1 MEDIDAS SOCIEDUCATIVAS: CONTROLE SOCIAL OU RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL? Márcia Helena de Carvalho1 RESUMO Este artigo tem como objetivo traçar uma análise acerca do processo de estadualização do sistema de atendimento ao adolescente autor de ato infracional em Minas Gerais, identificando os elementos constitutivos dessa política no Estado e as configurações que a mesma assume, sobretudo, após o ano de 2006. O texto foi desenvolvido a partir de uma metodologia qualitativa, com aprofundamento teórico, apoiado em vários autores. Contatase que embora o SINASE- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativas represente um marco legal, o elemento macro condutor dessa política social é o processo de (contra) Reforma do Estado brasileiro que contribui para o estabelecimento de um “Estado-Penal” o que constitui uma contradição no que se refere a proposta Doutrina da Proteção Integral prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA. Palavras-chave: SINASE, política social, (contra) Reforma do Estado, Estado-Penal, Doutrina da Proteção Integral. 1 Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Gerenciais de Manhuaçu. Docente do Curso de Serviço Social da DOCTUM Caratinga. Mestranda em Serviço Social na UERJ. Especialista em Política Social: Terceiro Setor e ONGS na FIC Caratinga. Graduada em Serviço Social na FIC Caratinga 2 INTRODUÇÃO No presente artigo empreendemos um estudo teórico das Medidas Socioeducativas no Estado de Minas Gerais. O objetivo é apresentar os desafios de implantar uma política social pautada na Doutrina da Proteção Integral ao adolescente autor de ato infracional diante de um contexto de (contra) Reforma do Estado brasileiro que visa enxugar gastos na área social para investir no econômico, contribuindo para o estabelecimento de um EstadoPenal que tem como uma de suas refrações a criminalização da pobreza. A opção por tal temática se deve a minha inserção, em 2010, como Assistente Social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social-CREAS de Manhuaçu, atendendo adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de meio aberto: Liberdade Assistida, onde foi possível constatar que embora o ECA e o SINASE representem marcos legais no trato ao adolescente autor de ato infracional, como sujeito de direitos, ainda não conseguiu garantir-lhes o acesso as políticas básicas de Proteção Social – educação, saúde, moradia, trabalho, assistência social, previdência social, esporte, cultura, lazer, segurança pública, entre outras. Ao contrário, ainda se verifica na operacionalidade dessas medidas traços que nos remete a Doutrina da Situação Irregular. Utilizei a metodologia qualitativa, sustentada por uma abordagem teórica, que se baseou em uma revisão bibliográfica, relacionando os principais autores que discutem essa temática, dentro de uma perspectiva crítica. Sendo eles: Elaine Rossetti Behring, Loic Wacquant, Andréia Almeida Torres , Mione Apolinário, Mário Volpi, dentre outros. Inicialmente analiso a constituição do SINASE como um marco legal no trato do adolescente autor de ato infracional e os desafios de sua operacionalidade dentro de um processo de reconfiguração das políticas sociais marcada pelo ideário neoliberal. Em seguida, análise implementação da Política de Medidas Socioeducativas no Estado de Minas Gerais, identificando sua proximidade ou distanciamento com o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA. 3 ANÁLISE ACERCA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Inegavelmente a Constituição Federal de 1988 representa um grande avanço para as políticas sociais, sobretudo, porque ela se constrói tendo como eixo os princípios dos direitos humanos, a partir dos quais, se definem as responsabilidades do Estado brasileiro. No que se refere especificamente ao público infanto-juvenil, constitui uma mudança de paradigma, ao substituir a concepção de Doutrina da Situação Irregular – baseada em um processo de criminalização das crianças e adolescentes pobres, instaurando a Doutrina da Proteção Integral – reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos conforme expresso em seu artigo. 227. A partir desta mudança, foi possível articular a formulação de uma lei específica, dando origem posteriormente, ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Em 13 de julho de 1990, em um contexto democrático, a Lei Federal 8.069, conhecida mundialmente como Estatuto da Criança e do Adolescente é promulga. O ECA ao ser oficializado regulamenta os artigos 227 e 228 da Constituição Federal e implanta a doutrina de proteção integral como nova perspectiva para as crianças e adolescentes, assegurando para todos a condição de sujeitos de direitos, a circunstância de pessoa em desenvolvimento, a garantia da inimputabilidade penal para os menores de 18 anos e a segurança de que a família, a sociedade e o Estado serão co-responsáveis por garantir a dignidade, os direitos e proteção perante possíveis violações ou negações de direitos. O ECA também realiza a diferenciação entre crianças e adolescentes via faixa etária, em seu artigo 2º define criança como pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. Porém, quando se refere à prática de ato infracional, considera tanto criança como adolescentes como responsáveis do ponto de vista legal, como são inimputáveis legalmente, respondem por seus atos infracionais nos termos do ECA. Para a criança recomenda-se a aplicação de medidas protetivas previstas no artigo 101: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; 4 III – matrícula de frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxilio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – abrigo em entidade; VIII – colocação em família substituta. Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade (BRASIL, 1990). E no caso de adolescente entre 12 a 18 anos, após o cometimento de ato infracional, cabe ao juiz aplicar medidas socioeducativas prevista no artigo 112 do ECA: (...) verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviço à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional (BRASIL, 1990). De acordo com o dispositivo legal, a medida a ser aplicada ao adolescente deve levar em consideração a sua capacidade de cumpri-la e as circunstâncias e gravidade da infração. O período máximo de medida socioeducativa é de três anos, podendo ser cumprida excepcionalmente até os 21 anos, desde que a infração tenha sido cometida antes da maioridade penal, ou seja, antes dos 18 anos. Apesar do ECA, enquanto marco legal, ter significado uma mudança de paradigma no que se refere ao atendimento às crianças e adolescentes, sobretudo àqueles que se encontram em conflito com a lei, é somente com a formulação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE2, que são identificadas maiores avanços quanto à estrutura organizacional das medidas socioeducativas, fornecendo os parâmetros para a 2 A proposta do SINASE aprovado pelo CONANDA, em 13 de julho de 2006, representou um grande avanço em termos de políticas públicas voltadas para os adolescentes autores de atos infracionais. Em 2007, foi apresentado como projeto de lei (PL 1.627/2007) ao Plenário da Câmara dos Deputados quando, também, formou-se uma Comissão Especial para analisar o projeto e em 19 de janeiro de 2012 a Presidenta Dilma sancionou como Lei 12.594/2012 (SOUSA, 2012). 5 Política Nacional de Atenção ao Adolescente em Conflito com a Lei. Nesse sentido, FUCHS (2007) afirma: Embora o ECA tenha definido as bases para as ações relativas ao atendimento ao adolescente em conflito com a lei, desde o fim da “era Funabem” não tínhamos o desenho de uma política pública destinada a essa área que concretizasse os avanços contidos na legislação e contribuísse para a efetiva cidadania desse público, coadunando responsabilização e garantia de acesso a direitos (FUCHS, 2007, apud, SALES, 2007,p.14) Nesse contexto, o SINASE se apresenta como um conjunto ordenado e articulado de princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração do ato infracional até a execução de medidas socioeducativas. Este sistema nacional também específica às competências das três instâncias federativas para o atendimento socioeducativo no país, causando fortes impactos no planejamento, financiamento, gestão, e operacionalidade das medidas socioeducativas em todo território nacional. Estados e municípios passam a reordenar seus programas, visando organizar e articular a rede de serviços, com base nos princípios dos direitos humanos, expressos nas legislações nacionais e internacionais. O conceito adotado é o da gestão participativa, que demanda autonomia, participação consciente e implicada de todos os atores que integram a execução do atendimento socioeducativo. Está diretamente associada ao compartilhamento de responsabilidades, mediante compromisso coletivo com os resultados (BRASIL, 2006, p. 40). Ao estabelecer o conjunto de diretrizes e parâmetros de atendimento socioeducativos, o SINASE demanda ações dos diversos campos das políticas sociais – educação, saúde, trabalho, assistência social, previdência social, esporte, cultura, lazer, segurança pública, entre outras, que devem ser executadas dentro da noção de incompletude institucional, tornando indispensável o envolvimento de vários setores da sociedade, visando garantir a proteção integral do adolescente autor de ato infracional. O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais. Portanto, para que isso venha acontecer é imprescindível uma co-responsabilidade da família, comunidade e Estado com um melhor empenho na obtenção de 6 retornos de caráter transformador do adolescente que cumpriu alguma medida socioeducativa (BRASIL, 2006). Nesse contexto, entende-se que a equipe multidisciplinar é fundamental para auxiliar o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, pois ele pode ser atendido em respeito a suas necessidades e receber apoio profissional de advogados, pedagogos, assistentes sociais, psicólogos e demais profissionais dispostos a contribuir com a sua formação. Além disso, o apoio pedagógico deve ser suficiente para: Propiciar ao adolescente o acesso a direitos e às oportunidades de superação de sua situação de exclusão, de ressignificação de valores, bem como o acesso à formação de valores para a participação na vida social, uma vez que as medidas socioeducativas possuem uma dimensão jurídico-sancionatória e uma dimensão substancial ético-pedagógica (CONANDA, 2006, p. 51). A proposta é que haja responsabilização estatutária mediante a inserção de práticas pedagógicas em detrimento das punitivas. Porém, na prática o que se percebe é que houve mudanças significativas com relação ao aparato legal, no entanto, a operacionalidade dessas medidas ainda demonstram fragilidade, sobretudo, em seu caráter pedagógico e socioeducativo, representando uma dicotomia entre legislação e operacionalização. Inegavelmente, ainda nos deparamos dentro do sistema socioeducativo com práticas tidas como incoerentes dentro da perspectiva da proteção integral. Isso porque, muitas vezes a aplicação das medidas não atinge a totalidade dos requisitos a ela correspondentes, quais sejam, a escolarização, a profissionalização e, sobretudo, a melhoria da qualidade de vida do adolescente e de sua família, sem as quais a medida perde o seu verdadeiro sentido. É evidente que a mera existência de uma lei não é suficiente para a transformação da sociedade ou para garantir automaticamente determinados direitos. O que implica dizer que o SINASE por si só não resolve o problema do adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas; as normas jurídicas não são suficientes. É preciso que haja transversalidade, intersetorialidade e articulação com todas as políticas públicas em âmbito municipal, estadual e federal para que se efetivem os objetivos desta lei. Nesse aspecto FUCHS (2007) esclarece, O SINASE reflete as circunstancias históricas sobre as quais atuaram diferentes sujeitos; circunstâncias essas que refletem, em muito, o momento de retração dos 7 movimentos sociais e uma intensa luta política que redesenha permanentemente o enfrentamento nos diferentes projetos societários, entre eles os mais significativos: (de um lado) a defesa dos direitos e (de outro) a mercantilização das necessidades sociais. Sua implementação depende dessa correlação de forças e da supremacia da primeira perspectiva sobre a segunda (FUCHS, 2007 apud SALES, 2007, p.16). Neste sentido, avaliar o processo de implementação e operacionalidade das medidas socioeducativas exige a compreensão do cenário político, econômico e social em que se materializam as políticas sociais no Brasil. Paradoxalmente, enquanto registram-se avanços na conquista dos direitos sociais, da Seguridade Social e da gestão das políticas sociais, através da Constituição Federal de 1988, sua implementação se dá em um contexto de questionamentos desse modelo de estado, em razão da crise estrutural do capitalismo. A saída para a recomposição da taxa de lucro do capitalismo foi um retorno à ortodoxia, ou seja, as teses neoliberais, baseada no ideário do liberalismo econômico, defendendo a estabilidade monetária, a redução dos gastos sociais e consequentemente a reforma do Estado na perspectiva de desmonte do arcabouço jurídico de direitos conquistados legalmente. Nesse viés, o Brasil nos anos 90 promoveu uma reestruturação das políticas sociais na perspectiva da solidariedade, da focalização, da seletividade, da refilantropização da pobreza, da responsabilidade social, da redução dos gastos sociais, da descentralização e mercantilização dos bens sociais, promovendo assim o desmonte dos direitos, tão duramente conquistados no país, processo esse conhecido como (contra) reforma do Estado neoliberal. Essas transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas no contexto do capitalismo contemporâneo tiveram e vêm tendo seus rebatimentos nas políticas sociais, tendendo, sobretudo, à criminalização da pobreza 3 e a culpabilização do indivíduo. Dessa forma assistimos uma desmontagem do Estado Social e sua substituição por um Estado Policial. De acordo com Wacquant (2007), os desdobramentos das políticas estatais que criminalizam as consequências da pobreza se expressam em duas modalidades principais, a 3 De acordo com alguns teóricos como Bauaman e Wacquant, observa-se hoje um processo em cursos denominado de criminalização da pobreza; produto de um Estado de cunho predominantemente penal e que atinge preferencialmente , adolescentes de famílias pobres. 8 saber: na organização dos serviços sociais, tornando-os instrumentos de vigilância e controle dos considerados “indóceis” para a nova ordem econômica e moral4, e a segunda modalidade é a utilização maciça e sistemática da prisão. Para Torres (2009), É nesse contexto de desmonte do estado de bem-estar-social, de enfraquecimento das políticas sociais, que se maximizam os aparatos de controle penal. Ou seja, “enquanto o Estado Social se desmonta e retrai, o estado penal segue respondendo aos excluídos e desviantes, com a punição neutralizando os inconvenientes na gestão da miséria e da exclusão social” (TORRES, 2009, p.114). Esse processo de reestruturação das políticas sociais também é vivenciado no âmbito do Estado de Minas Gerais, sobretudo, no caso particular da Política de Atendimento às Medidas Socioeducativa. Percebe-se que a própria nomeação da Secretaria de Estado de Minas como Defesa Social aponta para o uso estratégico de uma ideologia penal. Tal nomenclatura é carregada de aspectos ideológicos, sectários, repressivos, belicosos e estigmatizastes que nos remetem a um Estado que elege inimigos internos, “classe perigosa”, e que substitui o amparo social pelo aparato policial, prisional e punitivo. Segundo Volpi (2002), a preocupação com a segurança é: [...] a fórmula mágica de “proteger a sociedade (entenda-se as pessoas e seu patrimônio) da violência produzida por desajustados sociais que precisam ser afastados do convívio social, recuperados e reincluídos” [...] Reconhecer no agressor um cidadão parece ser um exercício difícil, para alguns, inapropriado. (VOLPI , 2002, p.9). Em todo o território nacional, os mecanismos normativos e adaptativos têm norteado práticas, programas e instituições de atendimento a crianças e adolescentes e, em específico, aqueles que cometeram ato infracional. Os conselhos de políticas públicas, espaços privilegiados da democracia participativa, não tem conseguido fazer valer seu papel de deliberação e controle das ações e, quando o fazem, deixam de promover a articulação das várias políticas públicas nas quais infância e a adolescência estão presentes-planejamento, fazenda, educação, saúde, cultura, esporte. Isso é o que também se vê nas instituições sociais, cada uma atuando no seu interesse imediato (SALES, 2007, p. 16). 4 Como exemplo, registramos os Programas de Transferência de Renda no Brasil, dentre eles o Bolsa Família desenvolvido pelo Governo Federal, cujos critérios de adesão estão vinculados à pobreza absoluta e, para a manutenção, além de permanecer na condição de miserável, o beneficiário tem que comprovar assiduidade dos filhos à escola e a vacinação em dia. 9 Entendemos que a lei por si só não muda a realidade, porém estabelece parâmetros para as ações e serve como instrumento de cobrança de seu cumprimento. A mudança de atitudes nos agentes públicos envolvidos nas diversas ações do processo de aplicação e cumprimento das medidas socioeducativas é que promoverá as mudanças esperadas em prol da proteção integral dos adolescentes. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO ESTADO DE MINAS GERAIS Com relação à política de atendimento ao adolescente autor de ato infracional no Estado de Minas Gerais, seu desenvolvimento, inicialmente, se deu de forma lenta, gradual e desigual, principalmente pela ausência de um diagnóstico sobre a operacionalidade do atendimento aos adolescentes autores de ato infracional a nível estadual, a inexistência de uma proposta de implementação e descentralização da política estadual de atendimento as Medidas Socioeducativas, segundo orientações do SINASE; e pela frequente troca dos atores envolvidos nas ações desenvolvidas pelo órgão responsável, inclusive, com a nomeação de profissionais sem o conhecimento necessário para atuar com os novos paradigmas do Estatuto da Criança e do Adolescente. O que se supõem ter acontecido por influência político partidária. Dentro dessa perspectiva, o que se presenciou no Estado de Minas Gerais foi a ampliação de uma proposta de “Estado Penal”, pois a Secretaria de Estado e Defesa Social de Minas Gerais passou a investir a partir de 2004 consideravelmente no aumento do número de vagas de internação no Estado, que passou de 400 para 900, em 2008. No entanto, a liberação dessas novas vagas não produziu o impacto de estabilização esperados pela política, mantendo crescente a demanda de vagas. Dessa forma, tornou-se fundamental traçar uma política que integrasse em suas ações uma parceria efetiva com os municípios na execução das medidas de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e Liberdade Assistida (LA) e, também, uma nova orientação para execução da medida de semiliberdade, de forma a garantir a excepcionalidade da internação. No entanto, após levantamentos feitos pela SEDS, no que tange as medidas de PSC e LA, verificou-se que na grande maioria dos municípios mineiros, as medidas socioeducativas em meio aberto não 10 formam implantadas ou não cumprem o seu papel, em virtude da desarticulação técnica do órgão municipal executor com o Poder Judiciário e /ou Ministério Público. Nesse contexto, são identificados avanços, apenas com o surgimento da Política Nacional de Atendimento as Medidas Socioeducativas, em 2006, e com a implantação da Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo- SUASE, em 2007, a qual se subdivide em Superintendências: uma para a gestão das Medidas de Privação de Liberdade, que substitui a antiga Superintendência de Atendimento às Medidas Socioeducativas-SAME, e outra que inaugura uma nova orientação na estratégia da ação do Estado no atendimento ao adolescente autor de ato infracional, a Superintendência de Gestão das Medidas de Meio Aberto e Semiaberto. Embora as iniciativas do governo de estado tenham se apresentado de forma embrionária, é possível observar a utilização de estratégias distintas, desde o ano de 2006, destacam: a elaboração do Plano Estadual de Capacitação e a realização de transferência de recursos financeiros às instituições responsáveis pela execução de medidas. O apoio do Estado aos municípios se subdivide em três momentos: mobilização e articulação da rede local, capacitação técnica das equipes do programa e dos parceiros e acompanhamento de execução da medida. A elaboração de Plano Estadual de Capacitação, no ano de 2008, proporcionou qualificação e capacitação para as entidades que executam as medidas socioeducativas. Em 2009 a SUASE ofereceu um curso de Pós-Graduação em Gestão de Medidas Socioeducativas, com o objetivo de qualificar os operadores do Sistema, uma vez que a atuação destes operadores se reflete na qualidade programas destinados aos adolescentes em conflito com a lei e consequentemente, na efetivação da política da SUASE. Porém, a inexistência de contra partida de recursos do Poder Público local, para subsidiar: infra-estrutura, quantitativo pessoal, transporte, dentre outros, aliado a ausência de transversalidade entre as políticas públicas, a ausência de monitoramento e fiscalização por parte do Estado, tem contribuído para uma ineficácia das medidas socioeducativas de meio aberto no Estado de Minas Gerais, o que contribui para que cada município execute a medida a seu modo particular, sem haver uma articulação a nível estadual. Nesse sentido, 11 “ao mesmo tempo em que surgem novas possibilidades, reforçam-se traços de continuidade em que privilegiam práticas conservadoras em detrimento da garantia dos direitos” (YASBEK, 2001). Podemos afirmar que o SINASE não conseguiu ultrapassar as proposições de proteção e punição presente em outras legislações, e pelo contrário, conserva-se como uma legislação de controle social dos adolescentes em conflito com a lei. 12 REFERÊNCIAS ARRETCHE, M. Estado Federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 2000. BEHRING, Elaine Rossetti. A Contra-Reforma do Estado no Brasil. Tese (doutorado em Serviço Social), Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da UFRJ, Rio de Janeiro, 2002. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil.Texto constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constitui%C3% ao.htm.Acesso em: 12 fev.2012. _______.Decreto-lei nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Institui o Código Penal Brasileiro. _______.Direitos Humanos, 1995-2002: políticas públicas de proteção. Secretaria de Estado dos Direitos Humano, Brasília: Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2002. _______. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, Ministério da Justiça, Brasília: 1990. _______.Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal. _______. Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. Ministério da Previdência e Assistência Social/ MPAS-FUNABEM/ Fundação Nacional do Bem Estar do Menor. CÓDIGO DE MENORES. _______. Levantamento Nacional dos Adolescentes em Conflito com a Lei. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Brasília, 2006. _______, Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Brasília, 2006. BRITO, Leila Maria Torraca de. Responsabilidades: Ações Sócio-Educativas e Políticas Públicas para a Infância e a Juventude no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ED. UERJ, 2000. DCA/IPEA. Mapeamento Nacional da Situação das Unidades de Esxecução de Medidas Socioeducativas e Privação de Liberdade ao Adolescentes em Conflito com a Lei, Brasília: Unicef, 2002. FOUCAUT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 28º ed. Petrópolis: Vozes, 2004. IBGE. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Brasília: IBGE, 2003. 13 MATTOS, Virgilio de (org). Desconstrução das Práticas Punitivas. Belo Horizonte: CRESS 6ª Região/ CRP-MG: 2010. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 1993. SALES. Mione Apolinário. (In) visibilidade perversa: adolescentes infratores como metáfora da violência. São Paulo: Cortez, 2007. TORRES, Andréia Almeida. Crítica do tratamento penitenciário e a Falácia da Ressocialização. In: Revista de Estudos Criminais. São Paulo, Nº 26, Nota Dez, 2009. VOLPI, Mário (org.). O adolescente e o Ato Infracional. 9ªed. São Paulo: Cortez, 2011. YASBEK, Maria Carmelita. Pobreza e Exclusão social: Expressão da questão Social no Brasil. Revista Temporalis/Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Brasília, Ano 2, n.3, p33-39, jan/jul.2001. WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Fase, 2001. _________________. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 3 Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.