PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS NÚCLEO UNIVERSITÁRIO CONTAGEM DISCIPLINA: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO PROFESSORA: JANAÍNA DE ALVARENGA SILVA 1. A DISCIPLINA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO - disciplina autônoma das demais, por desempenhar função exclusiva. - caráter: disciplina propedêutica, de base, introdutória do estudante no curso de Direito. - função/objetivo principal: definir o objeto de estudo; apresentar as noções e princípios jurídicos fundamentais da ciência, bem como as noções sociológicas, históricas, filosóficas necessárias à compreensão do Direito (Ciência do Direito sentido amplo) em todos os seus aspectos. - Para Nader, são três os objetos da I.E.D.: 1) conceitos gerais do Direito (ex.: Direito; fato jurídico; relação jurídica, justiça); 2) visão de conjunto do Direito; 3) lineamentos da técnica jurídica. * Obs.: Ciência do Direito (num sentido amplo): é um setor do conhecimento humano que investiga e sistematiza os conhecimentos jurídicos. Noutras palavras, é a ciência voltada aos estudos jurídicos. 2. ETIMOLOGIA DA PALAVRA DIREITO - Etimologia significa o estudo da origem de uma palavra, a sua genealogia. - Etimologia da palavra Direito: Direito é oriunda do adjetivo latino directus (qualidade do que está conforme a reta, o que não se desvia), que provém do particípio passado do verbo dirigo, dirigere (guiar, conduzir). Essa palavra surgiu apenas na Idade Média, século IV. Em Roma, não se usava esse termo; havia a palavra jus para expressar o que era lícito. - Não há uma única definição para Direito. Não há um consenso a esse respeito. Isso decorre do fato de o Direito ser uma ciência de múltiplas faces, acepções, de modo que uma definição pode abranger um determinado aspecto, mas ser omissa sobre outro, ou outros aspectos, também formadores do que seja o Direito. - Acepções da palavra Direito: 2.1) DIREITO NATURAL: são aspirações jurídicas de determinada época que surgem da natureza social do homem e que se revelam pela conjugação da experiência e da razão. É um conjunto de princípios universais. Não é algo escrito, mas deverá ser consagrado pelo direito positivo, a fim de se ter um ordenamento jurídico (conjunto de normas jurídicas; conduta exigida ou o modelo imposto de organização social) realmente justo. Para alguns autores, o Direito Natural não é mutável, o que muda é a forma como a sociedade o encara. Para outros, ele muda, vai evoluindo com a sociedade e sendo acrescentado por novos ideais, novas aspirações. Exemplos de direitos naturais: o direito à vida, o direito à liberdade. Numa evolução histórica do Direito Natural, temos: 1) Na Idade Média, o Direito Natural vinha de Deus e era ditado pelos religiosos (representantes de Deus na Terra); 2) No século XVII, Hugo Grócio (jurisconsulto holandês), considerado o pai do Direito Natural, afirma que este surge da natureza humana e da natureza das coisas (é uma noção de Direito Natural filosófica). 3) No século XVIII, Kant (filósofo) dirá que o Direito Natural é um conjunto de normas superiores apreendidas da razão, da consciência humana. 4) Direito Natural advém da sociedade; é ela que pré-determina, de acordo com suas necessidades, com sua realidade, o que é Direito Natural, quais são as suas aspirações. 2.2) DIREITO POSITIVO: é o Direito criado ou reconhecido pelo Estado; é a ordem jurídica obrigatória num determinado tempo e lugar, independentemente de ser escrito ou não, pois outras formas de expressão jurídica constituem, também, Direito Positivo (ex.: os costumes, jurisprudência). O que é essencial saber é que o Direito Positivo é o Direito institucionalizado pelo Estado. * Obs.:Direito Natural e Direito Positivo são distintos, mas se interligam, convergem-se reciprocamente, pois, como vimos nos conceitos acima, o Direito Natural depende de uma consagração do Direito Positivo, de um respaldo pelo Estado, para que exista um ordenamento ou ordem jurídica justa. De outro lado, o Direito Positivo também deve atentar, observar, as aspirações, os ideais, da sociedade, no tempo e no espaço, para que a ordem jurídica seja respeitada e não algo arbitrário. 2.3) DIREITO OBJETIVO: é o Direito vigente (direito positivo) tomado pelo seu aspecto objetivo, ou seja, é a norma de conduta e organização social (por muito tempo conhecido como norma agendi). É algo teórico, uma previsão. 2.4) DIREITO SUBJETIVO: é o Direito vigente (direito positivo) tomado pelo seu aspecto subjetivo. São as possibilidades ou poderes de agir que uma ordem jurídica ou um contrato garante a alguém de exigir de outra pessoa uma conduta ou uma omissão (por muito tempo, facultas agendi). É o direito personalizado, é a norma (direito objetivo) perdendo o seu caráter teórico e se projetando numa relação jurídica concreta, numa situação que ocorreu. Ex.: Fulano tem direito à hora-extra porque trabalhou depois de seu horário normal. Beltrano tem direito à indenização porque foi publicada, num jornal de grande circulação, uma notícia falsa a seu respeito. O Direito subjetivo pode ser: 1) patrimonial (direitos reais e obrigacionais) ou não patrimonial. - O direito patrimonial é alienável e transferível para outra pessoa (pode ser dado, vendido, trocado); exemplo o direito de propriedade. - O direito não patrimonial não é alienável, não é transferível; exemplo: direito à vida; direito ao nome (o artigo 16 do Código Civil prevê: “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome”). 2) privado ou público. O antigo ensinamento norma agendi/facultas agendi não é mais aceito porque apresenta o Direito Objetivo e o Subjetivo de maneira distinta, como se não pudesse pensar um com o outro. TEORIAS SOBRE A NATUREZA DO DIREITO SUBJETIVO, O QUE É AFINAL O DIREITO SUBJETIVO: 1. Teoria Subjetiva: Windscheid (jurista alemão pandectista): “direito subjetivo é a vontade juridicamente protegida”. Problemas detectados: há casos que o direito subjetivo existe a despeito da vontade do titular (ex. o credor não exerce seu direito de cobrar o crédito); há casos que o direito subjetivo existe mesmo contra a vontade do titular (ex.: o direito às férias permanece mesmo se o trabalhador não quiser “sair” de férias); há casos que o direito subjetivo existe mesmo sem a pessoa ter vontade (ex.: os incapazes têm direitos, mas não conseguem exprimir sua vontade); e, finalmente, há casos que o direito subjetivo existe, mas seu titular desconhece (ex.: a morte do pai de Fulano num lugar desconhecido não retira o direito do filho à herança). Diante dessas críticas, Windscheid se manifesta, afirmando que a vontade, não é uma vontade psíquica, mas “o poder jurídico de querer”. Não explicou o que quis dizer com isso. 2. Teoria Objetiva: Ihering (jurista alemão): “direito subjetivo é o interesse – qualquer que seja – juridicamente protegido”. Para ele, a norma jurídica é a capa que reveste o interesse (interesse = direito subjetivo). Problemas detectados: a amplitude do que é interesse; muitas vezes o que interessa não é juridicamente protegido; há situações em que a pessoa não tem nenhum interesse em ser titular de um direito (desinteresse). 3. Teoria Eclética: Georg Jellinek: não é só o interesse, nem só a vontade que representa o direito subjetivo, mas a conjugação desses dois elementos. “Direito subjetivo é o interesse protegido enquanto atribui a alguém um poder de querer”. Problemas detectados: não supera as críticas feitas às outras teorias. 4. Hans Kelsen: direito subjetivo é a expressão do dever jurídico; reflete o que é devido por alguém em virtude de uma regra de direito. É um modo de ser da norma jurídica 5. Léon Duguit (publicista francês): direito subjetivo não existe. O que existem são situações de fato de natureza subjetiva, ou seja, são situações fáticas juridicamente garantidas. 6. Del Vecchio: vai declarar elididas as críticas feitas à teoria originária de Windscheid, ao situar o direito subjetivo como a “possibilidade de querer”. DIREITO SUBJETIVO, ENTÃO, PODE SER DEFINIDO COMO A “POSSIBILIDADE DE UMA PRETENSÃO, UNIDA À EXIGIBILIDADE DE UMA PRESTAÇÃO OU DE UM ATO DE OUTREM” (Reale). Não é apenas uma faculdade como, num primeiro momento, definimos em sala de aula, a título de primeiro contato, primeiro esclarecimento sobre o que é direito subjetivo, mas possibilidade ou poder de agir dado a alguém, pela lei ou pelo contrato, de exigir de outra uma conduta ou uma omissão. * Obs.: Direito Objetivo e Direito Subjetivo não são duas realidades distintas, mas dois lados de um mesmo objeto. Representam duas formas de se “olhar” o Direito vigente (= Direito Positivo): uma objetiva, abstrata, genérica, disposta indistintamente; outra, subjetiva, da pessoa que, numa situação concreta, poderá ter uma conduta ou estabelecer as conseqüências jurídicas. DIREITO NATURAL (aspirações ou ideais sociais) ↓ DIREITO POSITIVO (Direito vigente institucionalizado pelo Estado) ↓ DIREITO OBJETIVO (plano teórico; abstrato) ↓ DIREITO SUBJETIVO (caso concreto) 3. DIREITO COMO CIÊNCIA - uma linguagem própria. - um método (= caminho a ser percorrido para se chegar à verdade ou a um resultado exato, rigorosamente verificado) próprio. Segundo Reale, há uma pluralidade metodológica no Direito (método indutivo, dedutivo, uso da analogia). - romanos: os primeiros a descobrir que, em determinadas circunstâncias, pode ser previsto um tipo de comportamento humano, pois tal comportamento obedece a certas condições fáticas ou finalidades valorativas (=axiológicas). Além disso, perceberam que a vida em sociedade, mesmo em constante mudança, apresenta relações estáveis e regulares, permitindo uma representação antecipada do que vai ocorrer. - Ciência do Direito (sentido estrito, restrito): é o estudo de um conjunto de normas de um determinado sistema jurídico. É também chamada de Dogmática Jurídica, Jurisprudência Técnica, Ciência Dogmática do Direito. As normas jurídicas são para o jurista dogmas, não podem ser contestadas na sua existência, se formalmente válidas. Além disso, ninguém pode se eximir de cumprir a regra jurídica alegando ignorar a lei ou porque não lhe parece adequada aos seus propósitos pessoais. Isso, contudo, não impede que a norma seja interpretada para que sua aplicação se dê de forma a satisfazer às exigências sociais da melhor forma possível. - funções do Direito: imediata (a solução do conflito de interesses, ou seja, da lide, do litígio); mediata (a paz social). Obs.: Estado brasileiro, Estado inglês, etc., para se referir a um país (sempre com letra maiúscula). “Estado é a organização jurídica do poder, em determinado território, com o objetivo de proporcionar ordem, segurança e desenvolvimento do povo nele fixado.” (Paulo Dourado de Gusmão). Para que esse poder consiga alcançar esse objetivo, da melhor forma possível, é que o Estado brasileiro se dividiu em entes (os chamados entes da federação): União (funções executadas pelo governo federal); os Estadosmembros (funções executadas pelo governo estadual - Minas Gerais, por exemplo); o Distrito Federal; os Municípios (funções executadas pelo governo municipal Contagem, por exemplo). O artigo 18 da Constituição de 1988 é que estabeleceu essa forma de organização político-administrativa da República Federativa do Brasil. O poder que nós falamos acima é divido em três funções: Poder Legislativo (criador das normas e fiscalizador do Executivo); Poder Executivo (executa as leis e, supletivamente, pode editar normas, como as Medidas Provisórias); Poder Judiciário (julga os conflitos sociais, individuais, coletivos, de acordo com as normas previamente criadas). O artigo 2º da Constituição de 1988 é que definiu essa divisão de poderes, mas um não é superior ao outro; um “acompanha” o outro. No âmbito federal, há um Legislativo, um Executivo, um Judiciário. No âmbito estadual, há um Legislativo, um Executivo, um Judiciário. No âmbito municipal, há um Legislativo e um Executivo; não existe um Judiciário. Esses conceitos serão detalhados nos próximos períodos, principalmente sobre a situação peculiar do Distrito Federal, o porquê de o Município não ter um Poder Judiciário. O que deve ficar claro, nesse momento, é que as leis são normas jurídicas advindas do Poder Legislativo (federal, estadual, municipal). 4. ZETÉTICA E DOGMÁTICA 4.1 Disciplina Zetética (zetein) Zetética significa problematizar, questionar. Disciplinas zetéticas são, portanto, aquelas que acentuam a pergunta (perguntam o que é alguma coisa), de modo que os dogmas, as evidências, sobre determinado tema são apenas pontos de partida, permitindo uma aprendizagem mais profunda. A função especulativa é a principal tônica. Os questionamentos são infinitos, mutáveis; opiniões formadas são colocadas em dúvida, o que auxilia, sobremaneira, no aprimoramento da Ciência do Direito, pois permite o raciocínio, uma visão crítica sobre o problema que é posto à solução. Além disso, elevam a interdisciplinariedade do Direito com outras áreas, o que, aliás, é de todo oportuno, já que, como vimos em aula, o Direito está ligado à sociedade, impõe limites para permitir o convívio social, mas precisa acompanhar as mudanças sociais, as transformações dos próprios anseios, das próprias necessidades sociais. Isso, sem dúvida, é favorecido pela ajuda de outras Ciências. Exemplos de disciplinas zetéticas indispensáveis na formação de bons operadores do Direito, comprometidos com uma aplicação da lei mais efetiva, mais próxima de efeitos duradouros, aceitáveis pelos envolvidos num determinado caso concreto: Filosofia do Direito; Sociologia do Direito. Notem: as disciplinas zetéticas na Ciência do Direito são, sozinhas, ciências autônomas. Temos a Filosofia, a Sociologia. Mas quando focam como objeto de estudo temas do Direito, o fenômeno jurídico, assumem uma adjetivação para indicar esse compromisso. Daí Filosofia do Direito, Sociologia do Direito, Psiquiatria Forense, etc. 4.2 Disciplina Dogmática (dokein) Dogmática significa doutrinar, ensinar algo. Disciplinas dogmáticas acentuam, portanto, a resposta; perguntam o que deve ser alguma coisa. Por conta disso, parte de pressupostos, premissas inatacáveis, que não podem ser questionadas (dogmas). Enquanto as disciplinas zetéticas acentuam a dúvida, as dogmáticas evidenciam a opinião, o ato de opinar sobre algo. Daí Ferraz Júnior falar que essas disciplinas possuem uma função diretiva, ou seja, de direção, de condução. Nelas, há questionamentos, mas são finitos. Exemplos de disciplinas dogmáticas no Direito: direito constitucional, direito civil, direito penal, direito do trabalho, direito processual, direito tributário, etc. Notem: as disciplinas dogmáticas estão estritamente ligadas com o que chamamos de direito positivo, ou seja, com as normas de conduta e de organização social criadas pelo Estado. Interessante a crítica feita por Juscelino Vieira Mendes aos cursos de Direito (e mesmo aos operadores do Direito) que ainda se prendem, unicamente, à Dogmática, às disciplinas ocupadas com a legislação: “A zetética analítica possibilitará uma aprendizagem mais profunda e comprometida, por tomar os dogmas como meros pontos de partida. Pressupõe o ensino competente de Filosofia do Direito, Lógica, Metodologia Jurídica, Teoria Geral do Direito, Hermenêutica, Teoria da Argumentação, Semiótica... Enquanto esta postura diferenciada não é oferecida ao futuro operador do Direito, o resultado que se tem é total desconexão dos parcos conhecimentos introjetados, com a repetição de conceitos prontos, ditados pelos professores, isolados em cada disciplina, e que não conseguem articulação em uma visão conjunta e coerente do fenômeno jurídico. Há, por outro lado, uma hipertrofia do conhecimento teórico, em detrimento da prática, que impede ao aluno inferir, estabelecer relações e concluir de sua aplicabilidade na vida. Ainda mais porque tais abstrações não são bem claras, ficando ao aluno a sensação de que pode "misturar" um pouquinho de cada teoria, formando uma posição eclética, muito ao gosto do "jeitinho" brasileiro. Assim, sempre é frágil este saber, não aprofundado, pouco sério (do tipo diz-que-diz-que: o professor diz que o doutrinador diz que Kelsen diz...). A insegurança profissional do operador é sua decorrência natural. Além disso, acresça-se ainda a defasagem de duzentos anos do conhecimento teórico ministrado no país. Aqui, a "Ciência" do Direito evolui lentamente e sem muita vontade. Conforma-se a modelos estrangeiros importados acriticamente, e, por comodismo, mantido o repertório de dogmas, dos lugares comuns, dos nossos mitos. No caso dos operadores do Direito que pretendem ser juízes, a defasagem entre o ensino oferecido e o necessário se revela mais dramática. Sua tarefa primordial será julgar, tarefa mental superior, não-inata. É necessário aprender a pensar e a desenvolver todas as capacidades e a usar a inteligência como poder. Pensar é uma forma de aprender, básica para qualquer atividade futura que exija reflexão, conclusão, julgamento, avaliação. Apesar de compreender o emprego de um conjunto de potencialidades inatas, a tarefa de pensar não vem pronta para ser realizada, como outras para as quais o homem já nasce biologicamente preparado (por exemplo, respirar). Pensar é um processo mental superior, que requer aperfeiçoamento. É preciso que o ser humano tenha consciência das operações de pensamento, e que se empenhe para realizá-las com competência. As principais são: comparação, resumo, observação, suposição, imaginação, crítica, decisão, interpretação, aplicação de fatos e princípios a novas situações, planejamento, projetos e pesquisas. Pensar é julgar, concluir, decidir; aceitar como opinião estabelecida, acreditar. É refletir; raciocinar; intencionar; planejar. Para Hannah Arendt pensar, querer e julgar são as três atividades mentais básicas, cuja análise permitirá compreender a existência racional.” Maio/2003. Fontes de estudo: FERRAZ JR., Tércio Sampaio. "Introdução ao Estudo do Direito" - Editora Atlas, quarta edição - 2003; FLORES CUNHA, Regina Maria E. "Crítica ao modelo de ensino jurídico comum a todos os operadores do Direito"; LARENZ, Karl. "Metodologia da Ciência do Direito", Fundação Calouste Gulbenkian, 2a edição. Tradução de José Lamego. Mendes, Juscelino V. – Zetética e Dogmática. Página de Juscelino Vieira Mendes, seção "Pedagogia". Disponível em: http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/, Internet, Campinas, 2003. Acesso em: 3 mar. 2006. 4.3 Direito Público/ Direito Privado/ Direito Misto As disciplinas dogmáticas apresentam-se subdivididas, para facilitar o estudo, de acordo com as três grandes áreas do Direito, a saber: - Direito Público: é o ramo do Direito que tem por objeto o Estado e o interesse público. Suas principais características são: a irrenunciabilidade, a irrelevância da vontade das partes e o fato de ser um direito de subordinação (prepondera os interesse público sobre o interesse particular). Subdivide-se, por sua vez, em Direito Público interno e externo, como vocês terão oportunidade de ver no próximo semestre. De modo geral, citemos como exemplos de disciplinas de Direito Público: Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Penal. - Direito Privado: é o ramo do Direito que tem como objeto os particulares. São suas características: a possibilidade de renúncia; a relevância da vontade das partes; é direito de coordenação (coordena os interesses das partes). Exemplos: Direito Civil, Direito Comercial. - Direito Misto: é o ramo do Direito que cuida dos interesses públicos e privados ao mesmo tempo. Exemplos: Direito de Família; Direito do Trabalho; Direito Econômico. Observação: atentem para o fato de que essa subdivisão do Direito em três grandes ramos, presta-se, apenas, para facilitar o estudo do Direito, pois, como já acentuamos noutro momento, o Direito é uma única ciência. 5. O DIREITO COMO OBJETO DE CONHECIMENTO: PERFIL HISTÓRICO Finalidade do resgate histórico: identificar o papel desempenhado pela dogmática jurídica na vida social, bem como o modo de desenvolvimento do pensamento dogmático até a sua afirmação e justificação. 5.1 Jurisprudência Romana: - O Direito como diretivo, guia, para a ação humana, sem distinção entre coisas divinas e coisas humanas (“tudo se misturava”). - O Direito era visto como norma de vida e instrumento de organização social que teria surgido com a fundação de Roma (fundação essa explicada pelos mitos romanos) e se transmitido, de geração em geração, pela tradição. Isso, inclusive, permitiu a expansão romana, como império. Nesse contexto, o Direito era forma cultural sagrada; exercício de uma atividade ética (a prudência). Daí a expressão Jurisprudentia (Jurisprudência). Jurisprudência romana (definição): é o exercício de uma atividade ética (a prudência), consubstanciada no equilíbrio e na ponderação nos atos de julgar. - Momentos históricos de manifestação da Jurisprudência em Roma: 1º momento: a legislação era restrita à regulação de matérias muito especiais, ficando o Direito pretoriano (dos pretores, dos juízes da época) como supletivo, como complemento, dessa legislação. Para os julgadores, era, então, difícil suprir as faltas da legislação, na prática, já que as leis, como dissemos, existiam apenas para regular questões muito específicas. Apesar de constatado esse problema, a tarefa de preencher as faltas não foi possível, nesse 1º momento, pois a Jurisprudência era exercida por jurados, em geral, leigos, sem capacidade para construir um conjunto teórico que conseguisse preencher os vazios legislativos e que resolvesse, da forma mais justa, o caso concreto. 2º momento: no período da história romana conhecido por Concilium Imperial, os juízes assumem um papel profissional e recebem o nome de jurisconsultos. Representavam a mais alta instância judicante, judicial, do Império Romano. Os jurisconsultos influenciam a Jurisprudência com o responsas (informação sobre determinadas questões jurídicas levadas aos jurisconsultos, por uma das partes, quando do conflito de interesses. A própria solução desse conflito pode ser entendida como responsas também). É o início de uma teoria jurídica entre os romanos. Mas ainda havia pouca argumentação e as decisões se pautavam no fato de as questões jurídicas, levadas ao conhecimento dos jurisconsultos, serem afirmadas por personalidades com reconhecimento na sociedade. Noutras palavras, não se ouvia as razões de uma parte e as razões da outra para se chegar à solução do conflito. Simplesmente se resolvia o problema nas justificativas apresentadas pela parte que tivesse maior reconhecimento, destaque, na sociedade romana. Responsas era oral, no momento que surge. Algum tempo depois assume a forma escrita. 3º momento: com a acumulação de responsas, surge a possibilidade de entrelaçamento das decisões; a escolha de premissas (de uma ou de outra parte); e também se fortalecem as opiniões por meio de justificações. Para tanto, os romanos resgatam alguns instrumentos técnicos gregos, como a retórica, a dialética (confronto de idéias; a arte das contradições), a gramática, a filosofia, etc. Nesse momento, há uma condução dos romanos a um saber prático (produziram definições duradouras e critérios distintivos para as diferentes situações conflituosas que pudessem aparecer na prática). Desenvolve-se o poder de argumentar e provar, que, em nossos dias, é tão importante no processo, figurando, inclusive, como um princípio de direito processual. Por sua vez, o juiz é tido como aquele que decide e responde por sua decisão enquanto juiz. 4º momento: o Direito pouco a pouco alcança um nível de abstração maior, tornando-se uma regulação abstrata. Assume a forma de poder decisório que formulava as condições para a decisão correta. É o surgimento do pensamento prudencial, com suas regras, princípios, meios interpretativos, etc. O papel de mediador é acentuado para se referir ao julgador. 5.2 O Direito na Idade Média - O Direito é considerado um dogma. * Dogma: algo indiscutível. - O advento do Cristianismo levou a essa nova concepção de Direito. É o Cristianismo que faz a diferença entre política e religião, ainda que sutil. O grande marco foi uma resenha crítica dos digestos justinianeus (textos jurídicos romanos), em Bolonha, no século XI. - Permanece o caráter sagrado do Direito, mas no sentido de algo transcendente à vida humana na Terra. Para os romanos, ao contrário, o caráter sagrado do Direito era algo imanente, explicado com o mito da fundação de Roma. - A grande preocupação era a adequação à ordem natural, a relação do homem com o meio. - Essa época representa um novo saber prudencial que não abandona totalmente o pensamento prudencial romano, mas apresenta outra finalidade: conhecer e interpretar a lei e a ordem, distinguindo as coisas divinas das coisas humanas. Representa o surgimento da dogmaticidade do pensamento jurídico (textos de Justiniano, fontes eclesiásticas, como base indiscutível do Direito – dogmas –, e que eram submetidos a técnicas explicativas, a exemplo da gramática, da retórica, pelos chamados glosadores) e, também, da teoria jurídica como disciplina universitária. Eram os glosadores (nome dado aos juristas da época) que faziam a harmonização dos diversos textos jurídicos, sempre tomando uma interpretação conforme o ensinamento da Igreja. A Igreja limitava o poder político do rei. Resgata o Direito Romano apenas para permitir a centralização política na figura do rei, mas deixando a figura de Deus como o grande detentor de poder. Aliás, o uso de dogmas tinha o intuito de justificar a autoridade de Cristo como transcendente ao mundo político. Os canonistas (religiosos) ditam o que seria dogma (daí se falar em Direito Canônico) e os juristas interpretavam esse dogma, sempre fazendo uma leitura conforme o pensamento da Igreja. Há a construção de uma teoria jurídica para servir ao domínio político do rei, como instrumento de seu poder, o que auxilia na formação do Estado moderno. Contudo, não se pode perder de vista que a Igreja é que limitava o poder político do rei, como já dissemos acima. 5.3 Jusnaturalismo na Era Moderna (= Jusracionalismo) - Direito como ordenação racional. * Jusnaturalismo na Era Moderna ou Jusracionalismo é uma das vertentes da Escola de Pensamento Jurídico chamada de Escola de Direito Natural. Segundo essa vertente, o Direito vem da razão. Outra vertente da Escola de Direito Natural é o Jusnaturalismo, para o qual o Direito vem da natureza das coisas. O que deve ficar claro é que tanto uma, como outra vertente, preocupa-se em considerar o Direito como Direito Natural, apenas. Para alguns, o Direito Natural é algo mutável; outros já o consideram mutável, variável no tempo. - Marco: Renascimento. - Dessacralização aos poucos. O Direito vai se afastando da Religião com a tecnização do saber jurídico. Isso leva, também, à perda do caráter ético do Direito. - Surgimento da noção de sistema (conjunto coordenado de várias normas jurídicas num todo, numa estrutura organizada). - O grande problema é: Como dominar, tecnicamente, a natureza que tanto ameaça a vida humana? - Quebra do elo jurisprudência e procedimento dogmático pautado na autoridade de textos romanos, mas tenta aperfeiçoar o caráter dogmático, como algo construído a partir de premissas validadas (comprovadas) pela razão. O dogma passa a ser, então, aquilo que pode ser validado pela razão, e não algo advindo de uma autoridade, como se via na Idade Média. Razão: é pela razão que as regras de convivência são reconstruídas. O Direito se assume como regulador racional, acima do Estado, capaz de atuar, apesar das divergências nacionais e religiosas, em toda circunstância. 5.4 Positivismo (Séc. XIX) - Direito como norma posta. O Direito se limita àquilo que é ditado e reconhecido pelo Estado como norma jurídica. Limita-se ao Direito Positivo. Daí se falar em Positivismo jurídico. Positivismo jurídico é uma Escola de Pensamento Jurídico iniciada com Comte. Os seguidores dessa Escola preocupam-se com a aplicação, a estrutura da norma jurídica e não com o que reflete a norma. Hans Kelsen é um desses seguidores. - Preocupação em dar segurança jurídica à sociedade, com maior estabilidade do ordenamento jurídico, através de normas escritas, postas pelo Estado. - Não conseguiu explicar a mutabilidade do Direito. Perceberam que o Direito muda no tempo, mas não conseguiram explicar o porquê disso. Foi nesse contexto que apareceu outra Escola de Pensamento Jurídico, a Escola do Historicismo Jurídico. Para ela, o Direito se forma, modifica-se espontaneamente e é manifestação do espírito popular, de forma que o Direito de cada lugar é determinado pelo seu povo. Explica, assim, a mutabilidade do Direito, mas seus seguidores limitavam o Direito como um todo, sem avançar em suas explicações, considerações (afinal, o que seria o Direito?). 5.5 Direito na Atualidade - Direito como instrumento decisório dos conflitos de interesses, que surgem na vida social. OBSERVAÇÃO: ESTE É APENAS UM ROTEIRO DE ESTUDO E, POR ISSO, NÃO ESGOTA O TEMA. PARA MAIORES ESCLARECIMENTOS ACERCA DO PERFIL HISTÓRICO DO DIREITO COMO OBJETO DO CONHECIMENTO PODEM SER CONSULTADOS OS LIVROS DE TÉRCIO FERRAZ JÚNIOR: “INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO” E “A CIÊNCIA DO DIREITO”. 6 INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL: DIREITO, MORAL, RELIGIÃO, REGRAS DE TRATO SOCIAL - Condicionamento da vida do homem em sociedade para se atingir a harmonia social. - Importância: só as normas jurídicas levariam o homem a se tornar um robô, de modo que a socialização não seria um valor em si, mas algo forçado. 6.1 Direito: como instrumento de controle social, é o Direito Positivo (normas jurídicas de conduta e organização social criadas e/ou reconhecidas pelo Estado). Preocupa-se com a Justiça (idéia de bem no âmbito social, de bem comum). 6.2 Moral: são normas que orientam as consciências humanas em suas atitudes. Preocupa-se com o bem, no sentido integral (de realização) e integrado (condicionamento ao interesse do próximo). 6.3 Religião: sistema de princípios e preceitos para a realização da vontade divina, com o propósito de conduzir o homem à felicidade eterna. Não se limita a descrever o além e/ou Criador. Preocupa-se com o bem, no sentido de deveres do homem com o Criador, com a divindade. * Obs.: não limitar a Religião apenas ao Catolicismo. Religião, aqui, é tomada num sentido maior: “Religião: 1. Crença na existência duma força ou forças sobrenaturais. 2. Manifestação de tal crença por meio de doutrina e ritual próprios. 3. Devoção, piedade.” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. 1.ed. 16.imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [19--], p.411) 6.4 Regras de trato social: são padrões de conduta social ditados pela própria sociedade, com o propósito de tornar mais agradável, ameno, o ambiente social. São exemplos: a cortesia, a etiqueta, a linguagem, o decoro, o companheirismo, etc. 6.5 Características principais dos instrumentos de controle social, segundo Paulo Nader (1998): DIREITO MORAL TRATO SOCIAL RELIGIÃO Bilateral Unilateral Unilateral Unilateral Heterônomo Autônoma, em regra Heterônomo Autônoma Exterior Interior Exterior Interior Coercível Incoercível Incoercível Incoercível Sanção prefixada Sanção difusa Sanção difusa Sanção, em geral, prefixada 1) Bilateral: no sentido de que impõe deveres, mas também prevê direitos. 2) Unilateral: no sentido de que impõe deveres. Não há previsão de direitos. 3) Heterônomo: no sentido de que as normas devem ser cumpridas. 4) Autônomo: no sentido de que as normas podem ser cumpridas, por um querer espontâneo das pessoas. 5) Exterior: no sentido de que as normas são voltadas para as ações humanas; atuam diretamente nas ações das pessoas em sociedade. 6) Interior: no sentido de que as normas são voltadas mais para a consciência das pessoas, como um aconselhamento que pode interferir na conduta que essa pessoa quer ou pretende ter. 7) Coercível: no sentido de que são normas ditadas pelo Estado (único detentor do poder de exigir das pessoas o cumprimento de tais normas.). 8) Incoercível: no sentido de que as normas não partem do poder estatal, de modo que podem ou não ser cumpridas. Notem a correlação dessa característica com outra característica: a autonomia. 9) Sanção prefixada: são normas que já trazem, de antemão, qual será a punição para o caso de a pessoa vir a descumprir seus preceitos. 10) Sanção difusa: são normas que não trazem uma punição prefixada; no momento da violação da norma, é que haverá uma reprovação, uma censura, ao infrator, por diversas formas (Lembram do olhar dos demais passageiros para quem não cede o lugar para um idoso no ônibus? Ou o olhar de reprovação para o advogado com trajes não adequados ao ambiente forense?). ATENÇÃO: A bilateralidade e a coercibilidade são características próprias do Direito. Não estão presentes nos demais instrumentos de controle social. 7. NORMA JURÍDICA 7.1 Importância do estudo da norma jurídica: é a própria substância do direito objetivo; é o ponto culminante do processo de elaboração do Direito; é o ponto de partida operacional da dogmática jurídica (lembrem-se: dogmática jurídica tem a função de sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente). 7.2 Papel da norma jurídica: é instrumento de definição da conduta exigida pelo Estado (como e quando agir?). Para Nader, a norma jurídica atua como uma fórmula de justiça que satisfaz a sociedade num determinado momento histórico. 7.3 Definição de norma jurídica: norma jurídica é uma estrutura formada por proposições enunciativas compostas da conduta exigida ou do modelo imposto de organização da sociedade. Tanto as regras jurídicas como os princípios são normas jurídicas. Por conta disso, não aconselhamos o uso da palavra norma como sinônima de regra jurídica. 7.4 Norma jurídica é diferente de lei: lei é uma das formas de expressão das normas jurídica, assim como os costumes e a jurisprudência são formas predominantes noutros Estados. 7.5 Instituto jurídico é diferente de ordem jurídica: instituto jurídico é a reunião de normas jurídicas afins, que rege um tipo de relação social ou de interesse, e que se identifica pelo objetivo que procura realizar. É uma parte da ordem jurídica. O instituto se fixa apenas num tipo de relação social ou de interesse (ex.: adoção; casamento). Ordem jurídica, por sua vez, é o conjunto de normas jurídicas que dispõe sobre a generalidade das relações sociais. (ex.: o conjunto de normas de Direito Civil). 7.6 Caracteres: existem diversas categorias de normas jurídicas, mas de uma forma geral, podemos vislumbrar as seguintes características: AI, BCG Abstratividade: a norma jurídica regula os casos que ocorrem via de regra, a fim de atingir o maior número de situações práticas. Daí dizermos que é um “dever ser”. Imperatividade: imposição de vontade (não é mero conselho). Bilateralidade: a norma jurídica apresenta dois lados – direitos e deveres. O direito é o que chamamos de direito subjetivo e o dever, o dever jurídico (um não existe sem o outro, numa relação jurídica). Coercibilidade: possibilidade de se fazer uso da coação. Coação é uma reserva de força estatal, a serviço do Direito e é formada por dois elementos: psicológico (intimidação através de penalidades previstas para o caso de violação da norma jurídica); material (é a força propriamente dita, que é acionada quando o destinatário da norma jurídica não a cumpre espontaneamente). COAÇÃO NÃO SE CONFUNDE COM SANÇÃO: coação é reserva de força estatal; é possibilidade de o Estado utilizar a força a serviço das instituições jurídicas. Já a sanção é a medida punitiva propriamente dita, que é prevista para o caso de violação da norma jurídica (é a punição, a pena). Generalidade: é o preceito de ordem geral, que obriga ou se refere a todos que se encontrem na mesma situação jurídica. 7.7 Estrutura da norma jurídica: Para Kelsen, “em determinadas circunstâncias, um determinado sujeito deve observar tal ou qual conduta; se não a observa, outro sujeito, o Estado, deve aplicar ao infrator uma sanção.” As normas jurídicas seriam, assim, formadas por uma norma primária (dado um fato temporal, deve ser praticada a prestação) e por uma norma secundária (a sanção para a violação do dever jurídico). Com esse entendimento, Kelsen dá a entender que a norma jurídica permite ao destinatário uma escolha entre alternativas: adotar a conduta definida como lícita ou se sujeitar à sanção prevista para o caso de infração. Acontece que a norma jurídica é uma estrutura una, não se subdividiria em norma primária e norma secundária, pois a sanção a integra, faz parte, num sentido diverso de alternativa ao destinatário. É a sanção uma parte da norma que se implementa com a infração ao preceituado legalmente, e não porque o destinatário quis, escolheu ser punido. 7.8 Regra jurídica é diferente de princípio: “Tanto as regras como os princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados com a ajuda de expressões, como permissão ou proibição.” (ALEXY). Mas há alguns critérios utilizados pelos estudiosos, a fim de distingui-los. Um desses critérios é o da generalidade: os princípios são normas de um grau de generalidade alto e as regras, de nível relativamente baixo de generalidade. Para Alexy, os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Já as regras jurídicas são normas jurídicas que só podem ser cumpridas ou não. São determinações. 7.9 Classificação: - Normas jurídicas quanto ao sistema a que pertencem: normas jurídicas nacionais; normas jurídicas estrangeiras; normas jurídicas de Direito Uniforme. - Normas jurídicas quanto à fonte: normas jurídicas legislativas (são aquelas escritas e previstas pelas leis); normas jurídicas consuetudinárias (são as normas jurídicas não escritas, advindas das práticas reiteradas da sociedade; são os costumes); normas jurídicas jurisprudenciais (são as criadas pelos tribunais). “No sistema de tradição romano-germânica, ao qual se filia o Direito brasileiro, a jurisprudência não deve ser considerada como fonte formal do Direito. No sistema do Common Law, adotado pela Inglaterra e Estados Unidos, os precedentes judiciais têm força normativa.” (NADER, 1998, p.107). - Normas jurídicas quanto à hierarquia: normas constitucionais (Constituição e as Emendas Constitucionais); normas infraconstitucionais (são aquelas abaixo da Lei Maior de um Estado). No Brasil, temos: lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória, decretos legislativos, resoluções, decretos e portarias. Dentre essas normas infraconstitucionais, também há uma hierarquia, seguindo essa ordem que colocamos acima. - Normas jurídicas quanto à vontade (ou à imperatividade, melhor dizendo): normas jurídicas taxativas ou cogentes (normas de ordem pública que todos estão adstritos. Ex.: exigências para fazer um testamento); normas jurídicas dispositivas (normas de conduta que deixam aos destinatários uma margem de atuação, de escolha para dispor de maneira diversa. Ex.: o testador pode escolher o testamenteiro, mas se ele não escolhe, a lei determina que será testamenteiro o cônjuge ou um herdeiro nomeado pelo juiz). Nessa classificação, notamos a diferenciação entre normas taxativas e normas dispositivas, no fato de que nestas a manifestação da imperatividade é menos intensa que nas normas taxativas. 8 TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO 8.1 Validade, vigência, vigor, eficácia e efetividade das normas jurídicas. Revogação. Irretroatividade. Repristinação. Validade: dizemos que uma norma jurídica é válida quando é elaborado por quem tem competência legislativa e também se atenta para os critérios formais e materiais de seu procedimento. Vigência: é a obrigatoriedade da norma jurídica desde o vigor, até a sua revogação (expressa ou tácita). É o tempo de validade da norma jurídica, tempo de sua permanência no ordenamento jurídico. Vigor: é o momento em que a observância da norma jurídica passa a ser exigida. Pode ser a partir da publicação, a partir de uma data expressamente estabelecida pelo legislador, ou, silenciando este, em 45 dias depois de oficialmente publicada a lei (artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro). Quando uma norma jurídica não começa a viger da publicação, mas por outra data (expressamente dita pelo legislador ou em 45 da publicação), há um espaço de tempo que a doutrina chama de vacatio legis (período de vacância da lei). Eficácia: dizemos que uma norma jurídica é eficaz quando produz os efeitos a que se propôs. Efetividade: dizemos que uma norma jurídica é efetiva quando é atendida por todos os destinatários, incluindo o legislador. TODA NORMA JURÍDICA EFICAZ É EFETIVA, PORQUE, PARA PRODUZIR SEUS EFEITOS, FOI, EVIDENTEMENTE, ATENDIDA, OBSERVADA, POR SEUS DESTINATÁRIOS. ALGUNS DOUTRINADORES OPTAM POR NÃO DIFERENCIAR EFICÁCIA DE EFETIVIDADE, EMPREGANDO UMA OU OUTRA PALAVRA INDISTINTAMENTE. Revogação: é a perda da vigência de uma lei. Representa a retirada de uma lei do ordenamento jurídico de determinado Estado. - A revogação varia de acordo com o tipo de lei: Se a lei for de caráter permanente (aquela que não tem uma data pré-determinada para o FIM da vigência), a revogação se dará quando for editada uma outra lei. Se a lei for de caráter temporário (aquela na qual o legislador já prevê, de forma expressa, o FIM da vigência, seja com a estipulação de uma condição – um evento futuro –, seja com a estipulação de um termo – uma data de término da lei), a revogação se dará com o implemento do evento ou com o decurso do tempo. Resumindo: lei de caráter permanente = revogação por outra lei. lei de caráter temporário = revogação pelo implemento da condição ou pelo decurso do tempo. Obs.: No Brasil, as leis são, em geral, de caráter permanente. Apenas em situações excepcionais (alguma calamidade, situação emergencial, por exemplo), o legislador pode optar por editar uma lei de caráter temporário. - A revogação da lei pode ser expressa ou tácita; total ou parcial: 1. Expressa: quando a lei nova (no caso de lei de efeito permanente) determina claramente a revogação da lei anterior; ou, no caso de lei de caráter temporário, pelo fato de a própria lei determinar claramente (por condição ou por termo) quando será revogada. Ex.: “Artigo X - Esta lei revoga as disposições em sentido contrário.”; “Artigo X – Esta lei revoga a Lei n. 8.888, de 8 de agosto de 2001”; “Artigo Y – Considera-se revogada esta lei a partir do término do período de seca.”; “Artigo Y – Considera-se revogada esta lei a partir de 31 de janeiro de 2010.” 1. Tácita: quando a lei nova, sem indicar claramente que revogou a anterior, trata do mesmo assunto dessa lei anterior. A revogação tácita só é possível quando estivermos falando de uma lei de efeito permanente, já que a lei de efeito temporário depende de pré-determinação expressa do fim da sua vigência. 1. Parcial ou Derrogação: quando a lei nova, de forma expressa ou tácita, revoga apenas parte da lei anterior. 1. Total ou Ab-rogação: quando a lei nova, de forma expressa ou tácita, revoga toda a lei anterior. OBS.: Na revogação parcial e na revogação total estamos considerando uma lei de efeito permanente. Hipoteticamente, uma lei de efeito temporário pode revogar total ou parcialmente a legislação anterior sobre a mesma matéria, o que é muito difícil de ocorrer dada à peculiaridade, à situação excepcional que exige a edição de uma lei de caráter temporário. A LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL (DECRETO-LEI N. 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942) DISPÔS SOBRE VIGÊNCIA, VIGOR E REVOGAÇÃO DAS LEIS EDITADAS NO ESTADO BRASILEIRO: “Art. 1º. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. § 1º. Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. § 2º. (sem aplicação desde a Constituição de 1946.). § 3º. Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. § 4º. As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova. Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. → Princípio lex posterior derogat lex priori (lei posterior revoga lei anterior) § 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. Princípio da irretroatividade da lei: no Direito brasileiro, a lei é, em geral, irretroativa; não retroage no tempo para alcançar fatos, acontecimentos passados. Exceções a esse princípio podem ser vistas no Direito Penal e no Direito Tributário, quando advém uma lei que beneficiará o criminoso ou o contribuinte, respectivamente. Repristinação: é o nome técnico dado para o fenômeno de retorno à vigência de uma lei já revogada. Ocorre quando uma terceira lei revoga uma segunda lei, e a primeira, por esta (segunda lei) revogada, recupera a sua vigência. 3ª (Lei n. 6.888, de 2003) ↓ REVOGA 2ª (Lei n. 5.998, de 2001) É a possibilidade de a lei (1ª) voltar ao ordenamento jurídico, quando a lei que a revogou (2ª) perde sua vigência, ou seja, é posteriormente revogada (3ª). ↓ REVOGA 1ª (Lei n. 5.000, de 2000) No Dicionário Jurídico, repristinação é o “instituto pelo qual se restabelece a vigência de uma lei revogada pela revogação da lei que a tinha revogado. Ex: a lei "A" é revogada pela lei "B"; advém a lei "C", que revoga a lei "B" e diz que a lei "A" volta a viger. Deve haver dispositivo expresso, não existindo repristinação automática (nem a CF pode repristinar automaticamente uma lei)”. (In: http://www.direitonet.com.br/dicionario_juridico/x/52/44/524/Repristinação) Nas palavras de Nader (1998, p.290), “esse fenômeno de retorno à vigência, tecnicamente designado por repristinação, é condenado do ponto de vista teórico e por nosso sistema.” Para seguirmos esse entendimento de Nader, devemos dizer que o Direito brasileiro condena, não admite, em regra, o efeito repristinatório da lei, ou seja, a repristinação. É mais adequado dizermos “em regra”, porque ainda permanece a redação do artigo 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil, dando indícios de que se permite (embora não seja praticada), excepcionalmente, a repristinação da lei no Direito brasileiro: “.............................................................................................................................. § 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.” (Grifamos). Então, em geral, segue-se o princípio da não-repristinação da lei, que pode ser assim definido: “Quando uma lei revogadora perde a sua vigência, a lei anterior, por ela revogada, não recupera a sua validade.” (NADER, 1998, p.290). RESUMINDO: Princípio da Irretroatividade (regra); Retroatividade (exceção). Princípio da Não-Repristinação (regra); Repristinação ou efeito repristinatório (exceção). 8.2 Fontes do ordenamento jurídico Definição: fonte (do latim, fons, fontis)significa nascente d’agua. Metaforicamente, a Ciência do Direito se vale dessa palavra para indicar a origem do Direito, o nascimento da norma jurídica e seu aparecimento no ordenamento jurídico. Classificação: Cada autor segue uma determinada classificação, com terminologia e expressões próprias para indicar as fontes do Direito. Paulo Nader, por exemplo, divide em três as fontes do Direito: fontes históricas, fontes materiais e fontes formais. Aqui, adotaremos a classificação que distingue fontes materiais e fontes formais. Materiais são aquelas fontes do Direito que indicam a causa produtora do Direito, o que favorece a formação do Direito. Em outras palavras, são os fatos sociais, que, por sua vez, são condicionados pelos mais diversos fatores, como a Moral, a Religião, a Economia, etc. OBS.: Alguns autores colocam tais fatores condicionantes dos fatos sociais como sendo as fontes materiais, o que não é, de certo modo, incorreto. Formais são as fontes do Direito que o exteriorizam; são as formas que podemos visualizar o Direito de determinado Estado. As principais fontes formais do Direito são as leis e os costumes. - Lei é a fonte formal do Direito, pela qual o Estado (pelo Poder Legislativo) estabelece as normas de conduta e organização da sociedade. “Lei é a forma moderna de produção do Direito Positivo” (NADER, 1998, p.168). No Brasil, a lei é a fonte do Direito por excelência. - Costumes são práticas sociais reiteradas que se assumem como fontes formais do Direito quando são reconhecidas, pelo Estado, para a conduta e organização da sociedade. OBS.: Alguns autores colocam a doutrina, a jurisprudência e o negócio jurídico como outras fontes formais do Direito. Outros os classificam como resultados da interpretação do Direito vigente brasileiro (ver a propósito, a manifestação de Nader sobre a jurisprudência). Para mim, poderiam ser até consideradas fontes formais, mas indiretas, no sentido de que exteriorizam o Direito apenas para interpretar e/ou influenciar as fontes formais diretas (leis e costumes). Nader, por exemplo, situa a doutrina como fonte indireta do Direito e o negócio jurídico como fonte especial de elaboração de normas jurídicas, ao lado das leis e dos costumes, ou seja, como fonte formal direta. Nesse contexto, o que fica claro é que há uma divergência na doutrina sobre o assunto (jurisprudência, doutrina, negócio jurídico são fontes ou não?). De todo modo, deixo registrado o significado de cada um desses termos: - Jurisprudência: são os precedentes judiciais; é o conjunto de decisões uniformes proferidas pelos Tribunais, sobre uma determinada matéria jurídica. - Doutrina: “[...] estudos e teorias, desenvolvidos pelos juristas, com o objetivo de sistematizar e interpretar as normas vigentes e de conceber novos institutos jurídicos, reclamados pelo momento histórico. É a communis opinio doctorum. Esse acervo de conhecimentos é resultado da experiência de juristas, mestres de Jurisprudência e dos juízes. Os estudos doutrinários localizam-se nos tratados, monografias, sentenças prolatadas pelos mais sábios juízes.” (NADER, 1998, p.211) - Negócio jurídico: é o ato jurídico lícito que se aperfeiçoa com a simples declaração da vontade, sendo os efeitos daí advindos recepcionados, tratados, pelo direito objetivo. Significa dizer: não é qualquer declaração de vontade que faz um determinado ato se tornar um negócio jurídico. É necessário que seja um ato lícito expressado por um “querer espontâneo” dos envolvidos. E mais. Que seus efeitos sejam definidos por estes envolvidos, mas tratados e permitidos pela ordem jurídica vigente. É, em síntese, um ato jurídico lícito, voluntário e intencional, que se destina a influir nas relações amparadas pelo Direito, por meio da manifestação da vontada. Exemplo citado por Nader, que não se enquadraria como um negócio jurídico, seria uma “declaração de amizade” (NADER, 1998, p.387). Isso porque os efeitos advindos dessa declaração de vontade não são previstos pela ordem jurídica vigente. São efeitos irrelevantes para o Direito. Já o testamento, a emancipação de um filho, a compra e venda, são negócios jurídicos, pois os efeitos são relevantes para o Direito e detidamente tratados por ele. Obs.: Em outra disciplina, vocês verão que o negócio jurídico é gênero do qual são espécies os contratos e os negócios jurídicos em sentido restrito/estrito. 8.3 A Interpretação do Direito - Etimologia da palavra “interpretação”: do grego, hermeneia, e do latim, interpretare, interpretar é explicar o sentido de alguma coisa, de alguma visão ou oráculo. - Definição semântica da palavra “interpretação”: interpretar é o ato de explicar o sentido de algo; é a revelação do significado de alguma atitude ou forma de expressão (verbal, artística). - Definição de interpretação: é o processo de cunho prático e racional realizado pelo trabalho de decodificação humana (o intérprete). - Finalidade da interpretação do Direito: 1. revelar a finalidade, o próprio sentido do Direito; 2. delimitar o alcance da norma jurídica. - O brocardo jurídico in claris cessat interpretatio (na clareza, cessa a interpretação) não tem mais valor científico na atualidade, pois já é unânime entre os estudiosos do Direito que a norma jurídica (obscura, ambígua, defeituosa, e, até, clara) está sujeita à interpretação. Aliás, a própria averiguação da clareza já é uma interpretação. Noutras palavras, para o operador do Direito afirmar que uma norma jurídica é clara, precisou, antes, realizar um processo interpretativo. Escolas Para que o pensamento jurídico evoluísse, a ponto de se constatar a importância da interpretação do Direito, dos métodos de interpretação, foram necessários vários estudos sobre o tema. Surgiram, então – principalmente depois da Revolução Francesa, com o Código Civil Napoleônico e os positivistas –, “escolas” formadas por estudiosos que tentavam explicar o processo interpretativo. A primeira Escola foi a Escola da Exegese. De acordo com seus seguidores, o Código Civil Napoleônico já traria a regulação de todos os fatos sociais, bastando a interpretação para melhor solucionar o conflito surgido na prática, ou seja, para melhor encaixar o caso concreto à norma jurídica. A lei é a única fonte do Direito; é o próprio Direito. No processo interpretativo, pregavam que devia ser seguida uma seqüência de linhas interpretativas: 1º) gramatical; 2º ) lógica: 3º) sistemática. Escola Histórica. Ao se constatar, na prática, que a lei não dá conta de tudo, a Escola Histórica, principalmente, Saleilles, buscou uma outra direção para o processo interpretativo. Segundo esse autor, era necessária, ao lado dos métodos indicados pela Escola da Exegese, a interpretação histórico-evolutiva. A lei depois de editada, desprende-se do legislador, de modo que é possível interpreta-la, fazendo o resgate do cenário histórico que motivou sua “entrada” no ordenamento jurídico, como, também, buscando a intenção do legislador, se, ao tempo da elaboração da lei, deparasse com certas situações da vida social que lhe foram posteriores. Não é interpretação criadora, à margem da lei ou que ignore a lei. É uma interpretação que estende a lei para adequá-la à realidade social. Passa, portanto, pelo âmbito da lei. Escola da Livre Pesquisa (séc. XIX, Gény, França). Como se concluiu, depois, que a elasticidade da lei, a que se refere a Escola Histórica, tem um limite, uma nova Escola (a Escola da Livre Pesquisa), e, em especial, Gény, buscou uma outra resposta acerca da interpretação do Direito. Para ele, a lei só tem uma intenção (a originária, ou seja, a que motivou a “entrada” da lei no ordenamento jurídico) que deve ser respeitada. Se essa intenção já não corresponde ao real, cabe ao juiz procurar outros meios (Economia, por exemplo), para suprir a lacuna gerada entre a intenção originária e a realidade. O magistrado deve se voltar ao trabalho de pesquisa para alcançar a solução para o caso concreto. Certo é que, mesmo assim, deve ficar atento ao positivado, ou seja, há uma liberdade de pesquisa, desde que a leitura, a interpretação alcançada esteja dentro do que prevê o ordenamento jurídico. Escola do Direito Livre. Por uma compreensão sociológica do Direito – a exigência de um Direito Justo –, a Escola do Direito Livre prega que o juiz pode se valer da eqüidade não só diante de uma lacuna, mas toda vez que lhe parecer, cientificamente, inexistir uma lei apropriada a um caso. Compreensão atual do problema hermenêutico. - Preocupação compreensiva, no sentido de situar o artigo na lei e em todo o ordenamento jurídico. – Valorização do elemento teleológico ou finalístico, na busca da finalidade social da lei no seu todo (interpretação teleológica). – Entendimento de que nenhuma interpretação, sozinha, diz o que o Direito significa. – Tendência atual de valorização da interpretação histórico-evolutiva. Interpretação gramatical ou filológica: revelação do sentido das palavras empregadas no texto, bem como da sintaxe e pontuação. É o significado verbal que se deve extrair, através do emprego de regras gramaticais, de uma expressão jurídica ou de um dispositivo de lei. Interpretação lógico-sistemática: depois da análise da estrutura interna de uma lei ou de um dispositivo de lei, a interpretação lógico-sistemática é empregada. Significa a contextualização dessa lei ou dispositivo no contexto normativo. Vale dizer, o intérprete deve ficar atento ao contexto mais amplo em que está inserida a lei/dispositivo. Interpretação histórico-evolutiva: resgate do cenário histórico que motivou a “entrada” da lei na ordem jurídica, e, ainda, da intenção do legislador, caso estivesse frente às situações da vida social posteriores à edição daquela lei. Interpretação teleológica: busca-se a finalidade social da lei no seu todo, ou seja, qual é o fim a que ela se destina no ordenamento jurídico. 8.4 As Lacunas do Direito e sua Integração. As Antinomias Jurídicas O sistema jurídico ou ordenamento jurídico é complexo, unitário, dinâmico, e, em tese, deve ser, também, coerente e completo. Ocorre que essas duas últimas características acabam por serem objetivos, metas, a serem alcançados, já que, na prática, os estudiosos do Direito perceberam ser impossível um Direito totalmente coerente e completo. Há situações concretas que podem fugir de um regramento jurídico (lacuna do Direito), ou, então, existirem duas normas jurídicas que podem ser aplicadas num caso concreto e que dependem de uma solução (antinomia do Direito). Aplicação: “imposição de uma diretriz como decorrência de competência legal” de um órgão ou autoridade. Antes de aplicar uma lei, é necessário interpretar o Direito, de modo que aplicar é um exercício condicionado a uma prévia escolha valorativa entre várias interpretações possíveis. Integração: é o preenchimento dos vazios de uma lei, com o propósito de se dar uma resposta jurídica a quem esteja desamparado por uma lei expressa. - Os métodos de integração: *Analogia é processo de integração do Direito, por meio do qual se estende a um caso semelhante, uma resposta dada a outro caso. Difere da interpretação extensiva, pois esta é o momento de reconhecimento de que existe norma que pode ser estendida ao caso, enquanto a analogia é o momento de lacuna, ou seja, de reconhecimento, pelo juiz, de que inexiste norma para o caso. *Costumes. Definição já vista quando falamos das fontes do Direito. *Princípios gerais do Direito são enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação, quer para a elaboração de novas normas jurídicas. Os princípios são a sustentação do Direito: guiam, fundamentam e até limitam as normas jurídicas advindas com as leis. Finalidade: 1. influenciam a elaboração das leis. 2. auxiliam no processo de integração do Direito. Deve-se entender “gerais”, no sentido de princípios direcionadores do Direito como um todo, mas, também, aqueles princípios específicos de um ramo jurídico. Tomando uma classificação geral sobre princípios, temos que os princípios gerais do direito são princípios monovalentes (aplicados a apenas uma área do conhecimento). Há ainda duas outras categorias nessa classificação geral: os princípios onivalentes (válidos em todas as áreas científicas. Ex.: princípio da razão suficiente) e os princípios plurivalentes (aplicados em vários campos do conhecimento. Ex.: princípio da causalidade). Definição semântica dos princípios gerais do direito: - princípios (no sentido de origem); - gerais (no sentido de comum, de genérico; algo que não se volta apenas para um determinado ponto ou parte); - direito (no sentido de que estão atrelados à juridicidade). Natureza jurídica dos princípios gerais do direito: Para os positivistas, os princípios gerais do direito são os consagrados pelo ordenamento jurídico e, para aplicá-los, o juiz deve ater-se, objetivamente, ao Direito vigente, sem qualquer subjetivismo. Já os jusnaturalistas dizem que os princípios gerais do direito estão acima do Direito Positivo; são eternos, imutáveis; universais. São os princípios do Direito Natural. *Eqüidade é o processo, por meio do qual as conclusões de uma regra genericamente prevista no ordenamento jurídico são amenizadas com o propósito de ajustá-la às particularidades do caso concreto. No caso de uma lacuna, a eqüidade assume o papel de processo de integração do Direito, através do qual o Juiz busca, por critérios de justiça, alcançar uma solução adequada à situação fática que, positivamente, não tem uma solução prevista. Antinomias jurídicas: é o conflito entre duas normas jurídicas, válidas e emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, necessitando de solução. * Elementos: 1. a incompatibilidade entre as normas jurídicas (proibição X permissão; ação X omissão); 2. as normas jurídicas são válidas e emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo; 3. a necessidade de solução. * Classificação: a) Aparente/ Real Aparente é a antinomia que pode ser solucionada via interpretação, com o auxílio de critérios elaborados para tanto. Real é a antinomia que não pode ser solucionada com o auxílio de algum critério previamente definido; é uma situação na qual inexiste critério já definido para solucionar o conflito de normas jurídicas. Dois são os caminhos para buscar a solução de uma antinomia real: 1. Pelo Legislativo, com a edição de uma terceira norma jurídica que diga qual das duas conflitantes deverá ser aplicada. 2. Pelo Judiciário, com a aplicação dos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil; o juiz pode adotar, para decidir um caso concreto, uma das duas normas jurídicas conflitantes sempre em atenção ao princípio da justiça. b) Própria/ Imprópria Própria é a antinomia que ocorre por motivos formais (uma norma permite, a outra proíbe, por exemplo). Imprópria é a antinomia ocorrida pelo conteúdo material das normas jurídicas. Podem ser, segundo Ferraz Júnior: antinomia de princípios (as normas protegem valores opostos); antinomia de valoração (pune um delito grave com uma pena leve, por exemplo); antinomia teleológica (os fins de uma norma jurídica conflitam com os meios propostos por outra norma). É importante deixar claro que o conflito impróprio é mais entre o comando estabelecido pelas normas e a consciência do aplicador. Não há necessidade de aplicar qualquer critério para resolver esse tipo de antinomia, pois é certo que tal aplicador tem de agir conforme as normas, interpretando-as, obviamente, mas chegando à uma conclusão do caso concreto, aplicando alguma norma, ainda que não concorde com ela por motivo, juízo particular de valor. c) De Direito Interno/De Direito Internacional/De Direito Interno-Internacional d) Total-Total/Total-Parcial/Parcial-Parcial e) De 1º Grau/De 2º Grau De 1º Grau é o conflito de normas jurídicas que envolve apenas um dos critérios de solução já definidos previamente para a solução de conflitos. De 2º Grau é o conflito de normas jurídicas que envolve dois dos critérios de solução, ou seja, à primeira vista parece existir a possibilidade de aplicar tanto um, como outro critério. Vale dizer, há um conflito entre os próprios critérios postos para a solução do conflito de normas jurídicas. * Critérios de solução de antinomias jurídicas: - Hierárquico: lex superior derogat lex inferiori (lei superior prevalece sobre inferior). É aplicável no caso de uma antinomia própria, de 1º grau, e aparente, que envolva a hierarquia de duas normas jurídicas sobre um caso concreto. - Especialidade: lex specialis derogat lex generalis (lei especial prevalece sobre geral). É aplicável no caso de uma antinomia própria, de 1º grau, e aparente, que envolva a especialidade, especificidade, de duas normas jurídicas sobre um caso concreto. - Cronológico: lex posterior derogat lex priori (lei posterior prevalece sobre anterior). É aplicável no caso de uma antinomia própria, de 1º grau, e aparente, que envolva a questão temporal de duas normas jurídicas sobre um caso concreto. - Hierárquico X Cronológico: lei superior anterior conflitando com lei inferior posterior, prevalece o critério hierárquico. É a solução aplicável quando for caso de uma antinomia própria, de 2º grau, e aparente, que possibilita, num primeiro momento, a aplicação de duas soluções ao conflito entre normas jurídicas. - Especialidade X Cronológico: lei especial anterior conflitando com lei geral posterior, prevalece o critério da especialidade. É a solução aplicável quando for o caso de uma antinomia própria, de 2º grau, e aparente, que possibilita, num primeiro momento, a aplicação de duas soluções ao conflito entre normas jurídicas. - Especialidade X Hierárquico: lei geral superior conflitando com lei especial inferior, não há um critério previamente definido pela doutrina, ou mesmo, pela legislação. É o único caso de antinomia própria, de 2º grau, e real. Teoricamente, prevalece o hierárquico. Mas na prática, pode ser justificada a opção pelo critério da especialidade se embasado no princípio da justiça. O juiz, frente ao caso concreto, é quem define qual critério adotará, seguindo apenas o que estabelecem os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. 8.5 Relações entre ordenamentos estatais Há, na ciência jurídica, um ramo direcionado ao estudo comparativo de ordenamentos jurídicos de diferentes Estados, com o propósito de revelar as novas conquistas em determinados institutos jurídicos e que podem servir de orientação ao legislador de outro Estado. Esse ramo é o Direito Comparado. Seu objeto é, então, a comparação de ordenamentos jurídicos estatais, e seu objetivo, revelar as conquistas alcançadas em determinadas instituições jurídicas. Para tanto, é necessário que o pesquisador atente para as leis/códigos do Estado para o qual se direciona a pesquisa, os fatos culturais e políticos que serviram de suporte ao ordenamento jurídico daquele Estado; buscando, também, selecionar as legislações mais avançadas no ramo de interesse para, assim, obter resultados positivos no estudo realizado. Importante é o alerta de Nader sobre o estudo comparado de ordenamentos estatais: o aproveitamento, por um Estado, da experiência jurídica de outro é possível, desde que o novo conjunto normativo adapte à realidade social a que se destina. Apesar de cada Estado possuir uma ordem jurídica própria, pode apresentar elementos afins que permite seu agrupamento com outros, formando as chamadas famílias ou sistemas jurídicos. São famílias ou sistemas jurídicos: 1. Família romano-germânica: é a família formada por todos os ordenamentos estatais que sofrem forte influência do Direito romano e do seu estudo. A grande característica dessa família, é que a regra jurídica é genérica, preceituada pelo legislador, na maior parte, por lei escrita, e deve ser aplicada ao caso concreto pelo juiz. Por isso se diz que é um sistema que funciona de “cima para baixo”. São exemplos o Direito de vários Estados europeus, de toda a América Latina, e, de modo especial, o Direito brasileiro. 2. Família da common law: é a família formada por uma base jurisprudencial, por uma base de decisões judiciais de casos anteriores (os precedentes). Nessa família, os costumes têm uma forte influência. É o sistema originado do Direito britânico e funciona de “baixo para cima”, ou seja, as decisões judiciais anteriores formam uma espécie de regra geral que, futuramente, pode ser aplicada pelo juiz a um caso concreto semelhante. 3. Família dos direitos socialistas: é a família influenciada pela noção de Estado socialista (maior intervenção social do Estado, se comparado com o Estado de vertente liberal). Desde a fragmentação da URSS, são restritos os ordenamentos jurídicos pertencentes a essa família, na atualidade. Do ponto de vista formal, assemelha-se ao direito adotado na família romano-germânica. 4. Outras famílias: o Direito muçulmano; os Direitos do Extremo Oriente. Para maiores estudos a respeito desse tópico, sugiro o livro “Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo”, de René David, e o texto encontrado no endereço eletrônico <http://www.wikipedia.org/wiki/Direito_comparado> 8.6 – Dos fatos e atos jurídicos 8.6.1 – Noção de relação jurídica Toda ciência implica relações. Com a Ciência do Direito não seria diferente. Era preciso, também, delimitar o campo de suas relações. A propósito, foi Savigny, no século XIX, quem primeiro conceituou o que se entenderia por relação jurídica. Certo é que fatos e atos humanos podem se apresentar como relações sociais e, mais especificamente, como relações jurídicas. Há uma série de laços que prendem os serem humanos entre si, mas nem todos são de natureza jurídica. Podem ter fins morais, religiosos, econômicos, estéticos, artísticos, etc. Assim, uma primeira conclusão que podemos tirar é que a relação jurídica é uma espécie de relação social. Contudo, saber que uma relação jurídica é uma espécie de relação social, por si, não é suficiente para nos auxiliar no seu reconhecimento. Para tanto, existem dois enfoques: 1. TRADICIONAL (baseado numa concepção individualista do Direito, as relações jurídicas são relações sociais postas por si mesmas, sendo apenas reconhecidas pelo Estado para o fim de protegê-las); 2. ATUAL (baseado numa concepção operacional do Direito, não atribuindo ao Estado a mera função de reconhecer e amparar algo já estabelecido no jogo dos interesses individuais. O Estado vai além. Estabelece, também, modelos jurídicos que condicionam e orientam o constituir-se das relações jurídicas). Seja qual foi o enfoque a ser seguido, o que fica claro para nós é que inexiste relação jurídica se inexiste um fato correspondente às normas jurídicas. Fundamento básico, segundo Reale: os fatos e as relações sociais só têm significado jurídico se forem inseridos numa relação normativa. Significa dizer: a norma jurídica nasce do fato social e ao fato social se destina. Só enquanto as relações sociais passam sob a luz irradiada das normas jurídicas é que são relações jurídicas. Definição: relação jurídica é a realidade concreta (fruto de uma relação entre seres humanos) que se adapta ao modelo normativo instaurado pelo legislador. Requisitos: 1. intersubjetividade (vínculo entre duas ou mais pessoas); 2. correspondência normativa (que o vínculo entre pessoas corresponda a uma hipótese normativa, de tal modo que daí derivem conseqüências obrigatórias). Não há relação jurídica sem norma jurídica, implícita ou explícita, que como tal a qualifique (REALE). 8.6.2 – Elementos da relação jurídica 1. Sujeito ativo: titular ou beneficiário principal da relação jurídica. 2. Sujeito passivo: devedor da prestação principal (no sentido de que nada impede de o devedor ter o direito de exigir do sujeito ativo algo como prestação complementar). 3. Vínculo de atributividade: vínculo que une uma pessoa a outra, de modo recíproco ou complementar, mas sempre de maneira objetiva. 4. Objeto: razão de ser do vínculo constituído entre sujeito ativo e sujeito passivo. Pode ser uma pessoa (direito pessoal), coisa (direito real), prestação (direito obrigacional). Obs.: alguns autores não aceitam que uma pessoa possa ser um objeto numa relação jurídica. 8.6.3 – Espécies de relação jurídica De acordo com a norma aplicável ao caso e a natureza do fato social em si, juntamente com o fim que se tem em vista com a prática do ato, podemos ter várias espécies de relação jurídicas. Vejamos: Quanto ao tipo do fato social e do fim almejado: - relações jurídicas de direito público (subordinação); - relações jurídicas de direito privado (coordenação). Quanto ao objeto: - pessoais; - reais; - obrigacionais. Dentre as formas de relações obrigacionais, destaco as de tipo negocial, ou, simplesmente, os negócios jurídicos (- declaração de vontade que instaura uma situação jurídica capaz de produzir efeitos externos ao seu autor; subordinação dos efeitos dessa situação às cláusulas e condições estabelecidas na declaração por ele feita). Definição de negócio jurídico: é o ato jurídico pelo qual se estabelece uma relação jurídica cujos efeitos se subordinam à vontade declarada, por uma ou mais pessoas, nos limites consentidos legalmente. Produzem efeitos porque o agente (sujeito ativo) assim deseja. * Tipos de negócio jurídico: - Unilaterais: pressupõem vontade de uma pessoa (ex.: doação). - Bilaterais ou sinalagmáticos: é o encontro de duas ou mais vontades exteriorizadas. - Solenes: a lei exige, para a validade do negócio jurídico, uma determinada formalidade. (ex.: testamento). - Não solenes: desprovido de formalidade legal para a sua validade. - Mortis causa: seus efeitos só ocorrerão após a morte do agente (ex.: testamento). - Inter vivos: seus efeitos se operam em vida dos manifestantes. - A título gratuito: não é exigida uma contraprestação (ex.: doação). - A título oneroso: é exigida uma contraprestação (ex.: locação). Obs.: Nos direitos obrigacionais, o objeto da relação é sempre uma prestação, ou seja, um ato a que se obriga o sujeito passivo, e não a coisa necessária à execução do pactuado entre as partes. Ex.: no contrato de mútuo, o objeto imediato da relação jurídica é o empréstimo e o respectivo pagamento a que se compromete o sujeito passivo. Já a moeda é o objeto mediato (é só a coisa necessária para a execução do contrato). Nos direitos reais, a relação tem como objeto imediato uma coisa. Ex.: no exercício do direito de propriedade, quando o proprietário age na defesa e manutenção de tal direito contra todo aquele que tentar ou quiser violá-lo. 8.7 Sujeitos de Direito As pessoas, às quais as normas jurídicas se destinam, chamam-se sujeitos de direito, e podem ser pessoas naturais/físicas, ou pessoas jurídicas. TODO SUJEITO DE DIREITO É UMA PESSOA. Sujeito de direito é, então, o titular de direitos e deveres na relação jurídica. Pessoa é palavra que assume diversas conotações. Do ponto de vista religioso, é pessoa aquele ser dotado de alma. Do ponto de vista biológico, é todo ser humano. Do ponto de vista jurídico, pessoa é a qualificação do indivíduo (ser humano) como ser social, entendendo-se, algum tempo depois, também os entes coletivos formados para atingir determinada finalidade. Significa dizer: é o ser, individual ou coletivo, dotado de direitos e deveres na ordem jurídica. Personalidade jurídica é o atributo essencial do ser humano que a ordem jurídica também conferiu às pessoas jurídicas. Significa a aptidão para possuir direitos e deveres que são reconhecidos pela ordem jurídica. A personalidade jurídica não é uma realidade ou fato, mas uma criação jurídica. Tanto é assim que no passado animais poderiam ser parte em ações judiciais ou receber honrarias. Já os escravos não possuíam personalidade jurídica. Obs.: Quando se protege um animal ou uma árvore, não significa que esses têm direitos. É apenas um indicativo de que são respeitados valores de “bons sentimentos” próprios dos homens mais civilizados (REALE). PESSOA NATURAL Pessoa natural ou física: ser individualmente considerado como sujeito de direito. Entenda-se por ser, nesse caso, como o ser humano. Início da personalidade jurídica da pessoa natural ou física: duas correntes – uma, que entende o início como sendo a concepção; outra, entendendo que o início se dá com o nascimento com vida (vida é, para o Direito, o momento da respiração). Pelo artigo 2º do CC/2002, o Direito brasileiro segue a segunda corrente, mas resguarda os interesses do nascituro (o feto, para a Biologia). Capacidade de direito é o mesmo que personalidade jurídica. É a possibilidade de ter direitos e deveres na ordem jurídica. Basta ser pessoa, segundo o artigo 1º do CC/2002, para ter personalidade jurídica e capacidade de direito. Capacidade de fato: é a aptidão legal para o exercício de direitos e deveres, por ato próprio. Se a pessoa não detém essa capacidade de fato, é chamada de incapaz (absoluto ou relativamente). A incapacidade jurídica é um reflexo de uma incapacidade natural ou fática. A pessoa que reúne a capacidade de direito e a capacidade de fato é chamada de pessoa plenamente capaz, que, em regra, dá-se com a maioridade civil, ou seja, quando a pessoa atinge os dezoito anos de idade (artigo 5º do CC/2002). Absolutamente incapaz é a total falta de aptidão, pela idade ou por motivo de doença, para exercer, pessoalmente, os atos da vida civil. Quando precisa participar de algum ato ou negócio jurídico, depende da representação por seus pais, tutores ou curadores (representantes legais), que substituirão a sua vontade, levando em consideração, obviamente, a conveniência da realização de tal ato ou negócio jurídico. Há, ainda, direitos que nem por representação podem ser exercidos pelo absolutamente incapaz, pois são direitos personalíssimos (só exercidos pela própria pessoa. Ex.: casamento). Dispõe o artigo 3º do CC/2002: Artigo 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de 16 (dezesseis) anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. Relativamente incapaz é aquela pessoa que, de acordo com o legislador, não se encontra privada de toda a vontade. Necessita, apenas, de ser acompanhada, assistida, na prática de certos (e não todos) atos da vida civil, ou ao modo de exercêlos. Quem exterioriza a vontade é o relativamente incapaz, mas sob a fiscalização daquele que o assiste. De acordo com o artigo 4º do CC/2002, são relativamente incapazes a certos atos, ou à maneira de os exercer: Artigo 4º .............................................................................. I – os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. OS ATOS JURÍDICOS PRATICADOS PESSOALMENTE POR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ SÃO ATOS NULOS (ARTIGO 166, I, DO CC/2002), NÃO PODENDO SER CONFIRMADOS, NEM CONVALIDADOS PELO DECURSO DO TEMPO (ARTIGO 169 DO CC/2002). JÁ OS PRATICADOS POR RELATIVAMENTE INCAPAZ, SEM A EXIGIDA ASSISTÊNCIA, SÃO ANULÁVEIS (ARTIGO 171, I, DO CC/2002), OU SEJA, PODEM SER CONFIRMADOS PELAS PARTES, SALVO DIREITO DE TERCEIRO (ARTIGO 172 DO CC/2002). OBS.: Para que o menor relativamente incapaz se torne capaz antes da maioridade civil, exigese a emancipação. Para que o maior (já alcançou os 18 anos de idade) seja considerado incapaz (absoluta ou relativamente), é necessária a interdição. PESSOA JURÍDICA Com o tempo, sociedade exigiu a criação de associações de pessoas que pudessem atender, de modo adequado e suficiente, às necessidades humanas que, cada vez, tornavam-se mais diversificadas e complexas. Assim, surgiram as chamadas pessoas jurídicas como sendo o ente coletivamente considerado que é organizado pela união de pessoas naturais, para atingir um objetivo comum. Apresentam autonomia patrimonial, ou seja, patrimônio é diverso do patrimônio daqueles que as instituíram. Há várias teorias que tentam explicar a pessoa jurídica, a exemplo da teoria da instituição, que ressalta a distinção do ente coletivo da figura de seus instituidores. Classificação: pelo artigo 40 do CC/2002, as pessoas jurídicas se dividem em pessoas jurídicas de direito público, interno e externo, e as de direito privado. São pessoas jurídicas de direito público interno (artigo 41, CC/2002): - a União; - os Estadosmembros; - o Distrito Federal; - os Territórios; - os Municípios; - as autarquias; - as demais entidades de caráter público criadas por lei. São pessoas jurídicas de direito público externo (artigo 42, CC/2002): - os Estados estrangeiros; - todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público (ex.: Santa Sé; os organismos internacionais, como a ONU, etc.). São pessoas jurídicas de direito privado (artigo 44, CC/2002): - as associações; - as sociedades (empresárias – em regra, as sociedades que tem por objeto o exercício de atividade própria do empresário sujeito a registro, conforme artigo 967 e artigo 982 do CC/2002 – e simples, as demais sociedades que não se dedicam à atividade própria do empresário, ou seja, ao exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços que constituem elemento da empresa); - as fundações. Início da personalidade jurídica: a pessoa jurídica “nasce” com o registro de seus atos constitutivos junto ao órgão competente (Junta Comercial; Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, etc.). No caso de pessoas jurídicas de direito público interno que dependam de criação legal (artigo 41, V, CC/2002), antes do registro, é necessária aquela formalidade. OBS: no Estado brasileiro, adota-se a chamada descentralização política, ou seja, há pessoas jurídicas de direito público interno que concorrem com competências políticas, de forma soberana (União) ou autônoma (Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), para ditar leis e governar. Essas pessoas são os chamados entes federativos e possuem personalidade jurídica própria, sem subordinação entre eles. Há, apenas, algumas competências reservadas constitucionalmente à União. Na organização administrativa brasileira, formam a chamada Administração direta, enquanto as autarquias, as fundações e as empresas estatais (sociedades de economia mista e empresas públicas) formam a chamada Administração indireta. Autarquia é uma pessoa jurídica de direito público interno, com natureza administrativa e criação por lei específica do Chefe do Poder Executivo, direcionando-se para a execução das atividades antes desempenhadas pelo ente estatal que as criou. Ex.: o Banco Central do Brasil e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS são exemplos de autarquias federais; a Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG e a Loteria do Estado de Minas Gerais são exemplos de autarquias estaduais; Fundação, apesar de poder integrar a Administração indireta, é pessoa jurídica de direito privado, como consta no artigo 44, CC/2002. Mas registro que também há a possibilidade de o Estado instituir fundação sob o regime de direito público. Referência bibliográfica Básica: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10.ed. Brasília: UnB, [1997]. 184p. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 589p. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2003. 370p. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000. MATA-MACHADO, Edgar de Godoi da. 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