Revista Jurisvox, n. 14, vol. 2, dez. 2013, 153-170 © Centro Universitário de Patos de Minas http://jurisvox.unipam.edu.br Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito1 Possibility of inscription of alimony debtor’s name on credit protection agencies Betânia Nunes de Sousa Aluna do 9º período de Direito do Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM. E-mail: [email protected] Resumo: A inclusão do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito, tais como SPC e SERASA, é uma medida que ainda não possui previsão legal, porém, já foi adotada em alguns tribunais visando à complementação e aprimoramento das formas de execução de alimentos existentes, que, por vezes, demonstram-se falhas e ineficazes. O Tribunal pioneiro na adoção da medida é o Tribunal de Justiça de São Paulo, que, desde o ano de 2010, tem firmado o entendimento de que essa possibilidade viabiliza uma maior efetividade na tutela do direito do alimentando em ver seu crédito satisfeito, e, por conseguinte, sua subsistência assegurada. Por ser um entendimento novo e sem previsão expressa na legislação pátria, ainda possuem divergências acerca de sua aplicabilidade. Tribunais como do Estado do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e até algumas Câmaras Cíveis do de São Paulo entendem-na descabida tendo em vista que, para eles, os órgãos restritivos de crédito não se prestam a tais serviços, mas tão somente aos relativos à matéria consumerista. Destarte, com o desenvolvimento do presente trabalho, analisar-se-ão tais posicionamentos, com o fito de verificar os pontos controvertidos, analisar a eficácia dos recursos para se cobrar os alimentos conforme a legislação atual, estudar casos em que se foi decidido pela inclusão do nome do devedor de alimentos nos órgãos restritivos de crédito bem como os efeitos desta inclusão, para, assim, demonstrar a possibilidade de se adotá-la, apontando os benefícios e prejuízos que tal medida pode acarretar. Palavras-chave: Alimentos. Devedor de pensão alimentícia. Inclusão. Órgãos Restritivos de Crédito. Abstract: The inclusion of the name of the debtor alimony in restrictive credit agencies such as SPC and SERASA , is a measure which does not have legal provision , however, it has already been adopted in some courts aimed at complementing and enhancing the ways of implementation of food alimony existing, which, sometimes, show up failures and ineffective. The pioneer in the adoption of measurement Court is the Court of São Paulo, which, since 2010, has signed an understanding that this possibility enables greater effectiveness in protecting the right of the person who sees its credit pleased, and, therefore, the livelihood guaranteed. Being a new understanding without prevision expressed in the legislation, still have disagreements about its applicability. Courts of Rio Grande do Sul, Minas Gerais and even some Civil Chambers of São Paulo understand it as being misplaced, considering that, for them, the restrictive credit agencies do not lend themselves to such services, but only to the services related to the consumption matter. Thus , with the development of this work, it will be examined whether such positions - with the aim of checking the controversial points, analyze 1 Trabalho orientado pela prof. Raquel Nascimento Cunha. 153 Betânia Nunes de Sousa the effectiveness of resources to collect the alimony according to the current legislation, to study cases in which it was decided by the inclusion of the debtor’s name in the restrictive credit agencies as well as the effects of this inclusion , thereby, to demonstrate the possibility of adopting it , pointing out the benefits and harms that such measure might entail. Keywords: Alimony. Debtor alimony. Inclusion. Restrictive Credit organs. 1 Introdução Diante da necessidade de se dar um provimento mais efetivo à execução de alimentos, propõe-se uma análise de sua eficácia nos casos concretos visando ao aprimoramento da tutela dos interesses de quem não pode, por si só, prover seu próprio sustento. Para executar os alimentos fixados judicialmente e não pagos, o credor tem, conforme dispõe o ordenamento jurídico que regula o assunto, os seguintes meios: desconto em folha de pagamento, desconto de rendimentos ou aluguéis, expropriação de bens e prisão civil. Contudo, o que se percebe é que tais medidas não têm se mostrado tão aptas a assegurar a efetivação do direito do credor perante aquele que lhe deve alimentos. Este tem encontrado, constantemente, formas para driblar a aplicação da lei, se escusando, pois, de cumpri-la. Destarte, no presente trabalho, pretende-se demonstrar uma nova forma de coerção do devedor de alimentos: a inclusão do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito. Embora não haja previsão legal para sua aplicação, esta medida vem sendo adotada em alguns tribunais brasileiros. Realizou-se, pois, uma análise acerca dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais que norteiam o assunto, para se chegar a uma conclusão sobre o benefício e prejuízos de sua aplicação nos casos concretos. Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se o método dedutivobibliográfico, fazendo-se uso de obras jurídicas, bem como da legislação pátria. O conteúdo foi levantado através de consulta a livros, artigos, doutrinas, jurisprudência. Para o estudo de casos, utilizou-se a pesquisa documental, na qual foram analisadas ementas dos acórdãos proferidos por Tribunais Superiores Brasileiros bem como os votos dos seus ministros em processos em que se discute a possibilidade ou não da inclusão do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito. 2 Noções gerais sobre os alimentos 2.1 Alimentos na Visão Civil-Constitucional Considerando os avanços pelos quais a sociedade passou ao longo dos tempos, percebe-se que a atual entidade familiar sofreu algumas mudanças: passou a ser compreendida como um instrumento de proteção da pessoa que a compõe baseado no afeto e na solidariedade familiar. Deixou-se, portanto, a compreensão de núcleo econômico e reprodutivo, passando-se à de unidade socioafetiva baseada nos princípios e fundamentos constitucionais. (FARIAS, et al, 2010, p. 664). 154 Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito Nesse sentido, ao analisar o direito aos alimentos e a aplicabilidade dos princípios constitucionais a este instituto do Direito de Família, percebe-se a preocupação do legislador com a tutela do direito fundamental à vida do alimentando na medida em que visa a garantir meios de prover seu sustento de forma digna. O direito à vida, base norteadora do direito aos alimentos, é o direito mais fundamental, já que representa um pré-requisito à existência e ao exercício de todos os demais direitos. Ele se vincula ao direito a integridade física, alimentação, vestuário digno, moradia, assistência médica, descanso e demais serviços sociais essenciais (MENDES, et al, 2010), representando o mínimo necessário para se viver dignamente. A dignidade da pessoa humana é o fundamento maior da República Federativa do Brasil tendo previsão no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Deve, pois, ser observado em todas as relações, sendo dever do Estado adotar as medidas necessárias para promovê-la, conforme explica Carlos Roberto Gonçalves: o Estado tem interesse direto no cumprimento das normas que impõem a obrigação legal de alimentos, pois a inobservância ao seu comando aumenta o número de pessoas carentes e desprotegidas, que devem, em consequência, ser por ele amparadas. Daí a razão por que as aludidas normas são consideradas de ordem pública, inderrogáveis por convenção entre os particulares e impostas por meio de violenta sanção, como a pena de prisão a que está sujeito o infrator. (2009, p. 456) Destarte, percebe-se a importância conferida pelo Estado ao instituto dos alimentos, no direito de família, já que possibilita, por meio daquele que tem o dever de alimentar, a assistência aos cidadãos que não conseguem, por si só, promover a sua mantença de forma digna. 2.2 Conceito e Natureza Jurídica Os alimentos representam as prestações necessárias para se garantir a satisfação das necessidades básicas do indivíduo no tocante à alimentação, vestuário, habitação, saúde, educação, lazer, entre outras necessidades, desde que não sejam supérfluas. Sua previsão encontra-se no Código Civil Brasileiro de 2002, que, em seu artigo 1.695, prevê que os alimentos são devidos à pessoa que não pode promover, por si só, a própria mantença por aquele que pode fornecê-los, sem, contudo, comprometer seu próprio sustento. Aplicando o princípio vetor constitucional no âmbito alimentício resulta que os alimentos tendem a proporcionar uma vida de acordo com a dignidade de quem recebe (alimentando) e de quem os presta (alimentante), pois nenhuma delas é superior, nem inferior. Nessa linha de ideias, resulta que fixar o quantum alimentar em percentual aquém do mínimo imprescindível à subsistência do alimentando ou além das possibilidades econômico-financeiras do devedor ofende, de maneira direta, o princípio da dignidade humana. (FARIAS e ROSENVALD, 2010, p. 664) Assim sendo, a fixação dos alimentos deve atentar-se para as reais necessidades do alimentando bem como para as possibilidades do alimentante, já que, embora este 155 Betânia Nunes de Sousa tenha o dever de alimentar, não deve ser excessivamente onerado se isso lhe causar prejuízos em sua própria subsistência. Entende-se, majoritariamente, que a natureza jurídica da obrigação de prestar alimentos possui conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, embora alguns entendam tratar-se de direito pessoal extrapatrimonial, ou apenas de direito patrimonial. (GONÇALVES, 2009). 2.3 Obrigação Alimentar e suas Características Segundo dispõe o artigo 1.964 do Código Civil, os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir, uns aos outros, os alimentos de que necessitem para viver de forma digna, percebendo-se, assim, que a obrigação funda-se, principalmente, no parentesco. A característica fundamental da obrigação legal de alimentos está na íntima relação entre o direito aos alimentos e o direito à vida. Como cada um tem direito à vida, é justo que o grupo social a que o indivíduo pertença lhe forneça os meios necessários para viver. Se o indivíduo não é capaz com recursos próprios de assegurar sua subsistência, esta obrigação compete ao Estado; mas, antes de caber ao Estado, cabe aos parentes, aos membros da família lato sensu, da qual o indivíduo faz parte e que tem a obrigação de sustentá-lo. Esta íntima relação entre o direito à vida e o direito aos alimentos define todas as características da obrigação alimentar. (DANTAS, 1991, p. 331 apud SANTOS, 2009, p. 55) Além do vínculo de parentesco, haverá de se observar a necessidade do reclamante de obter um auxílio para prover seu sustento por não ter meios de o fazer sozinho e também se o reclamado tem condições de prestar esse auxílio sem comprometer seu próprio sustento. Logo, deve ser observada a proporcionalidade, no momento da fixação dos alimentos, entre a necessidade do alimentando e as condições do alimentante. Diante do seu caráter essencial e personalíssimo, os alimentos não podem ser cedidos, seja onerosa ou gratuitamente, assim como não podem ser compensados com outras dívidas e devem ser fixados levando-se em conta as peculiaridades do alimentando e do prestador. Registre-se que o crédito alimentício é impenhorável, conforme reza o art. 1.707 do Código Civil, além de ter preferência no pagamento em casos de concurso de credores dada a sua importância na vida do alimentando. Cumpre mencionar, ainda, que o direito aos alimentos é imprescritível, podendo ser postulado a qualquer momento se houverem os pressupostos para seu cabimento, sendo o prazo prescricional de dois anos para se cobrar alimentos fixados judicialmente e não pagos a partir da data de vencimento. 2.4 Execução de Alimentos Conforme a Legislação Vigente 156 Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito A Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1.968 (Lei de Alimentos), dispõe sobre a ação de alimentos estabelecendo o rito especial, se já houver prova previamente constituída do parentesco ou do dever alimentar. Na impossibilidade de se fazer prova do parentesco, a ação cabível é a de rito ordinário, segundo preceitos do Código Processual Civil, podendo ainda ser formulado pedido cautelar ou de tutela antecipada conforme o caso. A execução dos alimentos está disciplinada nos artigos 732 a 735 do Código de Processo Civil e na Lei de Alimentos nos artigos 16 a 19. Optar-se-á pela via executiva comum, na qual a prestação alimentar é executada como dívida por quantia certa, citando-se o devedor para pagar em três dias sob pena de penhora; ou ainda pela via executiva especial, na qual o devedor estará sujeito à prisão civil. Destaca-se que não há distinção entre a execução da prestação alimentícia entre os tipos de alimentos, podendo ser os naturais, civis, definitivos, provisórios ou provisionais. (WAMBIER, 2008, p. 479). As modalidades de execução da prestação alimentícia são: desconto em folha de pagamento, cobrança em aluguéis ou outros rendimentos do devedor, execução coercitiva, que são a prisão civil e a execução expropriatória, segundo o procedimento estabelecido para o cumprimento da sentença no Código de Processo Civil. Vale ressaltar que a execução por coerção (prisão do devedor) somente pode ter como causa de pedir o inadimplemento das três parcelas vencidas antes do ajuizamento da ação. Entende-se que as prestações pretéritas perdem o caráter alimentar, não sendo possível, pois, a prisão do devedor. (DONIZETTI, 2009, p. 339). Nesse sentido, a súmula 309 do STJ estabeleceu que a prisão civil do alimentante deve ser referente ao débito das três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e das que se vencerem no curso do processo. Entende-se que as prestações passadas não são mais tão urgentes a ponto de serem englobadas como causa de pedir na execução por prisão civil, já que o credor conseguiu manter-se sem elas, podendo ser cobradas pelas outras vias executivas. Embora o Código de Processo Civil não tenha determinado a ordem a ser adotada na execução, a Lei de Alimentos deu preferência em reservar os meios mais severos, tais como a prisão e a expropriação, para quando as outras tentativas de execução forem frustradas. Tal gradação na aplicação das medidas executórias atende tanto aos interesses do credor, que pode receber as prestações que lhe são devidas pelo meio mais simples e ágil de cobrança, quanto do devedor, que somente terá sua prisão decretada ou seus bens expropriados em última hipótese. 3 Ineficácia dos meios executórios da prestação alimentícia Os meios executórios das prestações alimentícias não satisfeitas foram pensados visando a atender com a máxima efetividade aos princípios que norteiam o direito aos alimentos. Tanto é que, dentre tais medidas, se autoriza, como única exceção à regra, a prisão civil do devedor de pensão alimentícia. Contudo, na prática, essas medidas não 157 Betânia Nunes de Sousa têm se mostrado plenamente eficazes de forma que muitos acabam se eximindo das obrigações, fugindo à atuação do Judiciário. A prática revela que muitas vezes o provimento jurisdicional se mostra inócuo na solução dos conflitos, e a prisão civil para os casos de inadimplemento não é a solução mais benéfica, pois muitos acabam por encarar a prisão como uma escapatória para o não pagamento da pensão alimentícia, seja porque o pai está foragido ou porque o prazo da prisão já tenha sido cumprido. (SILVA, 2011, p. 1). Ademais, o desconto em folha de pagamento ou em rendas do devedor não é possível àquele que possui renda a partir de economia informal e que, por isso, é difícil auferir o quanto recebe. Também a expropriação dos bens daqueles que, por vezes, propositalmente, não mantém bens em seu nome resta frustrada. Destarte, buscou o judiciário como alternativa à coerção do devedor de alimentos a inclusão do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito, tais como SPC e SERASA. 4 Primeiras determinações pela inclusão do nome do devedor de alimentos nos órgãos restritivos de crédito – SPC/SERASA Conforme notícia publicada na revista eletrônica Consultor Jurídico, o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu, pioneiramente, em meados de julho de 2010, decisão determinando a inclusão do nome de um pai, devedor de pensão alimentícia, nos cadastros de inadimplentes dos órgãos SPC/SERASA, somente sendo possível sua retirada mediante o pagamento da dívida. Desde o início daquele ano, a Defensora Pública do Estado de São Paulo, Cláudia Tannuri, já incluía o pedido de restrição ao crédito nas ações de execução de alimentos e, desde então, foram proferidas cerca de quarenta decisões liminares em primeiro grau prevendo tal medida. Assim sendo, a referida decisão proferida em segundo grau que autorizou tal restrição confirmou a teoria defendida pela Defensora de que os juízes podem determinar certas medidas não previstas expressamente no ordenamento para consolidar e fazer valer as leis já existentes. Segundo ela, este tipo de decisão contribui para coagir o devedor que possui renda a partir de economia informal, e que, por isso, não é possível o desconto em sua folha de pagamento, bem como aquele que se encontra foragido, não sendo possível a sua prisão, entre outros casos, a pagar o débito tendo em vista os prejuízos que a restrição ao seu crédito pode lhe causar. (CONSULTOR JURÍDICO, 2010). Assim, passa-se à análise de alguns julgamentos favoráveis à adoção da medida: AGRAVO REGIMENTAL - ALIMENTOS - EXECUÇÃO - Pretensão do exequente de inscrever o nome do devedor contumaz de alimentos nos cadastros do SERASA e SCPC - Negativa de seguimento por manifesta improcedência - Impossibilidade Medida que se apresenta como mais uma forma de coerção sobre o executado, para que este cumpra sua obrigação alimentar - Inexistência de óbices legais 158 Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito Possibilidade de determinação judicial da medida - Inexistência de violação ao segredo de justiça, uma vez que as informações que constarão daqueles bancos de dados devem ser sucintas, dando conta apenas da existência de uma execução em curso - Privacidade do alimentante que, ademais, não é direito fundamental absoluto, podendo ser mitigada em face do direito do alimentado à sobrevivência com dignidade - Ausência de violação ao artigo 43 do CDC, uma vez que tal artigo não faz qualquer restrição à natureza dos débitos a serem inscritos naqueles cadastros - Cadastros que, ademais, já se utilizam de informações oriundas de distribuidores judiciais para inscrição de devedores com execuções em andamento, execuções estas não limitadas às relações de consumo - Argumento de que o executado terá dificuldades de inserção no mercado de trabalho que se mostra fragilizado, ante a possibilidade de inscrição de outros débitos de natureza diversa - Manifesta improcedência não verificada - Agravo de instrumento que deverá ser regularmente processado e apreciado pelo Órgão Colegiado, para que se avalie se estão presentes as condições para concessão da medida - Recurso Provido (TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, AR nº 990.10.088682-7/50000. Rel. Egidio Giacoia, 25/05/2010). Ao dar provimento ao recurso interposto contra decisão que denegou o pedido de inscrição do nome do devedor contumaz de alimentos nos cadastros do SERASA e SPC, o Tribunal de Justiça de São Paulo vem firmando seu posicionamento sobre essa questão, sob o ponto de vista de que esta representa mais uma forma de coerção do devedor, não possuindo vedação legal à sua adoção. Reforçando esse entendimento, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo julga: Execução de alimentos - Inserção do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito concreto - Decisão recorrida que indeferiu a pretensão - Inconformismo da exequente. Acolhimento. Circunstâncias do caso autorizam a medida - Se o procedimento especial autoriza medida extrema de prisão do devedor, mais justificada a possibilidade de meio excepcional menos gravoso ao devedor na busca pela satisfação do crédito, em razão da própria natureza e da urgência da pretensão perseguida - Decisão reformada. Recurso provido. (TJSP, 9ª Câmara de Direito Privado, AG Nº 0187568-19.2010.8.26.0000, Rel. Des. Viviani Nicolau, j. 01/02/2011) Nesta situação, a parte interessada afirma que o executado se trata de devedor contumaz de alimentos, há muito não prestando auxílio financeiro a sua filha. As tentativas para sua localização foram frustradas, motivo pelo qual a decretação de sua prisão não surtiu efeito, já que o mandado não fora cumprido. Dessa forma, o tribunal entendeu pelo provimento do recurso, ensejando a expedição de ofícios ao SPC e SERASA para inscrição do nome do devedor de alimentos em seus cadastros. A relatora do processo apontou que a medida é buscada porque gerará uma publicidade, obviamente indesejada pelo devedor de alimentos, o que não acontece no âmbito restrito da execução do julgado, que se limita ao conhecimento das partes envolvidas no litígio. Todo o sistema creditício é alimentado com a notícia da inadimplência e o devedor sofre 159 Betânia Nunes de Sousa uma série de restrições, desde a inviabilidade de fazer compras, de forma parcelada, até a negativa de empréstimos [...]. (NICOLAU, 2011, p. 3). Destacou-se, ainda, que o pedido de negativação deve ser aferido pelo magistrado com base na análise do caso concreto com vistas a se evitar prejuízos de difícil reparação às partes. 5 Influência da legislação estrangeira Na Província de Buenos Aires, regulamentado pela Lei nº 13.074/2003, funciona um Registro de Devedores Morosos que tem por finalidade inscrever, por ordem judicial, o nome dos devedores de pensão alimentícia referente a cinco pensões alternadas ou a três sucessivas. As consequências desta medida são a impossibilidade de se abrir contas ou de se adquirir cartões de crédito, impossibilidade de se exercer quaisquer cargos eletivos, judiciais ou hierárquicos no Governo daquela cidade, bem como de se obter licenças, concessões, habilitações que dependam deste, ou ainda de ser provedor de algum organismo da referida cidade. Também o Peru possui uma lei que regula a criação de um Registro no qual são inscritos os inadimplentes de no mínimo três prestações alimentícia, sucessivas ou não, estabelecidas em sentença judicial. (LOUZADA, 2008). No ordenamento jurídico brasileiro não há, ainda, lei que preveja tal mecanismo de coerção do devedor. Entretanto, como se observa, alguns tribunais já apresentam tendências ao seu reconhecimento. Ana Maria Gonçalves Louzada (2008) defende que, a exemplo das leis argentina e peruana, essa medida pode ser adotada no Brasil, bem como quaisquer outras que garantam a satisfação do débito. Pondera-se que são medidas que, notadamente, produzem resultados positivos naqueles países, e que, por isso, devem ser trazidas ao nosso ordenamento jurídico para assegurar a efetiva proteção à vida do alimentando, que, pela sua importância, ora se sobrepõe a eventuais direitos do devedor. 6 Projetos de lei Atualmente tramitam alguns Projetos de Lei no Congresso Nacional Brasileiro que visam à inserção, na legislação pátria, da medida de inclusão no nome do devedor de alimentos nos órgãos restritivos de crédito. Cita-se o Projeto de Lei nº 119/11, apresentado pelo Deputado Assis Melo, que visa a acrescentar ao artigo 24 da Lei nº 5.478/68 parágrafo único estabelecendo que o devedor de prestações alimentícias, impostas em sentença transitada em julgado, que se encontrar ausente de seu domicílio sem ter deixado noticias terá seu nome incluso no cadastro de devedores. Pretende-se proteger os interesses da pessoa que tem o provimento jurisdicional a seu favor, mas que não consegue efetivá-lo, já que não há como se executar a sentença contra alguém que está foragido. Nesse sentido, também há o Projeto de Lei nº 799/11, apresentado pelo Deputado Paulo Abi-Ackel, que propõe o acréscimo, à Lei de Alimentos, do art. 24-A 160 Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito para dispor sobre a inclusão, em Serviços de Proteção ao Crédito, daquele que deixar, sem justo motivo, de pagar a pensão alimentícia judicialmente fixada. Tal projeto pretende aprimorar a legislação existente que regula a matéria de alimentos, já que a prisão civil do devedor não tem se mostrado tão eficiente ao fim a que se destina, além de representar um trauma para aquele alimentado que possui forte vínculo afetivo com o alimentante, não desejando vê-lo preso. Acredita-se que a inclusão do nome do devedor de alimentos em Sistemas de Proteção ao Crédito, a exemplo do SPC e SERASA, é uma boa alternativa à coerção do devedor, pois este ficaria proibido de comprar a prazo e fazer empréstimos, gerando-lhe um transtorno em sua vida privada. Cita-se, também, o Projeto de Lei nº 906/11, apresentado pelo Deputado Marcio Marinho, que tramita apensado ao PL nº 799/11, e propõe a alteração do artigo 19 da Lei nº 5.478/68, acrescentando, ainda, a possibilidade de o juiz determinar a inclusão do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos de proteção ao crédito até a quitação da dívida. Percebe-se, pois, que há tendências favoráveis à adoção desta medida, não somente pelo Judiciário, mas também dentro das Casas Legislativas. Porém, os mencionados Projetos de Lei, apesar de manifestarem uma tendência à receptividade de tal medida, não exprimem opinião dominante, tampouco, pacificada. Ademais, como observado, são vistos meramente como tendência, já que, até sua aprovação e sanção, não tem força de lei. 7 Posicionamentos contrários A possibilidade de inclusão do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito como forma de coerção do devedor é uma medida que vem ganhando espaço na jurisprudência e doutrina brasileiras, entretanto esse entendimento ainda não é pacífico. Alguns tribunais, a exemplo dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, se posicionam contrariamente à medida. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende descabida essa medida tal como se observa a partir dos seguintes julgados: AGRAVO INTERNO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE NEGATIVAÇÃO DO NOME DO EXECUTADO JUNTO A ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DESCABIMENTO. (Agravo Interno Nº 70044052934, Oitava Câmara Cível, TJRS, Relator Ricardo Moreira Lins Pastl, 18/08/2011) Argumenta-se, no referido julgado, que os órgãos de proteção ao crédito, tais como SPC e SERASA, são empresas privadas que cobram pela utilização de seus serviços, sendo estes voltados para a concessão de crédito no mercado de consumo e não para prestarem serviços ao Judiciário. Assevera-se, ainda, que não há qualquer previsão legal para amparar o pedido de inclusão de nomes de devedores de alimentos nos registros de tais órgãos e que Projetos de Lei nesse sentido ainda não possuem o condão de autorizar tal medida. Assim, conclui-se pela validade dos meios já 161 Betânia Nunes de Sousa regulamentados em lei para compelir o devedor de alimentos, não reconhecendo, tal Tribunal, quaisquer pedidos nesse sentido. Cita-se também: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE INCLUSÃO EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. NÃO CABIMENTO. (Agravo De Instrumento Nº 70037692159, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Rui Portanova, 21/07/2010) Ressalta o Desembargador Rui Portanova, no julgado supra, que os órgãos restritivos de crédito estão sob o controle do Poder Judiciário apenas para se evitar os abusos cometidos pelos fornecedores de produtos e serviços de consumo que incluem, indevidamente, os nomes dos consumidores em tais órgãos, não devendo, pois, serem utilizados para fins de coerção no âmbito do Direito de Família. Tem-se, ainda na Sétima Câmara Cível: EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO EM CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. DESCABIMENTO. (TJRS, Sétima Câmara Cível, AG nº 70 043 906 114, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, 14/07/2011) Aponta-se, no julgado citado, a incompatibilidade de tal medida diante da finalidade para a qual existem os órgãos restritivos de crédito. A Serasa, conforme esclarece o Relator (CHAVES, 2011, p. 2), é uma empresa privada que possui dados cadastrais de empresas e pessoas, além de registro de informações negativas relativas a dívidas, registros de protestos de títulos, ações judiciais, cheques sem fundos e demais que sejam provenientes de fontes públicas e oficiais. Tais informações são fornecidas aos bancos, lojas, empresas conveniadas com o fito de alertá-los antes do fornecimento de crédito, dando, assim, maior segurança às relações comerciais e de consumo. Já o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), representa um banco de dados com informações de crédito organizado por associações comerciais e câmaras de dirigentes lojistas que trocam entre si informações, através da Rede Nacional de Informações (RENIC) como meio, também, de se dar mais segurança à concessão de crédito no mercado. Contrário à medida em debate, se posiciona, também, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. REGISTRO DO NOME DO EXECUTADO NOS CADASTROS RESTRITIVOS AO CRÉDITO. ARTIGO 461 DO CPC. INAPLICABILIDADE. SPC E SERASA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 155, §2º DO CPC. SEGREDO DE JUSTIÇA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO. DECISAO MANTIDA. (TJMG, Segunda Câmara Cível, AG nº 1.0024.08.124419-6/001, Rel. Des. Afrânio Vilela, 05/07/2011) 162 Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito Defende-se que não é cabível a medida com base no artigo 461 do CPC, o qual dispõe sobre a possibilidade de o juiz adotar as medidas necessárias para a efetivação do adimplemento da obrigação, entendendo-se que tal dispositivo, por tratar das obrigações de fazer e não fazer, não abrange as execuções por quantia certa contra devedor solvente, não abrangendo, portanto, as execuções alimentares. Ademais, acredita-se que há violação ao segredo de justiça, já que a medida de inclusão do nome do devedor de alimentos em órgãos restritivos de crédito constitui medida de caráter público. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DEVEDOR. INCLUSÃO DO NOME NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. SPC E SERASA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL. VIOLAÇÃO AO SEGREDO DE JUSTIÇA. (TJMG, Primeira Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº1.0433.09.308261-1/001, Rel. Eduardo Andrade, 05/06/2012) Tamanha a divergência de posicionamentos que norteia o tema, têm-se, dentro do próprio Tribunal que pioneiramente proferiu a decisão que reconheceu a aplicabilidade da medida, Câmaras que a julguem descabida. É o que se vê a partir da decisão proferida na 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo: ALIMENTOS. EXECUÇÃO. CONFIRMA-SE INDEFERIMENTO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO PARA A SERASA E O SPC. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 001195378.2011.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Vilenilson, 06/09/2011) A 10ª Câmara de Direito Privado deste mesmo Tribunal também discorda da medida, que, nas palavras do Desembargador João Carlos Salleti (2011, p. 3), em julgamento de Agravo de Instrumento, acaba sendo prejudicial ao próprio alimentado, na medida em que pode influenciar na perda de emprego do devedor, ou dificultar sua inserção no mercado de emprego. O mesmo acredita que os meios executórios vigentes, tais como prisão e expropriação, já bastam para a coerção do devedor. 8 Possibilidade da adoção da medida e sua eficácia Apesar de muitos tribunais ainda se manterem conservadores com relação à inserção do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito, acredita-se ser esta uma medida inovadora, capaz de cumprir a finalidade maior que norteia o instituto dos alimentos, que é a garantia da subsistência dos que deles necessitam. Visa-se à tutela de um bem maior, que é a vida do alimentado. Assim, se é esta a medida que se apresenta eficaz, muitas vezes até mais que as previstas legalmente, deve sim, ser aplicada nos casos concretos. Observam-se os exemplos da Província de Buenos Aires e Peru, já mencionados, que possuem órgãos nos quais são cadastrados os devedores de alimentos que, a partir de então, têm diversos direitos restringidos, tais como o de se abrir contas, o de se adquirir cartões de crédito, o de se exercer cargos eletivos, judiciais ou hierárquicos no Governo, entre outros, que gerem diversos transtornos na vida do devedor. 163 Betânia Nunes de Sousa Tendo em vista que nesses países tais medidas realmente funcionam, é plenamente viável sua adoção também no Brasil, mediante determinação judicial. É o que defende Louzada: ao ser determinada judicialmente a inscrição dos devedores recalcitrantes nesses órgãos, é bem provável que o contumaz devedor, ao ter seus direitos subtraídos, pense muito antes de deixar de pagar pensão alimentícia aos seus dependentes econômicos. Essas medidas que possuem força coercitiva em relação ao pagamento da verba alimentar (notadamente aquelas expressas nas Leis argentina e peruana) são passíveis de serem determinadas (ainda que não exista lei nacional regulando a matéria), eis que o direito à sobrevivência, à vida com dignidade sobrelevam-se a eventuais direitos do devedor. (2008, p. 183). A inclusão do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos de proteção ao crédito, por produzir certas dificuldades na vida do devedor _ impedindo-o de conseguir empréstimos, compras a prazo, financiamentos, concessão de crédito, aluguel de imóveis, realização de seguros de automóveis _ pode coagi-lo a optar por adimplir seu débito. Segundo defende Ramires (2012, p. 3), Defensor Público do Estado do Mato Grosso, com tais negativações determinadas judicialmente, independentemente do lugar que esteja dentro do território nacional, o executado não poderá se esquivar dos efeitos da medida, já que, ao pretender realizar qualquer compra a prazo, que atualmente constitui prática comum, teria seu acesso ao crédito negado. Ao perscrutar o motivo, o devedor tomaria ciência de que o obstáculo é a pendência alimentar, o que geraria uma situação absolutamente constrangedora, tendente a influenciá-lo a satisfazer a obrigação. É fato que, para a execução de alimentos, já existem medidas legalmente previstas, como desconto em folha de pagamento, cobrança em aluguéis ou outros rendimentos do devedor, por execução coercitiva por meio da prisão civil e da execução expropriatória. Contudo, muitas vezes, elas não têm se mostrado eficazes, tornando-se, portanto, obsoletas. É o que aponta Grisard Filho: na prática, entretanto, tais medidas não têm dado o resultado esperado pelo legislador, mormente a prisão civil, pois, de nada serve ao filho ter um pai processado e preso. Daí, que se adotam medidas não expressamente previstas para esse fim, mas de aplicação possível e com resultados mais eficazes. (2006, p. 8). Isso se dá quando o devedor encontra brechas para escapar à sua aplicação, como quando a pessoa que detém emprego informal, ou mesmo seja profissional liberal, ocasiões em que se torna difícil auferir com exatidão seus rendimentos para que se proceda ao desconto em folha de pagamento ou sobre a renda. Citam-se, ainda, os casos das pessoas que não possuem bens para serem expropriados, ou mesmo daqueles que se encontram foragidos, sendo, por isso, impossível a execução do respectivo mandado de prisão. Ademais, mesmo que cumpram o período de prisão, se permanecerem inadimplentes, não podem ser presos 164 Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito novamente pelo referido débito. Percebe-se, assim, que nem mesmo a prisão, uma das medidas mais severas _ sendo a única forma de prisão civil admitida no Direito Brasileiro dada a importância do bem tutelado _ tem servido mais à coerção do devedor. Este faz uso de inúmeros subterfúgios para procrastinar, ao máximo, o adimplemento da obrigação alimentar, o que, inegavelmente, prejudica a mantença do credor. Com relação a tais fatos, critica o Professor Rolf Madaleno: processos lentos e insolúveis têm desacreditado leis e desmentido advogados, juízes e promotores, pois a estes que operam o direito, tem sido delegado o inglorioso esforço de buscar amenizar as angústias e de aparar os deletérios efeitos psicológicos causados sobre o credor de alimentos sempre quando constata e assimila que a realidade das demandas de execução alimentícia, no atual estágio processual em que se apresentam, mais tem servido ao renitente devedor, do que ao desesperado credor. (2000, p. 64; apud MOLD, 2008, p. 3). Assim, não é excessiva a aplicação de mais um instrumento passível de pressionar o devedor de alimentos. Faz-se necessário que o Judiciário, na omissão da lei, neste caso, se pronuncie determinando as medidas necessárias ao alcance da finalidade da execução de alimentos, que é a tutela da vida do alimentado, a partir do auxílio a ser prestado por quem tem a obrigação de alimentar. Há que se dar uma interpretação teleológica à lei que regula os alimentos adaptando, pois, o sentido e alcance desta às atuais necessidades sociais. Assim, diante da carga de direito fundamental deste instituto, a inadimplência do devedor faz com que o Judiciário deva responder, com meios céleres e eficazes na prestação jurisdicional, proporcionando a imediata satisfação do direito do alimentado. (CASSOL, 2007). O credor de alimentos, como qualquer pessoa, possui o direito à adequada tutela jurisdicional. Assim, tão logo se observe ameaça ao seu direito, é cabível a tutela inibitória executiva, que se funda na necessidade de se conferir ao cidadão uma proteção jurisdicional capaz de impedir a violação de seu direito. Propõe-se, portanto, que essa tutela seja ofertada no momento em que o demandado demonstre que não se intimidará com a ameaça contida na ordem judicial. (MARINONI, 2008, p. 449). Destarte, é imprescindível que sejam adotadas eventuais providências que se amoldem às necessidades concretas da situação, que, no caso, é a defesa dos direitos do credor de alimentos. Como a tutela inibitória, por meio de seu caráter coercitivo, visa a se fazer com que a parte cumpra a determinação judicial, pertinente se faz trazer a baila o permissivo contido no artigo 461 do Código de Processo Civil. Acredita-se que, embora tal dispositivo se refira a obrigações de fazer ou não fazer, exprime a vontade do legislador em conferir ao magistrado o poder de adotar as medidas cabíveis para a efetivação da medida específica ou obtenção de resultado prático equivalente ao da decisão proferida. (LOUZADA, 2009). Nesse sentido, o artigo 19 da Lei de Alimentos também permite ao juiz tomar todas as providências necessárias para o cumprimento do julgado, até mesmo a decretação da prisão do devedor. Ora, se há a autorização de até mesmo se decretar a 165 Betânia Nunes de Sousa prisão do devedor, imprudente seria uma interpretação conservadora da norma, de forma a não se admitir a adoção da inclusão do nome do devedor de alimentos nos órgãos restritivos de crédito, já que esta, por vezes, atinge resultado mais efetivo que a própria prisão. Ressalta-se que não há quaisquer óbices legais a sua aplicabilidade, mesmo não representando débito de natureza consumerista, tal como argumenta a parte contrária. O artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor não faz qualquer menção à natureza dos débitos que podem ser inscritos nos órgãos restritivos de crédito, cabendo, pelo princípio da razoabilidade, a inscrição, também, dos nomes dos devedores de alimentos, nos casos concretos. Nesse sentido, assevera Simões (2012) que os órgãos de proteção ao crédito já fazem uso das informações oriundas de distribuidores judiciais para inscrição de devedores recalcitrantes que possuam execuções em andamento, feitos estes, também não ligados às relações de consumo. A aplicabilidade da medida, que ora se defende, é mais benéfica tanto ao credor, que poderá ter sua demanda solucionada com maior celeridade, quanto ao devedor, na medida em que a decretação da sua prisão pode ser evitada. Ademais, como exposto, não fere nenhum preceito normativo vigente, nem mesmo ao princípio do segredo de justiça que norteia as ações de cunho alimentício, já que se propõe que as informações inseridas nos cadastros dos devedores devam ser sucintas, apenas dando conta de que existe uma execução contra determinada pessoa, não ferindo, pois, sua intimidade. (MAGALHÃES, 2011). Ainda assim, esclarece-se que o direito à intimidade não é um princípio absoluto, em especial quando em confronto com os direitos à dignidade da pessoa humana e à vida, de forma que estes se sobrepujam àquele. Conforme explica Egidio Giacoia, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo: nem se argumente que a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito violaria o segredo de justiça: a uma, porque as informações constantes de tais bancos de dados são sucintas, dando conta apenas da existência de uma execução em curso contra o devedor; a duas, porque o segredo de justiça visa proteger a intimidade das partes, direito fundamental que - a exemplo dos demais direitos fundamentais - não tem caráter absoluto. Desta forma, ante o conflito deste direito fundamental (intimidade do devedor de alimentos), com o direito fundamental do alimentando à sobrevivência e à vida com dignidade, aplicada a regra da proporcionalidade, sobrelevam-se os interesses do menor, devendo prevalecer os últimos. (2010, p. 5) Ele ainda afirma que o argumento de que a inscrição do nome do devedor de alimento nos órgãos restritivos de crédito dificultaria sua inserção no mercado de trabalho é frágil, pois, segundo ele, a premissa que a maioria das empresas não contrata funcionários com restrições financeiras não exprime a realidade. Ademais, se assim fosse, nenhum credor poderia incluir o nome do seu devedor em tais cadastros, justamente pelo motivo de que se este ficasse desempregado não teria como adimplir seu débito. Assim sendo, o macro princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido na Constituição Federal, segundo afirma Louzada (2009), ampara, subsidia, alberga e 166 Possibilidade de inscrição do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito sustenta a aplicação de medidas que visem a sustentar uma vida digna. Resta, pois, inconteste a importância da receptividade desta medida nos casos concretos a partir da determinação do Judiciário. 9 Conclusão O alimentando recebe as prestações alimentícias para satisfazer necessidades com alimentação, saúde, educação, vestuário e demais que garantam a sua mantença de forma digna. Assim, o inadimplemento dos alimentos, judicialmente fixados, pode prejudicar significativamente a pessoa que deles necessita, pressupondo-se que ela não tenha as condições necessárias para manter o próprio sustento sem tal auxílio. Contudo, vê-se que as formas legais de coerção do devedor de pensão alimentícia não têm sido plenamente eficazes, como nos casos de pessoas que possuem renda a partir de economia informal, daquelas que não possuem bens passíveis de penhora ou até mesmo daquelas que se encontram foragidas. Diante desta realidade e da imprescindibilidade dos alimentos, buscou o Judiciário, como forma de aprimorar as já existentes, a medida de inclusão do nome do devedor de alimentos nos órgãos de proteção ao crédito, que demonstra ser plenamente viável na medida em que não fere nenhuma lei e produz resultados favoráveis ao alimentando. Observa-se que o Judiciário dispõe de autonomia para adotar as medidas suficientes a garantir o alcance do resultado esperado com o julgado. Assim, deve-se determinar tal medida quando, a partir da análise do caso concreto, percebe-se que os meios executórios vigentes não se apresentam aptos a coagir o devedor. Já foram editados alguns Projetos de Lei visando à inclusão desta medida na normativa vigente, o que explicita o reconhecimento de seu benefício também por parte de alguns Legisladores. A restrição ao crédito dos devedores de pensão alimentícia já é adotada em alguns países, como Argentina e Peru, e produzem, notadamente, resultados satisfatórios na coerção do devedor. Assim, acredita-se que, a exemplo daqueles países, ela pode ser adotada também no Brasil para garantir que o direito do alimentando seja efetivado na medida em que produz inúmeras dificuldades na vida do devedor, que estaria impedido de receber empréstimos, realizar financiamentos, comprar a prazo, entre outros. Desta forma, ele se sentiria pressionado a pagar o débito, já que necessita ter seu crédito no mercado para realizar inúmeras atividades. Ressalta-se que, embora haja quem defenda que tais órgãos se prestam apenas a débitos referendes a matéria consumerista e que tal medida fere o princípio do segredo de justiça, acredita-se que isso não condiz com a realidade. Não há qualquer previsão em lei que restrinja, expressamente, a atuação daqueles órgãos apenas a matérias de cunho consumista. Ademais, o segredo de justiça não é violado, já que a inclusão do nome do devedor nos órgãos restritivos de crédito deve limitar-se a informar a existência de uma execução em curso contra o referido devedor, não expondo a intimidade das partes. Assevera-se que, mesmo que de alguma forma houvesse o entendimento que a intimidade do devedor seria exposta, tal direito seria mitigado quando comparado ao direito do credor a uma vida digna. 167 Betânia Nunes de Sousa Destarte, acredita-se que a inclusão do nome do devedor de pensão alimentícia nos órgãos restritivos de crédito deve ser aplicada em todos os casos nos quais os outros meios executórios não forem eficientes, devendo o Judiciário agir de forma a se promover o alcance do resultado previsto na decisão judicial que fixou os alimentos. Busca-se primordialmente garantir a tutela à vida e à dignidade humana do alimentando, princípios supremos arraigados na Constituição Federal da República Federativa do Brasil, devendo-se, portanto, adotar todos os meios possíveis que apresentem resultados efetivos e eficazes na garantia de tais direitos. Referências BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 119/2011. 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