Salário Mínimo: Custo ou Poder de Mercado?

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Salário Mínimo: Custo ou Poder de Mercado?
Gilmar Mendes Lourenço
A elevação do valor do salário mínimo (SM) brasileiro para R$ 415,00, a partir de março de 2008,
representou incremento nominal de 9,2% e real de 4,4%, quando confrontado com os R$ 380,00 até então
vigentes e corrigidos pela taxa de inflação inferior a 5,0%, acumulada nos últimos dozes meses, como
mostram as pesquisas focadas nas operações efetuadas no varejo
Esse procedimento é fruto de negociações realizadas entre as Centrais Sindicais e o governo
desde 2004, materializadas na fixação de uma política permanente de valorização do SM, com base na
adição da inflação passada, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e no
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com defasagem de dois anos, além da antecipação da data
base, em um mês por ano, até alcançar janeiro de 2010.
Como se pode perceber, o montante estipulado ainda estaria bastante aquém dos R$ 1.930,00,
estimados pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), para
cumprimento das exigências do decreto- lei 2.162, de maio de 1940, que instituiu o SM como forma de
suprimento das necessidades de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte dos trabalhadores e
suas famílias. Ainda assim, o novo SM deve injetar diretamente mais de R$ 20,0 bilhões no mercado até o final
do ano, incluindo o pagamento do décimo terceiro salário, e adicionar R$ 5,0 bilhões nas despesas líquidas da
previdência social, já descontada a previsão de aumento de arrecadação.
Em moeda norte-americana, as cifras do SM do País atingem entre US$ 240,00 e US$ 260,00,
conforme a trajetória da taxa de câmbio até o final do corrente exercício, suplantando, em larga medida, a
emblemática meta de US$ 100,00, fixada desde 1994, e colocando o Brasil na liderança do ranking dos
maiores pisos de remunerações da América Latina, ao lado da economia chilena.
Ressalte-se que tal objetivo fora cumprido ainda em 1995, por vias tortas, em face da pronunciada
sobrevalorização do real, derivada da estratégia de juros reais estratosféricos, praticada pelo Banco
Central (BC), o que provocou acréscimo meramente artificial na cotação do SM, desatrelado de ganhos
significativos no poder de compra dos trabalhadores de baixa renda, cujos proventos mensais cobriam
menos que uma cesta básica.
Com o ajuste macroeconômico realizado em 1999, como condição necessária ao enfrentamento
dos ataques ao real, em razão dos efeitos da moratória russa, decretada em agosto de 1998, retardado
pela predominância dos interesses eleitorais vinculados à reeleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC)
à Presidência da República, e pela administração conservadora do movimento de especulação financeira
deflagrado pelo risco Lula, a desvalorização da moeda brasileira abortou o curso de recomposição do SM.
No estágio atual, a construção de saldos positivos e crescentes na balança comercial, associados à
recuperação da economia mundial, depois do curto ciclo recessivo imposto pela crise do mercado
acionário da terceira revolução industrial (bolsa de Nasdaq), que ocorreu em 2000, e dos atentados
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terroristas às torres gêmeas,
World Trade Center (WTC), em setembro de 2001, e somados aos
diferenciais de juros favoráveis ao ingresso de capitais de curto prazo, também seriam responsáveis pela
produção de cenários de apreciação cambial.
Aliás, ao manter as maiores taxas reais de juros básicas do mundo, próximas de 7,0% ao ano, em
regime de precária regulamentação das transações financeiras (incluindo a cobrança de tarifas), o Brasil
transformou-se em campo fértil para a colheita de apreciáveis ganhos bancários. De acordo com a
Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as 101 instituições financeiras operantes no país registraram
lucros de R$ 45,4 bilhões em 2007, contra R$ 33,4 bilhões em 2006. Com isso, a rentabilidade (lucro
sobre patrimônio) dos conglomerados passou de 22,9% em 2006 para 25,2% em 2007.
Esses episódios, ainda que de natureza estrutural, poderiam obscurecer o flagrante fenômeno de
restauração da capacidade de aquisição de bens de consumo não duráveis (alimentos, remédios, bebidas
e produtos de higiene) e semiduráveis (tecidos, confecções, artefatos de couro, etc.), conferido ao SM
desde a estabilização monetária. Esta teve início em março de 1994, com a eliminação da hiperinflação
indexada, por meio da introdução da Unidade Real de Valor (URV), que resgatou as funções clássicas de
unidade de conta e reserva de valor, exercidas por qualquer padrão monetário em condições de equilíbrio
do sistema econômico, situação incompatível com regimes de estagflação (inflação e recessão).Não seria
estagnação em vez de recessão?
Tanto é assim que os patamares de SM reais subiram quase 70,0% desde o lançamento do real, em
julho de 1994, e quase 40,0% desde 2004, o que lhes permite suportar cerca de duas cestas básicas, se forem
adotados como deflatores de referência os índices ao consumidor, apurados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São
Paulo (FIPE-USP). São eles, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o INPC, pesquisados
pelo IBGE, e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da capital paulista, acompanhado pela FIPE.
O IPCA reflete as variações dos preços dos bens e serviços consumidos por famílias com renda
mensal urbana entre 01 e 40 salários mínimos, independentemente da fonte; o INPC capta a evolução do
valor de uma cesta de produtos consumidos por famílias com rendimento entre 01 e 08 salários mínimos,
provenientes exclusivamente do trabalho assalariado urbano; e o IPC calcula a variação de preços de
bens e serviços para famílias que ganham entre 01 e 20 salários mínimos no município de São Paulo.
Em outros termos, imputar a elevação do potencial de demanda do SM exclusivamente aos
reajustes reais definidos pelo governo federal, durante o intervalo de tempo compreendido entre 1994 e
2007, representa uma simplificação da análise da conjuntura econômica brasileira. Contudo, é crucial
sublinhar que a tática de efetivação de variações reais ao valor do SM não ocasionou qualquer distúrbio
macroeconômico colateral relevante, como a ampliação das taxas de desemprego e de informalidade e a
ampliação dos desequilíbrios nas finanças públicas.
De fato, o SM e outros programas de transferência direta de renda, vêm interferindo decisivamente na
ativação mais robusta de algumas variáveis de crescimento, particularmente emprego e salários, o que, ao
lado da recuperação do crédito (redução das taxas e alargamento dos prazos de pagamento) explicam o
delineamento do desvio do eixo de expansão da economia do país do front externo para o interno.
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A otimização desse panorama depende da retomada auto-sustentada da taxa de investimento
(máquinas, equipamentos, instalações, infra-estrutura) e do conseqüente alargamento dos níveis de
produção e produtividade interna do aparelho produtivo. Não sendo isso feito, as majorações salariais
servirão somente de álibi para o regresso dos riscos de inflação de oferta, reproduzidos na alteração para
cima da matriz de custos privados e na redução das margens, o que minaria a competitividade microeconômica, já suficientemente afetada por elementos cambiais, tributários, financeiros (juros), infraestruturais e tecnológicos (ciência e tecnologia).
Do lado do setor público, emergem os receios de ocorrência de inflação de demanda, materializados na
estratégia intransigente de manutenção dos vultosos superávits primários, capazes de, ao mesmo tempo,
assegurar as circunstâncias de solvência da dívida pública interna, o atendimento do apetite dos respectivos
credores e a insuficiência das inversões na deteriorada rede de infra-estrutura brasileira.
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