RELATO DE CASO Identificação: V.L.G.E., 38 anos, branca, casada, natural e procedente de Canoas (RS). Motivo da consulta: diarréia e dor abdominal intensa. História da Doença atual: Paciente procurou o ambulatório referindo episódios intermitentes de diarréia há 4 meses, com duração aproximada de 15 dias. Na última crise associou-se um quadro de dor abdominal intensa em faixa. Relatava também lesões cutâneas bolhosas nos antebraços e nas pálpebras, pruriginosas, que regrediam com o uso de betametasona tópica e terfenadina oral. As lesões melhoravam com o tratamento e afastamento do trabalho, e eram exacerbadas com o retorno à atividade. História ocupacional: Referia atividade como isoladora de máquinas elétricas e montagem de bobinas há 2 anos, em uma estrutura metálica revestida por plástico em forma de bolha, oito horas por dia. Usava botina e macacão com mangas longas como EPI. Relatava contato com fibra de vidro, papel de mica, terebentina, butano e xileno. Anteriormente exerceu função de costureira durante 4 anos em empresa de calçados. História patológica pregressa: Transfusão sanguínea aos 16 anos. Aguardava exérese de nódulo em mama esquerda. Perda de 12 Kg nos últimos 6 meses (sic). História familiar: Mãe cardiopata. Perfil psicossocial Fumante (10 cigarros/dia) desde os 18 anos. Negava uso de anticoncepcional oral, medicações, drogas e/ou álcool. Exame físico Dor nos hipocôndrios à palpação, sem visceromegalias. Pequeno nódulo na mama esquerda `a palpação. Ausência de lesões cutâneas (no momento do exame físico a paciente já estava afastada e em uso de medicação tópica). Demais aspectos sem alterações. HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS INICIAIS Pancreatite química. Hepatite viral e/ou química. Neoplasia de mama. Dermatose ocupacional. Exames Positivos ou alterados: Anti-HCV e PCR para vírus C: positivos, genótipo tipo I. Anti-HBs: reagente. Alfafetoproteina: 17,6 mg/dL (fumantes até 10mg/dL). GGT: 65u/L (até 20). CEA: 7,1 (normal até 5, em fumantes até 10). Amilase: 120u/L (até 87u/L). Lipase: 880 (60u/L) Áçidos hipúrico e metil-hipúrico normais (coleta há mais de 72 horas de afastamento do trabalho). ECO abdominal: fígado de contornos e ecogenicidade levemente irregulares, com dimensões normais sem alterações na vesícula biliar. Colonoscopia: hemorróidas externas. Mucosa de intestino delgado com folículos linfóides e hiperplásicos, mucosa de intestino grosso com edema de córion. Path teste: sensibilidade à terebentina +++/4 e fibra de vidro ++/4. Biópsia hepática: hepatite crônica ativa moderada de provável etiologia viral. Evolução Internação inicial para tratamento de pancreatite química com evolução favorável, recebendo alta para seguimento ambulatorial. Afastamento da função por pancreatite química e dermatose ocupacional. Tratamento com interferon por 6 meses, com interrupção devido ao fenômeno de breaktrough (anticorpo antiinterferon). O nódulo mamário retirado era benigno (fibroadenoma). Seguiu para acompanhamento e dentro de 1 ano evoluiu para cirrose com identificação de nódulos à ecografia abdominal. Um ano após foi diagnosticado hepatocarcinoma (anatomopatológico) em nódulo hepático de 5 cm. Durante o estadiamento, o tumor evoluiu em 4 meses para 9 cm. Realizadas sessões de quimioembolização do tumor, com boa resposta local, porém com aparecimento de metástases abdominais no seguimento. A paciente evoluiu para óbito 1 ano após. PORQUE PANCREATITE QUÍMICA ? - ausência de evidência de cálculos biliares, doença auto-imune, uso de drogas (álcool e ACO). - exposição a uma substância hepatotóxica: xileno. Fatores de risco mais freqüentes para pancreatites agudas: • Tóxico-metabólicos: álcool, hipercalcemia, medicações, hipertrigliceridemia. • Mecânicos: litíases, estenoses, obstruções, traumas. • Miscelâneos: autoimunes, infecções, vasculares TERÁ A EXPOSIÇÃO QUÍMICA OCUPACIONAL CONTRIBUIDO PARA A RÁPIDA EVOLUÇÃO DO CASO? - tempo de evolução da infecção pelo vírus C para cirrose: 20,6 ± 10,1 anos. - evolução de cirrose para hepatocarcinoma: 28,3 ± 11,5 anos (25% casos). ASSOCIAÇÃO ENTRE VÍRUS C E HEPATOTOXINA: PIOR PROGNÓSTICO?