XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 0 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO HUMANO: A FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Gesilane de Oliveira Maciel José PPGEdu/CCHS/UFMS RESUMO A pesquisa investiga o processo de formação do indivíduo e sua aprendizagem, apontando os fatores sociais que influenciam em seu desenvolvimento. São apresentados os principais conceitos sobre o tema sob a ótica da teoria marxista e sóciohistórica, na visão de Gramsci, Meszáros, Neves e Vigotski, entendendo que o processo do aprender é permeado pelos significados da inserção do indivíduo em seu meio social e pela interiorização dessas relações historicamente organizadas pela sociedade, não podendo ser compreendido senão por suas relações e vínculos sociais e pela sua inserção em uma determinada sociedade, em um momento histórico específico. As relações sociais fazem parte da formação dos indivíduos, que se constroem e se modificam permanentemente, de modo que tudo o que se aprende surge da coexistência com o outro. A pesquisa aborda a questão do trabalho e as contradições que permeiam as relações capitalistas, além das situações econômicas, sociais e intelectuais, que influenciam diretamente nas questões educacionais e que fazem parte do desenvolvimento e da aprendizagem humana. Por fim, procura-se estabelecer uma interação entre as ações humanas objetivas e concretas e a educação, numa proposta que rompe com a lógica do capital e que universaliza a educação e o trabalho. Estes seriam os novos rumos a serem perseguidos em busca da transformação da sociedade num sentido mais amplo, social e emancipador, com maiores condições de se voltar para uma aprendizagem mais significativa, de modo que a educação possa atuar como um organismo de transformação social e emancipador, e não como uma mera transferência de conhecimento. Palavras-chave: Aprendizagem; Desenvolvimento humano; Educação e Trabalho. INTRODUÇÃO O artigo aborda as reflexões sobre o processo de formação e aprendizagem humana, apontando os fatores sociais que interferem nesse desenvolvimento. Parte-se do princípio de que o indivíduo é historicamente construído, sendo resultado da relação do individual e do social, inserido em seus aspectos culturais. Nesse cenário, a interação entre trabalho e educação torna-se inerente ao desenvolvimento humano, posto que o homem, ao desenvolver a atividade prática, cria formas de relações sociais com outros homens; os processos educativos formais e informais que se apresentam constituem o trabalho humano e permitem o desenvolvimento da cultura. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003900 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 1 Para compreender essas relações e as formas de aprendizagem, foram utilizadas algumas ideias marxistas de Gramsci (1987, 2010), Meszáros (2008), Neves (2010) e Alves (2004). Utilizou-se também de pensadores voltados para a perspectiva históricocultural, como Miranda (1999) e Ivic (2010), apropriando-se das teorias de Vygotsky (2007). Ressalta-se que, embora o marxismo não apresente ideias voltadas para a psicologia de forma direta, suas teorias do conhecimento apontam caminhos para se compreender o sentido e as intenções da relação homem e sociedade. As mudanças históricas na vida material produzem modificações na natureza humana, ou seja, na consciência e no comportamento. Vygotsky foi o primeiro a correlacionar sua proposta com as questões psicológicas, por isso foram empregadas essas abordagens para maior compreensão das relações do desenvolvimento humano e das perspectivas de aprendizagem. 1 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO HUMANO: SIGNIFICADOS E SENTIDOS Vygotsky teve uma preocupação constante em estudar as questões do desenvolvimento humano, compreender sua origem e seu percurso. Sempre relacionou o tema com os processos de aprendizado. O desenvolvimento é visto a partir de três aspectos, o instrumental, o cultural e o histórico. O aspecto instrumental refere-se à natureza basicamente mediadora das funções psicológicas complexas; o homem não apenas responde aos estímulos apresentados no ambiente, mas altera e se utiliza das modificações como um instrumento de seu comportamento. O aspecto cultural volta-se para as atividades e os tipos de instrumentos, tanto mentais como físicos. O aspecto histórico funde-se com o cultural, pois os instrumentos que o homem usa para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento foram criados e modificados ao longo da história social da civilização. (VYGOTSKY, 2007). Esse conceito ajuda a compreender o desenvolvimento humano como um processo de construção permanente, contraditório e mutável, que ocorre além das questões físicas, afetivas, intelectuais e sociais, pois é na relação com o trabalho que o indivíduo se constitui, transformando a natureza, suas relações e transformando-se a si Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003901 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 mesmo. Assim sendo, o desenvolvimento está alicerçado sobre o plano das interações, onde o indivíduo faz da sua ação um significado partilhado. Contudo, esse desenvolvimento não pode ser fragmentado internamente, como se cada aspecto pudesse se desenvolver separadamente. O processo ocorre em sua totalidade; as áreas se encontram e permanecem em movimento constante: É claro que, para estar em movimento, esta totalidade não pode ser um bloco rígido, compacto, monolítico, pesado. Ao contrário, estar em movimento significa um constante ir e vir, colocando em jogo todas as suas dimensões, umas mais, outras menos, para depois trocar tudo novamente, em um processo feito de rupturas e continuidade, desequilíbrios, equilíbrios e novos desequilíbrios, de maneira que o indivíduo esteja sempre em movimento. (MIRANDA, 1999, p. 51). Por isso, as circunstâncias internas e externas ao indivíduo não podem ser encaradas como realidades distintas; elas participam da mesma realidade, na interação entre o homem e sua realidade concreta, seu contexto histórico e seu trabalho. A aprendizagem, por sua vez, “[...] é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu contato com a realidade, com o meio ambiente e com as outras pessoas”. (OLIVEIRA, 2009, p. 59). Santos (2008, p. 25) salienta que a aprendizagem pode ser definida a partir dos seguintes princípios: . Estar vivo é estar aprendendo. . Conhecer e pensar não significa chegar à verdade absolutamente certa, mas sim dialogar com a incerteza. . Transformação em coexistência com o outro. . Processo contínuo de transformação estrutural que um organismo pode sofrer em função da conservação da sua autoconstrução. Tais conceitos ajudam a conhecer esse processo de desenvolvimento humano, percebendo o indivíduo em constante transformação. Ele jamais poderá ser compreendido senão por suas relações e vínculos sociais e pela sua inserção em uma determinada sociedade, em um momento histórico específico. A aprendizagem depende dessa interação social e inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos nessas relações. É importante comentar que o processo do aprender não acontece apenas no ambiente formal, mas ocorre o tempo todo. Situa-se, principalmente, fora das instituições educacionais formais. Alves (2004) assinala que o homem tem os mais diferentes recursos disponíveis ao conhecimento, tem acesso imediato às informações produzidas nos centros Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003902 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 científicos mais avançados do mundo e a consulta em bibliotecas e arquivos das mais expressivas instituições culturais do universo. Paradoxalmente, o conhecimento culturalmente significativo que circula por diversos canais da sociedade não faz parte do espaço da escola. Para Mészaros (2008, p. 53), esse contexto é positivo, [...] porque esses processos não podem ser manipulados e controlados de imediato pela estrutura formal legalmente salvaguarda e sancionada. Eles comportam tudo, desde o surgimento de nossas respostas críticas em relação ao ambiente material mais ou menos carente em nossa primeira infância, do nosso primeiro encontro com a poesia e a arte, passando por nossas diversas experiências de trabalho, sujeitas a um escrutínio racional, feito por nós mesmos e pelas pessoas com quem as partilhamos e, claro, até o nosso envolvimento, de muitas diferentes maneiras e ao longo da vida, em conflitos e confrontos, inclusive as disputas morais, políticas e sociais dos nossos dias. Segundo sua premissa, a escola tornou-se secundarizada. O processo de aprender é constituído de diversas formas, no cotidiano, nas relações de convivência, através de outras instituições informais, pelos meios de comunicação de massa, como a televisão, o cinema e o rádio, ou seja, “a aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender”. (MÉSZAROS, 2008, p. 47). Para Marx (1978), o homem, como um ser histórico e social, constitui-se em uma unidade: o pensar e o ser. Apropria-se do seu ser global de forma plena, como um homem total. Cada uma das relações humanas com o mundo, como ver, ouvir, cheirar, saborear, sentir, pensar, observar, perceber, querer, atuar, amar, enfim, todos os órgãos de sua individualidade são, em seu comportamento objetivo, a apropriação do mundo. Isso quer dizer que o ser humano é singular, dotado de capacidade intelectual e sensitiva, centrado nas circunstâncias históricas em que se insere. Desse modo, essas relações devem ser consideradas dentro de um contexto específico, onde os processos de apropriação de conhecimento promovem ao indivíduo novas possibilidades de pensar e de agir. O aprender é permeado pelos significados da inserção do indivíduo em seu meio social e pela interiorização dessas relações historicamente organizadas pela humanidade. Isto significa, simplesmente, que certas categorias de funções mentais superiores (atenção voluntária, memória lógica, pensamento verbal e conceptual, emoções complexas, etc.) não poderiam emergir e se Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003903 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 constituir no processo de desenvolvimento sem o aporte construtivo das interações sociais (IVIC, 2010, p. 16-17). Santos (2008, p. 26) ainda acrescenta que [...] tudo que aprendemos surge de uma transformação dos outros: tudo que aprendemos surge de uma transformação da coexistência com o outro, da importância que existe na relação com os outros. Isso é fundamental para um bom aprendizado, para a experiência ótima de aprender, para que o aprender seja prazeroso e dê sentido para a pessoa. Essas relações tornam-se um pré-requisito para a aprendizagem, à medida que desempenham um papel construtivo no desenvolvimento humano. As rupturas e as contradições são inevitáveis. Assim sendo, o homem deve ser considerado como um ser social, histórico e político, que trabalha e transforma a natureza, compreende trocas recíprocas, produz conhecimento e participa ativamente da construção da sociedade, sempre num movimento contraditório e permanente. Esse processo de movimento contínuo faz parte da condição do próprio indivíduo, uma vez que ele não é um sujeito pronto ou acabado. Está em constante processo de modificação, como um ser individual e, ao mesmo tempo, inserido em um contexto mais amplo, ou seja, dentro do coletivo. Miranda (1999) reforça que, além de o desenvolvimento humano ocorrer de forma contínua e contraditória, deve ser apreendido, ao mesmo tempo, sob uma perspectiva de ruptura e continuidade e de igualdade e diferença. À medida que o homem vai se constituindo, mantém uma estabilidade em seu modo de ser e, consecutivamente, rompe com outros modos de ser. Ele vai assumindo características que o identificam e o distinguem das outras pessoas. Contudo, essa estabilidade é sempre relativa, porque todas essas características estão em contínua interação com o todo social e, portanto, em permanente transformação. É interessante questionar se essa transformação, que ocorre o tempo todo, modifica a realidade do indivíduo e se acontece de forma consciente, ou se apenas favorece a conservação das relações capitalistas tão presentes na sociedade contemporânea. Mészaros (2008) comenta que a aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, mas questiona o que realmente se aprende. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003904 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 Será que a aprendizagem conduz à auto-realização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente (nas palavras de Marx), ou está ela a serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem social alienante e definitivamente incontrolável do capital? Será o conhecimento o elemento necessário para transformar em realidade o ideal da emancipação humana, em conjunto com uma firme determinação e dedicação dos indivíduos para alcançar, de maneira bem-sucedida, a auto-emancipação da humanidade, apesar de todas as adversidades, ou será, pelo contrário, a adoção pelos indivíduos, em particular, de modos de comportamento que apenas favorecem a concretização dos objetivos reificados do capital? (MÉSZAROS, 2008, p. 47-48). Assim, o que está em jogo não é apenas o aprender, mas saber o que se aprende, e de que forma esse aprendizado modifica sua realidade e suas relações. Miranda acrescenta que [...] o desenvolvimento pode ser compreendido, entre outras, na perspectiva ontogenética da história do indivíduo, da fecundação até a velhice; na perspectiva filogenética da história bioevolutica do indivíduo como espécie, da horda primitiva até a completa civilização; e na perspectiva da história do indivíduo socialmente determinado na sua condição de classe [...]. (MIRANDA, 1999, p. 49). Dentro desses aspectos, as ações humanas objetivas e concretas, ou seja, o trabalho, fazem parte da construção permanente desse indivíduo. Torna-se, então, essencial entender como se estabelecem as relações de trabalho e suas atividades produtivas dentro do modo capitalista, para compreender o processo global do desenvolvimento e da aprendizagem humana. 2 EDUCAÇÃO E TRABALHO: UMA RELAÇÃO PERMANENTE PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO As diferentes concepções que concorrem para a compreensão do desenvolvimento humano perpassam pela educação. Entretanto, compreender a totalidade do próprio termo „educar‟ é complexo, tendo em vista as divergências que existem entre pensadores, filósofos e educadores que encaram a educação de forma diferenciada, desde seu conceito até a compreensão de suas funções. Gramsci considera que Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003905 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 É difícil definir a totalidade do termo “educação” quando se opera na desintegração entre as disciplinas e os campos de investigação cultural, considerando que a educação segue paralelamente ao crescimento das crianças e de sua escolarização, desde o jardim de infância à universidade. (MONASTA, 2010, p.12). E ainda complementa que a educação “é um campo no qual a teoria e a prática, a cultura e a política, inevitavelmente, se confundem; em que a pesquisa e a descoberta teórica se misturam com a ação social e política” (p.12). Ou seja, a educação e a cultura são inerentes ao desenvolvimento humano. É necessário que o indivíduo compreenda a concepção dominante de mundo e as crises geradas pelo sistema capitalista que influenciam no processo. Alves (2004, p. 249) defende que: [...] para o decantado “exercício consciente da cidadania”, o homem carece de entendimento acerca de como funciona a sociedade. Como o ser da sociedade é o ser do próprio homem, a compreensão do social pelo acesso do pensamento à totalidade é a condição necessária para que o ser pensante compreenda a si mesmo. Ou seja, diante de todo o cenário complexo vivido pela educação e que influencia diretamente na condição de vida do homem, é preciso que se tenha consciência das suas condições histórica e culturalmente estabelecidas. Segundo Neves (2010), existe uma série de crises educacionais constituídas desde o final dos anos 1980, que foram difundidas nos países latino-americanos, tais como: a revolução tecnológica, que demanda novas qualificações básicas do trabalhador; a necessidade de redefinição dos recursos destinados à escola pública diante do aparelho burocrático estatal e a ampliação do chamado Terceiro Setor, que exige da escola a preparação de novos perfis profissionais. Um dos problemas decorrentes dessa crise é que os princípios, as diretrizes estabelecidas e as políticas públicas educacionais não são bem elaboradas e normalmente são implantadas sem orientações claras e definições sistemáticas. Alves (2004) destaca que a crise escolar que permeia a sociedade liga-se precisamente à crise econômica vivida não somente pelo Brasil, mas pela África, Ásia, e se dissemina por regiões desenvolvidas pelo capitalismo, onde a pobreza é crescente. Ainda assim, existe um discurso de que os impostos assustadores, o baixo salário dos trabalhadores e o desemprego seriam situações passageiras e controláveis. O que se tem visto, na verdade, é uma crise na sociedade de cunho generalizado, e não especificamente educacional. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003906 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 Tal constatação considera os reais problemas da sociedade. A situação de miséria é caótica tanto no aspecto econômico e social como no campo intelectual, e isso tem sido crescente. Este é um dos grandes fatores que têm gerado um impacto direto na educação, comprometendo todas as condições que a cercam, entre elas a formação dos indivíduos. No que se refere a essa formação do indivíduo, Gramsci considera a relação intrínseca entre homo faber e homo sapiens – não existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual. (MONASTA, 2010). Considera-se, sob essa perspectiva, que todos os indivíduos são intelectuais. No entanto, nem todos têm condições de desempenhar na sociedade essa função, tendo em vista que existem graus diversos de atividade específica intelectual. Neves (2010) procura esclarecer o sentido do termo „intelectual‟. Segundo o autor, o termo, em sua concepção genérica, vem sendo empregado para nomear os indivíduos letrados de uma sociedade. Existem alguns tipos de intelectuais, que são considerados de função pública, por terem conhecimento mais sistematizado em relação a determinadas temáticas sociais, e por possuírem o discernimento de propor, de forma autônoma, soluções comuns às necessidades da sociedade em seu conjunto. Dentro do capitalismo, os intelectuais são, em sua maioria, orgânicos da classe burguesa e, em menor número, da classe trabalhadora. Ainda existem outros tipos de intelectuais, o urbano e o rural. Gramsci centrou nos intelectuais e em suas diferentes funções desempenhadas na sociedade, seus métodos de análise e de ação educativa, na busca de renovar todo o sistema de educação estabelecido no ensino primário, secundário e superior. Esse novo tipo de intelectual seria encontrado entre os administradores, gerentes da indústria e na profissão docente, considerando essa classe cada vez mais importante na formação profissional e no trabalho. Em sua concepção de intelectuais, [...] a escola constitui-se no espaço e instrumento estratégicos de formação dos intelectuais profissionais da cultura urbano-industrial. Quer para conservar, quer para transformar as relações sociais vigentes, a escola, em diferentes níveis e modalidades, forma os intelectuais criadores e disseminadores da cultura nas sociedades ocidentais. (NEVES, 2010, p. 32). Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003907 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 Essa cultura deveria ser disseminada de forma crítica, socializando as informações e possibilitando que fossem transformadas em base de ações vitais, de ordem intelectual e moral. “O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente [...] é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” que a descoberta por parte de um gênio “filosófico”, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais”. (GRAMSCI, 1987, p.13-14). Finalmente, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve alguma atividade intelectual, ou seja, é um “filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui, portanto, para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para promover maneiras de pensar. (MONASTA, 2010, p. 126). Ou seja, todo homem contribui para a formação de uma concepção de mundo. Tanto o mais primitivo como o menos qualificado devem constituir a base de um novo tipo de intelectual, interagindo a escola e o trabalho. Contudo, é preciso [...] perder o hábito e deixar de conceber a cultura como saber enciclopédico, no qual o homem é visto sob a forma de recipiente para encher e amontoar com dados empíricos, com fatos ao acaso e desconexos, que ele depois deverá arrumar no cérebro como nas colunas de um dicionário para poder então, em qualquer altura, responder aos vários estímulos do mundo externo. Esta forma de cultura é deveras prejudicial, especialmente para o proletariado. Serve apenas para criar desajustados, ente que crê ser superior ao resto da humanidade porque armazenou na memória certa quantidade de dados e de datas, que aproveita todas as ocasiões para estabelecer quase uma barreira entre si e os outros. (MONASTA, 2010, p.52) Assim sendo, o homem, como um indivíduo intelectual, precisa definir o caminho a ser perseguido em busca de uma mudança revolucionária. Mészáros (2008, p. 13) defende que [...] construir, libertar o ser humano das cadeias do determinismo liberal, reconhecendo que a história é um campo aberto de possibilidades. Esse é o sentido de se falar de uma educação para além do capital: educar para além do capital implica pensar uma sociedade para além do capital Como forma de enfrentar as barreiras impostas pelo capitalismo e pelo sistema dominante de ordem política e socioeconômica estabelecidas, rompendo com a lógica Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003908 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 do capital, Mészaros (2008) apresenta dois grandes desafios: o de universalizar a educação e de universalizar o trabalho como atividade humana autorrealizadora. A educação para além do capital visa a uma ordem social qualitativamente diferente. Agora não só é factível lançar-se pelo caminho que nos conduz a essa ordem como o é também necessário e urgente. Pois as incorrigíveis determinações destrutivas da ordem existente tornam imperativo contrapor aos irreconciliáveis antagonismos estruturais do sistema do capital uma alternativa concreta e sustentável para a regulação da reprodução metabólica social, se quisermos garantir as condições elementares da sobrevivência humana. O papel da educação, orientado pela única perspectiva efetivamente viável de ir para além do capital, é absolutamente crucial para esse propósito. (MÉSZAROS, 2008, p. 71-72). Essas mudanças deveriam acontecer agora, numa interrrelação entre a universalização do trabalho e da educação. “Um avanço pelas sendas de uma abordagem à educação e à aprendizagem qualitativamente diferente pode e deve começar “aqui e agora”, [...] se quisermos efetivar as mudanças necessárias no momento oportuno”. (idem, p. 67). Esse processo de reestruturação radical abrangeria todo o sistema, além do próprio homem, envolvendo mudanças nas condições concretas de reprodução da sociedade, no regime político e econômico vigente. Somente a tomada de consciência e as ações dos indivíduos teriam condições de mudar as condições estabelecidas pelo sistema capitalista, voltando-se para uma automudança consciente dos indivíduos. A escola, assim, sai do encarceramento e torna-se libertadora. Alves (2004), partindo do cenário contemporâneo, encara o futuro da educação com algumas características, com o trabalho do professor não se resumindo apenas à transmissão do conhecimento. Os manuais didáticos implantados por Comenius no século XVII, e que ainda resistem na condição de instrumento de trabalho desse professor, deveriam ser definitivamente abolidos. O educando se apropriaria das tecnologias mais avançadas a favor de novas aprendizagens, sendo assegurada maior autonomia na realização de suas atividades. Já os encontros com os professores ganhariam formas mais diversificadas e não se resumiriam apenas às aulas formais. As instituições de ensino, por sua vez, reestabeleceriam novas relações entre professor e aluno quanto às possibilidades de acesso ao conhecimento culturalmente significativo. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003909 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 Desta forma, uma nova didática resultaria de uma ação coletiva, com a educação no centro das preocupações dos educadores. Nesse empreendimento de pensar numa sociedade além do capital, rumo à construção de um indivíduo liberto e autônomo, o homem deixaria de ser definido „apenas‟ pela ação de trabalho que desenvolve, mas especialmente pelo que desempenha na sociedade. Este seria um caminho a ser perseguido, em que a educação teria maiores condições de se transformar num sentido mais amplo, social e emancipador, possibilitando um melhor desenvolvimento humano e dando maiores condições para uma aprendizagem mais significativa. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A partir do diálogo empreendido, é possível perceber que a história da sociedade e o desenvolvimento do homem caminham juntos e, mais do que isso, operam de forma contínua num processo de construção, desconstrução e reconstrução, de forma dialética e contraditória. O desenvolvimento humano e a aprendizagem ocorrem ao longo da vida, dentro do contexto historicamente estabelecido. As relações com os outros homens, além das questões sociais, políticas e culturais, interferem e influenciam diretamente na formação do indivíduo. Já a relação entre trabalho e educação é fundamental para que ocorra esse desenvolvimento, considerando que o homem, ao desenvolver a atividade prática, cria formas de interação social com outros indivíduos, e os processos educativos, tanto nos aspectos formais como especialmente nos informais que se apresentam, constituem o trabalho humano e permitem o desenvolvimento da cultura. Essas relações de trabalho situam-se dentro da lógica do capital. A proposta apresentada é de romper com esse processo, negando o capitalismo em rumo de uma automudança consciente dos indivíduos. Esta seria uma alternativa concreta e sustentável para garantir as condições essenciais de sobrevivência humana para a sociedade contemporânea. É o caminho mais viável para que o desenvolvimento humano e a aprendizagem se tornem mais significativos e a educação possa atuar como um organismo de transformação social e emancipador, e não mais como uma mera transferência de conhecimento. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003910 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 REFERÊNCIAS ALVES, Gilberto Luiz. A produção da escola pública contemporânea. 2. ed. Campinas: Autores Associados; Campo Grande: UFMS, 2004. GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987. IVIC, Ivan; Lev Semionovich Vygotsky. Coleção Educadores MEC. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Massangana, 2010. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos (Os pensadores). São Paulo: Abril Cultura, 1978. MÉSZAROS, István. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008. MIRANDA, Marília Gouvea de. 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