Artigo Técnico Pediatria – Novembro / 2007 Depressão em crianças e adolescentes A depressão entre crianças é mais prevalente que se imagina e pouco diagnosticada e tratada, sendo a fluoxetina o único medicamento antidepressivo permitido para os casos moderados ou graves. Fármaco em estudo: Autoria: fluoxetina BHATIA, S.K.; BHATIA, S.C. Depression in children and adolescents. Am Fam Physician. v. 75, p.73-80. 2007. Resumo Introdução Mais de 70% das crianças e adolescentes com desordens depressivas não recebem diagnóstico e tratamento apropriados (problema maior abaixo dos sete anos de idade, pela dificuldade de expressar emoções). É comum crianças pequenas apresentarem somatização, como dores generalizadas, de cabeça ou de estômago. Depressão prejudica o crescimento, desenvolvimento, performance escolar e relacionamentos interpessoais, podendo até ser fatal (depressão major é uma grande causa de suicídios entre jovens). FATORES DE RISCO PARA DEPRESSÃO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES • • • • • • História familiar de depressão Sexo feminino Abuso infantil ou eventos estressantes de vida negligenciados Doenças crônicas Certas medicações (ex.: isotretinoína) Fumo Desordens concomitantes Aproximadamente dois terços dos pacientes com depressão importante apresentam outras desordens mentais que devem ser reconhecidas e tratadas, as mais comuns são: desordens distímicas, ansiedade, déficit de atenção/hiperatividade, comportamento desafiador/oposicional, abuso de drogas. Apresentação A depressão juvenil pode manifestar-se de diferentes formas. Crianças abaixo dos sete anos, têm inabilidade de descrever o estado de humor, podendo relatar apenas sintomas somáticos vagos como dores. O humor irritável pode causar nervosismo e hostilidade. A desatenção, baixa concentração e ansiedade podem simular desordens de déficit de atenção/hiperatividade. Abuso de substâncias pode ser uma forma de automedicação. Diagnóstico Critérios para episódios de depressão em adultos, crianças e adolescentes Adultos crianças e adolescentes 1 (A). Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estão presentes juntos durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança do funcionamento prévio; ao menos um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer. (1) Humor deprimido na maior parte do dia, quase todo dia, percebido subjetivamente (e.g., sensação de tristeza ou vazio) ou observação de outros (ex., parece choroso). O humor pode ser deprimido ou irritável. Crianças com desenvolvimento cognitivo-lingüístico imaturo podem ser incapazes de descrever seu estado de humor interno, conseqüentemente, podem apresentar queixas físicas vagas, expressão facial triste ou um pobre contato ocular. Humor irritável pode manifestar-se como interações hostis. Os distúrbios de humor semelhantes aos adultos podem ocorrer em adolescentes mais velhos. (2) Interesse ou prazer muito diminuídos por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todo dia (percebido subjetiva ou observacionalmente). Perda de interesse pode ser por jogos de grupo ou atividades escolares. (3) Perda importante de peso sem dieta ou ganho de peso. (ex.: mudança de mais de 5% do peso em um mês, redução ou aumento do apetite todos os dias). (4) Insônia ou hipersonia diária similar a adultos. (5) Agitação ou retardo psicomotor diários. Concomitante às alterações de humor pode ocorrer comportamento hiperativo. (6) Fadiga ou perda de energia quase diária. Desistir de jogos de grupos, recusar-se a ir à escola ou faltas escolares freqüentes podem ser sintomas de fadiga. (7) Sensação depreciativa ou de culpa (pode ser ilusória) quase diária. Crianças podem apresentar autodepreciação (ex.: “Sou um estúpido,” “Sou um retardado”). (8) Inabilidade de pensar ou concentrar, ou indecisão, quase todo dia (subjetivo ou observado por outros). Problemas com atenção e concentração podem surgir como dificuldades de comportamento ou pobre performance escolar. (9) Pensamentos recorrentes de morte (não só medo de morrer), idéias suicidas recorrentes sem um plano específico, ou uma tentativa suicida ou um plano específico para cometer suicídio. Um comportamento potencialmente suicida pode ocorrer, como doar a coleção favorita de música ou selos. (B). Sintomas não preenchem critério de desordem bipolar mista (como adultos). (C). Sintomas causam stress clinicamente significante ou prejuízo social, ocupacional ou outra área importante de funcionamento. Prejuízo escolar clinicamente significante. Adolescentes também podem ter disfunção ocupacional. (D). Sintomas não são causados por efeitos fisiológicos diretos de uma substância (ex.: droga de abuso, medicação) ou uma condição médica geral (ex.:hipotireoidismo). Similar a adultos. (E). Sintomas não são causados por fato justificável, isto é, perda de ente querido, sintomas persistem por mais de dois meses ou são caracterizados por um prejuízo funcional marcador. Ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor. Sintomas psicóticos na depressão maior grave, se presentes, são mais alucinações auditivas (em geral vozes que criticam o paciente) do que delírios. Adaptado do American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders: DSM-IV-TR. 4th ed. rev. Washington, D.C.: American Psychiatric Association, 2000:356. FATORES DE RISCO PARA SUICÍDIO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Biodemográficos: adolescência tardia até o início dos 20 anos, sexo feminino e etnia branca. História: Presença de depressão, abuso de substâncias, desordens de conduta, fatores estressantes ou perdas, abuso físico ou sexual, comunicação mínima com os pais. História de comportamento suicida: Pensamentos e plano suicida, tentativa suicida prévia, história familiar de suicídio e depressão, fácil acesso a armas de fogo ou substâncias tóxicas. Efeito de contágio: acontecimento de suicídio recente próximo ao adolescente, como na escola. Tratamento A opção terapêutica dependerá da situação clínica e pode incluir terapia comportamental cognitiva sozinha ou associada a antidepressivos. 2 O uso de antidepressivos deve ser feito após consentimento formal e o progresso clínico deve ser monitorado de perto, especialmente no início do tratamento (acompanhamento semanal no primeiro mês, quinzenal no segundo e conforme o necessário daí em diante). Antidepressivos Os antidepressivos tricíclicos são inefetivos em crianças e têm efetividade limitada em adolescentes, com segurança duvidosa em ambos os grupos. Há evidência de efetividade dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (SSRIs). O único destes fármacos com perfil de custo/benefício favorável ao uso em crianças foi a fluoxetina. A fluoxetina é o único SSRI aprovado pelo FDA para tratamento de depressão em crianças dos oito aos dezessete anos de idade, sendo o único fármaco a ser considerado no tratamento de depressão moderada a severa nesta faixa etária. Têm-se demonstrado que outros SSRIs induzem ao suicídio nesta população e não há um corpo de evidências suficiente para descartar que este seja um efeito da classe. (Crianças em uso de antidepressivos devem ser monitoradas de perto quanto ao seu potencial suicida). Duração e manutenção do tratamento A intervenção deve ser precoce. A duração do tratamento depende do número de episódios prévios de depressão. Um mínimo de seis meses de tratamento é recomendado no primeiro episódio, reduzindo gradualmente a dose do fármaco nas próximas seis a oito semanas para minimizar o risco de síndrome de abstinência. Para posteriores episódios, pelo menos um ano de tratamento deve ser dado. Pacientes com mais de três episódios prévios de depressão devem ser tratados indefinidamente, especialmente se os episódios são graves ou têm características psicóticas ou suicidas. A dose mínima na qual os sintomas são aliviados costuma ser a dose de manutenção. Leitura Sugerida 1. 2. Hazell P Depression in children and adolescents. Clin Evid v.12, p. 427-42, 2004. Whittington CJ, Kendall T, Fonagy P, et.al. Selective serotonin reuptake inhibitors in childhood depression: a systemic review of published and unpublished data. Lancet 363: 1341-5, 2004. Exemplificação da fórmula 1. Fluoxetina– gotas Fluoxetina....................20 mg / 1mL Solução oral.................qsp Mande.....gotas. Posologia: a critério médico. 2. Fluoxetina– solução Fluoxetina................... 20 mg / 5mL Solução oral.................qsp Mande.....ML. Posologia: a critério médico. As exemplificações de formulações contidas neste artigo são apresentadas como sugestão, podendo ser modificadas a critério médico. 3 Farmacologia Resumida Fármaco Classe Terapêutica Indicações Principais Interações Medicamentosas Principais Reações Adversas Principais Fluoxetina Antidepressivo Agente antiobsessivo Agente antibulímico e antipsicótico • Depressão maior (tratamento): a fluoxetina é indicada para o tratamento da depressão maior. O tratamento de episódios agudos requer tipicamente 6 a 12 meses de terapia antidepressiva. Pacientes com depressão crônica ou recorrente podem necessitar de tratamento de longo prazo. • Transtorno obsessivo compulsivo (TOC) (tratamento): a fluoxetina é indicada para o tratamento de obsessão e compulsão em pacientes com TOC. • Bulimia nervosa (tratamento): a fluoxetina é indicada para o tratamento da compulsão alimentar e vômitos em pacientes com moderada ou severa bulimia nervosa. • Transtorno do pânico. • Distimia. • Fase depressiva do transtorno bipolar (embora efetiva, a preferência é por um dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) com meia-vida menor – sertralina, paroxetina ou citalopram, pois em caso de virada maníaca é mais rápida a retirada). • Com triptofano e lítio podem ocorrer reações do tipo síndrome serotoninérgica. • Com diazepam pode haver prolongamento da meia-vida desse fármaco. • Fármacos que se ligam fortemente às proteínas plasmáticas (cumarina, digitoxina) podem concorrer com a fluoxetina nessa ligação, aumentando o risco de efeitos adversos de um ou de outro fármaco. • Evitar o uso concomitante Mais comuns: anorexia; ansiedade; cefaléia; diarréia; diminuição do apetite; fadiga; inquietude; dor epigástrica; insônia; perda de peso; náuseas; nervosismo. • Menos comuns: Erupções cutâneas; reações anafiláticas; leucopenia assintomática; confusão mental; idéias suicidas; discinesias; trombocitopenias; ginecomastia; dismenorréia; sangramento vaginal. Gravidez e Lactação: • Não há comprovação de incidência maior de teratogênese ou de outros problemas em grávidas que utilizaram a fluoxetina do que na população em geral. • É um dos fármacos de escolha quando for indispensável o uso de antidepressivo no primeiro trimestre de gestação. • Não foi observado nenhum tipo de complicação no desenvolvimento neuropsicomotor associado ao uso de fluoxetina. • A fluoxetina aparece em doses baixas (cerca de um quarto da sérica) no leite materno e é considerada segura na amamentação. Crianças: • A fluoxetina vem sendo utilizada cada vez mais na infância para o tratamento do TOC em crianças no tratamento da depressão. Os estudos referem ativação comportamental, inquietude, agitação e insônia como reações adversas freqüentes. Precauções de Uso Idosos: • A fluoxetina deve causar perda de peso. • Pode ocorrer uma maior excreção do hormônio antidiurético nos idosos que utilizam fluoxetina. • Cuidado na interação com outros fármacos. Pacientes diabéticos: a fluoxetina pode afetar os níveis de glicose no sangue. O paciente deve ser orientado a contatar o médico se observar alterações nos resultados dos testes de glicemia e glicosúria durante a terapia com fluoxetina. • Descontinuação do uso: se o paciente estiver utilizando o medicamento regularmente por várias semanas, deve ser orientado a não suspender abruptamente seu uso. A suspensão brusca pode agravar as recidivas de depressão ou alterar a manifestação da doença em recidivas. O médico deverá ser consultado acerca da melhor forma de suspender gradativamente o medicamento, antes da suspensão completa do tratamento. 4 Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. United States Pharmacopeial Convention; Drug Information for the Health Care Profissional (USP DI); 20a edição. P.R. Vade Mécum; Brasil, 2000; 6a edição; Câmara Brasileira do Livro. p. 812. Martindale; The Complete Drug Reference; 32a edição; Pharmaceutical; Massachusetts, 1999. Drug Information 2002 – American Society of Health-System Pharmacists®.Bethesda, USA, 2002; pg. 52 – 54. Korolkovas, A.; França, F.F.C.A. Dicionário Terapêutico Guanabara. Edição 2001/2002. Editora Guanabara Koogan. Rio de Janeiro-RJ. Page, C.P.; Curtis, M.J.; Sutter, M.C.; Walker, M.J.A.; Hoffman, B.B.; Farmacologia Integrada; 1a edição; Editora Manole, 1999. Rang, H. P.; Dale, M. M.; Ritter, J. M.; Farmacologia. 5a edição (3ª revisão); Ed. Guanabara Koogan; Rio de Janeiro, 2005. Artigo Técnico Pediatria é parte integrante do SAP®, produto exclusivo da Racine Consultores Ltda. 5