CURSO: Direito DISCIPLINA: PERÍODO MINISTRADO/SEMESTRE/ANO: PROFESSOR: Introdução ao direito 2º/2014 Juliano Vieira Alves COLMATAÇÃO DAS LACUNAS INTEGRAÇÃO DO DIREITO Essa aula pode ser encontrada nos seguintes lugares BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimensional. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 459 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito; compiladas por Nello Morra; tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Icone, 1995. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6ª. ed., rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2012. DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 2ª. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007 – Lição 3 “Teoria da norma jurídica” – pp. 63/91. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica: norma jurídica e aplicação do direito. 23ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito; tradução de José Lamego. 3ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997 - II - PARTE SISTEMÁTICA: Capítulo V - MÉTODOS DE DESENVOLVIMENTO JUDICIAL DO DIREITO. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009 – Capítulo IX: “Norma Jurídica” – pp. 83/96 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito: com exercícios para sala de aula e lições de casa. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3ª. ed., 4. reimpr. São Paulo: Atlas, 2010. CF art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito CPC - art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. LINDB - Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. PRESSUPOSTOS O ordenamento jurídico visto como sistema Um cipoal de normas que não param de ser criadas Inflação legislativa: sistema que se caracteriza pela onipresença/completude Atualizado em 12.10.2014 1 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano Normas regulamentando todas as ações e comportamentos O PRESSUPOSTO DA COMPLETUDE DO SISTEMA: A demonstração da inexistência das lacunas diz respeito a duas teorias diversas (BOBBIO, 1995, p. 208): 1) A teoria do espaço jurídico vazio tem o seu maior expoente em Bergbohm e foi sustentada na Itália principalmente por Santi Romano. Estes autores afirmam que não faz sentido falar de lacunas do direito, porque, dado um fato qualquer, ou existe uma norma que o regule e, neste caso, não há evidentemente lacuna alguma, ou não existe nenhuma norma que o regule, e nem também neste caso se pode falar de lacuna, visto que o fato não regulado é juridicamente irrelevante, porque pertence ao "espaço jurídico vazio" (isto é, ao espaço que está além da esfera jurídica). 2) A teoria da norma geral exclusiva tem o seu maior expoente em Zitelmann e foi retomada na Itália principalmente por Donati. Segundo este último autor, não existem fatos juridicamente irrelevantes e não existem lacunas, porque cada norma jurídica particular que submete a uma dada regulamentação certos atos é sempre acompanhada de uma segunda norma implicitamente nela contida, a qual exclui da regulamentação da norma particular todos os atos não previstos por esta última e os submete a uma regulamentação jurídica antitética (por isto a segunda norma, é dita geral e exclusiva) Ver o princípio da legalidade – art. 5º, II, CF Em sentido análogo ao item 2: “...todo ordenamento qualifica como indiferente tudo que não é obrigatório ou proibido, ou seja, o que não está juridicamente proibido é juridicamente permitido” (FERRAZ JÚNIOR, 2012, p. 189) É possível existir lacunas? “O ordenamento jurídico é inevitavelmente lacunoso, porque o legislador não pode prever todas as situações que se multiplicam na sociedade e, atualmente, o incrível e rápido avanço tecnológico” (VENOSA, 2010, pp. 173-4) “...por mais que as normas jurídicas – e os legisladores – queiram, elas não conseguem acompanhar a dinâmica de transformação da realidade social. E, até ao contrário, a norma tem entre suas funções a de ser estabilizadora da sociedade, o que contrasta com movimentos contínuos de mudança” (NUNES, 2009, p. 296). os casos que poderiam colocar o juiz em dificuldade (BOBBIO, 1995, p. 74): a) obscuridade da lei: neste caso o juiz deve tornar clara, através da interpretação, a disposição legislativa que parece obscura; b) insuficiência da lei, no momento em que esta não resolve completamente um caso, descurando a consideração de qualquer elemento: em tal caso o juiz deve completar o disposto legislativo (integração da lei); c) silêncio da lei, quando esta se cala sobre uma determinada questão (é o caso típico das "lacunas", as quais, por outro lado, se verificam também no caso de insuficiência da lei): neste caso o juiz deve suprir a lei, deduzindo de qualquer modo a regra para resolver a controvérsia em exame. Princípio norteador do intérprete está previsto no art. 4º da LINDB Juízo de non liquet: quando a lei não oferece nenhuma regula decidendi. Maria Helena Diniz, ao comentar o art. 4º da LINDB, afirma: “O legislador, reconhecendo a impossibilidade lógica de regulamentar todas as condutas, prescreve normas desse tipo com o escopo de estabelecer a ‘plenitude do ordenamento’. E a proibição da denegação da justiça pelo juiz pretende tão somente estabelecer tal completude” (DINIZ, 2012, p. 474). 2 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano DEFINIÇÃO Existem casos não previstos na norma jurídica Lacuna para Antonio Bento Betioli: "A lacuna pode ser definida como a ausência de lei que permita resolver uma situação da vida social que reclama uma solução jurídica, ou como a ausência de lei para um caso concreto. Por outras palavras, há lacuna quando um fato não foi contemplado como pressuposto ou fato-tipo de uma norma, havendo então falta de uma hipótese típica dentro da qual o fato se inclui como seu correspondente existencial concreto" (BETIOLI, 2014, p. 459). “A concepção do ordenamento como sistema dinâmico envolve, por fim, o problema de saber se este tem a propriedade peculiar de qualificar normativamente todos os comportamentos possíveis ou se, eventualmente, podem ocorrer condutas para as quais o ordenamento não oferece qualificação” (FERRAZ JÚNIOR, 2012, p. 185). A lacuna não é do sistema jurídico – é da norma: “As lacunas não estão no sistema jurídico, mas nas normas jurídicas. Isto porque, através dos meios de integração, o intérprete colmata as lacunas, preenche os vazios” (RIZZATTO NUNES, 2009, p. 296) DISTINÇÃO RELEVANTE INTEGRAÇÃO: trabalho mental do qual resulta a materialização do direito no caso concreto diante de uma omissão da lei INTERPRETAÇÃO: quando há norma prevendo o caso INTEGRAÇÃO: não existe norma Resumo:“...há interpretação, em sentido estrido, quando existe uma norma prevendo o caso; recorre-se à ‘integração’ quando não existe essa norma explicita” (MONTORO, apud VENOSA, 2010, p. 174) A INEXISTÊNCIA DE NORMA É PRESSUPOSTO FUNDAMENTAL "Dentro do sistema europeu-continental ou romano-germânico, não encontra respaldo jurídico a transformação do legalmente previsto unicamente com base em considerações de lege ferenda. Muito menos, com recurso à analogia como se esta pudesse revogar expresso texto legal" Voto do Ministro Felix Fischer no REsp nº 1.106.223/RS. Por meio dos métodos de integração, o intérprete colmata as lacunas e preenche os vazios ESPÉCIE DE LACUNAS Voluntárias Involuntária A inexistência é proposital pelo legislador: é a conveniência de que o legislador deixou um espaço de liberdade ao Juiz (BETIOLI, 2014, p. 459) O legislador simplesmente não previu a situação: consiste na “limitada capacidade de previsão do legislador” (BETIOLI, 2014, p. 459) TRÊS COISAS IMPORTANTES: 1) SOBRE A EFETIVA EXISTÊNCIA DA LACUNA A maior questão diz respeito à efetiva existência de uma lacuna - esse é o pressuposto do raciocínio do aplicador do direito de acordo com os princípios a seguir lançados “...a lacuna não aparece para o hermeneuta, como uma evidência, mas exige demonstração” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 276) A integração pressupõe “que o intérprete haja lançado mão de todas as regras de interpretação à sua disposição, e ainda assim não tenha conseguido detectar norma jurídica aplicável ao caso que ele está examinando” (NUNES, 2009, p. 297) 3 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano Ver a decisão do Ministro Carlos Britto no capítulo da analogia abaixo 2) DOS LIMITES DA COLMATAÇÃO “Nem sempre, uma vez constatada a lacuna, será possível o seu preenchimento pelo intérprete, pois há limites, no ordenamento, para essa atividade integradora, imposta pelo próprio legislador” (VENOSA, 2010, p. 175) portanto, existem casos que o preenchimento é vedado pelo legislador: é a limitação à atividade integradora: lacunas no ordenamento penal, por exemplo – trata-se da tipicidade cerrada: a norma limita taxativamente os casos de incidência EXEMPLO: Na ADPF 54/DF, a parte autora, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS, sustenta que a interpretação dos arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal, que leva à proibição da antecipação do parto, por motivos terapêuticos, no caso de fetos anencefálicos, viola os preceitos fundamentais abrigados nos arts. 1º, IV (princípio dignidade da pessoa humana), 5º, II (princípios da legalidade e autonomia da vontade humana), 6º, caput, e 196 (direito à saúde), todos da Carta da República. "Por todo o exposto, e considerando, especialmente, que a autora, ao requerer ao Supremo Tribunal Federal que interprete extensivamente duas hipóteses restritivas de direito, em verdade pretende que a Corte elabore uma norma abstrata autorizadora do aborto dito terapêutico nos casos de suposta anencefalia fetal, em outras palavras, que usurpe a competência privativa do Congresso Nacional para criar, na espécie, outra causa de exclusão de punibilidade ou, o que é ainda pior, mais uma causa de exclusão de ilicitude, julgo improcedente o pedido" - VOTO DO MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI na ADPF 54/DF julgada em 12.04.2012. RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO QUALIFICADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA MAJORANTE DO ROUBO COM CONCURSO DE AGENTES À HIPÓTESE DE FURTO. IMPOSSIBILIDADE. REDUÇÃO DA PENA PELA TENTATIVA. CRITÉRIO. ITER CRIMINIS. FASE INICIAL DE EXECUÇÃO DO DELITO. I - A qualificadora do §4º do art. 155 do CP não se confunde, em seus efeitos, com a majorante do §2º do art. 157 do mesmo Codex (Precedentes). A analogia pressupõe, para o seu uso, uma lacuna involuntária (art. 4º da LINDB)" – REsp 1106223/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 13/10/2009 Furto qualificado §4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. Roubo §2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. Retratam os autos que os recorridos Marcos Juliano de Oliveira e Rodinaldo Augusto Michel foram condenados como incursos nas sanções do art. 155, § 4º, inciso IV, c⁄c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade. Irresignada, apelou a defesa. O e. Tribunal de origem deu parcial provimento ao recurso, em v. acórdão cuja ementa restou assim definida: "Tentativa de furto qualificado. Existência e autoria da subtração em concurso de agentes comprovada. Desistência voluntária não caracterizada. Condenação mantida. Na visão da Câmara, ao 4 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano furto qualificado pelo concurso de agentes, é de ser aplicada, em respeito aos princípios da proporcionalidade e da isonomia, a fração de aumento de pena prevista ao roubo majorado pela mesma circunstância. Penas redimensionadas. Impossibilidade de afastamento da sanção pecuniária regularmente cominada em lei. Apelos defensivos parcialmente providos. Unânime." (fl. 218) Daí o presente apelo nobre, no qual alega o recorrente, a par de dissídio jurisprudencial, negativa de vigência aos arts. 155, § 4º, inciso IV e 14, parágrafo único, ambos do Código Penal. Em primeiro lugar, afirma que ao furto qualificado pelo concurso de agentes não se aplica analogicamente a pena do furto simples em conjunto com a majorante do art. 157, § 2º, inciso II, do CP. – Link 3) O ATO INTEGRADOR É SINGULAR E O PREENCHIMENTO DA LACUNA É SEMPRE PARA O CASO “...nenhum meio integrador gera, por si, um efeito generalizante” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 282) todas as vezes que o juiz se depara com aquele caso, o processo de argumentação deve ser repetido somente o legislador supre a lacuna Nunca o intérprete elimina definitivamente a lacuna “...O intérprete a preenche [a lacuna] no caso, mas ela continua a subsistir, exigindo, em cada vez, novos procedimentos de integração. De outro modo, a hipótese do legislador racional teria de admitir uma insuportável proliferação de normas gerais, em detrimento da coerência,” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 282) “...a decisão judicial nem ao menos elimina as lacunas e os conflitos. O juiz, ao aplicar a um caso não previsto a analogia, o costume e os princípios gerais do direito, não fecha a lacuna através de uma construção judicial, na qual substitui o legislador. Entendemos que a integração de uma lacuna não se situa no plano legislativo, nem tampouco é uma delegação legislativa ao juiz; ela não cria novas normas jurídicas gerais, mas individuais, ou, na expressão de Betti, máximas de decisão, que só poderão ascender à categoria de normas jurídicas gerais tão somente em virtude de um subsequente processo de recepção e absorção dessa normas por uma lei ou jurisprudência, uma vez que as sumulas dos Tribunais são tidas, por alguns autores, como normas gerais” (DINIZ, 2012, p. 475). EXEMPLO: SÚMULA Nº 187 DO STF: "A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva" - Data de Aprovação: Sessão Plenária de 13/12/1963 CÓDIGO CIVL 2002: art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. O CASO DA NORMA SINGULAR A norma singular serve para atingir uma utilidade especial indo contra o princípio geral Ela abre exceções para certos casos Se faz para estes, não pode ser utilizado para outros casos INTEGRAÇÃO CONTRA LEGEM É um controle da integração de forma institucional – ex: proíbe-se o costume contra legem O CASO DOS JUROS NO CONTRATO BANCÁRIO: Na hipótese de o contrato prever a incidência de juros remuneratórios, porém sem lhe precisar o montante, está correta a decisão que considera nula tal cláusula porque fica ao exclusivo arbítrio da instituição financeira o preenchimento de seu 5 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano conteúdo. A fixação dos juros, porém, não deve ficar adstrita ao limite de 12% ao ano, mas deve ser feita segundo a média de mercado nas operações da espécie. Preenchimento do conteúdo da cláusula de acordo com os usos e costumes, e com o princípio da boa fé (arts. 112 e 113 do CC/02) – Resp 715894/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/04/2006. Entretanto: “...nem sempre a jurisprudência é infensa à aplicação do costume contra legem e ao preenchimento, dessa forma, de lacunas axiológicas. Como também é possível o uso de princípios gerais do direito e da equidade nesses casos. A recomendação que resta, então, como forma de controle, é a de que sejam usados estes meios com extrema cautela” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 283) ANTIGO EXEMPLO trazido por Maria Helena Diniz: o caso do cheque pós-datado. “A função natural do cheque é ser um meio de pagamento à vista. Se emitido sem fundos em poder do Banco sacado, ficará o que o emitiu sujeito à sanção penal. Entretanto, muitas pessoas vêm reiterada e initerruptamente emitindo-o não como uma mera ordem de pagamento, mas como garantia de dívida, para desconto futuro, na convicção de que esse procedimento não constitui um crime. Tal costume de emitir cheque pós-datado, baseado em hábito da época, realizado constante e uniformemente e na convicção de que se trata de uma norma de Direito Civil, como se se tratasse de um sucedâneo de uma letra de câmbio ou de uma promessa de pagamento, faz com que o magistrado se utilize dessa norma consuetudinária como fonte supletiva da lei, declarando a inexistência do crime" (DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 175). Súmula Nº 370 do STJ - Enunciado: “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque prédatado” – 16.02.2009. Lei do Cheque (Lei nº 7.357/1985), art. 32: “O cheque é pagável à vista. Considera-se não-estrita qualquer menção em contrário”. Esses limites à integração são inventados pelo pensamento dogmático Permite controlar a decidibilidade de conflitos não regulados expressamente pelo legislador de forma positiva Esse estreitamento está baseado em valores de certeza e segurança Limitação do campo de atuação do intérprete MEIOS DE INTEGRAÇÃO REITERANDO O preenchimento da lacuna não proíbe a constatação em novos casos Somente o legislador pode eliminar, definitivamente Uma sentença judicial somente preenche a lacuna para o caso concreto Ela não desaparece do sistema e deve ser preenchida a cada novo e sucessivo caso e circunstância “Quando se refere aos meios de integralização, a doutrina fala em analogia, costumes, equidade, princípios gerais de direito, indução amplificadora, interpretação extensiva, etc. A distinção entre eles nem sempre é precisa, ora chamando-se de analogia o que para uns é interpretação extensiva e vice-versa, ora reconhecendo-se como equidade, o que para outros é princípio geral do direito” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 276) “Integração é o meio através do qual o intérprete colmata a lacuna encontrada” (RIZZATO, 2009, p. 297) PRESSUPOSTO: o intérprete esgotou as regras de interpretação à disposição e não encontrou norma aplicável 6 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano ANALOGIA Uma norma estabelecida para determinados facti species aplicados à conduta para a qual não há norma – existe entre os suportes fáticos uma semelhança Casos que são essencialmente iguais nos aspectos importantes e desiguais nos secundários “...aplicações de disposições legais positivadas a casos não totalmente conformes e não regulados expressamente, mas que podem ser submetidos às ‘ideias fundamentais’ daquelas disposições” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 277) "Entendemos por analogia a transposição de uma regra, dada na lei para a hipótese legal (A), ou para várias hipóteses semelhantes, numa outra hipótese B, não regulada na lei, «semelhante» àquela. A transposição funda-se em que, devido à sua semelhança, ambas as hipóteses legais hão-de ser identicamente valoradas nos aspectos decisivos para a valoração legal; quer dizer, funda-se na exigência da justiça de tratar igualmente aquilo que é igual" (LARENZ, 1997, pp. 540/541) Indicada como modelo a ser utilizado pelo intérprete no preenchimento da lacuna A base é outra norma jurídica não feita para o caso examinado O que é caso semelhante? “Analogia é (...) a passagem de um caso particular para outro particular, sem a necessidade de generalização” (RIZZATO, 2009, p. 298) é um movimento mental de lógica: a analogia faz a passagem de um particular para outro particular DEDUÇÃO: geral particular INDUÇÃO: particular geral Isto é o que difere a analogia da dedução ou da indução Das premissas à conclusão, faz-se uma passagem no mesmo nível: do geral para o geral ou do particular para o particular – nunca de um nível para outro Se 2+2=4 e 3+1=4, então 2+2=3+1 Ocorre que, na prática, o juízo empírico, a constatação da semelhança exige valoração A força persuasiva do uso da analogia depende da capacidade do intérprete argumentar: a semelhança possui fundamento no próprio sistema, no ordenamento jurídico, etc Essa imprecisão do raciocínio e a sua dependência de juízos empíricos é o que impedem a analogia no Direito Penal, exceto se for para beneficiar o réu: a analogia in bonam partem Qual o fundamento do uso da analogia para o direito? É o princípio geral de que o direito deve conferir soluções semelhantes a casos semelhantes "Assim corno a justificação da analogia radica no imperativo de justiça de tratar igualmente os casos iguais segundo o ponto de vista valorativo decisivo, também a justificação da redução teleológica radica no imperativo de justiça de tratar desigualmente o que é desigual, quer dizer, de proceder às diferenciações requeridas pela valoração" (LARENZ, 1997, p. 556) LACUNA LEGAL – COLMATAÇÃO – ANALOGIA – REQUISITOS – A partir da parêmia latina UBI aedem ratio, ibi idem jus1 pode-se afirmar que a analogia, como processo visando a colmatação de lacuna legal, tem como pressuposto a concorrência de três requisitos, ou seja: 1º) que a questão sob apreço não tenha sido objeto de norma jurídica específica; 2º) que exista no ordenamento jurídico preceito legal regulando situação que apresente ponto de contato, identidade ou semelhança ou relação de coincidência, no tocante a aspecto relevante e essencial das situações fáticas envolvidas; e 1 Onde houver a mesma razão, o direito deve ser o mesmo. 7 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano 3º) que o aspecto comum tenha sido o elemento central na aplicação analógica. A ausência de qualquer destes requisitos torna impraticável a invocação analógica da norma jurídica em face da ruptura do nexo de semelhança por diversidade de razão - TRT 9ª R. – Proc. 19801-2001-004-09-00-4 – (01435-2004) – Relª Juíza Sueli Gil El Rafihi – DJPR 23.01.2004 Por este motivo é que a semelhança deve ser demonstrada na ótica dos efeitos jurídicos EXEMPLO 1 DECISÃO2 do ministro Carlos Britto reconhecendo a ausência de normas sobre audiência pública no STF Ante a saliente importância da matéria que subjaz a esta ação direta de inconstitucionalidade, designei audiência pública para o depoimento de pessoas com reconhecida autoridade e experiência no tema (§ 1º do art. 9º da Lei nº 9.868/99). Na mesma oportunidade, determinei a intimação do autor, dos requeridos e dos interessados para que apresentassem a relação e a qualificação dos especialistas a ser pessoalmente ouvidos. 2. Pois bem, como fiz questão de realçar na decisão de fls. 448/449, “a audiência pública, além de subsidiar os Ministros deste Supremo Tribunal Federal, também possibilitará u’a maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário desta nossa colenda Corte”. Sem embargo, e conquanto haja previsão legal para a designação desse tipo de audiência pública (§ 1º do art. 9º da Lei nº 9.868/99), não há, no âmbito desta nossa Corte de Justiça, norma regimental dispondo sobre o procedimento a ser especificamente observado. 3. Diante dessa carência normativa, cumpre-me aceder a um parâmetro objetivo do procedimento de oitiva dos expertos sobre a matéria de fato da presente ação. E esse parâmetro não é outro senão o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, no qual se encontram dispositivos que tratam da realização, justamente, de audiências públicas (arts. 255 usque 258 do RI/CD). Logo, são esses os textos normativos de que me valerei para presidir os trabalhos da audiência pública a que me propus. Audiência coletiva, realce-se, prestigiada pela própria Constituição Federal em mais de uma passagem, como verbi gratia, o inciso II do § 2º do art. 58, cuja dicção é esta: “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 2º. Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: (...) II – realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; (...)” 4. Esse o quadro, fixo para o dia 20.04.2007, das 09h às 12h e das 15h às 19h, no auditório da 1ª Turma deste Supremo Tribunal Federal, a realização da audiência pública já designada às fls. 448/449... A noticiada lacuna normativa somente veio a ser colmatada através da Emenda Regimental nº 29, de 18.02.2009, publicado no Diário de Justiça Eletrônico, n.35, de 20.02.2009, a qual acrescentou dispositivos ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal quanto à realização de audiências públicas. EXEMPLO 2 Analogia com a Lei nº 9.096/1995 – Lei dos partidos políticos – Art. 7º, §1º3 - "Entidade de classe de âmbito nacional (art. 103, IX, da Constituição Federal). Não é entidade de classe de 2 ADI 3.510, Rel. Min. Carlos Britto, decisão monocrática proferida em 16.03.07, DJ de 30.03.07. “Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em 3 8 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano âmbito nacional, para os efeitos do inciso IX do art. 103 da Constituição, a que só reúne empresas sediadas no mesmo estado, nem a que congrega outras de apenas quatro estados da Federação." (ADI 386, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 4-4-91, DJ de 28-6-91) EXEMPLO 3 O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, ambas da Relatoria do Ministro Ayres Britto, Sessão de 05/05/2011, consolidou o entendimento segundo o qual a união entre pessoas do mesmo sexo merece ter a aplicação das mesmas regras e consequências válidas para a união heteroafetiva. Antes dessa decisão, eram muito comuns decisões desse tipo: PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador (REsp 820.475/RJ, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 06/10/2008) EXEMPLO 4 PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - TAXA DE OCUPAÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA - DIREITO PATRIMONIAL - PRAZO PRESCRICIONAL - ART. 177, CC/16 - LEIS 9.636/98, 9.821/99, MP 152 E 10.852/04 - DECRETO-LEI 20.910/32 - ANALOGIA - EXISTÊNCIA DE NORMAS DE DIREITO PÚBLICO - PRINCÍPIO DA SIMETRIA - APLICAÇÃO. 1. Os terrenos de marinha são bens públicos que diferem da propriedade comum por se destinarem historicamente à defesa territorial e atualmente à proteção do meio ambiente costeiro, cuja ocupação mediante o pagamento de taxas e laudêmio decorre de uma relação de Direito administrativo entre a União e o particular. 2. Fixada a natureza do regime jurídico da taxa de ocupação, aplicam-se-lhe os prazos decadencial e prescricional previstos nas normas de Direito Público, já que no processo integrativo o intérprete deve buscar, prioritariamente, no próprio Sistema de Direito Público as normas aplicáveis por analogia. 3. Existência de norma jurídica de Direito Público idônea a suprir a lacuna normativa: art. 1º do Decretolei n. 20.910/32 para o prazo de cobrança executiva. Princípio da simetria. Inaplicabilidade do art. 177 do CC/16, nos termos do art. 2038, § 2º, do CC/02. 4. Aplicação do prazo quinquenal de prescrição até o advento da Lei n. 9.363/98 (REsp 1044320/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 17/08/2009) branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles”. 9 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano EXEMPLO 5 – A INAPLICABILIDADE DA ANALOGIA ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ASSOCIAÇÃO DAS PIONEIRAS SOCIAIS - SELEÇÃO DE SERVIDORES – RESERVA DE VAGAS A DEFICIENTES FÍSICOS – NECESSIDADE DE EXPRESSA DISPOSIÇÃO NOS EDITAIS PARA SELEÇÃO DE PESSOAL – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. 1. A partir do art. 7º, XXXI, da CF/88, o legislador estabeleceu a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que envolve os setores público e privado (Lei 7.853/89, Lei 8.213/91 e Decreto 3.298/99). 2. A Associação das Pioneiras Sociais - APS, administradora da Rede Sarah de Hospitais do Aparelho Locomotor, é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e de interesse social, autorizada pela Lei 8.246/91 e instituída pelo Decreto 371/91 (Serviço Social Autônomo). 3. A Lei 8.246/91 e o Decreto 371/91 previu que a contratação de pessoal pela APS ocorresse através de seleção pública com etapas eliminatória, classificatória e de treinamento, observadas as peculiaridades de cada categoria profissional. O fato de o legislador não ter feito menção, nessas leis, quanto à cota de deficientes físicos, não significa que houve lacuna na lei, à vista da existência de lei especial tratando da matéria. 4. Inaplicabilidade do princípio da analogia (art. 4º da LINDB), pela supremacia do princípio da especialidade (art. 2º, § 2º, da LINDB) (REsp 871.787/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/10/2008, DJe 27/11/2008) PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO Reminiscência do direito natural – “os princípios gerais de direito são, em última instância, uma regra de convivência” (VENOSA, 2010, p. 137) O intérprete busca o pensamento mais elevado da cultura jurídica Ele busca a orientação geral do pensamento jurídico Definições: princípios que servem de fundamento e informam o direito positivo de cada povo Normas jurídicas universais ditadas pela razão “Por ser um instrumento tão amplo e com tamanha profundidade, sua utilização é árdua para o julgador, pois requer vivência e traquejo com conceitos abstratos e concretos do Direito, além de elevado nível cultural” (VENOSA, 2010, p. 138) constituem uma espécie de paredes-mestras ou pilares fundamentais do ordenamento jurídico positivo retirados de sucessivas abstrações da ciência jurídica CF: dignidade humana, função social da propriedade, igualdade perante a lei, nullum crimem nulla poena sine lege CC/2002: interesse social do contrato, boa-fé objetiva Ideias fundamentais e informadoras da organização jurídica do Estado Não são elementos do repertório do sistema, mas fazem parte das suas regras estruturais Dizem respeito à relação entre as normas do sistema e confere coesão ao sistema É premissa do raciocínio Mencionada de forma indefinida “...os princípios gerais, em sua forma indefinida, compõem a estrutura do sistema, não seu repertório. São regras de coesão que constituem as relações entre as normas como um todo” (FERRAZ JUNIOR, 2008, p. 213) o aplicador encontra os princípios por meio da interpretação das normas escritas eles revelam que o ordenamento se fundamenta em orientações gerais: correspondem à ideologia política, às opções e valores dos legisladores 10 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano A EVOLUÇÃO DO DIREITO PARA PAULO BONAVIDES Passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do direito Transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicista (seu ingresso nas Constituições) Suspensão da distinção entre princípios e normas Deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica Proclamação de sua normatividade Perda de seu caráter programático Reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições Total hegemonia e proeminência dos princípios em diversas vezes, portanto, os princípios são enunciados expressamente na fonte escrita art. 1º a 4º da CF art. 3º e 21 do CP em caso de omissão, esses princípios norteiam o aplicador e permite solucionar a questão de acordo com os valores e o “espírito” do ordenamento jurídico as linhas mestras do ordenamento jurídico Se o intérprete não consegue preencher a lacuna com a analogia (não há casos semelhantes normatizados), ele lança mão dos Princípios Gerais do Direito para a colmatação É o penúltimo reduto para retirar a resposta para o problema da lacuna Problemas Valores e objetivos contraditórios Liberdade empresarial e redução das desigualdades sociais Ordem pública e liberdade do indivíduo Nem sempre é possível encontrar um único princípio que regulamente determinada questão para aplicá-lo sem causar controvérsias São vagos e imprecisos: permitem diversas interpretações Não garantem a aplicação do direito de acordo com as exigências de segurança jurídica FUNDAMENTAÇÃO: Reabilitação da argumentação jurídica Duas características básicas: abstração e generalidade Art. 6º, direito à moradia Colisão de dois ou mais princípios – art. 170 CF A ADPF – preceito fundamental O descumprimento de princípios do ordenamento jurídico abre a possibilidade de uma ação específica Aproximam-se as normas jurídicas e os valores MORAIS, ÉTICOS, POLÍTICOS HUMANOS que permeiam a sociedade DIREITO NATURAL: “O jusnaturalismo reconhece a existência de um sistema de normas de conduta diverso daquele ditado pelo Estado. Estas normas compõem um direito natural, metafísico, extra-histórico, eterno imutável, que encontra em si mesmo seu fundamento de validade, posto que anterior e superior ao Direito Positivo. Posiciona-se lógica e eticamente acima do direito posto pelo legislador, impondo-lhe limites que, caso ultrapassado pelas leis dos homens, gravam-na de ilegitimidade”4. “Do artigo 3º nos vem luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que a única maneira de corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, tratado de modo desigual. Nesse preceito, são considerados como objetivos fundamentais de nossa República: primeiro, construir – SANTIAGO, Marcus Firmino. “Dos códigos para as constituições: breve discussão sobre os princípios gerais do direito e a nova hermenêutica jurídica”. Revista de Direito Constitucional e internacional. Ano 16. nº 16. jul.-set. 2008, pp.226/227. 4 11 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano prestem atenção a esse verbo – uma sociedade livre, justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional – novamente temos aqui o verbo a conduzir não a atitude simplesmente estática, mas a posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, por último, no que interessa, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Pode-se dizer, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos ‘construir’, ‘garantir’, ‘erradicar’ e ‘promover’ implicam mudança de óptica, ao denotar ‘ação’. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar – e a Carta da República oferece base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. Que fim almejam esses dois artigos da Carta Federal, senão a transformação social, com o objetivo de erradicar a pobreza, uma das maneiras de discriminação, visando, acima de tudo, ao bem de todos, e não apenas daqueles nascidos em berços de ouro?” - voto do ministro Marco Aurélio no julgamento da ADPF nº 186, em que o STF considerou constitucional a adoção de política de cotas na Universidade de Brasília (UnB). EQUIDADE Última forma de preenchimento da lacuna “...sentimento do justo concreto, em harmonia com as circunstancias e adequado ao caso (...) é o recurso a uma espécie de intuição no concreto, das exigências da justiça enquanto igualdade proporcional” (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 281) “Equidade é a forma de manifestação de justiça que tem o condão de atenuar, amenizar, dignificar a regra jurídica” (VENOSA, 2010, P. 140) É a justiça ao caso concreto – ARISTÓTELES A regra jurídica, na sua natureza generalista, pode não atender a ideais de justiça em casos concretos Justiça aplicável ao caso concreto Trabalho de abrandamento da norma ao caso concreto CPC 127: impede que o juiz se transforme em legislador CC/2002: 415, 479, 738, 928, parágrafo único, 944, 953, parágrafo único Modo de avaliação do ato interpretado mais amplo Exige-se uma aplicação justa para o caso concreto “Equidade é, assim, uma colmatação justa da falha do ordenamento jurídico” (RIZZATO, 2009, p. 299) exemplos do uso da equidade. Pode-se (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 281): A) expandir uma obrigação, criando-se deveres adicionais não previstos expressamente em um contrato ou da Lei B) limitar o exercício de direitos para prevenir abusos C) criar regras para situações novas e não previstas na lei antiga de qualquer modo, a equidade está limitada ao particular – não possui preocupação generalizante: “Não gera, assim, uma compulsão para que outros casos, semelhantes, sejam interpretados e decididos do mesmo modo (FERRAZ JUNIOR, 2012, p. 281) a equidade deve “...ser entendida mais como um método de interpretação e integração do que como método criativo do direito (VENOSA, 2010, p. 142) 12 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano Conclui-se com Bigotte Chorão (2000: 105) que a temperança e o cometimento integram o raciocínio da equidade: “a equidade não é indício de uma sintomatologia patológica, mas, ao contrário, manifestação fisiológica de saúde jurídica, precisamente, um complemento exigido pela universalidade da lei e um meio necessário para ajustar a ordenação jurídica, na medida do possível, às circunstâncias mutáveis da vida social. A melhor doutrina procura conjugar equilibradamente as exigências da norma (justo legal) e do caso (justo concreto) e encontrar, enfim a justa via médica entre o normativismo abstrato e o decisionismo casuístico”. 13 Introdução do Direito – o problema das lacunas e a integração Professor Juliano ANEXOS A QUESTÃO DO DIREITO ALTERNATIVO Decisão proferida pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO: DECISÃO Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão. Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional),... Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização europeia,.... Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás. Intimem-se Palmas – TO, 05 de setembro de 2003. Rafael Gonçalves de Paula Juiz de Direito 14