ELETROMAGNETISMO: da magia da eletricidade e do magnetismo à descoberta das ondas electromagnéticas Lucília Brito Departamento de Física da Universidade de Coimbra PARTE I ✔ Algumas considerações sobre a evolução da eletricidade e do magnetismo; ✔ A interação eletromagnética no quadro das interações fundamentais; ✔ A lei de Coulomb: aplicações; ✔ O campo elétrico criado por diversas distribuições de cargas; ✔ Linhas do campo elétrico; lei de Gauss; ✔ Energia potencial eletrostática; relação entre campo elétrico e potencial elétrico; ✔ Condensadores e dielétricos. No Princípio foi assim… ★ Muito espanto, algum temor, muito mistério, muita magia: “Os deuses estão em todas as coisas, magnetes e âmbar ambos têm uma alma que lhes confere o poder de atrairem as coisas” Thales de Mileto, no ano 600 a. C. “Foi de casa em casa a arrastar dois lingotes metálicos, e toda a gente ficou espantada ao ver como as caldeiras, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam dos seus lugares … e até os objectos perdidos há muito tempo apareciam por onde mais se procurara e arrastavam-se em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades. “As coisas têm vida própria”, apregoava o cigano com sotaque áspero, “é tudo uma questão de lhes acordar a alma” Cem anos de solidão, G. Garcia Marquez No Princípio foi assim… ★ A observação das trovoadas e o desejo de poder armazenar aquela força (?), aquela energia (?), aquele fluido (?) que destruía casas e árvores e poder “domesticá-lo” para usar quando e como fosse útil! ★ A observação dos fogos de santelmo (Sant’ Elmo) nos mastros das embarcações e nos extremos das lanças dos soldados, vistos como mensagens de bom augúrio por parte dos deuses… ★ A utilização de pedras-guia pelos chineses nos seus longos percursos por terra e por mar invenção da bússola no século XII. É preciso “tomar notas” sobre as coisas que já sabemos 1600 William Gilbert reuniu na obra De Magnete os relatos das experiências e das observações sobre os fenómenos elétricos e sobre os fenómenos magnéticos Introduziu o termo elétrico para caraterizar materiais que se comportavam como o âmbar (elektron); Sugeriu uma explicação para o comportamento das agulhas magnéticas usadas na orientação pelos viajantes; Deixou-nos a designações de Pólo Norte e Pólo Sul magnéticos… Ao longo do século XVIII ✓ 1746 Peter Musschenbroek: armazenou pela 1ª vez energia elétrica numa garrafa: a garrafa de Leiden foi o 1º condensador; ✓ 1760 Benjamin Franklin instalou o 1º pára-raios na casa de um comerciante de Filadélfia; ✓ 1767 Joseph Priestley ✓ 1771 Henri Cavendish ✓ 1785 Charles Coulomb Estudos quantitativos sobre os efeitos entre corpos carregados: a lei de Coulomb. Esperem para ver: vem aí o século XIX … ✓ 1800 Alessandro Volta inventou a pilha; ✓ 1813 Humphry Davy inventou a lâmpada de arco; ✓ 1820 Hans C. Oersted observou o efeito de uma corrente elétrica sobre uma agulha magnética; ✓ 1820 1830 Jean B. Biot e Félix Savart Andre-Marie Ampère Dominique Arago Pierre S. Laplace Estudaram os campos magnéticos criados por circuitos com diversas geometrias; lei de Biot e Savart; lei de Ampère, etc. E ainda não terminou! ✓ 1831 Michael Faraday e H. Lenz descobriram a indução eletromagnética; Joseph Henry ficou (quase) esquecido… ✓ 1865 James Maxwell estabeleceu as equações do campo eletromagnético; unificou o eletromagnetismo com a ótica. ✓ 1887 Heinrich Hertz produziu e detetou ondas eletromagnéticas (ondas hertzianas…) Ah! Ah! Ah! Então só agora é que me descobriram?! Chamo-me eletrão e ando metido em tudo isto desde o princípio … 1897 J. J. Thomson determinou a razão e/m: identificou o eletrão 1909 Robert Millikan determinou o valor da carga do eletrão (carga elementar) A interação eletromagnética no quadro das interações fundamentais importante ao nível de objectos de grande massa importante ao nível da Física Atómica e Molecular importantes ao nível dos núcleos atómicos Mais… sobre as interações fundamentais ★ Gravitacional experimentada por partículas com massa; mediada pelo gravitão… ★ Eletromagnética experimentada pelas partículas com carga elétrica; mediada pelo fotão. ★ Fraca experimentada pelas partículas que têm sabor (quarks e leptões); mediada pelos bosões W+ W- e Z0 (fracões). ★ Forte experimentada pelas partículas que têm cor (quarks); mediada pelos gluões. A unificação das interações fundamentais: como? quando? Gravidade terrestre Gravidade astronómica Eletricidade Interação gravitacional Interação eletromagnética Magnetismo Interação eletrofraca Interação fraca Interação forte Grande interação unificada-GUT A lei de Coulomb: interação entre duas cargas pontuais A lei de gravitação universal O problema das interações à distância… ✔ Como “sabem” as cargas que devem atrair-se ou repelir-se? − Já Newton manifestava grande desconforto em aceitar as interações à distância sem nenhum tipo de mediação; − Uma tentativa de explicar estas ações tinha sido sugerida por William Gilbert: teoria dos eflúvios e das atmosferas através da qual se manifestariam as interações; − Com Descartes o espaço era preenchido pelo controverso éter: as perturbações introduzidas pelos corpos carregados seriam levadas através do éter até aos outros corpos; No início do séc. XIX, Faraday introduziu o conceito de campo para descrever a região de influência de uma determinada fonte: carga, massa, etc. Linhas do campo elétrico Esfera isoladora de raio a carregada com a carga aio a carregada com volume a carga Q uniformemente no seu Esfera isoladora de raio a carregada comdistribuı́da a carga Q uniformemen volume O campo de uma carga pontual � • no interior da esfera, r < a =⇒ E = k Qr ê a3 r Qr � � = k Qr3 êr ra, r < a• =⇒ E = k no interior ada esfera, r < a =⇒ E 3 êr a � = k Q2 êr ✓ Quando uma carga•pontual está na da vizinhança outros no exterior esfera, de r≥ a =⇒ E r objectos carregados, experimenta a força Q Q � � era, r ≥ a• =⇒ E = k no exteriorrda 2 êresfera, r ≥ a =⇒ E = k r 2 êr � F� = q0 E �Se=o qúnico � ✓ F 0 E objecto carregado “por perto” for outra carga pontual 1 q q0 � F = ê 2 4πε0 r 1 q q 0 1 q q 0 � = F êr F� = ê r 2 4πε0 r 4πε0 r2 1 q � E= êr ✓ Assim, o campo criado 2 4πε0 r 1 q por uma carga pontual 1 q � = E êr � tem a expressão E= ê 2 r 4πε0 r 4πε r2 0 Diversas distribuições de cargas… diferentes expressões para o campo elétrico… Campo de um dipolo eléctrico Campo elétrico criado no ponto P(r, θ) A lei de Coulomb e o princípio de sobreposição ✔ sempre possível, mas pode ser trabalhoso … Fluxo do campo elétrico Linha carregada com a densidade uniforme de carga λ Vamos calcular o fluxo do campo elétrico que sai através da superfície fechada! 0 A lei de Gauss para o campo elétrico 1 Q σR (rdistribuição ≤ R) = de cargas permite = ✔ A simetriaVda 4πε0 R ε0 esboçar as linhas do campo; ✔ O fluxo do campo elétrico que atravessa uma superfície fechada deve ser1proporcional à σ Q � = quantidade de R carga que está no interior E(r ê =dessaêr +) = 2 r 4πε0 R+ ε0 superfície. ΦE = � S q int � E · n̂ dS = ε0 Q Q C= = V1 − V2 V Linha carregada com a densidade uniforme de carga λ Plano carregado com densidade uniforme de carga σ Exemplo de um campo uniforme em pontos próximos do plano Esfera isoladora com densidade de carga uniforme ρ Esfera condutora dede raiocargas a carregada com a carga Q uniform Distribuições e campos… Esfera condutora de raio a carregada com a carga Q unifo superfı́cie superfı́cie Campo criado por uma esfera condutora � =0 • no interior da esfera, r < a =⇒ E � =0 • no interior da esfera, r < a =⇒ E � = k Q2 êr • no exterior da esfera, r > a =⇒ E r � = k Q2 êr • no exterior da esfera, r > a =⇒ E r Esfera isoladora de raio a carregada com a carga Q uniform Campo criado por uma esfera isoladora volume Esfera isoladora de raio a carregada com a carga Q unifo volume � = k Qr3 êr • no interior da esfera, r < a =⇒ E a � = k Qr3 êr • no interior da esfera, r < a =⇒ E a � = k Q2 êr • no exterior da esfera, r ≥ a =⇒ E r � = k Q2 êr • no exterior da esfera, r ≥ a =⇒ E r 1/r2 4πε0 r2 1 q 1 q � E ê=r êr cargas � =eletrostática E Energia potencial entre 2 4πε10 r2q 4πε0 r �pontuais E = êr 2 4πε0 r 2 1/r ✔ É necessário realizar trabalho para colocar duas cargas pontuais à distância r uma da outra 1 Uq q0= 1 q q0 p Up = 10 qrq0 4πε0 r 4πε U = p 4πε0 r 1 1 q qq0q0 1 q q0 1 q q0 − Up (rA ) − UUpp(r(rBA))=− Up1(rBq)q= 0 −4πε1 rq q0 rB 4πε0 rB 00 A Up (rA ) − Up (rB ) =4πε0 rA − 4πε 4πε0 rA � � 4πε0 rB � � 11 qq � 1 q q Upp(r (rBA))= −qU0 p (rB )1 = qq0− 1 q −= q0 (VA − = Up (r V A) − U Bq)0 (VA − Up (rA ) − Up (rB ) = q0 4πε0 rA −4πε =4πε q0 (V AB− VB ) r r 4πε r 0 A 0 0 B 4πε r 4πε r �1 0 A 0 B Potencial elétrico criado por diversas distribuições de cargas Carga pontual q 1 q1 q V (r) V=(r) =1 q r 0 Vr (r) = 1 q V (r) =4πε0 4πε 4πε r 4πε0 r 0 Esfera carregada com a carga Q, num ponto exterior à esfera 1 1 Q1Q Q V=(r) V (r) V (r) = = 4πε Vr (r) = 1 Q 4πε 4πε 0 0 rr 0 4πε0 r Linha infinita com a densidade linear de carga λ λ λ λ λ V (r) = − ln r + C V (r) = − ln r + C V+ (r)C= − ln r + C V (r) = − 2πε2πε ln r 2πε0 2πε0 0 0 Placa infinita com a densidade superficial de carga σ σ σ σ V (z) = − z + C σ2ε− V (z) = z (z) + C= − V z+C 0 V (z) = − z2ε +C 2ε0 2ε0 0 1 Q V (r) = 4πε r 10 Q EsferaV (r) condutora carregada com a carga Q = 4πε r 0 em todos os pontos de um condutor em O campo elétrico é nulo equilíbrio; λ V (r) = − ln r + C 2πε λ 0 na superfície A carga distribui-se V (r) = − do condutor; 2πε0 ln r + C σ V (z) é=uma − região z+C O condutor 2εσ0 V (z) = − z+C 2ε0 de potencial constante. 1 Q σR V (r ≤ R) = 1 Q = σ R V (r ≤ R) = 4πε0 R = ε0 4πε0 R ε0 σ 1 Q êr = σ êr 1 Q 2 � = R+ ) = 4πε0 R+ êr = ε0 êr E(r 2 � = R+ ) = E(r 4πε0 R+ ε0 O poder das “pontas” 1 Q σ RE(r = R+ ) = ê = êr 2 r V (r ≤ R) = = 4πε0 1R+Q εσ0 4πε0 R ε0 � E(r = R+ ) = ê = Cêr= 2 r Condensadores e dielétricos 4πε0 R+ � ε0 Q V1 − V2 qqint � � σ 1 Q int Earmazena · n̂E� dS =carga; ΦE = Φque ★ Condensador: sistema de dois condutores para� Q � · n̂ dS = = E E(r = R+ ) = ê = ê r r ε S ε00 Co = � = S 2 carregar o4πε condensador é necessário fornecer energia às cargas R ε 0 0 + V condensador é um reservatório de energia. Q Q C = = QV − V QV � q int Q 1 2 � · n̂ dS = � C= = E ΦE = C = = V − V V ★ A capacidade de um condensador depende da geometria e das 1 2 ε0 S V dimensões do condensador e do material que existe entre os Q condutores (material isolador ou dielétrico). C � = = εr C εr V� Q Q for a permitividade Q εrrC(também � dielétrico ★ Quanto maior relativa do C = = ε C = = chamada dielétrica éa ke no caso estático), � V� � Qmaior V1constante − V2 V capacidade do condensador. C = = εr C V � ★ Capacidade de um condensador: ke Q � C = � = εr C V Q� � Q C� = = εr C V Energia armazenada num condensador O que significa aumentar a capacidade de um condensador? ★ Condensador isolado: Q mantém-se, mas o campo elétrico diminui. ★ Condensador inserido num circuito fechado: O campo elétrico mantém-se, mas o condensador armazena mais carga.