XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 13 NARRANDO IMAGENS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE REGULAÇÃO E EMANCIPAÇÃO NO MOVIMENTO ESTUDANTIL Thais Barcelos – Secretaria Municipal de Educação/RJ RESUMO Este trabalho busca estabelecer uma reflexão sobre a importância dos movimentos sociais, mais especificamente do movimento estudantil, para a formação de seus praticantes. A partir do entendimento de que os estudos sobre a escola não podem apenas se restringir às relações que perpassam à cultura escolar – como as de professoraluno, aluno-aluno, diretor-aluno ou professor-diretor – procurou-se compreender as tecituras envolvidas nessa rede relacional, principalmente aquelas com cunho educativo e que ganham presença e significância nos movimentos estudantis. Muitos desses movimentos ganham intensidade no cotidiano de diferentes escolas, universidades ou em outros lugares de ensino formal e compõem diferentes produções de sentido e de aprendizagem que vitalizam os diferentes contextos cotidianos desses lugares. Assim sendo, este trabalho se propõe a pensar esses diferentes espaços de formação de modo não dicotômico, considerando que todos são possibilidades inventivas nutridas em (e nutridoras de) múltiplos espaçostempos a comporem os fios de diferentes redes de conhecimento e significados. Dessa maneira, o presente trabalho defende a perspectiva de que toda prática social – ainda que aparentemente insignificante frente aos valores hegemônicos de determinada época – também é prática de saber, e que mesmo que muitas experiências fomentadas nos movimentos estudantis possam ter um caráter reprodutivista de valores e conhecimentos instituídos como verdades, também criam possibilidades para a produção de engendramentos inventivos e não capturados pelos códigos de verdade, favorecendo, assim, a abertura a experiências que contribuiriam para uma formação que se encontrasse com práticas inéditas e emancipatórias. Ao longo da reflexão alinhavada nesse texto, são apresentadas também leituras feitas através das imagens do movimento estudantil Dias de Lutas (Pedagogia-UERJ) as quais apresentam outras facetas do de tal movimento, objetivando, com isso, apresentar que o conhecimento se produz no mesmo não apenas na realização das grandes marchas e protestos, mas principalmente no convívio singular, invisível e cotidiano de seus praticantes. Palavras-chave: Movimento Estudantil; Redes de conhecimento e subjetividade; Imagens. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003826 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 14 Em um primeiro momento, esse trabalho tem como proposta estabelecer uma reflexão que se desenvolve no encontro da perspectiva apontada por Sposito (2003) em seu texto Uma perspectiva não escolar no estudo sociológico da escola. Nesse trabalho, a autora problematiza o conceito de Sociologia da Educação e destaca como, durante muito tempo, essa abordagem sociológica acabou dando ênfase apenas aos estudos no contexto escolar. Sposito faz um breve histórico das abordagens feitas pela Sociologia da Educação no Brasil, mostrando que durante muito tempo nossos pesquisadores, influenciados pelas ideias de Bourdieu e suas discussões acerca da reprodução cultural e social do sistema de ensino, resumiram seus estudos apenas ao campo escolar. Entretanto, com a complexificação das problematizações, esses estudos começaram apresentar mudanças de perspectivas que provocaram a expansão desse campo educacional. Os estudos da educação passaram, então, a não serem mais vistos apenas como restritos à escola, sendo que o fenômeno educativo ganhou espaço de questionamentos e de pesquisas em múltiplos contextos. Entende-se, assim, a variedade infinita “[d]os mecanismos por meio dos quais uma sociedade transmite a seus membros seus saberes, o saber-fazer e o saber-ser que ela estima como necessários a sua reprodução [...]”. (DURU-BELLAT, VAN ZANTENTEN, 1992 apud SPOSITO, 2003, p. 20). Pensando junto à citação acima, porém de forma menos determinista no que diz respeito à reprodução da sociedade – visto não acreditar que todos esses mecanismos apenas gerem reprodução – procuro, neste trabalho, refletir e traçar discussões sobre o papel dos movimentos sociais, mais especificamente dos movimentos estudantis que formam jovens que militamvi em diferentes espaços educativos. Assim, parto de algumas possíveis interrogações: até que ponto essas práticas e experiências trabalham segundo a ideia de reprodução? Será que podemos perceber práticas emancipatórias nesses espaços? Sposito (2003) aponta para o fato de que, nas pesquisas desse campo da Sociologia, os estudos sobre a escola ainda constituem um campo importante, desde que Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003827 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 15 estes sejam incorporados no quadro de uma maior complexidade das relações entre as agências socializadoras (p.21). Assim, para pensar a complexidade em que está inserida e que é a escolavii, devemos ampliar nossos olhares de análise e tentarmos enxergar mais do que é habitual em pesquisas, como: relações ocorridas nas salas de aula; currículos oficiais etc. Isso porque a instituição escolar é composta por diversos tipos de relações, existindo nela transações de amizade, de inimizades, amorosas, de raiva, de desavença, de solidariedade, ou seja, alianças, conflitos e negociações que oferecem consistência a diferentes espaços e lugares. E estes, por sua vez, são compostos, também, por diversos tipos de “territórios”, sejam eles físicos (pátios, refeitórios, salas de aula) ou simbólicos (como aqueles construídos nas relações de poder entre os diversos grupos sociais existentes na escola). Dessa forma, pensarmos o ambiente escolar a partir da noção de múltiplas territorialidades é considerarmos as relações que o constituem enquanto um processo sempre inacabado e sujeito tanto a invenções quanto a cristalizações. Assim sendo, propomo-nos ao desafio de pensar uma escola viva, que demonstra toda sua pluralidade em meio a tramas relacionais constituintes e constituídas nos seus movimentos cotidianos. A partir, então, dessa concepção de escola enquanto dimensão plural e multiterritorial, é que procuro estudar e tentar compreender as diferentes possibilidades e intensificações emancipatórias de algumas relações tecidas, principalmente as que envolvem movimentos estudantis; lembrando que muitos desses movimentos se formam nas escolas ou em outros lugares de ensino formal, fazendo parte do cotidiano destas. Movimento Estudantil como cultura juvenil Um dos primeiros teóricos a pensar uma Sociologia da Educação foi Durkheim (1975). Ele problematizava a ação socializadora sobre os imaturos, acreditando ser a escola o melhor espaço para os ensinos da moral, aspecto fundamental para se viver em sociedade. Durkheim não negava a importância da família nos ensinamentos moralizantes, entretanto, via limites à ação destas, já que relações familiares estariam impregnadas de afetividade. Caberia à escola, considerada então como sendo um lugar “neutro”, a formação desse indivíduo moderno e moral. Fazendo a crítica à “ilusão pedagógica” de Durkheim, Antônio Cândido (1955) argumenta que esse ato educativo não seria uma ação unilateral em que os alunos (imaturos) seriam receptáculos vazios ou “tábulas rasas”. Essas relações estariam Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003828 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 16 permeadas de conflitos entre gerações, como aqueles que observamos nos cotidianos das escolas a partir de movimentos estudantis que contestam posturas, decisões, políticas das gerações adultas, pessoas que seriam responsáveis por pensar e executar ações educativas, levando aos “imaturos” uma formação moral. A constatação de que as relações na escola não são tão estáveis e previsíveis, e que nelas se formam grupos sociais nem sempre marcados apenas pelas relações formais da instituição, é um dos argumentos de Sposito (2003) ao propor estudos sobre a escola, porém numa perspectiva não escolar. Nessa perspectiva não escolar, a autora sugere duas distinções: a primeira, a escola como unidade empírica, na qual, por si só, torna-se ela objeto de pesquisa; a segunda, a categoria analítica pela qual se toma a escola, levando-se em conta todas as relações e não apenas aquelas ligadas à cultura escolar. Ou seja: A relevância analítica da instituição escolar não implica necessariamente o seu estudo empírico, sendo esse o primeiro aspecto da via não escolar no estudo sociológico da escola. O segundo reside na ideia de que, mesmo considerando-se a escola como unidade empírica de investigação, é preciso reconhecer que elementos não escolares penetram, conformam e são criados no interior da instituição e merecem, por sua vez, também ser investigados (SPOSITO, 2003, p. 25). Esses elementos não escolares não apenas penetram nas escolas, mas fazem parte destas e as constituem enquanto redes relacionais. Por isso, precisam ser estudados para que assim possamos abordar os espaços escolares numa dimensão complexa. É o que os pesquisadores que trabalham na perspectiva de pesquisas nos/dos/com os cotidianos chamariam de pensar dentrofora da escola, sendo que a junção desses termos se faz justamente na tentativa de superação da dicotomia que se coloca entre a cultura escolar e a não escolar, por não podemos pensar a escola de forma abstrata. E, apesar de ter regras específicas, a escola é composta por pessoas que trazem consigo todas as suas redes de conhecimentos e subjetividades (ALVES, 2008), sendo que é no encontro dessas diferentes redes que surgem novos conhecimentos, valores e relações. Observando as diferentes relações criadas no interior da escola, Parsons (1974 apud SPOSITO, 2003) estudou a formação de uma cultura juvenil americana que, segundo ele, teria se disseminado na década de 1950 com a ampliação do acesso à escola secundáriaviii. Estudando os conflitos entre os valores da instituição escolar e dos grupos formados pelos adolescentes que a frequentam, o referido autor argumentou que: Para alguns poucos, essa socialização da instituição fracassaria e eles transformariam os grupos de pares em mecanismos de fomentação de Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003829 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 17 atividades delinquentes. Mas, para a maioria, essa subcultura juvenil no interior da escola seria eminentemente integradora, pois esses agrupamentos forneceriam fortes mecanismos de solidariedade e de organização das identidades, possibilitando a passagem da esfera privada da família, marcada pelas relações pessoais, para a esfera pública de caráter anônimo e impessoal (PARSONS, 1974 apud SPOSITO, 2003, p. 31). Na perspectiva de aceitação de uma cultura juvenil, não podemos pensá-la de forma única e generalizada. Torna-se necessário pensá-la de maneira que se entenda que essas culturas são formadas por diversos grupos com características, modos de ser, ver e sentir diferentes, sendo a escola mais um espaço de encontro e articulação dessas culturas. Os movimentos estudantis, como grupos organizados, compartilham valores, conhecimentos, linguagens e práticas entre seus integrantes. É nessa partilha que os grupos tecem suas identidades, o que também os tornam pertencentes a uma determinada cultura. É necessário ressaltar que, sobre pertencimentos culturais, estes precisam ser compartilhados e transmitidos por seus integrantes para que não se extingam, ou seja, para que não sejam esquecidas suas práticas. Os jovens dos movimentos, em formação, não serão estudantes para a vida toda, sendo esse, portanto, o caminho mais comum de preservação da cultura. Esses grupos, além de espaços socializadores, são também espaços de formação, ou seja, de circulação de conhecimento e constante aprendizado. Valorizar esses espaços como lugares de produção de conhecimento e cultura nos faz pensar sobre forma equivocadas pelas quais costuma ser retratado o movimento estudantil. Encarar o movimento apenas como lugar de reivindicação é resumir suas atitudes a práticas que são publicizadas, como as passeatas, protestos, abaixo assinados. Nesta maneira de pensar o movimento, fatos que são de extrema relevância assumem papel coadjuvante. Pouco é mencionado sobre os múltiplos saberes que são tecidos nos cotidianos de seus praticantes, saberes que não são ensinados em espaços de ensino formal ou de maneira teórica, mas têm seu aprendizado constituído no fazer, no seu uso cotidiano. A tendência é a de ver os conhecimentos científicos e escolares como legítimos e significativos, desprezando os saberes produzidos na prática social de muitos grupos estudantis. Assim sendo, esses universos fomentam lugares não formais de educação e fazem parte desses universos educativos, sendo que por educação não formal entendemos como aquela que se aprende “no mundo da vida”, via processos de Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003830 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 18 compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianos (GOHN, 2010, p. 16). E se a educação não formal acontece por meio da participação de pessoas em associações, fóruns, conselhos, movimentos, etc, entendemos que participar de movimentos estudantis é uma forma de poder vivenciar a educação não formal. Esta é, pois, uma educação que traz consigo a ideia de espaços de compartilhamento de experiências, mas também de ato educativo com o objetivo de vivenciar experiências que contribuam para a construção da autonomia e da criticidade dos sujeitos, no qual cada pessoa consegue reconhecer que é responsável pelo seu próprio processo de produção de conhecimento: condição essencial quando se pensa em emancipação. Nessa vertente de pensar o processo educativo como mais plural do que meramente aquele restrito às normas escolares, Santos (2002) afirma que todas as práticas sociais envolvem conhecimentos, e nesse sentido, são também práticas de saber (p. 265). Entender que todos nós somos produtores de conhecimentos e que estes fazem parte de nossas práticas sociais, sendo constituintes dos (e constituídos nos) nossos atos cotidianos, é perceber que estamos em constante processo de aprendizagem e que esses aprendizados se dão nos mais diferentes lugares. Assim, cada experiência vivenciada nesses múltiplos espaços é como um dos vários fios que compõem nossas redes de conhecimentos e significados. Trabalhando a partir da compreensão de que há no mundo a presença de uma diversidade de saberes e que esses apontam para outras possibilidades de ser, estar e compreender a realidade, Santos (2002, p. 250) propõe uma ecologia dos saberes. Por esta, a monocultura do saber é questionada, dando visibilidade e identificando outros saberes e outros tipos de racionalidades existentes nos mais diversos contextos e práticas sociais, que durante muito tempo foram ignorados em seu valor ou considerados não existentes. Apoiando-se nos trabalhos de Boaventura de Sousa Santos, Oliveira (2008) considera que: No que se refere à monocultura do saber — que pressupõe a ciência moderna e a alta cultura como critérios únicos de verdade, presidida, portanto, pela lógica do saber formal, que produz a ignorância como forma de nãoexistência —, a superação estaria no desenvolvimento de uma ecologia de saberes pela transformação da ignorância em saber aplicado (p.74). A partir da perspectiva apontada acima, os saberes e conhecimentos não formais não são encarados como alternativos ou complementares, já que isto carregaria a Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003831 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 19 conotação de subalternidade, de hierarquia e de dependência entre saberes e conhecimentos. Estamos em busca de possibilidades de diálogo entre os mais diferentes saberes a fim de que, mesmo considerados diferentes, tenham espaço de expressão e de credibilidade, não sendo passivamente submetidos a discursos e práticas hegemônicas de saber que os deslegitimam e assim os invisibilizam, incluindo-os, desse modo, num status marginal. Confrontar esses mecanismos que produzem os saberes não existentes implica transformar as chamadas “ignorâncias” em saberes aplicados. Sendo, portanto, a participação no movimento estudantil uma prática social, ratifico que esta está permeada por muitos saberes e conhecimentos que, muitas vezes, quando confrontados com os conhecimentos aprendidos no sistema formal de ensino, são vistos de maneira inferior ou mesmo não reconhecidos como conhecimento. Assim, não é incomum, no trato cotidiano de diversas escolas, ocorrer a produção de discursos que sustentam que a prática e a participação em movimentos estudantis nada mais é do que gastar tempo em uma ação vazia, o que contribui para a desvalorização social dos grupos estudantis e de seus praticantes. Essa ideia se vincula à que considera que o tempo investido nessas práticas poderia ser destinado a um lugar de produção de conhecimento formal, o que reitera o pensamento social de que essa última instância – especialmente reguladora e supostamente preparadora para o futuro e o progresso – tem mais valor social. Retomando Santos (2007), a partir das considerações previamente tecidas, temos que este sustenta a ideia de que no projeto de modernidade há dois modelos de conhecimento: o conhecimento emancipação e o conhecimento regulação, e que estes deveriam se articular de forma equilibrada. Entretanto, afirma o autor, o conhecimentoregulação (aquele relacionado ao estabelecimento de um controle, de um domínio e ou de uma disciplina) acabou se sobrepondo e até mesmo ressignificando o próprio sentido do conhecimento-emancipação (o qual remete à abertura de novos caminhos, a implementação de um movimento incerto, caótico, mas também potencialmente criativo às dinâmicas humanas). No conhecimento-emancipação, a ignorância se refere ao colonialismo nas relações e à subalternização do outro ou do diferente, enquanto o estado de saber diz respeito à solidariedade, a qual se compromete com o reconhecimento da existência do outro e da multiplicidade de saberes do mundo. O autor, então, propõe, para superar os problemas impostos pela modernidade implementada, reavaliar o conhecimento-emancipação e conceder-lhe a primazia sobre Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003832 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 20 o conhecimento-regulação (SANTOS, 2007, p. 79), para que, assim, a solidariedade se torne a forma hegemônica de saber. Com base nisso, acredito que o movimento estudantil é um importante espaço para a experimentação desse sentimento de solidariedade, tendo em vista que o mesmo se orienta a partir de um caráter coletivo. Desta forma destacarei imagens do cotidiano de um movimento de estudantes que surgiu no curso de Pedagogia da UERJ campus Maracanã. Opto por trabalhar com fotografias, já que imagens como essas são pouco divulgadas quando pensamos em movimentos estudantis. Parto dessa consideração porque percebo que as imagens vinculadas da tais movimentos costumam se limitar apenas aos grandes atos, como passeatas ou mobilizações. Entretanto, pouco se divulga sobre imagens anteriores a esses momentos: reuniões, momentos de encontro, de trabalho, de trocas de experiências e de ensinoaprendizagemix. Assim, apresento registros fotográficos que indicam esses movimentos não só como um espaçotempo de reivindicação, mas também como lugar de formação. As outras imagens do Movimento Estudantil Ilustração 1: Reunião movimento Dias de Luta Esta foto apresentada foi tirada em uma das reuniões do movimento Dias de Luta, um grupo que surgiu no curso de Pedagogia da UERJ/Maracanã, primeiramente com o intuito de disputar eleições para a direção do Centro Acadêmico (CA) do curso. Entretanto, só após o processo eleitoral e a perda das eleições para o CA que aquele grupo começou a se nomear como movimento. Considero essa foto muito significativa, pois mostra outro lado do movimento estudantil, do qual nosso imaginário fica distanciado: os momentos de reuniões e conversas, ou seja, momentos de encontros. Encontros não só de pessoas que optam por Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003833 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 21 formar uma dinâmica coletiva em busca de um objetivo comum mas, também, encontro de amigos/colegas/ conhecidos que, da mesma forma que se organizam para trabalharem juntos, dão risadas, trocam ideias, fazem confidências, partilham experiências e saberes. José de Sousa Martins (2008), quando formula uma Sociologia da Fotografia e da Imagem, mostra que as imagens têm elementos que ajudam a decodificar e revelar dimensões sociológicas e antropológicas do que foi fotografado, seja por meio do simbólico do vestuário ou da circunstância em que foi tirada a fotografia. Apesar de essa imagem não ter sido tirada com a intenção de propiciar análises antropológicas, apresenta-nos indícios que ajudam a pensar esse grupo e, de certa maneira, até mesmo o movimento estudantil, de forma mais complexa, onde entram em cena tanto questões políticas, singularidades cotidianas quanto também intensidades afetivas as mais diversas. É comum, no interior de movimentos estudantis, que o primeiro contato e experiência de seus praticantes com aquela dinâmica discente, seja realizado por meio de amizades existentes. Muitas dinâmicas grupais estudantis surgem assim: grupos de amigos que se conhecem e que buscam alcançar objetivos comuns se organizam e se lançam como um movimento. Esse foi o caso do movimento retratado na imagem abaixo. Ilustração 2: Reunião movimento Dias de Luta A imagem apresentada contém elementos importantes que, na perspectiva daquele grupo estudantil que compôs o movimento Dias de Luta, demonstram ideias e práticas que o influenciavam. Quando, por exemplo, nos detemos sobre a referida imagem, reparamos que todos os presentes estão com os braços esquerdos levantados, sendo que alguns seguram lápis ou canetas. O intuito era mostrar que o grupo tem como Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003834 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 22 orientação política e ideais sociais denominados de pensamentos de esquerda, enquanto os lápis e canetas simbolizariam a educação, já que o movimento era formado por estudantes de pedagogia — futuros professores. Outros momentos que fazem parte do cotidiano do movimento estudantil como um todo são os eventos e encontros produzidos pelos praticantes militantes junto ao próprio público dos estudantes. Esses são momentos de reflexão, discussão e elaboração de problemáticas inerentes aos contextos vividos nas universidades é comum vermos estudantes de diversos cursos organizando eventos desse tipo, sejam a nível regional, estadual ou mesmo nacional. E esses eventos, em maioria, são “puxados” pelos Centros Acadêmicos das universidades, entretanto, há uma forte participação de outros movimentos organizados (como o Movimento dos Sem Terra, Movimento dos Atingidos por Barragens), que veem nesses eventos um importante espaço de disputa política. Assim, nesses encontros estudantis, encontramos um público heterogêneo e de interesses diversos, formado tanto por muitos já envolvidos com algum tipo de movimento social ou de luta específica (e que enxergam esses encontros como importante luta política) quanto por outros tantos que muitas vezes participam desses eventos com o único intuito de vivenciarem momentos de descontração ou de mero encontro social. Tal diversidade de interesses pode ser acompanhada, por exemplo, na imagem abaixo: Ilustração 3 - Encontro Fluminense de Estudantes de Pedagogia (EFEPE/2007) Essa foto, tirada durante o Encontro Fluminense de Estudantes de Pedagogia (EFEPE), retrata um evento com o objetivo de reunir estudantes de Pedagogia de todas as universidades do estado do Rio de Janeiro. Organizado pelos CAs de Pedagogia das quatro maiores universidades públicas do estado –Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) – o Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003835 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 23 evento ocorreu nas dependências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no ano de 2007. Num primeiro momento, se olharmos rapidamente para imagem citada, vemos apenas pessoas, nesse caso estudantes, atentos ao que parece ser uma palestra. Mas onde estaria o diferente, a partir dessa imagem, o potencial para refletirmos e problematizarmos sobre a diversidade de interesses e motivações no cotidiano do movimento estudantil? Se direcionarmos um olhar atento, veremos que, enquanto muitos prestam atenção e alguns fazem anotações referentes àquele encontro, um dos participantes está dormindo na fileira em primeiro plano. Em entrevista com o estudante que dormia, ele relatou que compareceu ao evento por acaso, pois estava em casa de um amigo que participaria daquele encontro e que o convidara para ir também. Mesmo não estando mobilizado pelo objetivo de discutir o contexto político e os rumos da organização da luta dos estudantes de pedagogia, o estudante adormecido também ajudava a “construir” o evento, compondo um movimento que, por natureza, é plural. Um movimento ou coletivo só se constrói no forjar da noção de pertencimento entre seus integrantes, e se estes se organizam para realizar tarefas deliberadas no grupo. São essas práticas cotidianas que tocam os movimentos e, nelas, ocorrem processos de ensinoaprendizagem. Aprendizagens que ocorrem nos afazeres cotidianos de acordo com as demandas da própria organização política, conhecimentos que circulam (e que não são aprendidos em livros, cartilhas ou manuais) são tecidos no dia-a-dia, nas trocas de experiências e saberes entre seus praticantes. E, para a continuação das mobilizações dos grupos e do próprio movimento, torna-se importante tal dinâmica das trocas de experiências e conhecimentos, que podem ser vistas nas atividades cotidianas quando na divisão do trabalho se opta pelas pessoas que estão há mais tempo realizando tarefas, em relação aos mais novos. Esses aprendizados são vistos como necessários para a manutenção das ideologias e das lutas de um grupo, tendo em vista que as pessoas um dia se formarão em seus cursos, não sendo estudantes a vida toda. Refletindo sobre essa questão, apresento nova sequência de imagens: Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003836 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 24 Ilustração 4 - Produção do jornal do Movimento Tal sequência retrata, mais uma vez, uma reunião do movimento Dias de Luta, com o intuito de produzir artigos para um dos jornais elaborados pelo grupo. As imagens indicam a ocorrência de um processo coletivo; e como toda atividade grupal, esta é também permeada por muitas discussões e negociações, o que ocupa um importante espaçotempo de experiência em práticas democráticas, onde não é necessariamente o consenso harmonizante que se torna o objetivo a ser atingido, uma vez que o dissenso criativo se torna um dos elementos de maior construção do grupo em suas diferenças e heterogeneidades. Assim, os movimentos estudantis se sustentam tanto em suas pautas comuns, quanto também em sua diversidade e lances criativos para produzir espaços de convívio onde o diverso e o singular ganham consistência e convívio com propostas de lutas coletivas as mais variadas. Considerações finais No campo das pesquisas científicas em educação ainda existem fortes correntes que acreditam que, para o entendimento de um determinado objeto, precisamos recortálo, apartando-o do meio em que está inserido para o analisarmos profundamente. Entretanto, o que se pretendeu com esse trabalho foi construir uma aproximação de um movimento estudantil, entendendo as complexas redes na quais está inserido. Entendo que movimentos como esse têm influência e influenciam, do mesmo modo, o cotidiano Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003837 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 25 das escolas e de universidades. Por isso, os estudos sobre escola ou lugares formais de ensino que transcendem relações marcadas pela cultura escolar não são menosprezados, mas não podem se tornar a única maneira de pesquisar e entender a educação brasileira. Aprendemos com Santos (2007) que, para superamos a monocultura de saberes, é preciso buscar uma ecologia dos saberes, na qual as relações entre os diferentes conhecimentos se tornem mais horizontais e equilibradas para que, assim, consigamos alcançar um conhecimento mais solidário. Acredito que os movimentos sociais, entre eles o movimento estudantil, constituem importantes espaços para a experimentação desse conhecimento mais emancipador, já que esse trabalha na perspectiva de comunidade. Entretanto, o caráter crítico sobre os movimentos é tarefa cotidiana tanto daqueles que são estudiosos de tais dinâmicas, quanto também daqueles que fazem parte diretamente de tais movimentos, desvelando, pela investigação, as formas de fazer política e os jogos de poder que organizam tais construções grupais. E mesmo levando em consideração e sendo crítica ao caráter reprodutor e estagnado de algumas correntes do movimento estudantil, ainda assim acredito que esse é, de fato, um lugar de experimentação da solidariedade. Referências ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho – os cotidianos das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In: OLIVEIRA, I. B., ALVES, Nilda (org.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas. 3. ed. Petrópolis: DP et Alii, 2008. GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010. MARTINS, José de Souza. Sociologia da fotografia e da imagem. São Paulo: Cortez, 2008. OLIVEIRA, Inês Barbosa. Boaventura & a educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. __________________________. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. p. 237-280. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63. Cidade: editora, 2002. SPOSITO, Marília Pontes. Uma perspectiva não escolar no estudo sociológico da escola. In: PAIXÃO, Léa, ZAGO, Nadir (orgs.). Sociologia da educação. Pesquisa e realidade brasileira. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003838