a grave realidade do trabalho infantil doméstico

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A GRAVE REALIDADE DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO
Xisto Tiago de Medeiros Neto
Procurador do Ministério Público do Trabalho
Encoberto pelos muros e portas que garantem a segurança e a intimidade dos lares de
meio milhão de famílias brasileiras, o trabalho realizado no “espaço doméstico” por crianças e
adolescentes vem sendo desvendado em sua face mais indigna. E assim tem ocorrido diante
dos crescentes registros estatísticos de desrespeito aos direitos mais fundamentais, que
haveriam de ser garantidos, prioritariamente, a esses meninos e meninas de pouca idade, por
expressa vontade e desígnio constitucional (art. 227).
Os dados oficiais colhidos na última pesquisa realizada pelo IBGE são contundentes
quanto a espelhar uma realidade grave e discriminatória: 93% das crianças e adolescentes
(de idade inferior a 16 anos) envolvidos no trabalho doméstico são do sexo feminino; 61%
são negros; 72% não conhecem os direitos mais básicos; 64% recebem valor inferior a um
salário mínimo e trabalham mais de 40 horas por semana; 55% não têm direito a férias; 21%
têm algum sintoma ou problema de saúde relacionado ao trabalho; 15% já sofreram acidente
de trabalho; 74% dos que estudam, fazem-no de forma irregular, com alto índice de atraso
escolar.
Por tudo isso, é imperioso reafirmar que o trabalho infantil ofende e avilta a dignidade
do ser humano, pois o impede, na fase inicial da vida, essencial para o seu desenvolvimento,
de vivenciar as imprescindíveis descobertas e desafios do crescimento. E não somente isso:
priva a criança e o adolescente de ir à escola ou nela permanecer; submete-os a tarefas
estafantes, repetitivas, muitas vezes insalubres ou diretamente prejudiciais à sua saúde (física
e psíquica), com riscos iminentes de acidentes e lesões irreversíveis; sujeita-os a longas
jornadas de trabalho; impossibilita-os de alcançar uma formação profissional; torna-os
suscetível a abusos, inclusive sexual, e a maus-tratos.
Há de se reconhecer e denunciar, também, a presença de uma mentalidade equivocada
– fruto da longa história de escravidão e labor servil em nosso país –, traduzida pela idéia de
que o serviço doméstico não seria verdadeiramente um “trabalho”, mas estaria equiparado a
um “favor” ou mesmo a uma atitude de conteúdo “humanitário”, exatamente pelo fato de se
acolher alguém em fase inicial de vida – geralmente em estado de miséria, exclusão social ou
abandono – no seio da própria casa, não obstante submeter-se essa pessoa a atividades
laborais diárias e ininterruptas no âmbito familiar, sem a garantia de quaisquer direitos
trabalhistas assegurados por lei.
Evidencia-se, ainda, a partir da própria realidade descrita, que a falta de perspectiva
sócio-econômica e o padrão cultural da sociedade, conjugam-se no sentido de possibilitar que
crianças e adolescentes pobres sejam utilizados no serviço doméstico, sem qualquer
preocupação quanto à ilicitude da conduta e à margem da incidência dos direitos e deveres
mais básicos previstos no ordenamento jurídico.
Não há dúvida de que as imposições da miséria, a desagregação progressiva da
estrutura familiar das camadas mais desfavorecidas da população, a pouca experiência de
vida da criança e do adolescente, e, também, a condição de dependência e subordinação que
decorre da relação de trabalho são fatores que contribuem, preponderantemente, para a
perpetuação desse triste cenário de irregularidade e descaso.
A busca de soluções para problema de natureza tão complexa é, pois, tarefa
impostergável, a percorrer os caminhos da conscientização das famílias e da sociedade; da
iniciativa de denunciar-se as irregularidades e abusos verificados; da conjugação de esforços
entre o Poder Público e a sociedade organizada, no rumo da adoção eficaz de políticas públicas
voltadas para a proteção e a garantia dos direitos das crianças e adolescentes, além da
inclusão social das suas famílias; e do compromisso de atuação integrada e respostas efetivas
por parte do Ministério Público, do Poder Judiciário, dos órgãos de fiscalização, dos Conselhos
de Direitos e dos Conselhos Tutelares previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Enfim, quando a questão é a proteção à criança e ao adolescente, já não há mais
espaço – nem tempo – para diagnósticos longos, discursos retóricos, propostas abstratas ou
promessas mirabolantes. É preciso ação e atitudes concretas, sob pena de restarmos, todos,
condenados pela omissão, a sofrer as dores e as conseqüências de uma chaga social
disseminada em nosso tão injusto quanto incompreensível “mundo moderno”, que, não
resistindo a um olhar crítico, pouco tem de civilizado.
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