A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO ASPECTOS DEMOGRÁFICOS, GEOGRAFIA DO CRIME E TIPOLOGIA SOCIOESPACIAL Análise da Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV, Espírito Santo PABLO LIRA1 Resumo: Este artigo analisa a segurança pública, segundo a organização e estrutura social, a partir da criminalidade violenta urbana. Nos últimos anos no estado do Espírito Santo, Brasil, a atuação integrada, recomposição, investimento e qualificação do efetivo policial e implementação de mecanismos e sistemas de inteligência e tecnologia no campo da segurança pública e defesa social veem favorecendo a redução da taxa de homicídios. Mesmo assim, ao longo das três últimas décadas, os homicídios capixabas mostram-se potencialmente concentrados na Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV. A distribuição espacial dos crimes na RMGV não ocorre de maneira homogênea pela trama urbana, desdobrando-se a partir das desigualdades sociais, econômicas e de infraestrutura. Nessa perspectiva, a análise da organização social do território, bem como dos aspectos demográficos, muito contribui para interpretar possíveis fatores que influenciam as dinâmicas espaciais de crimes registrados na referida área de estudo. Palavras-chave: socioespacial Aspectos demográficos; Geografia do crime; Tipologia Abstract: This paper analyzes the public security, according to the organization and social structure, from the urban violent crime point of view. In last years the state of Espírito Santo, Brazil, integrated operations, recovery, investment and qualification of the police force and implementation mechanisms and intelligence systems and technology in the field of public security and social protection are contributing to reducing the homicides rates. Still, over the past three decades, the Espírito Santo homicides show up potentially concentrated in the Metropolitan Region of Grande Vitória - RMGV. The spatial distribution of crimes in RMGV not occur homogeneously by the urban area, deriving from social, economic and infrastructure inequalities. In this perspective, the analysis of the social organization of territory, as well demographics aspects, contributes to understand possible factors that influencing the special dynamics of crimes recorded in that study area. Key-words: Demographics aspects; Geography of crime; Socio-spatial typology 1 - Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGG da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES; Professor Adjunto da Universidade Vila Velha - UVV; Especialista em Estudos e Pesquisas do Instituto Jones dos Santos Neves - IJSN e Coordenador do Núcleo Vitória do INCT Observatório das Metrópoles. E-mail de contato: [email protected] 473 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1 – Introdução De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 1980 foram registrados no Brasil e Espírito Santo, respectivamente, 11,7 e 15,1 homicídios por 100 mil habitantes. Passados 30 anos, em 2010, essas mesmas taxas mais que dobraram para o caso brasileiro (27,4 homicídios por 100 mil habitantes) e mais que triplicaram para o caso capixaba (51,0 homicídios por 100 mil habitantes), evidenciando a necessidade da priorização da segurança pública no planejamento, nas políticas, nas ações e na mobilização da sociedade, com a finalidade de redução dos índices de violência criminal. Crime, delitos, infrações, desvios ou qualquer tipo de comportamento humano que possa ser caracterizado como transgressão são eventos que de alguma forma, com maior ou menor intensidade, violam normas sociais ou regras legais - instituídas por leis. Em suma, são eventos que além de motivar e demandar explicações sobre porque acontecem, requerem ou mesmo exigem intervenções coercitivas e punitivas por parte do Estado, mas também políticas públicas e ações da sociedade voltadas para a prevenção primária (avanços no campo da educação, saúde, assistência social, habitação e outras áreas), prevenção secundária (intervenções no desenho arquitetônico e urbanístico, ordenamento territorial, implantação de sistema de vídeo-monitoramento nas ruas e imóveis, policiamento ostensivo, entre outros) e prevenção terciária (programas de diminuição de reincidência criminal e ressocialização de internos do sistema prisional). De causalidades e motivações múltiplas, o comportamento caracterizado como desviante da normalidade, nas suas variadas formas de expressão, desde o pequeno delito ao crime de morte, não deve ser, portanto, visto e interpretado na perspectiva apenas do indivíduo enquanto indivíduo, mas sim enquanto resultado de complexas relações deste em grupos sociais e ambientes específicos. O controle do comportamento desviante, portanto, deve combinar um conjunto amplo de ações preventivas e repressivas. E se o objetivo de qualquer sociedade é reduzir o número de eventos indesejáveis, a exemplo dos homicídios, que comprometem a segurança de pessoas e da sociedade, torna-se fundamental 474 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO promover, principalmente, iniciativas no campo da proteção social, segurança pública e justiça criminal. Na perspectiva da segurança pública e justiça criminal, alguns avanços se fizeram perceptíveis na última década e se intensificaram nos últimos anos, a saber, atuação integrada das agências de segurança pública, recomposição do efetivo policial, investimento na formação e qualificação contínua dos profissionais de segurança pública, ampliação do número de delegacias, incremento e modernização do sistema prisional, construção e expansão do Centro Integrado Operacional de Defesa Social - CIODES, implementação de mecanismos e sistemas de inteligência e vídeo-monitoramento, construção e aquisição equipamentos de laboratórios técnico-científicos de investigação e sistematização do mapeamento criminal por meio de geotecnologias, entre outros. Com base nos dados georreferenciados do mapa do crime da Gerência de Estatística e Análise Criminal - GEAC da Secretaria de Estado de Segurança Pública - SESP, este texto busca analisar possíveis correlações espaciais entre as estatísticas criminais e a organização social do território, por meio dos produtos cartográficos da tipologia socioespacial, que possibilita uma aproximação da organização social do território e foi desenvolvida, no âmbito da rede de pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - INCT Observatório das Metrópoles (RIBEIRO; RIBEIRO, 2011). Além dessa introdução, o texto é composto por mais 4 seções que desenvolvem um breve diagnóstico dos dados de segurança pública no estado do Espírito Santo e em especial na Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV2 e uma análise espacial dos crimes e da tipologia socioespacial. 2 – Um breve diagnóstico sobre os aspectos demográficos dos homicídios No ano 2000, foram registrados 50,8 homicídios por 100 mil habitantes no estado. Em 2009, este indicador alcançou o patamar de 58,3 homicídios por 100 mil 2 A Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV é composta pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. Com exceção de Fundão e Guarapari, os demais municípios da RMGV formam a Aglomeração da Grande Vitória, que se caracteriza como uma típica conurbação. 475 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO habitantes. De 2000 a 2009, a taxa de homicídio evidenciou um aumento médio de 1,6% ao ano. Desde 2009, os índices de homicídios dolosos do estado destacam uma tendência de redução. De 2010 (52,5 homicídios por 100 mil habitantes) para 2011 (48,2 homicídios por 100 mil habitantes) foi computada uma redução de 8,1% na taxa de homicídios dolosos. Em 2012, esta tendência de redução foi mantida com o registro de 46,4 homicídios por 100 mil habitantes. De 2009 até 2012, o estado destacou uma redução de 20,4% na taxa de homicídios, o que representou uma diminuição de 374 vítimas de homicídios dolosos, sendo que em 2009 foram computadas 2.034 vítimas e em 2012 foram registradas 1.660 vítimas. Apesar da taxa de 46,4 homicídios por 100 mil habitantes ser a menor dos últimos 15 anos, este ainda não é um indicador favorável de segurança pública. A taxa nacional de homicídios é praticamente duas vezes menor do que a taxa capixaba. Nesse sentido, os esforços no campo do enfrentamento e prevenção da violência merecem ser cada vez mais integrados e potencializados, sobretudo, nas áreas de maior vulnerabilidade social e que registram historicamente os maiores índices de criminalidade. A tendência de redução da taxa de homicídio é, em larga medida, resultado das ações de enfrentamento qualificado e prevenção da criminalidade, executadas tanto pelos órgãos policiais quanto pelas demais instâncias governamentais. Como visto, esta estratégia se demonstrou eficiente e eficaz em casos de destaque internacional, contudo a efetiva redução dos índices de violência não ocorre de maneira súbita e imediata. As experiências de Nova Iorque e Bogotá demonstram que resultados positivos no campo da segurança pública devem ser galgados com persistência e inteligência, integrando esforços no campo da proteção social e investimentos em infraestrutura, tecnologia e inteligência policial. 476 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO Taxa de homicídio (por 100 mil hab.) DE 9 A 12 DE OUTUBRO 70,0 60,0 50,8 50,4 55,4 54,8 53,1 49,9 53,4 53,8 56,5 58,3 52,5 48,2 46,4 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Figura 1 - Taxa de homicídio doloso por 100 mil habitantes - Espírito Santo 2000-2012 Fonte: SESP; SEAE, 2013. As taxas nacional e capixaba possuem em comum o mesmo padrão demográfico, isto é, perfil de vítima de homicídio, ou seja, jovens do sexo masculino, com idade entre 15 a 29 anos, e geralmente assassinados por arma de fogo. No Espírito em 2012, 90,7% das vítimas, dos 1.660 homicídios dolosos registrados, eram do sexo masculino. A taxa masculina de homicídios foi de 85,5 por 100 mil homens, enquanto a feminina foi de 8,5 por 100 mil mulheres3. Ainda tomando como base o Espírito Santo no ano de 2012, identifica-se que o grupo etário de 15 a 29 anos responde por mais de 60% dos homicídios dolosos registrados4. Os recortes de 15 a 19, 20 a 24 e 25 a 29 anos evidenciam as maiores taxas de homicídios por faixas etárias no Espírito Santo, de acordo com a Figura 3. 9,3% 90,7% Masculino Feminino Figura 2 - Participação percentual de homicídio doloso, por gênero - Espírito Santo 2012 Fonte: SESP; SEAE, 2013. 3 Utilizando dados do Ministério da Saúde de 2011 constata-se que o percentual de homicídios masculinos e femininos no Brasil foi de, respectivamente, 91% e 9%. A taxa brasileira de homicídios masculina foi de 50,5 por 100 mil homens, enquanto a taxa de homicídios feminina foi de 4,6 por 100 mil mulheres. 4 Em 2011, os jovens no grupo etário de 15 a 29 anos responderam por mais de 52% dos 52.200 homicídios registrados no Brasil (Ministério da Saúde). 477 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO 2,52 4,57 acima de 80 11,32 65 a 69 75 a 79 14,51 60 a 64 10,91 16,35 55 a 59 70 a 74 22,72 37,68 45 a 49 50 a 54 42,79 52,05 35 a 39 40 a 44 56,44 30 a 34 81,60 25 a 29 115,37 20 a 24 8,67 10 a 14 118,18 0,90 5a9 15 a 19 2,92 140,0 120,0 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 0,0 0a4 Taxa de homicídio por 100 mil (segundo as faixas etárias) DE 9 A 12 DE OUTUBRO Faixa etária Figura 3 - Taxa de homicídio doloso por 100 mil habitantes, segundo as faixas etárias Espírito Santo 2012 Fonte: SESP; SEAE, 2013. 3 – Região Metropolitana da Grande Vitória - RMGV: violência metropolitana De acordo com Lira e Sampaio (2011), a participação relativa da RMGV e dos demais municípios no total de homicídios registrados no estado ao longo das últimas três décadas revela fases distintas. Durante a década de 80, os Demais Municípios evidenciavam uma maior participação percentual nos homicídios. Os municípios que compõem hoje a RMGV passaram a apresentar uma maior representatividade no total de homicídios registrados a partir da década de 90. Nas duas últimas décadas, os homicídios capixabas mostraram-se concentrados na RMGV. Entre 1999 e 2005 os municípios que hoje compõem a RMGV chegaram a concentrar 75,4% dos homicídios do Espírito Santo. Desde 2005, essa participação relativa vem reduzindo, até alcançar o percentual de 63,7% em 2010. 80% 70% 75,4% 65,8% 63,7% 34,2% 36,3% 60% 50% 40% 30% 20% 24,6% 10% 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 0% RMGV Demais Municípios Figura 4 - Participação relativa dos homicídios, segundo região - Espírito Santo 1979-2010 Fonte: MS; SESP, 2010. 478 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Esse padrão de concentração dos homicídios deriva, sobretudo, do processo de urbanização do Espírito Santo que se evidenciou centrado e concentrado na atual área da RMGV, que congrega aproximadamente 48% da população estadual. A organização socioespacial observada hoje nessa região é, em grande parte, reflexo da acumulação histórica dos processos desencadeados a partir da década de 70, cujos quais promoveram significativas alterações nas estruturas sociais, econômicas, demográficas, dentre outras. Diversos fatores estruturais, a saber, inchaço populacional, ineficiência de planejamento urbano e políticas sociais adequadas, degradação urbana, acirramento das desigualdades socioeconômicas e segregação socioespacial se correlacionaram nas décadas posteriores à urbanização da década de 70 e passaram a influenciar o aumento dos índices criminais na RMGV. Para analisar esses índices foram confeccionados dois mapas de concentração criminal, por meio do método de densidade de kernel, que favorecem a identificação dos hotspots ou manchas quentes de crimes (SILVERMAN, 1986). O primeiro apresenta a concentração dos crimes de homicídios dolosos e o outro dos crimes de roubos a pessoa em via pública, de residência/condomínio e de veículo. Assim o geoprocessamento, implementado por ferramentas do Sistema de Informação Geográfica - SIG, dos crimes violentos contra a pessoa e contra o patrimônio é analisado e correlacionado com a tipologia socioespacial de 2010 (RIBEIRO; RIBEIRO, 2011). Nesse sentido, os registros criminais foram trabalhados tendo como recorte temporal este mesmo ano. 4 – Análise espacial dos crimes e da tipologia socioespacial na RMGV Em 2010, a RMGV registrou 1.175 homicídios dolosos. O mapa dos homicídios dolosos demonstra que aglomerados (clusters) de bairros de Serra (grandes Planalto Serrano e Carapina, Feu Rosa e Vila Nova de Colares), Vitória (grande São Pedro e conjunto de bairros da Ilha do Príncipe e seu entorno), Vila Velha (conjuntos de bairros de São Torquato, Primeiro de Maio, Divino Espírito 479 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Santo, Terra Vermelha e seus entornos) e Cariacica (conjuntos de bairros de Flexal, Bela Aurora e seus entornos) evidenciaram alta concentração de crimes letais. No ano de 2010, a RMGV computou 8.271 roubos a pessoa em via pública, de residência/condomínio e de veículo. O mapa dos roubos apresenta os clusters de Vitória (Enseada do Suá, Praia do Canto, Barro Vermelho, Jardim da Penha, Centro e Parque Moscoso), Vila Velha (Praia da Costa, Centro, Praia de Itaparica, Coqueiral de Itaparica e Cobilândia) e Cariacica (conjunto de bairros de Campo Grande e seu entorno) com alta concentração de crimes violentos contra o patrimônio. Insta ressaltar que a causalidade da criminalidade violenta, devido à sua complexidade, nunca se deve a um único fator, mas sempre a um conjunto de fatores. Outra observação importante diz respeito às correlações espaciais. A identificação de uma correlação geo-estatística entre duas variáveis, não implica, necessariamente, que uma delas tenha como consequência a outra. Uma correlação geo-estatística aponta para a existência de uma relação espacial entre dois fatores. O nexo causal entre estes pode ser estabelecido por meio do desenvolvimento de análises com outras variáveis, aprofundamento empírico, exploração da literatura especializada e de estudos de casos em outras unidades geográficas que corroboram ou não as correlações identificadas. A análise cartográfica conjugada dos mapas de homicídios dolosos (Figura 5) e de roubos (Figura 6) permite identificar certa correlação espacial negativa dos hotspots criminais, ou seja, a criminalidade violenta destaca comportamento diferencial para os delitos analisados. Os clusters de bairros que apresentaram altos níveis de concentração de homicídios dolosos, na maioria dos casos, não computaram altos níveis de concentração de roubos. Esse padrão de distribuição espacial dos crimes pode ser influenciado por uma série de fatores ligados à dinâmica criminal, aspectos demográficos, estrutura socioeconômica e características do meio e infraestruturas urbanas (problemas de iluminação dos espaços públicos, espaços residenciais desprovidos de elementos de segurança, terrenos abandonados que propiciam locais de esconderijo para infratores etc.). Ao analisar o comportamento espacial dos crimes de homicídios e roubos, tendo a tipologia socioespacial da RMGV (Figura 7) como pano de fundo, constata- 480 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO se que a estrutura social e a organização social do território evidenciam indícios que favorecem o entendimento de determinados padrões da violência. A interpretação cartográfica, por meio do método overlay, dos mapas de homicídios, roubos e da tipologia socioespacial da RMGV revela que as áreas com concentração de crimes letais, geralmente, apresentam predomínio do tipo Popular, ao passo que as áreas com concentração de crimes violentos contra o patrimônio, na maioria dos casos, evidenciam predominância do tipo Superior-médio. As áreas com prevalência do tipo Médio, em alguns exemplos, demonstraram concentração tanto de homicídios (clusters de bairros de Divino Espírito Santo/Centro em Vila Velha e Carapina/Jardim Limoeiro no município de Serra), quanto de roubos (Cobilândia em Vila Velha). As regiões com predomínio do tipo Popular-agrícola não registraram concentração significativa dos crimes aqui estudados. A leitura conjugada dos três mapas citados permite identificar que as áreas com predomínio do tipo Popular são mais vulneráveis aos crimes letais e as áreas com prevalência do tipo Superior-médio estão mais suscetíveis aos crimes violentos contra o patrimônio. Essa constatação pode parecer óbvia, pois, de acordo com a literatura especializada (LIRA, 2007; MATTOS, 2011; ZANOTELLI et al., 2011; SCHABBACH, 2013), as regiões mais privilegiadas das cidades, constituídas por famílias com alta renda e que ostentam bens móveis e imóveis sofisticados, tem uma maior propensão a registrar com maior frequência crimes com finalidade patrimonial e financeira. Todavia, precisar os padrões de distribuição espacial dos crimes, por meio do geoprocessamento, é fundamental para compreender a criminalidade violenta e para a elaboração de ações preventivas e repressivas no campo da segurança pública. A análise espacial dos crimes de homicídios dolosos e roubos reforçam as hipóteses trabalhadas na criminologia da desordem e desorganização social para o primeiro tipo de crime, e por outro lado, de alvo atrativo, oportunidade e baixo controle para o segundo tipo. Ou seja, crimes violentos, como homicídios, tendem a ocorrer em espaços desorganizados física e socialmente, enquanto que, os roubos costumam ocorrer em regiões economicamente atrativas, e em momentos de pouca vigilância policial e comunitária. Consequentemente, a tipologia socioespacial reafirma a presente análise, pois como visto, apontam ligação das regiões de tipo 481 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Popular com os crimes de homicídios (geralmente mais desorganizadas), e as regiões Superior-médio com os roubos (geralmente mais atrativas economicamente). Figura 5 - Mapa de concentração dos homicídios dolosos, RMGV 2010 Fonte: SESP (2010). 482 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Figura 6 - Mapa de concentração dos roubos, RMGV 2010 Fonte: SESP (2010). Figura 7 - Tipologia socioespacial, RMGV 2010 Fonte: IBGE (2000-2010); INCT - Observatório das Metrópoles - Núcleo Vitória (2013). 483 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 5 – Considerações finais Como visto, a distribuição espacial dos crimes não ocorre de maneira homogênea pela trama urbana, desdobrando-se a partir de nuanças ligadas às especificidades geográficas das diferentes zonas da região metropolitana estudada. Dessa forma, o comportamento diferencial da violência urbana, evidenciado pelos mapas de homicídios dolosos e roubos, provavelmente está em larga escala influenciado pelas desigualdades sociais, econômicas e de infraestrutura. Tais desigualdades evidenciam, em termo de processos, a segregação urbana, cuja tendência de isolamento social é largamente criticada por Jacobs (2007). Esta última autora, em especial, salienta a importância dos desenhos arquitetônicos e urbanísticos privilegiarem os componentes da vigilância natural e da convivência cidadã em prol de bairros e cidades mais seguras. O aprofundamento da análise da tipologia socioespacial vinculada às hipóteses já consagradas por estudos demográficos e pesquisas criminais, como a desorganização social, oportunidade e vitimização, pode contribuir com o desenvolvimento de pesquisas de grande relevância para a compreensão do complexo fenômeno da criminalidade, sobretudo, em ambientes metropolitanos. Referências CALDEIRA, T. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34 / Edusp. 2000. ______. Violência, direitos e cidadania: relações paradoxais. In: Ciência e Cultura. V. 54, n. 1, p. 44-46. 2002. 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