CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO, APRENDIZAGEM E

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APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO HUMANO: A FORMAÇÃO DO
INDIVÍDUO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Gesilane de Oliveira Maciel José
PPGEdu/CCHS/UFMS
RESUMO
A pesquisa investiga o processo de formação do indivíduo e sua aprendizagem,
apontando os fatores sociais que influenciam em seu desenvolvimento. São
apresentados os principais conceitos sobre o tema sob a ótica da teoria marxista e sóciohistórica, na visão de Gramsci, Meszáros, Neves e Vigotski, entendendo que o processo
do aprender é permeado pelos significados da inserção do indivíduo em seu meio social
e pela interiorização dessas relações historicamente organizadas pela sociedade, não
podendo ser compreendido senão por suas relações e vínculos sociais e pela sua
inserção em uma determinada sociedade, em um momento histórico específico. As
relações sociais fazem parte da formação dos indivíduos, que se constroem e se
modificam permanentemente, de modo que tudo o que se aprende surge da coexistência
com o outro. A pesquisa aborda a questão do trabalho e as contradições que permeiam
as relações capitalistas, além das situações econômicas, sociais e intelectuais, que
influenciam diretamente nas questões educacionais e que fazem parte do
desenvolvimento e da aprendizagem humana. Por fim, procura-se estabelecer uma
interação entre as ações humanas objetivas e concretas e a educação, numa proposta que
rompe com a lógica do capital e que universaliza a educação e o trabalho. Estes seriam
os novos rumos a serem perseguidos em busca da transformação da sociedade num
sentido mais amplo, social e emancipador, com maiores condições de se voltar para uma
aprendizagem mais significativa, de modo que a educação possa atuar como um
organismo de transformação social e emancipador, e não como uma mera transferência
de conhecimento.
Palavras-chave: Aprendizagem; Desenvolvimento humano; Educação e Trabalho.
INTRODUÇÃO
O artigo aborda as reflexões sobre o processo de formação e aprendizagem
humana, apontando os fatores sociais que interferem nesse desenvolvimento. Parte-se
do princípio de que o indivíduo é historicamente construído, sendo resultado da relação
do individual e do social, inserido em seus aspectos culturais.
Nesse cenário, a interação entre trabalho e educação torna-se inerente ao
desenvolvimento humano, posto que o homem, ao desenvolver a atividade prática, cria
formas de relações sociais com outros homens; os processos educativos formais e
informais que se apresentam constituem o trabalho humano e permitem o
desenvolvimento da cultura.
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Para compreender essas relações e as formas de aprendizagem, foram utilizadas
algumas ideias marxistas de Gramsci (1987, 2010), Meszáros (2008), Neves (2010) e
Alves (2004). Utilizou-se também de pensadores voltados para a perspectiva históricocultural, como Miranda (1999) e Ivic (2010), apropriando-se das teorias de Vygotsky
(2007).
Ressalta-se que, embora o marxismo não apresente ideias voltadas para a
psicologia de forma direta, suas teorias do conhecimento apontam caminhos para se
compreender o sentido e as intenções da relação homem e sociedade. As mudanças
históricas na vida material produzem modificações na natureza humana, ou seja, na
consciência e no comportamento. Vygotsky foi o primeiro a correlacionar sua proposta
com as questões psicológicas, por isso foram empregadas essas abordagens para maior
compreensão das relações do desenvolvimento humano e das perspectivas de
aprendizagem.
1 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO HUMANO: SIGNIFICADOS E
SENTIDOS
Vygotsky teve uma preocupação constante em estudar as questões do
desenvolvimento humano, compreender sua origem e seu percurso. Sempre relacionou o
tema com os processos de aprendizado.
O desenvolvimento é visto a partir de três aspectos, o instrumental, o cultural e o
histórico. O aspecto instrumental refere-se à natureza basicamente mediadora das
funções psicológicas complexas; o homem não apenas responde aos estímulos
apresentados no ambiente, mas altera e se utiliza das modificações como um
instrumento de seu comportamento. O aspecto cultural volta-se para as atividades e os
tipos de instrumentos, tanto mentais como físicos. O aspecto histórico funde-se com o
cultural, pois os instrumentos que o homem usa para dominar seu ambiente e seu
próprio comportamento foram criados e modificados ao longo da história social da
civilização. (VYGOTSKY, 2007).
Esse conceito ajuda a compreender o desenvolvimento humano como um
processo de construção permanente, contraditório e mutável, que ocorre além das
questões físicas, afetivas, intelectuais e sociais, pois é na relação com o trabalho que o
indivíduo se constitui, transformando a natureza, suas relações e transformando-se a si
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mesmo. Assim sendo, o desenvolvimento está alicerçado sobre o plano das interações,
onde o indivíduo faz da sua ação um significado partilhado.
Contudo, esse desenvolvimento não pode ser fragmentado internamente, como
se cada aspecto pudesse se desenvolver separadamente. O processo ocorre em sua
totalidade; as áreas se encontram e permanecem em movimento constante:
É claro que, para estar em movimento, esta totalidade não pode ser
um bloco rígido, compacto, monolítico, pesado. Ao contrário, estar
em movimento significa um constante ir e vir, colocando em jogo
todas as suas dimensões, umas mais, outras menos, para depois trocar
tudo novamente, em um processo feito de rupturas e continuidade,
desequilíbrios, equilíbrios e novos desequilíbrios, de maneira que o
indivíduo esteja sempre em movimento. (MIRANDA, 1999, p. 51).
Por isso, as circunstâncias internas e externas ao indivíduo não podem ser
encaradas como realidades distintas; elas participam da mesma realidade, na interação
entre o homem e sua realidade concreta, seu contexto histórico e seu trabalho.
A aprendizagem, por sua vez, “[...] é o processo pelo qual o indivíduo adquire
informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu contato com a realidade,
com o meio ambiente e com as outras pessoas”. (OLIVEIRA, 2009, p. 59).
Santos (2008, p. 25) salienta que a aprendizagem pode ser definida a partir dos
seguintes princípios:
. Estar vivo é estar aprendendo.
. Conhecer e pensar não significa chegar à verdade absolutamente
certa, mas sim dialogar com a incerteza.
. Transformação em coexistência com o outro.
. Processo contínuo de transformação estrutural que um organismo
pode sofrer em função da conservação da sua autoconstrução.
Tais conceitos ajudam a conhecer esse processo de desenvolvimento humano,
percebendo o indivíduo em constante transformação. Ele jamais poderá ser
compreendido senão por suas relações e vínculos sociais e pela sua inserção em uma
determinada sociedade, em um momento histórico específico. A aprendizagem depende
dessa interação social e inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos nessas
relações.
É importante comentar que o processo do aprender não acontece apenas no
ambiente formal, mas ocorre o tempo todo. Situa-se, principalmente, fora das
instituições educacionais formais.
Alves (2004) assinala que o homem tem os mais diferentes recursos disponíveis
ao conhecimento, tem acesso imediato às informações produzidas nos centros
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científicos mais avançados do mundo e a consulta em bibliotecas e arquivos das mais
expressivas instituições culturais do universo. Paradoxalmente, o conhecimento
culturalmente significativo que circula por diversos canais da sociedade não faz parte do
espaço da escola.
Para Mészaros (2008, p. 53), esse contexto é positivo,
[...] porque esses processos não podem ser manipulados e controlados
de imediato pela estrutura formal legalmente salvaguarda e
sancionada. Eles comportam tudo, desde o surgimento de nossas
respostas críticas em relação ao ambiente material mais ou menos
carente em nossa primeira infância, do nosso primeiro encontro com
a poesia e a arte, passando por nossas diversas experiências de
trabalho, sujeitas a um escrutínio racional, feito por nós mesmos e
pelas pessoas com quem as partilhamos e, claro, até o nosso
envolvimento, de muitas diferentes maneiras e ao longo da vida, em
conflitos e confrontos, inclusive as disputas morais, políticas e sociais
dos nossos dias.
Segundo sua premissa, a escola tornou-se secundarizada. O processo de aprender
é constituído de diversas formas, no cotidiano, nas relações de convivência, através de
outras instituições informais, pelos meios de comunicação de massa, como a televisão, o
cinema e o rádio, ou seja, “a aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até
a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender”.
(MÉSZAROS, 2008, p. 47).
Para Marx (1978), o homem, como um ser histórico e social, constitui-se em
uma unidade: o pensar e o ser. Apropria-se do seu ser global de forma plena, como um
homem total. Cada uma das relações humanas com o mundo, como ver, ouvir, cheirar,
saborear, sentir, pensar, observar, perceber, querer, atuar, amar, enfim, todos os órgãos
de sua individualidade são, em seu comportamento objetivo, a apropriação do mundo.
Isso quer dizer que o ser humano é singular, dotado de capacidade intelectual e
sensitiva, centrado nas circunstâncias históricas em que se insere.
Desse modo, essas relações devem ser consideradas dentro de um contexto
específico, onde os processos de apropriação de conhecimento promovem ao indivíduo
novas possibilidades de pensar e de agir. O aprender é permeado pelos significados da
inserção do indivíduo em seu meio social e pela interiorização dessas relações
historicamente organizadas pela humanidade.
Isto significa, simplesmente, que certas categorias de funções mentais
superiores (atenção voluntária, memória lógica, pensamento verbal e
conceptual, emoções complexas, etc.) não poderiam emergir e se
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constituir no processo de desenvolvimento sem o aporte construtivo
das interações sociais (IVIC, 2010, p. 16-17).
Santos (2008, p. 26) ainda acrescenta que
[...] tudo que aprendemos surge de uma transformação dos outros:
tudo que aprendemos surge de uma transformação da coexistência
com o outro, da importância que existe na relação com os outros. Isso
é fundamental para um bom aprendizado, para a experiência ótima de
aprender, para que o aprender seja prazeroso e dê sentido para a
pessoa.
Essas relações tornam-se um pré-requisito para a aprendizagem, à medida que
desempenham um papel construtivo no desenvolvimento humano. As rupturas e as
contradições são inevitáveis.
Assim sendo, o homem deve ser considerado como um ser social, histórico e
político, que trabalha e transforma a natureza, compreende trocas recíprocas, produz
conhecimento e participa ativamente da construção da sociedade, sempre num
movimento contraditório e permanente.
Esse processo de movimento contínuo faz parte da condição do próprio
indivíduo, uma vez que ele não é um sujeito pronto ou acabado. Está em constante
processo de modificação, como um ser individual e, ao mesmo tempo, inserido em um
contexto mais amplo, ou seja, dentro do coletivo.
Miranda (1999) reforça que, além de o desenvolvimento humano ocorrer de
forma contínua e contraditória, deve ser apreendido, ao mesmo tempo, sob uma
perspectiva de ruptura e continuidade e de igualdade e diferença. À medida que o
homem vai se constituindo, mantém uma estabilidade em seu modo de ser e,
consecutivamente, rompe com outros modos de ser. Ele vai assumindo características
que o identificam e o distinguem das outras pessoas. Contudo, essa estabilidade é
sempre relativa, porque todas essas características estão em contínua interação com o
todo social e, portanto, em permanente transformação.
É interessante questionar se essa transformação, que ocorre o tempo todo,
modifica a realidade do indivíduo e se acontece de forma consciente, ou se apenas
favorece a conservação das relações capitalistas tão presentes na sociedade
contemporânea.
Mészaros (2008) comenta que a aprendizagem é a nossa própria vida, desde a
juventude até a velhice, mas questiona o que realmente se aprende.
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Será que a aprendizagem conduz à auto-realização dos indivíduos
como “indivíduos socialmente ricos” humanamente (nas palavras de
Marx), ou está ela a serviço da perpetuação, consciente ou não, da
ordem social alienante e definitivamente incontrolável do capital?
Será o conhecimento o elemento necessário para transformar em
realidade o ideal da emancipação humana, em conjunto com uma
firme determinação e dedicação dos indivíduos para alcançar, de
maneira bem-sucedida, a auto-emancipação da humanidade, apesar
de todas as adversidades, ou será, pelo contrário, a adoção pelos
indivíduos, em particular, de modos de comportamento que apenas
favorecem a concretização dos objetivos reificados do capital?
(MÉSZAROS, 2008, p. 47-48).
Assim, o que está em jogo não é apenas o aprender, mas saber o que se aprende,
e de que forma esse aprendizado modifica sua realidade e suas relações. Miranda
acrescenta que
[...] o desenvolvimento pode ser compreendido, entre outras, na
perspectiva ontogenética da história do indivíduo, da fecundação até
a velhice; na perspectiva filogenética da história bioevolutica do
indivíduo como espécie, da horda primitiva até a completa
civilização; e na perspectiva da história do indivíduo socialmente
determinado na sua condição de classe [...]. (MIRANDA, 1999, p.
49).
Dentro desses aspectos, as ações humanas objetivas e concretas, ou seja, o
trabalho, fazem parte da construção permanente desse indivíduo. Torna-se, então,
essencial entender como se estabelecem as relações de trabalho e suas atividades
produtivas dentro do modo capitalista, para compreender o processo global do
desenvolvimento e da aprendizagem humana.
2 EDUCAÇÃO E TRABALHO: UMA RELAÇÃO PERMANENTE PARA O
DESENVOLVIMENTO HUMANO
As
diferentes
concepções
que
concorrem
para
a
compreensão
do
desenvolvimento humano perpassam pela educação. Entretanto, compreender a
totalidade do próprio termo „educar‟ é complexo, tendo em vista as divergências que
existem entre pensadores, filósofos e educadores que encaram a educação de forma
diferenciada, desde seu conceito até a compreensão de suas funções.
Gramsci considera que
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É difícil definir a totalidade do termo “educação” quando se opera na
desintegração entre as disciplinas e os campos de investigação
cultural, considerando que a educação segue paralelamente ao
crescimento das crianças e de sua escolarização, desde o jardim de
infância à universidade. (MONASTA, 2010, p.12).
E ainda complementa que a educação “é um campo no qual a teoria e a prática, a
cultura e a política, inevitavelmente, se confundem; em que a pesquisa e a descoberta
teórica se misturam com a ação social e política” (p.12). Ou seja, a educação e a cultura
são inerentes ao desenvolvimento humano. É necessário que o indivíduo compreenda a
concepção dominante de mundo e as crises geradas pelo sistema capitalista que
influenciam no processo. Alves (2004, p. 249) defende que:
[...] para o decantado “exercício consciente da cidadania”, o homem
carece de entendimento acerca de como funciona a sociedade. Como
o ser da sociedade é o ser do próprio homem, a compreensão do
social pelo acesso do pensamento à totalidade é a condição
necessária para que o ser pensante compreenda a si mesmo.
Ou seja, diante de todo o cenário complexo vivido pela educação e que
influencia diretamente na condição de vida do homem, é preciso que se tenha
consciência das suas condições histórica e culturalmente estabelecidas.
Segundo Neves (2010), existe uma série de crises educacionais constituídas
desde o final dos anos 1980, que foram difundidas nos países latino-americanos, tais
como: a revolução tecnológica, que demanda novas qualificações básicas do
trabalhador; a necessidade de redefinição dos recursos destinados à escola pública
diante do aparelho burocrático estatal e a ampliação do chamado Terceiro Setor, que
exige da escola a preparação de novos perfis profissionais. Um dos problemas
decorrentes dessa crise é que os princípios, as diretrizes estabelecidas e as políticas
públicas educacionais não são bem elaboradas e normalmente são implantadas sem
orientações claras e definições sistemáticas.
Alves (2004) destaca que a crise escolar que permeia a sociedade liga-se
precisamente à crise econômica vivida não somente pelo Brasil, mas pela África, Ásia, e
se dissemina por regiões desenvolvidas pelo capitalismo, onde a pobreza é crescente.
Ainda assim, existe um discurso de que os impostos assustadores, o baixo salário dos
trabalhadores e o desemprego seriam situações passageiras e controláveis. O que se tem
visto, na verdade, é uma crise na sociedade de cunho generalizado, e não
especificamente educacional.
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Tal constatação considera os reais problemas da sociedade. A situação de
miséria é caótica tanto no aspecto econômico e social como no campo intelectual, e isso
tem sido crescente. Este é um dos grandes fatores que têm gerado um impacto direto na
educação, comprometendo todas as condições que a cercam, entre elas a formação dos
indivíduos.
No que se refere a essa formação do indivíduo, Gramsci considera a relação
intrínseca entre homo faber e homo sapiens – não existe atividade humana da qual se
possa excluir toda intervenção intelectual. (MONASTA, 2010). Considera-se, sob essa
perspectiva, que todos os indivíduos são intelectuais. No entanto, nem todos têm
condições de desempenhar na sociedade essa função, tendo em vista que existem graus
diversos de atividade específica intelectual.
Neves (2010) procura esclarecer o sentido do termo „intelectual‟. Segundo o
autor, o termo, em sua concepção genérica, vem sendo empregado para nomear os
indivíduos letrados de uma sociedade. Existem alguns tipos de intelectuais, que são
considerados de função pública, por terem conhecimento mais sistematizado em relação
a determinadas temáticas sociais, e por possuírem o discernimento de propor, de forma
autônoma, soluções comuns às necessidades da sociedade em seu conjunto. Dentro do
capitalismo, os intelectuais são, em sua maioria, orgânicos da classe burguesa e, em
menor número, da classe trabalhadora. Ainda existem outros tipos de intelectuais, o
urbano e o rural.
Gramsci centrou nos intelectuais e em suas diferentes funções desempenhadas
na sociedade, seus métodos de análise e de ação educativa, na busca de renovar todo o
sistema de educação estabelecido no ensino primário, secundário e superior. Esse novo
tipo de intelectual seria encontrado entre os administradores, gerentes da indústria e na
profissão docente, considerando essa classe cada vez mais importante na formação
profissional e no trabalho.
Em sua concepção de intelectuais,
[...] a escola constitui-se no espaço e instrumento estratégicos de
formação dos intelectuais profissionais da cultura urbano-industrial.
Quer para conservar, quer para transformar as relações sociais
vigentes, a escola, em diferentes níveis e modalidades, forma os
intelectuais criadores e disseminadores da cultura nas sociedades
ocidentais. (NEVES, 2010, p. 32).
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Essa cultura deveria ser disseminada de forma crítica, socializando as
informações e possibilitando que fossem transformadas em base de ações vitais, de
ordem intelectual e moral. “O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a
pensar coerentemente [...] é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” que a
descoberta por parte de um gênio “filosófico”, de uma nova verdade que permaneça
como patrimônio de pequenos grupos intelectuais”. (GRAMSCI, 1987, p.13-14).
Finalmente, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve alguma
atividade intelectual, ou seja, é um “filósofo”, um artista, um homem
de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha
consciente de conduta moral, contribui, portanto, para manter ou para
modificar uma concepção do mundo, isto é, para promover maneiras
de pensar. (MONASTA, 2010, p. 126).
Ou seja, todo homem contribui para a formação de uma concepção de mundo.
Tanto o mais primitivo como o menos qualificado devem constituir a base de um novo
tipo de intelectual, interagindo a escola e o trabalho. Contudo, é preciso
[...] perder o hábito e deixar de conceber a cultura como saber
enciclopédico, no qual o homem é visto sob a forma de recipiente
para encher e amontoar com dados empíricos, com fatos ao acaso e
desconexos, que ele depois deverá arrumar no cérebro como nas
colunas de um dicionário para poder então, em qualquer altura,
responder aos vários estímulos do mundo externo. Esta forma de
cultura é deveras prejudicial, especialmente para o proletariado.
Serve apenas para criar desajustados, ente que crê ser superior ao
resto da humanidade porque armazenou na memória certa quantidade
de dados e de datas, que aproveita todas as ocasiões para estabelecer
quase uma barreira entre si e os outros. (MONASTA, 2010, p.52)
Assim sendo, o homem, como um indivíduo intelectual, precisa definir o
caminho a ser perseguido em busca de uma mudança revolucionária. Mészáros (2008, p.
13) defende que
[...] construir, libertar o ser humano das cadeias do determinismo
liberal, reconhecendo que a história é um campo aberto de
possibilidades. Esse é o sentido de se falar de uma educação para
além do capital: educar para além do capital implica pensar uma
sociedade para além do capital
Como forma de enfrentar as barreiras impostas pelo capitalismo e pelo sistema
dominante de ordem política e socioeconômica estabelecidas, rompendo com a lógica
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do capital, Mészaros (2008) apresenta dois grandes desafios: o de universalizar a
educação e de universalizar o trabalho como atividade humana autorrealizadora.
A educação para além do capital visa a uma ordem social
qualitativamente diferente. Agora não só é factível lançar-se pelo
caminho que nos conduz a essa ordem como o é também necessário e
urgente. Pois as incorrigíveis determinações destrutivas da ordem
existente tornam imperativo contrapor aos irreconciliáveis
antagonismos estruturais do sistema do capital uma alternativa
concreta e sustentável para a regulação da reprodução metabólica
social, se quisermos garantir as condições elementares da
sobrevivência humana. O papel da educação, orientado pela única
perspectiva efetivamente viável de ir para além do capital, é
absolutamente crucial para esse propósito. (MÉSZAROS, 2008, p.
71-72).
Essas mudanças deveriam acontecer agora, numa interrrelação entre a
universalização do trabalho e da educação. “Um avanço pelas sendas de uma
abordagem à educação e à aprendizagem qualitativamente diferente pode e deve
começar “aqui e agora”, [...] se quisermos efetivar as mudanças necessárias no momento
oportuno”. (idem, p. 67).
Esse processo de reestruturação radical abrangeria todo o sistema, além do
próprio homem, envolvendo mudanças nas condições concretas de reprodução da
sociedade, no regime político e econômico vigente. Somente a tomada de consciência e
as ações dos indivíduos teriam condições de mudar as condições estabelecidas pelo
sistema capitalista, voltando-se para uma automudança consciente dos indivíduos. A
escola, assim, sai do encarceramento e torna-se libertadora.
Alves (2004), partindo do cenário contemporâneo, encara o futuro da educação
com algumas características, com o trabalho do professor não se resumindo apenas à
transmissão do conhecimento. Os manuais didáticos implantados por Comenius no
século XVII, e que ainda resistem na condição de instrumento de trabalho desse
professor, deveriam ser definitivamente abolidos. O educando se apropriaria das
tecnologias mais avançadas a favor de novas aprendizagens, sendo assegurada maior
autonomia na realização de suas atividades. Já os encontros com os professores
ganhariam formas mais diversificadas e não se resumiriam apenas às aulas formais. As
instituições de ensino, por sua vez, reestabeleceriam novas relações entre professor e
aluno quanto às possibilidades de acesso ao conhecimento culturalmente significativo.
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Desta forma, uma nova didática resultaria de uma ação coletiva, com a educação no
centro das preocupações dos educadores.
Nesse empreendimento de pensar numa sociedade além do capital, rumo à
construção de um indivíduo liberto e autônomo, o homem deixaria de ser definido
„apenas‟ pela ação de trabalho que desenvolve, mas especialmente pelo que desempenha
na sociedade.
Este seria um caminho a ser perseguido, em que a educação teria maiores
condições de se transformar num sentido mais amplo, social e emancipador,
possibilitando um melhor desenvolvimento humano e dando maiores condições para
uma aprendizagem mais significativa.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A partir do diálogo empreendido, é possível perceber que a história da sociedade
e o desenvolvimento do homem caminham juntos e, mais do que isso, operam de forma
contínua num processo de construção, desconstrução e reconstrução, de forma dialética
e contraditória.
O desenvolvimento humano e a aprendizagem ocorrem ao longo da vida, dentro
do contexto historicamente estabelecido. As relações com os outros homens, além das
questões sociais, políticas e culturais, interferem e influenciam diretamente na formação
do indivíduo.
Já a relação entre trabalho e educação é fundamental para que ocorra esse
desenvolvimento, considerando que o homem, ao desenvolver a atividade prática, cria
formas de interação social com outros indivíduos, e os processos educativos, tanto nos
aspectos formais como especialmente nos informais que se apresentam, constituem o
trabalho humano e permitem o desenvolvimento da cultura.
Essas relações de trabalho situam-se dentro da lógica do capital. A proposta
apresentada é de romper com esse processo, negando o capitalismo em rumo de uma
automudança consciente dos indivíduos.
Esta seria uma alternativa concreta e sustentável para garantir as condições
essenciais de sobrevivência humana para a sociedade contemporânea. É o caminho mais
viável para que o desenvolvimento humano e a aprendizagem se tornem mais
significativos e a educação possa atuar como um organismo de transformação social e
emancipador, e não mais como uma mera transferência de conhecimento.
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MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
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Aprendizagem: tempos e espaços do aprender. PORTELLA, Fabiani Ortiz; BRIDI,
Fabiane R. de Souza. Rio de Janeiro: Wak, 2008.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 2007.
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