHETTI, Ivanete. Seguridade social no Brasil: conquistas e limites à sua efetivação. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFES S/A CARNEIRO, Edison. 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