1 NÚCLEO DE ECOENDOSCOPIA – COMENTÁRIOS DO ARTIGO Contrast-enhanced harmonic endoscopic ultrasonography for differential diagnosis of pancreatic cysts” Sérgio Eiji Matuguma e Fauze Maluf Filho Ken Kamata, Masayuki Kitano, Shunsuke Omoto, Kumpei Kadosaka, Takeshi Miyata, Kentaro Yamao, Hajime Imai, Hiroki Sakamoto, Yogesh Harwani, Takaaki Chikugo, Yasutaka Chiba, Ippei Matsumoto,Yoshifumi Takeyama, Masatoshi Kudo Endoscopy 2016; 48: 35–41 http:// dx.doi.org/10.1055/s-0034-1393564 Resumo do Artigo Kamata realizou, em centro único, um estudo de coorte retrospectivo de 581 pacientes, onde se selecionou 70 pacientes que apresentavam cistos pancreáticos únicos, os quais tinha realizados a Ecoendoscopia convencional (fundamental B-mode endoscopic ultrasonography - FBEUS) e a Ecoendoscopia com ondas harmônicas associada à contraste por infusão de microbolhas (contrast-enhanced harmonic endoscopic ultrasonography CH-EUS) e foram submetidos à cirurgia, no período de abril de 2007 a abril de 2012 (60 meses). Prospectivamente, analisaram os vídeos gravados dos exames de FB-EUS e CH-EUS de cada paciente, os quais possibilitaram comparar a acurácia de ambos exames quanto ao diagnóstico diferencial de presença de nódulos intramurais das lesões. A presença e as dimensões dos nódulos murais foram mensurados por FB-EUS e CH-EUS. Também foi analisada a acurácia de ambos os métodos para diagnosticar cistos mucinosos, não-mucinosos. Resultados: Mucinoso/Não-mucinoso Pacientes Maligno/Benigno Anatomopatológico 70 Anatomopatológico Mucinoso Não-mucinoso 48 22 Maligno Benigno Displasia alto grau ou carcinoma invasivo Pacientes 70 30 40 Se considerar que a presença de nódulo intramural indica lesão mucinosa (cisto mucinoso ou IPMN), não houve diferença entre os métodos. Nódulo = Mucinoso FB-EUS CH-EUS Sensibilidade (%) 85 79 Especificidade (%) 46 96 Acurácia (%) 73 84 P 0,057 Se considerar que a presença de nódulo intramural indica malignidade, CH-EUS apresentou maior acurácia que FB-EUS. Nódulo = Maligno FB-EUS Sensibilidade (%) 97 Especificidade (%) 40 Acurácia (%) 64 p 0,0001 2 CH-EUS 97 75 84 Para diagnóstico de malignidade pela análise de extensão de nódulo, a área sob a curva ROC (AUROC – Area Under the Receiver Operating Characteristic) foi: Nódulo = Maligno FB-EUS CH-EUS AUROC 0,84 0,93 p 0,028 Na CH-EUS, a medida de extensão de ≥ 4mm do nódulo mural foi indicativo de malignidade: Dimensão nódulo = Maligno Método Falso positivo (%) Verdadeiro positivo (%) Odds-ratio ≥ 8mm ≥ 4mm FB-EUS CH-EUS 30 20 87 93 15,17 56,0 Conclusão: A CH-EUS apresenta maior acurácia em diagnosticar cistos pancreáticos malignos que FB-EUS. Comentários sobre artigo Pelos consensos de Sendai e Fukuoka sobre lesões císticas de pâncreas, a presença de nodulação na parede da formação cística pancreática, sob vigilância, é um dos parâmetros imperativos de indicação cirúrgica, mesmo sem a confirmação histológica de displasia de alto grau ou carcinoma invasivo. Exames complementares, tais como a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética nuclear abdominal (RMN), também podem detectar formações nodulares murais das formações císticas pancreáticas, porém apresentam limitações à detecção, principalmente quando as dimensões nodulares são < 10mm. Nestes casos, a ecoendoscopia tem papel fundamental, quando há a dúvida sobre a presença de nodulações murais, por fornecer melhor acurácia na identificação de nódulos subcentimétricos em lesões císticas pancreáticas, e além disso, acrescentar a possibilidade de se efetuar a punção ecoguiada para confirmação histológica. A imagem de uma nodulação mural encontrada em formação cística pancreática se demonstra, classicamente, como uma imagem hipoecóica, de conformação “séssil ou subpediculada”, fixa na face interna do cisto e que se projeta para o interior da área anecóica (parte líquida), semelhante a um “pólipo” na parede do cisto. Mas, nem sempre este tipo de imagem corresponde a uma nodulação verdadeira. A mesma imagem hipoecóica focal pode ser correspondente a: Presença de muco, focalmente concentrado e mais denso, junto à parede do cisto; Engruvinhamento da parede do cisto; Ilhota de parênquima pancreático, que simula uma projeção para o interior do cisto, por situar justamente entre 2 dilatações ductais e formar uma “pseudotrave” espessa no espaço intercístico. 3 Nestas situações, a identificação de imagem nodular pode simular uma nodulação e incorrer em cirurgia desnecessária. A utilização de contraste por infusão de microbolhas, com análise ecográfica com ondas harmônicas foi iniciada, na radiologia, para avaliação de lesões nodulares hepáticas. Sua aplicabilidade se estendeu para as área vascular, renal, mama e cardiológica. Uma das vantagens é que o contraste (microbolha) não é nefrotóxico (eliminado via pulmonar e hepática), o que permite sua utilização também em pacientes com déficit renal. Este método aproveita as propriedades das microbolhas potencializem o sinal da onda ultrassônica, na microcirculação sanguínea, através do aumento substancial da refletividade na circulação sanguínea (de 100 a 1000 vezes), quando utilizadas nas frequências de 3 a 10MHz com filtros (ondas harmônicas). Assim, permite-se que haja um estudo mais detalhado da circulação tecidual, em tempo real, em função da maior ou menor passagem das microbolhas na sua macro e microcirculação. Segundo o artigo de Kamata, no Japão, não é rotina realizar a punção ecoguiada para confirmação histológica em nodulações de lesões císticas e é indicada diretamente a ressecção cirúrgica. Portanto, a identificação precoce de formações nodulares é fundamental para conduzir à cirurgia. Teoricamente, a ecoendoscopia com ondas harmônicas e contraste com microbolhas pode: Melhorar a visibilização de formações nodulares murais pelo realce da imagem, induzido pela circulação das microbolhas no nódulo; Excluir as imagens interpretadas erroneamente como nodulações, predominantemente na situação onde a imagem é um muco focal, uma vez que não haveria a circulação de microbolhas dentro de muco, pois não há vascularização constituída. Ou seja, não haveria realce ecográfico mesmo com microbolhas. Pelo estudo de Kamata, observamos que o FB-EUS e CH-EUS apresentaram a mesma sensibilidade na detecção de malignidade (nódulo), porém a CH-EUS otimizou a especificidade da identificação de malignidade (75%). Na equivalência de tamanho do nódulo X malignidade, precisou-se um tamanho maior para visibilizar uma verdadeira malignidade (8mm) na FB-EUS comparativamente= aos 4mm na CH-EUS. Assim, com o uso de microbolhas, além de tumores menores serem detectados, as características funcionais (microcirculação) possibilitaram uma pré-avaliação de malignidade com maior chance (Odds ratio maior). Em suma, um ecoendoscopista com pouca experiência, para nodulações murais em cistos pancreáticos, possivelmente com uso de contraste com microbolhas (CH-EUS), teria maiores chances de encontrar uma imagem de nódulo, e este nódulo encontrado, tem maior chance de ser maligno, principalmente se for ≥ 4mm. Entretanto, há alguns pontos a serem avaliados: Nas situações em que o “nódulo” é uma engruvinhamento da parede do cisto ou um ilhota de tecido pancreático, haveria um realce do contraste por microbolhas, que causaria um falso positivo e indicaria e cirurgia; A nodulação mural de cisto pancreático não é um achado frequente. O custo do exame seria adicionado com a inclusão de: o solução de microbolha 4 o processadora ecográfica com o programa que possibilite análise de imagens com ondas harmônicas compatíveis com ecoendoscópios. No Brasil, a disponibilidade de processadora compatível com ondas harmônicas para ecoendoscopia e o contraste com microbolhas pode tornar muito mais elevado o custo total para o paciente. Na análise de Kamata, de 581 pacientes com cistos pancreáticos (selecionados inicialmente para o estudo), somente 53 apresentaram lesão maligna histológica. Ou seja, cerca de 10% dos pacientes é que realmente teríamos um benefício com os custos adicionais; Estudos com punção ecoguiada com análise molecular do líquido intracístico têm sido um objetivo de alguns grupos. A detecção e classificação de mutações no DNA e microRNA, através da biologia molecular, tais como KRAS, GNAS,VHL, TP53, PIK3CA e PTEN, podem ser promissores para determinar a natureza da lesão e diretamente direcionar ao tratamento conservador ou cirúrgico, sem necessidade de contrastes ou processadoras ecográficas específicas. Aguardemos para a evolução dos mesmos. Sérgio Eiji Matuguma e Fauze Maluf Filho Sérgio Eiji Matuguma: Médico Assistente do Serviço de Endoscopia Gastrointestinal do Hospital das Clínicas e Membro do Núcleo de Ecoendoscopia da SOBED. Fauze Maluf Filho: Livre docente do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Coordenador do Serviço de Endoscopia do Instituto de Câncer de São Paulo - ICESP - FMUSP, Coordenador do Núcleo de Ecoendoscopia da SOBED, Editor associado da Gastrointestinal Endoscopy