GT4: Violência, Segurança Pública e Democracia na América Latina A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA POBRES: as consequências da descartabilidade Lucelia Pereira Dias Universidade Federal da Paraíba Lilian Barbosa de Medeiros Silva Universidade Federal da Paraíba Marina Rodrigues da Silveira RESUMO Neste artigo discutiremos a temática da violência letal, especificamente faremos uma análise a partir do Mapa da Violência de 2015, que diz respeito aos homicídios praticados na grande João Pessoa. A violência é um dos problemas sociais mais preocupantes atualmente, e atinge grande parte da população, contudo, se acentua claramente entre as classes menos favorecidas. As pessoas que vivem em comunidades carentes, além de sofrer diariamente com a falta de condições mínimas de sobrevivência, são vítimas de uma violência desenfreada e avassaladora, pois, se deparam em seu cotidiano com crimes letais de parentes e amigos. No entanto, a ausência dessas condições apontam para uma negação inclusive da vida desses indivíduos. Desse modo, na medida em que o Estado não garante educação, saúde, habitação, cultura e lazer aos indivíduos o mesmo produz violência, desigualdade e exclusão para uma parcela da população. Nessa perspectiva, a problemática abordada neste artigo possui relevância, pois, permite uma identificação dos atores mais atingidos com os crimes letais; são eles: pobres, negros, índios, mulheres; os considerados descartáveis do sistema capitalista, isto é, vistos como produtos descartáveis numa sociedade de consumo. A pesquisa foi de caráter documental, de levantamento e bibliográfico. Para o estudo proposto, utilizamos o Mapa da Violência de 2015. Os resultados preliminares apontam que os crimes letais são resultados do estigma e coerção social direcionada as classes empobrecidas. Ou seja, a violência letal na atualidade ganha características intrínsecas de um processo globalizante e neoliberal, visto que há uma proteção em torno dos interesses individuais de um pequeno grupo, ao passo que torna descartáveis os interesses coletivos da maioria da população. Sendo assim, práticas inerentes de um sistema capitalista e liberal, que prima pelo lucro e tende a naturalizar a violência, que é levada a ser vista como um fenômeno próprio da pobreza. Palavras chave: Violência. Pobre. Descartabilidade. 1 1. Introdução Neste artigo discutiremos a temática da violência letal, especificamente faremos uma análise a partir do Mapa da Violência (2015) que diz respeito aos homicídios praticados na grande João Pessoa1. Homicídios esses que são resultado do estigma e da coerção social, rigorosamente direcionada às classes menos abastadas. Nessa perspectiva, o nosso objetivo geral é analisar como a violência letal na atualidade assume características de um processo globalizante; levando assim, a violência ser apreendida como um problema inerente da pobreza, isto é, dos pobres. Assim, em torna da questão central abordada buscaremos verificar índices de homicídios ocorridos na grande João Pessoa; identificar os estados brasileiros que apresentaram maiores índices de violência letal e por último, investigar como a globalização insere o indivíduo a um processo de descartabilidade social. Esta pesquisa é de caráter documental2, de levantamento e bibliográfica3. Os dados foram analisados com base em Foucault (2007); Wacquant (2008); Bauman (1999); dentre outros. A violência é um dos problemas sociais mais preocupantes atualmente, e atinge grande parte da população, contudo, se acentua claramente entre as classes menos favorecidas. As pessoas que vivem em comunidades carentes, além de sofrer 1 Uma região metropolitana consiste em uma área composta por um núcleo urbano densamente povoado e por suas áreas vizinhas menos povoadas. A Região Metropolitana de João Pessoa [...], criada pela Lei Complementar Estadual 59/2003, era composta inicialmente pelos seguintes municípios: Bayeux, Cabedelo, Conde, Cruz do Espírito Santo, João Pessoa, Lucena, Mamanguape, Rio Tinto e Santa Rita. Foi ampliada pela Lei Complementar Estadual 90/2009 que incluiu os municípios de Alhandra, Pitimbu e Caaporã e, posteriormente, pela Lei Complementar Estadual 93/2009, que incluiu o município de Pedras de Fogo. Após a criação da Região Metropolitana do Vale do Mamanguape, em 2013, foi excluído o município de Mamanguape. 2 Severino (2007, p.122), [...] pesquisa documental, tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. 3 Gil (2002, p.44), [...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e científicos. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica está no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente (idem, p 45). 2 diariamente com a falta de condições mínimas de sobrevivência, são vítimas de uma violência desenfreada e avassaladora, pois, se deparam com homicídios letais de parentes e amigos. De acordo com o Mapa da Violência de 2015, “o estado da Paraíba encontra-se em terceiro lugar no ranking dos estados em que mais morreram pessoas por arma de fogo, com uma taxa de 67,9 mortes a cada grupo de 100 mil habitantes”. Ainda segundo o Mapa da Violência de 2015, estatísticas apontam João Pessoa como a segunda capital onde mais se mata jovens por arma de fogo no Brasil, com uma taxa de 165,8 homicídios de jovem entre 15 e 29 anos, para cada grupo de 100 mil pessoas pertencentes a essa faixa etária. Um retrato das consequências brutais geradas pela exclusão socioeconômica e desigualdade social. Os crimes urbanos são expressões da questão social4, resultado de uma globalização perversa e da omissão do Estado. O que vemos são pessoas que vivem sufocadas por essa sociedade de consumo exacerbado e uma mídia manipuladora, que nem sempre cumpre com o compromisso de informar, mas sim de induzir ou confundir as pessoas; que oprime e criminaliza nossos jovens, que são apenas frutos de uma sociedade do espetáculo, são construídos como bandido para depois serem punidos. Trata-se da marginalização do pobre, do negro, do favelado, dos que são considerados descartáveis, dos que não servem para viver, dos que não tem como consumir, tornando-se assim, imprestáveis no sentido da expansão econômica. A globalização perversa gera o aumento do desemprego e da pobreza, da fome e da má qualidade de vida. Aos pobres, são negados o direito à moradia, à saúde, à educação de qualidade, e o pleno poder de exercer sua cidadania. A construção desse capitalismo selvagem, separatista e excludente, sinaliza para uma sociedade fragmentada que tem como resultado o crescimento da violência urbana. 2. DESVENDANDO OU DESNUDANDO A VIOLÊNCIA NATURALIZADA? 4 Iamamoto (2004, p. 17), [...] diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. 3 O fenômeno da globalização muda toda uma estrutura social, econômica, cultural e política de uma sociedade. Antevendo assim, o lugar que cada um deve ocupar nesse processo. Wacquant (2008, p.78) atribui o conceito de gueto “[...] como instrumento de enclausuramento e controle capaz de esclarecer grande parte da confusão que o cerca e faz dele uma poderosa ferramenta para análise sociológica da dominação etnorracial das desigualdades urbanas”. Conforme Wacquant (2008) o gueto tem uma função “socio-organizacional” capaz de articular dois objetivos concomitantemente, isto é ampliar as vantagens materiais tiradas de seguimentos rotulados de marginais e desocupados; ao passo que a outra perspectiva é encurtar as aproximações entre essas pessoas evitando assim, uma possível contaminação (a saber, há um revival do ideário moderno de taxonomia entre o normal e o patológico) mesmo que aparente. O processo de globalização traz uma nova configuração para o capital e o trabalho, isto é, o capital se apropria de ferramentas mundiais de mobilização, a exemplo da liberdade de mercados, enquanto o que resta ao trabalho (trabalhador) é a certeza da imobilidade territorial. Assim, O significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo (BAUMAN, 1999 p.67). A consolidação do neoliberalismo traz uma gama de mazelas para classe subalterna, isto é redução das mínimas condições de vida do cidadão, empregos precários e flexibilização do trabalho. Isto demostra que a violência na atualidade assume características de um processo globalizante. O que leva a violência ser apreendida como um problema inerente da pobreza, ou seja, da massa excluída. Assim, na medida em que o Estado não garante educação, saúde, habitação, cultura e lazer aos indivíduos o mesmo produz violência, desigualdade e exclusão para uma parcela da população. Segundo Bauman (1999, p.81). “A mensagem subentendida é que os próprios pobres são responsáveis por seu destino; que eles poderiam como fizeram os “tigres”, perceber que a presa fácil não satisfaz o apetite dos tigres”. Isso incorre para uma culpabilização da classe excluída, a qual sofre a rigidez desse processo 4 globalizante; que tem como consequência a miséria, a pauperização e a exclusão social da classe trabalhadora. Nessa perspectiva: A política da sociedade dos turistas pode ser em grande parte explicada como a obsessão com “a lei e a ordem”, a criminalização da pobreza, o recorrente extermínio dos parasitas etc. como um esforço contínuo e obstinado para elevar a realidade social, contra todas as evidencias, ao nível dessa utopia (BAUMAN, 1999 p.106). O fato de vivermos numa sociedade estratificada, a qual privilegia a classe dominante (capital) em detrimento da classe dominada (subalterna); explica a recorrência da aplicação da lei e da ordem. Desse modo, a saída encontrada nesta sociedade permeada pelo consumo, para os problemas produzidos pela globalização, isto é, os considerados “inúteis” desse processo, tem como consequência a correção prisional. Contudo, [...] o que se procura reconstruir nessa técnica de correção não é tanto o sujeito de direito, que se encontra preso nos interesses fundamentais do pacto social: é o sujeito obediente, o indivíduo sujeito a hábitos, regras, ordens, uma autoridade que se exerce continuamente sobre ele e em torno dele, e que ele deve deixar funcionar automaticamente nele (FOUCAULT, 2007, p.95). Assim, podemos entender que essa técnica correcional defende o não reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito. Apontando assim, para um sujeito que deve está submisso aos ditames do capital, isto é, o indivíduo que se enquadre a essa lógica de mercado; que lança os indesejáveis desta sociedade capitalista a sua própria sorte. Para Wacquant (2008, p.120) “a prisão serve também de depósito da escória e dos dejetos humanos de uma sociedade que se submete cada vez mais ao diktat do mercado”. Desse modo, uma sociedade que condiciona a vida humana a bens materiais; é a mesma que o descarta, ao passo que não consegue inserir-se no processo de consumo. Assim, a solução encontrada perpassa a lógica do sistema prisional, que se torna o lugar para os indesejáveis sociais. Ainda nesse contexto, percebe-se que o Estado diminui seu papel, isto é de provedor das mínimas condições de vida dessa população empobrecida e passa a aplicar em seu lugar o estado prisional; como solução para os “inúteis” dessa sociedade 5 capitalista, que prima pelo lucro. Atribuindo assim, uma responsabilidade do Estado para o indivíduo. Desse modo, a globalização acelera a economia, enfraquece o poder estatal em função do avanço econômico. Para Bauman (1999, p.76) “Estados fracos são precisamente o que a Nova Ordem Mundial, com muita frequência encarada com suspeita como uma desordem mundial, precisa para sustentar-se e reproduzir-se”. Ou seja, a fragilidade estatal é tudo que o mercado precisa para poder agir livremente. Isto é necessário para sua reprodução e manutenção. E o processo de globalização possibilita esse movimento. Isto implica dizer que o Estado perde força em nome da Nova Ordem Mundial. A tendência global está para o desenvolvimento econômico, visto que estamos inseridos numa sociedade pautada no consumo, isto é, uma sociedade capitalista que confirma o lugar que cada indivíduo ocupa neste processo. Nas palavras de Bauman (1999, p.101) “os vagabundos são o refugo de um mundo que se dedica ao serviço dos turistas”. Ou seja, a vida do vagabundo, nesse contexto, é permeada pela falta de opção. O lugar do vagabundo nesta sociedade consumista e lucrativa torna-se o lugar da negação, da ausência de direitos; ou seja, são os “indesejáveis” do mundo pós-moderno, porém um mal necessário que serve de exemplo para o turista. Nessa lógica, [...] paradoxalmente, a vida do turista é tanto mais suportável, mesmo agradável, por ser assombrada por uma alternativa uniforme de pesadelo: a da existência do vagabundo. Num sentido igualmente paradoxal, os turistas têm interesse em tornar essa alternativa a mais terrível e execrável possível. Quanto menos atraente for o destino do vagabundo, mais saborosas serão as peregrinações do turista (BAUMAN, 1999 p.107). Assim, a globalização chega com uma promessa de desenvolvimento econômico e social aos diferentes sujeitos, porém o que acontece é um aumento em torno da desigualdade social. Isto é, o abismo social é um fato. Para um grupo a globalização apresenta um cenário glorioso, de desenvolvimento econômico e poder, ao passo que o outro grupo (pobres) tem como expectativa a perpetuação da miséria. A imobilidade territorial faz parte do cotidiano desse último seguimento, que ver seus direitos sumirem no ar. Segundo Bauman (1999, p.101) “os vagabundos se movem porque acham o mundo a seu alcance (local) insuportavelmente inóspito. Os turistas viajam porque querem; os vagabundos porque não têm outra opção suportável”. 6 Isso demonstra que a globalização constitui uma série de problemas sociais dentre os quais, os mais atingidos têm nome e classe social. Percebe-se que esse movimento globalizante opta por um seguimento e exclui outro. Ou seja, os que chegam a ser turistas têm o poder de escolha, enquanto os tachados de “vagabundos” não são dados esse mesmo direito. Portanto: Vagabundos são viajantes aos quais se recusa o direito de serem turistas. Não se permite nem que fiquem parados (não há lugar que lhes garanta permanência, um fim para a indesejável mobilidade) nem que procurem um lugar melhor para ficar (BAUMAN, 1999 p.101). Contudo, a proposta de crescimento econômico acontece de forma seletiva, pois para uma camada da sociedade esse avanço econômico não chega. O que representa um aprofundamento da desigualdade social, tendo como consequência a miséria e a fome. Ou seja, há um esvaziamento da vida humana. Esse acontecimento incorre para negação do ser humano. 3. A LÓGICA DO DEIXAR VIVER E FAZER MORRER? No contexto da violência naturalizada, Foucault (2008) apresenta a “Biopolítica”, que é entendida como controle sobre as massas. Desse modo, a entrada do liberalismo vem por em xeque a compreensão do direito público em relação ao direito universal. O que ocasiona um jogo do Estado mínimo e do Estado máximo, ou seja, a relação custo versus benefício dos direitos inerentes aos cidadãos. Conforme Netto, (1993, p.81). “Estado mínimo para os trabalhadores e um Estado máximo para o capital”. Neste sentido, o liberalismo caminha na direção do mercado, desmontando direitos sociais conquistados. Para Foucault (2008, p.42) “este lugar de verdade não é, evidentemente, a cabeça dos economistas, mas o mercado”. O liberalismo leva o Estado, ou seja, as práticas do Estado à submissão ao mercado. Desse modo, ao passo que há uma liberdade de mercado, paralelo a isto, há uma exclusão da sociedade, isto é das massas. Logo, Na medida em que, através da troca, o mercado permite ligar a produção, a necessidade, a oferta, a demanda, o valor, o preço, etc., ele 7 constitui nesse sentido um lugar de veridição, quero dizer, um lugar de verificabilidade/falsidade para a prática governamental (FOUCAULT, 2008 p.45). No entanto, percebe-se que a prática governamental caminha em direção do mercado. Ou seja, agora quem dá as cartas é o mercado, o qual vai encarregar-se de ditar as regras, assumindo posturas conservadoras que primam pelo status quo, o qual busca a manutenção da ordem social vigente. Sendo assim, [...] o interesse a cujo princípio a razão governamental deve obedecer são interesses, é um jogo complexo entre os interesses individuais e coletivos, a utilidade social e o benefício econômico, entre o equilíbrio do mercado e o regime do poder público, é um jogo complexo entre direitos fundamentais e independência dos governados. O governo, em todo caso o governo nessa nova razão governamental, é algo que manipula interesses (FOUCAULT, 2008 p.61). Assim, o liberalismo apresenta essas características, ao passo que defende interesses individuais em detrimento dos interesses coletivos. Agora é o mercado que dita as regras, antes era o lugar da justiça, nesse contexto tornou-se o lugar da verdade. Ou seja, a lógica da verdade absoluta, inquestionável. Aqui acontece a passagem do sistema jurisdicional para a lógica da veridição. Esse sistema pode ser entendido como aquele que detém a verdade e não aceita nenhum outro mecanismo que a conteste. Ou seja: A partir do momento em que a prática penal substitui a questão: o que você fez? Pela quem é você?, a partir desse momento, vocês vêem que a função jurisdicional do penal está se transformando ou é secundada pela questão da veridição, ou eventualmente minada por ela (FOUCAULT, 2008 p.48). A prática jurisdicional recorrente é trocada pela prática veridicional; atribuindo assim, ao mercado seu poder total enquanto possuidor da verdade ao passo que limita a ação jurídica do poder público. O que permite entender que a prática de governo e o regime de verdade sinalizam para uma verdade incontestada. Assim, [...] a partir de então o governo já não precisa intervir, já não age diretamente sobre as pessoas, só pode agir, só está legitimado, fundando em direito e em razão para intervir na medida em que o interesse, os 8 interesses, os jogos de interesse tornam determinado indivíduo ou determinada coisa, determinado bem ou determinada riqueza, ou determinado processo, de certo interesse para os indivíduos, ou para o conjunto dos indivíduos, ou para os interesses de determinado indivíduo confrontados ao interesse de todos, etc (FOUCAULT, 2008 p.62). Contudo, o contexto liberal conduz o Estado à uma ação limitada; suas ações incorrem para governar o mínimo possível. E sempre há espera do aval do mercado. Assim, o liberalismo traz a lógica do utilitarismo, isto é um governo que está entre o mínimo e o máximo, e tende sempre para o mínimo. Logo, [...] o liberalismo colocou a questão fundamental do governo, e o problema está em saber se todas as formas políticas, econômicas, etc. que se quis opor ao liberalismo podem efetivamente escapar dessa questão e da formulação dessa questão da utilidade de um governo num regime em que a troca é que determina o valor das coisas (FOUCAULT, 2008, p.64). Uma sociedade de mercado só pode imprimir um regime de governo pautado na troca, determinando assim o valor das coisas e das pessoas. Isto aponta para a prática de um estado que faz viver quem se enquadra na lógica utilitarista e deixa morrer os que não consegue adequar-se a este processo. 4. REALIDADE BRASILEIRA: Mapa da Violência 2015 O problema da violência urbana é um assunto recorrente no cotidiano da sociedade brasileira. Visto que o seu crescimento toma proporções gigantescas a cada dia. E torna-se um problema cada vez mais recorrente. Pois os números de mortes nos estados brasileiros ratificam essa estatística. Gráfico 1. 9 Crescimento das taxas de homicídios nos estados nordestinos Maranhão 385,0 Ceará 285,1 Rio Grande do Norte 214,4 Paraíba 206,0 Bahia Crescimento % 2002/2012 153,6 0 100 200 300 400 500 Fonte: Mapa da Violência 2015 O Mapa da Violência mostra o crescimento das taxas de homicídios nos estados brasileiros. Tendo como referência os anos de 2002 a 2012. De acordo com o gráfico 1 nos últimos 10 (dez) anos, o Estado do Maranhão ocupou o primeiro lugar com 385,0% dos homicídios; o Ceará ficou em segundo lugar com 285,1% dos homicídios; o Rio Grande do Norte ocupou o terceiro lugar com 214,4% dos homicídios; o estado da Paraíba ocupou o quarto lugar com 206,0% dos homicídios e a Bahia garantiu o quinto lugar com 153,6% dos homicídios. Assim: [...] a busca de normatizar e “normalizar” a norma e o desvio, ou seja, a norma é tudo aquilo o que é posto pelas “práticas de Estado”, tais como escola formal, organização das cidades, organização do mercado de trabalho e do uso da violência, dentre outras (RIBEIRO, 2012, p.39). Nessa perspectiva, na medida em que se busca a normatização das coisas e consequentemente das pessoas, essas ações conduzem a uma violação de direitos. Contudo, podemos constatar que a violência chega através desses mecanismos institucionais e legítimos. No entanto: Nesse jogo de construção de estigmas, uma bola de neve começa pela associação à pobreza e vai se somando a ela outras variáveis como: a cor; o sexo; a instrução; profissão/ocupação, lugar de origem, numa relação imediata que busca qualificar o igual-estabelecido e distanciar o 10 estranho (estrangeiro/migrante), até o sujeito estar totalmente envolto em atribuições e exteriores pejorativas e demarcadoras da sua “incapacidade” ou “desumanidade” (RIBEIRO, 2012, p.44). Isto demonstra a negação da individualidade do outro, ao passo que se ignora o jeito de ser de cada indivíduo, o espaço em que vivem suas relações, seus costumes e tradições, isto é a lógica do enquadramento do sujeito às tendências de um mundo globalizado. 4.1. NÚMEROS DE HOMICÍDIOS NA PARAÍBA A escalada da violência na Paraíba ganha páginas nas mídias locais e nacionais. E isso incorre para um dado bastante preocupante. O Mapa da Violência de 2015 destaca os municípios com maiores índices de homicídios entre os anos de 2010 a 2012. O número de homicídios é consequência do estigma e da coerção social, atribuída principalmente as pessoas das classes populares. Logo, [...] a segurança é um conjunto proibitivo ético/jurídico, que constrói sanções e estratégias preventivas/demarcadoras da potencialidade do indivíduo para a infração e sendo assim, ela estabelece a diferenciação entre o lícito e o ilícito, proporcionando aos operadores “diagnosticar e prevenir” a ação desviante, assim como punir o desviante, buscando corrigi-lo ou excluí-lo do convívio geral (RIBEIRO, 2012 p.61). Nesse sentido, as práticas de Estado parecem conduzir o indivíduo ao processo desviante. Isto é, o sistema capitalista na medida em que oprime e criminaliza os indivíduos, cria o “bandido” para depois poder puni-lo; o que o conduz à exclusão social. Gráfico 2. 11 Fonte: Mapa da Violência 2015 Com base no gráfico anterior o número de homicídios ocorridos nos municípios da Paraíba quase que duplicou nos últimos dois anos. Desse modo, a cidade de Santa Rita elevou o índice de 71 (setenta e um) homicídios em 2010, para 107 (cento e sete), em 2012. A cidade do Conde passou de 11 (onze) homicídios em 2010, para 19 (dezenove) em 2012. Já o município de Mari de 5 (cinco) homicídios em 2010, passou a 17 (dezessete) em 2012. Enquanto a cidade de Cabedelo de 51(cinquenta e um) homicídios em 2010 conseguiu uma pífia redução para 42 (quarenta e dois) em 2012. O município de Patos de 49 (quarenta e nove) homicídios em 2010 teve um aumento de 63 (sessenta e três) em 2012. E o município de João Pessoa de 515 (quinhentos e quinze) homicídios em 2010, reduziu para 499 (quatrocentos e noventa e nove) em 2012. Outro município analisado foi Campina Grande de 179 (cento e setenta e nove) homicídios em 2010, reduziu para 171 (cento e setenta e um), em 2012. Os dados demonstram que esses crimes são frutos de uma sociedade marcada pela exclusão social, que nega direitos fundamentais inerentes ao cidadão; como educação, saúde, habitação, lazer e etc. que estão previstos na Constituição Federal de 1988. 12 CONSIDERAÇÕES FINAIS O problema da violência urbana é um assunto recorrente no cotidiano da sociedade brasileira, visto que o seu crescimento toma proporções gigantescas a cada dia. O que permite apreender que a violência na atualidade ganha características intrínsecas de um processo globalizante, que defende os interesses individuais ao passo que torna descartáveis os interesses coletivos, ou seja, práticas inerentes de um sistema capitalista que prima pelo lucro. Assim, o cidadão é desprovido das condições objetivas para viver com dignidade, pois, a ausência dessas condições aponta para uma negação inclusive da vida desses indivíduos. Logo, no neoliberalismo prevalece a lei do livre mercado. Ou seja, o mercado é quem dita às regras desse movimento. Ao Estado, isto é, as práticas do Estado cabem receber as coordenadas e agir conforme a ordem do capital. No entanto, uma sociedade que prima pelo capital, sempre caminhará para o individualismo. Nesse sentido, o modelo societário vigente anula a perspectiva de valores como a liberdade, justiça social, igualdade, pluralismo e democracia. Ou seja, alguns elementos capazes de promover a emancipação humana, em contrapartida ao sistema liberal-conservador que caminha na direção do mercado; desmontando direitos sociais conquistados. Nessa perspectiva, a violência passa a ser vista como um problema natural, isto é, um fenômeno próprio da pobreza; tendo como atores principais os excluídos dessa sociedade. Logo, há uma criminalização da pobreza. No entanto, o fato de vivermos numa sociedade capitalista e globalizada, explica e muito essa tendência do descarte humano, pois são marginalizados e excluídos do processo de socialização econômica, politico, cultural e social. Isto é, pobres, negros, índios, mulheres; os considerados descartáveis do mundo do consumo. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.1999. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 34. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. 13 FOUCAULT, Michel. – Nascimento da Biopolítica. Disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/4164157/michel-foucault---nascimento-dabiopolitica. Acesso em: 16 mar. 2015. GIL, Robledo Lima Tipos de Pesquisa. Disponível em http://wp.ufpel.edu.br/ecb/files/2009/09/Tipos-de-Pesquisa.pdf> Acesso em 11 ago. 2015. IAMAMOTO, Marilda Villela. A QUESTÃO SOCIAL NO CAPITALISMO. IN:Temporalis- Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social 2 Ed. Ano. 2, n.3 (jan-jul.2001). Brasilia: ABEPSS, Gráfica Odisséia, 2004 - 88 p. NETTO, José Paulo. Crise do socialismo e ofensiva neoliberal. São Paulo: Cortez, 1993. (Coleção questões da nossa época; v. 20). Região Metropolitana de João Pessoa. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Metropolitana_de_Jo%C3%A3o_Pessoa> Acesso em: 20 mar. 2015. RIBEIRO, Luziana Ramalho. “... o que não tem governo...”: estudo sobre linchamento. João Pessoa: Mídia Gráfica e Editora Ltda, 2012. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho cientifico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. WACQUANT, Loïc J. D. As duas faces do gueto. Trad. Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2008. WAISELFISZ, Júlio Jacobo. MAPA DA VIOLÊNCIA 2015. Disponível em: < http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf > Acesso em: 22 set. 2015. 14