XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 ESTUDO DE CASO DO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM NA DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO A PROGRAMAÇÃO NO IFCE CAMPUS MARACANAÚ Isabel Magda Said Pierre Carneiro - IFCE Adelaide Maria de Sousa Costa - IFCE Roseane Michelle de Lima Silveira - IFCE Keyla de Souza Lima Cruz – IFCE RESUMO Este trabalho tem como objetivo compreender as causas das dificuldades de aprendizado dos estudantes, a fim de propor medidas preventivas que contribuam para sua permanência na instituição e para a sua formação, bem como desencadear atividades reflexivas junto à comunidade acadêmica. Inserida numa abordagem qualitativa de educação, a pesquisa se classifica como estudo de caso, tendo como lócus o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFCE, Campus Maracanaú, especialmente, o curso Técnico de Informática. A primeira etapa do estudo se concretizou no aprofundamento da literatura pertinente, a segunda incidiu sobre a coleta de dados por meio do questionário de auto-preenchimento e da entrevista semi-estruturada. O grupo de sujeitos participantes da pesquisa se constituiu de 08 (oito) estudantes do referido curso que reprovaram e ainda não conseguiram êxito na disciplina de Introdução à Programação e 01 (um) professor que ministra a respectiva disciplina. Em decorrência da análise dos dados da pesquisa, detectamos os principais problemas que levam aos discentes não terem êxito na disciplina de Introdução à Programação, com destaque na falta de tempo para estudar. Constatamos também que o professor apresenta uma concepção tradicional acerca do processo ensino-aprendizagem, contribuindo para a ideia de que o estudante é o principal responsável por seu baixo rendimento na disciplina, não reconhecendo que sua prática também é fator decisivo para os obstáculos de aprendizagem. Essa constatação sugere uma reflexão dos procedimentos metodológicos do professor no andamento de suas aulas, na tentativa de melhorar os níveis de compreensão dos estudantes, bem como da avaliação da aprendizagem realizada para identificar a aprendizagem dos conteúdos que devem servir para a formação integral dos sujeitos. Palavras-chave: Dificuldades de Aprendizagem; Processo ensino-aprendizagem; Trabalho Docente 1 INTRODUÇÃO Os estudos sobre as dificuldades de aprendizagem têm se ampliado nos últimos anos nas instituições de ensino, mas pouco entendidas pelos professores e outros Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003835 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 profissionais da Educação por ser um assunto que se refere “não a um único distúrbio, mas a uma ampla gama de problemas que podem afetar qualquer área de desempenho acadêmico” (SMITH e STRICK, 2001, p.15). O interesse em aprofundar os conhecimentos teóricos e práticos sobre esse tema decorreu da nossa experiência como pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE, campus de Maracanaú onde percebemos o baixo rendimento dos estudantes nas avaliações das disciplinas que envolvem matemática e raciocínio lógico. Diante do insucesso da sua aprendizagem, eles questionam sua própria inteligência e começam a achar que não têm competência para acompanhar as aulas, contribuindo para o abandono da instituição. Tradicionalmente, as teorias de aprendizagem evidenciam que o ambiente onde o ser humano está inserido e os estímulos que ele recebe é primordial para sua aprendizagem. Ou seja, os estímulos ambientais podem contribuir para o desenvolvimento das capacidades intelectuais do Homem. E o ambiente escolar ou acadêmico, espaço onde se dá aprendizagem sistematizada dos bens culturais acumulados, tem, dentre outras funções, de oferecer situações apropriadas de aprendizagem. “Se o sistema educacional não oferecer isso, os alunos talvez nunca possam desenvolver sua faixa plena de capacidade, tornando-se efetivamente “deficientes” embora não haja nada de fisicamente errado com eles.”. (SMITH e STRICK, 2001, p.33). Assumindo a compreensão de Machado (2009) de que “os mecanismos de percepção [dos sujeitos] são muito mais ricos e complexos do que imagina as simplificadas teorias baseadas em associações do tipo estímulo/resposta” (p.17), é necessário que haja reflexões sobre as situações de aprendizagem: por que o estudante não aprendeu? Existe uma maneira diferente de se ensinar, de modo que haja efetivamente aprendizagem dos estudantes? A abordagem interacionista propicia a imagem do conhecimento como rede, sendo visto como uma grande teia, uma grande rede de significados (MACHADO, 2009). Segundo tal ponto de vista, o estudante é sujeito da aprendizagem que consegue aprender a partir da interação não somente com o meio, mas com o outro. “Experiências anteriores Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003836 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 servem de base para novas construções que dependem, todavia, também da relação que o indivíduo estabelece com o ambiente numa situação determinada” (DAVIS e OLIVEIRA, 2008, p.36). Nesse contexto, ensino e aprendizagem não se esgotam em sujeitos ou em ambientes de aprendizagem, mas em como se dá a relação entre ambos. É nessa relação, o professor tem o papel de mediador da aprendizagem. Partindo dessa concepção de aprendizagem, o estudo, ora apresentado, seguiu os procedimentos indicados pela abordagem qualitativa de pesquisa do tipo estudo de caso, pois permite apreender as causas das dificuldades de aprendizagem podendo obter grande quantidade de informações e, consequentemente, aprofundar seus aspectos. A pesquisa se desenvolveu em três etapas. A primeira incidiu no aprofundamento da literatura pertinente a temática em análise. A segunda resultou da coleta de dados, realizada em 2011.2 no IFCE, Campus de Maracanaú, especificamente, no curso Técnico de Informática, mediante questionário de auto-preenchimento, com questões abertas e fechadas, realizado com 08 (oito) discentes matriculados na disciplina de Introdução à Programação e a entrevista semi-estruturada realizada com 01 (um) professor da referida disciplina. Finalmente, foi feita a análise de dados com base no referencial teórico estudado e nas informações coletadas e descritas em seus detalhes de forma a permitir uma maior aproximação da realidade. A disciplina de Introdução à Programação é semestral, ministrada no primeiro semestre do curso Técnico de Informática. Sua carga horária é de 04 horas/aula semanais, perfazendo um total de 80 horas, o equivalente a 04 (quatro) créditos. Segundo o Projeto Político-Pedagógico do referido curso, a disciplina tem a intenção de que os estudantes alcancem as seguintes competências: “Entender, desenvolver e implementar algorítimos de nível elementar utilizando a linguagem C”. Nesse contexto, os objetivos do processo investigativo buscam o entendimento sobre as causas das dificuldades de aprendizado dos estudantes na disciplina de Introdução à Programação. Visa, ainda, o desencadeamento de atividades reflexivas junto à comunidade acadêmica a fim de propor medidas preventivas que contribuam para sua permanência na instituição e para a sua formação. Com isso, os índices de qualificação Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003837 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 dos jovens para o trabalho podem ser elevados, o que, certamente, contribuirá para maximizar os investimentos governamentais na educação básica e superior. 2 APRENDIZAGEM: CONCEPÇÕES E AVALIAÇÃO O conceito de aprendizagem não é fácil de ser definido. De modo geral, ele significa um processo de mudança de comportamento que resulta da experiência das pessoas. Nessa concepção, o desenvolvimento da aprendizagem é um crescimento contínuo, permanente dos diversos aprendizados ou das diversas oportunidades de aprendizagem. Na realidade, existem diversas possibilidades de aprendizagem, ou seja, há “diversos fatores que nos levam a apresentar um comportamento que anteriormente não apresentávamos, como o crescimento físico, descobertas, tentativas e erros, ensino etc.” (BOOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2008, p. 149). As diferentes concepções de aprendizagem estão relacionadas com as teorias do desenvolvimento humano, quais sejam: a inatista, a ambientalista e a interacionista. A primeira refere-se à hereditariedade do sujeito, ou seja, suas características físicas e psicológicas, qualidades e capacidades são determinadas desde o seu nascimento. Essa concepção parte do pressuposto de que os “eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento, dado que o indivíduo já nasce com padrões inatos de comportamento” (OLIVEIRA, et all, 1992, p.28). A segunda concepção de desenvolvimento humano, a ambientalista, expressa o entendimento de que o sujeito nasce sem características psicológicas predeterminadas, como se fosse uma massa de argila a ser modelada, estimulada e corrigida pelo meio. Para Oliveira, et all (1992), essa visão chama atenção para “a plasticidade do ser humano, que pode adaptar-se a diferentes condições de existência, aprendendo novos comportamentos, desde que existam certas condições favoráveis. Todavia, tal visão termina por colocar os seres humanos como criaturas passivas frente ao ambiente.”(p.29). A corrente ambientalista influenciou a concepção tradicional de ensino que considera o professor como centro do processo ensino-aprendizagem, cabendo ao estudante, receber os saberes acumulados historicamente, de forma passiva, como mero expectador. O professor é o transmissor dos conhecimentos acumulados e sistematizados ao longo da existência humana. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003838 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 A terceira e última concepção de desenvolvimento humano, que se contrapõe às duas visões apresentadas anteriormente, é a interacionista. Esta considera que os elementos o biológico e o social não podem ser dissociados e exercem influência mútua. As características biológicas preparam os sujeitos para agirem sobre o social e modificálo, mas esta ação influencia na construção de suas próprias características biológicas. Ademais, a concepção interacionista defende a reciprocidade das influências também entre o indivíduo e o meio: “a experiência da criança em um determinado ambiente é ativa e ao mesmo tempo em que ela modifica este meio, ela é modificada por ele, em especial pela interação com outros indivíduos (OLIVEIRA, et all, 1992, p. 29). Essa visão de desenvolvimento humano serviu de base para uma concepção de aprendizagem como um processo mediado pela interação com o meio e com as pessoas que fazem parte dele, especialmente, professores e estudantes. “Por isso, as escolas e universidade constituem ambientes privilegiados de aprendizagem, porque se especializam nesses processos de mediação e criam condições adequadas para que os diversos momentos de conversam sejam efetivos” (ZABALZA, 2004, p.194). As discussões sobre as concepções de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano implicam também na forma como o professor avalia o desempenho dos estudantes. A avaliação é um dos temas do campo educacional bastante discutido pelos professores que buscam compreender sua importância e significado no seu trabalho. A avaliação educacional é caracterizada como uma ação sistematizada e contínua, apoiada em determinados pressupostos teórico-científicos, e tem um propósito definido. Nas escolas, ela tem sido, constantemente, associada a expressões como: fazer prova, fazer exames, atribuir nota, repetir ou passar de ano e, como uma das dimensões do papel do professor, “transformou-se numa verdadeira “arma”, em um instrumento de controle que tudo pode. Através do uso exacerbado do poder, o professor mantém o silêncio, a “disciplina” dos alunos [...]” (SAUL, 1995, p.50-1). Para Haydt (2006), essa prática avaliativa está associada a uma concepção pedagógica tradicional que considera a educação como mera transmissão e memorização de informações prontas e o estudante visto como um ser passivo e receptivo. Nesse sentido, “avaliar é julgar ou fazer apreciação de alguém ou alguma coisa, tendo como Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003839 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 base uma escada de valores [ou] interpretar dados quantitativos e qualitativos para obter um parecer ou julgamento de valor, tendo por base padrões ou critérios” (HAYDT, 1998, p.10 ). Em contraposição à concepção tradicional de avaliação, Saul (1995) defende uma prática avaliativa emancipatória que se caracteriza como um “processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade, visando transformá-la” (p.61). Nesse sentido, a ela envolve uma prática pedagógica renovada e inovadora além de estimular os estudantes a serem sujeitos no processo de construção do conhecimento. Assim como Saul (1995), Piletti (2007) entende que a avaliação não se restringe ao caráter seletivo, que tem função de classificar e promover os estudantes de um ano para o outro ou de um nível para outro. Ao contrário, ela refere-se a um contínuo e sistemático de pesquisas que “visa interpretar os conhecimentos, habilidades e atitudes dos alunos, tendo em vista mudanças esperadas no comportamento, propostas nos objetivos, a fim de que haja condições de decidir sobre alternativas do planejamento do trabalho e da escola como um todo” (p.190). Com base nessas reflexões, a avaliação da aprendizagem está relacionada a uma concepção pedagógica mais ampla em que a Educação é constituída de experiências múltiplas e variadas tendo em vista o desenvolvimento cognitivo, social, afetivo, físico e espiritual dos estudantes. Nessa abordagem, os conteúdos são instrumentos para ativar e mobilizar esquemas mentais operatórios de assimilação e o educando é um ser ativo e dinâmico que participa da construção dos seus conhecimentos. Nesse sentido, torna-se fundamental, quando se aborda a questão das dificuldades de aprendizagem dos estudantes, conhecer as concepções de aprendizagem e a avaliação que ancoram as práticas pedagógicas dos professores. 3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS DO PROCESSO ENSINO- APRENDIZAGEM NA DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO À PROGRAMAÇÃO Visando compreender as dificuldades enfrentadas para aprender a disciplina de Introdução à Programação no curso técnico de Informática do IFCE, Campus Maracanaú, questionamos aos estudantes aspectos que envolviam o entendimentos das aulas, dos conteúdos, as razões por não terem aprendido estes conteúdos e a forma como buscam Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003840 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 superar suas dificuldades no referido componente curricular. A seguir, apresentaremos os resultados mais significativos. Em relação às dificuldades de entender as aulas, (2) dois estudantes assinalaram “Não, nunca”; (5) cinco marcaram “Sim, algumas vezes” e (1) um optou por “Sim, na maior parte do tempo”. Eles atribuíram o não entendimento, sobretudo, à falta de tempo para estudo (4); metodologia do professor (3) e à falta de afinidade com a disciplina (1). Esse resultado é preocupante, pela possibilidade de atrasar o tempo de conclusão do curso, já que esse componente curricular é do primeiro semestre e é pré-requisito da disciplina de “Programação Orientada a Objetos (POO)”, pertencente ao segundo semestre, que também é pré-requisito das disciplinas “Introdução a Banco de Dados”, “Introdução a Engenharia de Software” e “Novas Tecnologias para Internet e Web”, do terceiro semestre. A maioria (7) tem dificuldade em aprender os conteúdos de Introdução à Programação, sendo os resultados muito semelhantes aos da questão anterior, o que sugere que as dúvidas e dificuldades que os alunos enfrentam na presença do professor tendem a não ser elucidadas em outros momentos. Baseados nessa dificuldade, a outra questão do questionário versava sobre as razões das dificuldades dos estudantes na aprendizagem dos conteúdos de Introdução à Programação, apresentando (08) oito opções, tendo-se podido assinalar mais de uma. Verificamos que: 03 estudantes disseram que “As aulas eram difíceis de assimilar”; (01) assinalou a alternativa “Você não tinha uma pessoa por perto para tirar suas dúvidas imediatas”; (06) escolheram a opção “Você tinha pouco tempo para estudar os conteúdos necessários”; (02) optaram “Você não gostava da disciplina”; (02) marcaram a alternativa “A metodologia utilizada pelo professor não era adequada”; (02) marcaram “Você não tinha conhecimentos básicos da área de matemática necessários para cursar a disciplina” e (01) alegou “Outras razões”, como a necessidade de trabalhar. Ninguem abordou a opção que tratava sobre o material didático utilizado em sala de aula. Com base nas respostas acima, percebemos que a falta de tempo para estudar foi a mais apontada pelos sujeitos da pesquisa. Ao conversar com os estudantes sobre essa dificuldade, entendemos que o fato de muitos deles trabalharem ou ainda cursarem o Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003841 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Ensino Médio interfere no tempo destinado aos estudos dos conteúdos da disciplina de Introdução à Programação. Conscientes das suas dificuldades de aprendizagem, os estudantes, quando perguntados sobre a forma de superação das mesmas, apontam a necessidade de dedicação aos estudos dos conteúdos, além da importância de participar da monitoria. Na realidade, mesmo sendo uma disciplina que tem monitor, nem todos a frequentam (apenas quatro dos respondentes afirmaram esclarecer dúvidas com o mesmo). Quanto à entrevista realizada com o professor da disciplina, ela contribuiu na busca de evidências que estivessem relacionadas às dificuldades de aprendizagem dos estudantes na disciplina de Introdução à programação. O professor ofereceu uma visão mais ampla dos problemas, objetivos e importância da disciplina. Inicialmente, perguntamos ao professor da disciplina Introdução à Programação as razões que levam os estudantes a sentirem dificuldade de aprender os conteúdos da referida disciplina. Ele apontou como principal aspecto a precariedade de conhecimentos básicos em matemática e português que deveriam ser adquiridos no ensino básico. Para ele, os discentes têm dificuldade de ler e interpretar textos simples, competência importante para compreender problemas de lógica e programação. Como podemos observar no seguinte depoimento: Os alunos estão entrando com nível muito baixo. [...] A maior parte dele, entra com a bagagem de matemática básica e português muito fraca. Essas duas disciplinas são essenciais para que você tenha um bom desenvolvimento em qualquer outra disciplina. Português porque você tem que entender e a programação, no caso aí, você passa problemas para ele resolver. Então, às vezes, eles têm a dificuldade de entender a pergunta, certo? Para o professor, o processo de ensino-aprendizagem tem demonstrado ser difícil, principalmente, pelos problemas advindos do sistema de ensino básico. Analisando o perfil dos alunos, verifica-se que muitos deles ingressam no curso técnico ainda cursando o 1º ano do Ensino Médio e, devido às lacunas da sua formação escolar, carece de conhecimentos abstratos sobre as áreas científicas (matemática, por exemplo) e português. Assim, o professor afirma que quando os estudantes se deparam “com a Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003842 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 descrição textual dos enunciados dos problemas apresentados nessa disciplina, geralmente, encontram dificuldades em identificar como extrair as informações necessárias para iniciar a solução de problemas”. A concepção do professor em torno das razões das dificuldades de aprendizagem dos estudantes em sua disciplina também nos remete ao pensamento de que aprender programação está relacionado com a pré-disposição de entender os conteúdos dessa área, como se fosse um “dom” dos indivíduos: Às vezes a pessoa consegue entrar, ganhou a vaga, mas ela não tem perfil do curso. Para todo tipo de atividade você tem que ter o perfil [...] Não é questão de inteligência, é questão de afinidade, certo? Porque as inteligências são múltiplas, você pode se dar bem numa área e noutra área não se dar bem e eu vejo muito isso no nosso curso. Tem pessoas que, realmente, não tem o perfil para aquilo, você tá entendendo? Eu não vou dizer isso para o aluno. Tudo na vida você pode aprender, mas ele vai ter muita dificuldade, vai ser muito doloroso. Ele pode aprender aquilo ali, mas com uma carga de sofrimento imenso. Se de repente ele fosse para outra área, ele seria muito mais feliz. O posicionamento do professor deixa entrever que o sucesso na disciplina de Programação depende, exclusivamente, do estudante, do seu esforço nas aulas, das suas habilidades pessoais, não percebendo o impacto positivo que sua atuação profissional pode provocar na construção de conhecimentos dos sujeitos. O desestímulo em relação aos estudos também foi apontado pelo professor diante das dificuldades de aprender dos estudantes: “A maioria deles não estuda. Aí eu digo que não tem como você aprender só em sala de aula”. Associado a isso, o professor acrescenta que a natureza da disciplina aumenta a dificuldade na aprendizagem dos conteúdos: “Essa disciplina é muito encadeada, cada aula você aprende uma coisa que vai servir para a próxima. E eu aviso para eles, se você perder uma aula, o que vai acontecer com você? Você vai ficar perdido na próxima aula. Ai você já vai ter mais dificuldade”. Diante das questões apresentadas sobre as dificuldades de aprendizagem dos estudantes na disciplina de Introdução à Programação, o professor foi questionado sobre suas contribuições para o sucesso do desempenho dos mesmos. Ele enfatiza que prepara suas aulas, elabora listas de exercícios a serem feitos dentro e fora da sala de aula e Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003843 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 estimula os estudantes a aprofundarem seus estudos, como podemos observar no seguinte depoimento: “Eu me preparo para dar uma boa aula e penso em exercícios... eu já tenho as listas preparadas, mas às vezes eu faço alguma diferente, ok? Eu desafio os alunos. Eu estimulo muito a questão de você resolver, eu dou uma pontuação para eles responderem as questões...” A estratégia utilizada pelo professor para motivar os estudantes à aprendizagem revela que sua prática está fundamentada numa concepção ambientalista de aprendizagem, mesmo sem ter clareza dessa concepção. Nessa teoria, o comportamento desejado acontece por meio de estímulos do ambiente a fim de controlá-lo, a partir da freqüência em que aparece. Na situação aqui analisada, a aprendizagem dos estudantes é o comportamento esperado pelo professor e a pontuação nas atividades propostas por ele significa o estímulo para o alcance de seus objetivos. Dessa maneira, quanto mais os estudantes participarem dessas atividades mais terão oportunidade de terem bom desempenho. O professor ainda acrescenta que o rendimento satisfatório de alguns estudantes de sua disciplina está associado ao fato dos mesmos não terem dificuldades de aprendizagem, especialmente, em matemática, além de ser participativo na realização das atividades propostas: [...] os alunos que estão bem tem exatamente esse perfil, eles não tem grandes dificuldades matemáticas, eles prestam atenção na aula, não conversam durante as aulas e na aula seguinte ele chega para mim e diz: professor, eu não consegui fazer esse exercício aqui. Ele tenta fazer em casa, certo? Ele leva a dúvida. Ele estuda em casa. Às vezes quando ele trás, eu digo: ‘rapaz é só isso aqui’, o aluno responde: ‘é mesmo professor?’ Aí, ele resolve. Com essa compreensão, o professor mais uma vez retoma ao problema das lacunas na formação básica do estudante, sobretudo, na área de matemática e português. Diante disso, ele é categórico em dizer que não possui competências necessárias para desenvolver as habilidades que os estudantes já deveriam ter desenvolvido ao longo de sua escolaridade: Eu explico as questões, eu resolvo de novo. Mas tem dificuldades, tem habilidades que você adquire não é no momento. Precisa de um longo Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003844 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 tempo para você adquirir. Agora, tem coisa que eu não posso recuperar a habilidade da pessoa de interpretar texto, isso não existe. Eu não sou nem competente para fazer isso. O que eu posso fazer que quando eles têm dificuldade para fazer exercício, eu resolvo, explico, mostro de várias maneiras [...] As dificuldades de aprendizagem que os estudantes sentem são identificadas a partir das avaliações de aprendizagem realizadas pelo professor. A ideia de que o estudante é o principal responsável por sua aprendizagem é mais uma vez reforçada por ele quando afirma que a disciplina tem uma lógica encadeada de conhecimento. Portanto, é o estudante que deve se esforçar para não acumular dificuldades relacionadas aos conteúdos ministrados pelo professor, pois serão base para a compreensão de novos conteúdos: “No final do semestre eles estão aplicando o que eles aprenderam no início. [...] A aula é como uma peça de tijolo que eu vou aumentando a dificuldade. Para compreender esse conteúdo agora, você tem que saber o conteúdo anterior”. A maneira como o professor entende como os estudantes devem assimilar os conhecimentos de sua disciplina revela uma concepção fragmentada de currículo, pois, para ele, os conteúdos devem seguir uma estrutura de seriação, que deve obedecer a uma sequência lógica de apresentação ao longo das aulas. Não há ligações entre os conteúdos, embora um deva ser apreendido antes do próximo e, quando o primeiro não é apreendido não é possível avançar em relação a outros conteúdos. Quando questionado sobre as formas de avaliação dos estudantes, o professor afirma que são tradicionais, como provas, e que, geralmente, cobra os conteúdos ministrados em sala de aula. Uma manifestação marcante da avaliação como um momento de determinação de nota pelo processo de medida é vivenciada em um de seus depoimentos: A turma no comportamento está até boa, mas está fraca. A prova não foi difícil, eu consigo até dizer que ela foi mais fácil do que no semestre passado. Esperava que as pessoas tirassem nota maior, eu dei até tempo a mais para eles fazerem a prova, passei 4 aulas fazendo exercício, esperava que eles tirassem nota melhor. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003845 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 A surpresa do professor em relação ao baixo resultado dos estudantes nas provas, apesar do “bom comportamento” revela uma concepção reducionista da avaliação do processo educativo dos discentes. Esse momento é considerado como um cumprimento de uma exigência burocrática restando ao estudante sofrer as conseqüências do processo avaliativo: “Com relação à prova, como eu falei, se ele se deu mal, ele vai ter que estudar mais para segunda prova. Realmente eu não faço prova de recuperação. Isso eu não faço”. Diante dos resultados encontrados sobre o tema dificuldades de aprendizagem na disciplina de Introdução à Programação do curso técnico de Informática do IFCE Campus Maracanaú, apresentaremos a seguir as principais considerações deste trabalho investigativo que, com certeza, servirão de pistas para estudos posteriores. CONSIDERAÇÕES Este estudo teve como objetivo detectar os problemas encontrados no processo de ensino-aprendizagem da disciplina de Introdução a Programação do curso técnico de Informática do IFCE, Campus Maracanaú. Os dados revelam que as principais dificuldades apresentadas pelos estudantes, evidenciadas no questionário, dizem respeito à falta de tempo para estudar os conteúdos, metodologia do professor, dificuldade de asssimilação dos conteúdos durante as aulas e falta de conhecimentos básicas da área de matemática necessários para cursar a disciplina. Na opinião do professor da disciplina, as causas de insucesso dos estudantes estão, prioritariamente, centradas no próprio estudante que apresenta deficiência de conhecimentos nas áreas exatas, lacunas advindas da Educação Básica. A partir de seus depoimentos, percebe-se a dificuldade do professor em mudar o quadro de reprovação diante das falhas do Ensino Fundamental e Médio. O cenário trazido pela pesquisa sugere uma reflexão dos procedimentos metodológicos do professor e das formas de avaliação da aprendizagem utilizadas em sala de aula, na tentativa de melhorar os níveis de compreensão dos estudantes. Para tanto, é necessário uma ressignificação de suas concepções em torno do processo de ensino e aprendizagem, implicando no replanejamento da disciplina de Introdução à Programação no curso técnico de Informática. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.003846 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 A partir dessas considerações, vemos confirmadas nossas hipóteses, esperando ter contribuído para a discussão sobre o tema, o que pode vir a trazer benefícios para o processo ensino-aprendizagem da disciplina Introdução à Programação, e para a melhoria dos curso técnico de Informática do IFCE, Campus Maracanaú. REFERÊNCIAS BOOK, A. M. B. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, M. de L. T. 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