Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR PRONUNCIAMENTO: 07/2015 Autos n. 143.13.179-3, de procedimento administrativo, da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Telêmaco Borba OBJETO: Tratamento fora do domicílio (TFD). Obtenção de TFD para paciente criança portadora de tumor de células germinativas e acompanhante, para tratamento no Hospital Pequeno Príncipe. 1. RELATÓRIO A 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Telêmaco Borba, pelo ofício nº 1352/2014, solicitou análise de documentação juntada nos autos do procedimento administrativo sob n. 143.13.000179-3, relacionado a Tratamento Fora do Domicílio (TFD) de criança, residente em Telêmaco Borba, portadora de tumor de células germinativas, no Hospital Pequeno Príncipe em Curitiba. Para tanto elaborou os seguintes questionamentos: a) Analisando as informações prestadas pela família do paciente e pela Secretaria Municipal de Saúde de Telêmaco Borba, é possível verificar quaisquer irregularidades na conduta do órgão municipal em relação ao atendimento do paciente? Se positivo, qual? Solicita-se que indique quais as medidas necessárias para a regularização da situação. b) Diante da problemática apresentada na presente situação tratar da ajuda de custo para alimentação do acompanhante do paciente no Município de tratamento, solicita-se que seja indicado se a atuação da Secretaria Municipal de Saúde de Telêmaco Borba encontra respaldo legal o se seria necessário que tal ajuda de custo fosse prestada de forma pecuniária? c) Diante da impossibilidade da família do paciente em utilizar o convênio firmado com a Casa de Apoio como no presente caso, é possível que o 1 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR Ministério Público exija ajuda de custo a ser prestada pela Secretaria Municipal de Saúde de Telêmaco Borba? d) Casa haja necessidade de outras diligencias a fim de responder aos quesitos acima, solicita-se sejam as mesmas apontadas por esse Centro de Apoio. Do termo de declarações acostados às fls.03 do procedimento administrativo, extrai-se que o paciente, com quatro anos de idade, é acometido por tumor de células germinativas, em tratamento no Hospital Pequeno Príncipe desde setembro de 2012, com internação para quimioterapia durante quatro meses. A partir daquela alta, permanece até hoje em tratamento ambulatorial, consistente em consultas com aplicação de quimioterápico a cada três ou quatro meses. Depois de sucessivos ofícios requisitórios de informações, a Secretaria Municipal de Saúde de Telêmaco Borba informou fornecer o transporte em veículo exclusivo ao paciente e sua mãe, mas sem concessão de ajuda de custo para alimentação porque se trataria de paciente em internação. Também indicou ter contratado uma casa de apoio para serviços de hospedagem, alimentação e transporte em Curitiba, onde a criança e sua mãe poderiam fazer refeições durante o período de tratamento, o que não teria sido solicitado pela genitora (fls. 22, 31 e 42). Em vários contatos com a mãe do paciente, ela esclareceu que até hoje lhe fora negada ajuda de custo para alimentação e que, pela permanência do filho no Hospital o dia todo, aliada à distância da Casa de Apoio, não há condições de deslocar-se até tal local para a alimentação. A fim de esclarecer a respeito da natureza do tratamento atualmente enfrentado pelo paciente, este CAO diligenciou junto ao Hospital Pequeno Príncipe, que apresentou o atestado anexo, em que a médica assistente da criança esclareceu que desde janeiro de 2013 o tratamento consiste em consultas, com realização de exames laboratoriais e de imagem, a cada três meses. É o sucinto relatório. 2 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR 2. Considerações CAOP A regionalização é uma diretriz do Sistema Único de Saúde, prevista no art. 7º, IX, “b”, da Lei n. 8080/90 e orienta a descentralização das ações e serviços de saúde. Isso se faz necessário pois, por óbvio, é impossível que todos os serviços de saúde sejam prestados dentro do mesmo município em que resida o usuário. Sempre haverá necessidade de consultas, exames, cirurgias e outros procedimentos serem realizados em outras localidades. Para tanto, os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com definição e conhecimento da população a ser atendida. Na prática sanitária, quando o paciente, no seu tratamento de saúde pelo SUS, necessita de um procedimento não disponível em seu município, a gestão local do Sistema (Secretaria Municipal de Saúde), encaminha o usuário para o serviço de referência, procedendo a todas as diligências necessárias pela rotina TFD (tratamento fora de domicílio): aciona o gestor do SUS responsável pelo respectivo serviço e, quando recebe desse gestor a designação de data e horário para o procedimento, promove o transporte sanitário e o custeio de hospedagem e alimentação (nos termos da Portaria SAS-MS n. 55/1999, da Deliberação CIB/PR sob n. 34/199, e do Manual de Regulamentação para tratamento fora de domicílio no SUS-PR). Esse sistema TFD consiste num conjunto de benefícios regulamentados pela Portaria SAS-MS nº 055, de março de 1999 que “são concedidos quando todos os meios de tratamento existentes na origem estiverem esgotados ou ausentes e somente enquanto houver possibilidade de recuperação do paciente1”. 1 Brasil. Ministério da Saúde. O SUS de A a Z : garantindo saúde nos municípios / Ministério da Saúde, Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde. – 3. ed. –Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2009. p.375 3 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR No caso vertente, até mesmo pelo teor dos ofícios encaminhados pela Secretaria de Saúde de Telêmaco Borba, em especial aquele de fls.22, vislumbra-se que o município vem prestando ao paciente e à acompanhante/genitora tão somente o transporte para o serviço de saúde em que se realiza o tratamento, qual seja, o Hospital Pequeno Príncipe, situado em Curitiba, deixando até hoje de lhe conceder ajuda de custo para alimentação, por razões diversas: ora porque a genitora não teria “requerido” (fls. 22), ora porque não haveria “previsão orçamentária” (fls. 33), ou ainda porque a genitora não teria se dirigido à casa de apoio contratada pela municipalidade (fls. 43), ou porque a PT SAS/MS vedaria o pagamento de diárias a pacientes hospitalizados no município de referência (fls. 43). Como não restou claro no caderno procedimental se o atendimento ao paciente ocorreria em nível ambulatorial ou mediante internamento hospitalar, este CAO anexa a este parecer atestado da médica assistente da criança, esclarecendo que o tratamento ora enfrentado é de caráter ambulatorial (consulta com exames a cada três meses). Quando o paciente se submete a tratamento em nível ambulatorial (como no caso vertente), inexiste obrigação de o prestador do serviço fornecer alimentação ao paciente, tampouco ao acompanhante, pois o doente não se encontra em internação (modalidade de tratamento intensivo em que o custeio pelo SUS abrange alimentação da criança paciente internada e de seu acompanhante). Assim, para tratamentos sem internação, haverá necessidade de que seja autorizado o custeio, pelo município de origem, das despesas do paciente e do acompanhante, para alimentação e hospedagem. Muitos municípios, para esses casos, fornecem alimentação e hospedagem ao paciente e seu acompanhante diretamente através de casas de apoio contratadas. Embora inexista previsão para tanto no referido Manual de Regulamentação do TFD no Paraná, é opção que, resguardadas hipóteses excepcionais, garante a integralidade da assistência, conferindo hospedagem e refeições diretamente ao paciente. 4 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR Essa parece ter sido a via eleita pela Secretaria de Saúde de Telêmaco Borba, pelo contrato de prestação de serviços firmado com uma casa de apoio situada em Curitiba (fls. 44/48), oferecendo assim hospedagem e alimentação, que poderiam ser usufruídos pela criança e genitora durante o tratamento desta no ambulatório de oncologia do Hospital Pequeno Príncipe. A princípio seria razoável e consentâneo para a garantia da integralidade da assistência essa providência disponibilizada pela municipalidade de Telêmaco Borba como substituto da ajuda de custo para alimentação. Contudo, o paciente e sua genitora acompanhante, quando passam o dia em Curitiba para realizar esse tratamento, não detém condições (nem tempo suficiente) para se deslocar da sede do ambulatório do Hospital Pequeno Príncipe (no centro da cidade) até a casa de apoio, distante pelo menos alguns quilômetros, com tráfego intenso, em especial pela necessidade de uso de transporte público para tanto. Poderiam levar tanto tempo de deslocamento que poderiam até perder os horários agendados para os exames de laboratório, de imagem ou da própria consulta, todos durante o mesmo dia. Ademais, pelo o contrato de prestação de serviços firmado entre a prefeitura e a casa de apoio (fls.44/48), o transporte contratualmente pactuado refere-se ao itinerário casa de apoio / hospital de tratamento / casa de apoio (conforme a cláusula nona, item “4” às fls.46), mas não prevê o fornecimento de transporte para eventuais deslocamentos do paciente e/ou seu acompanhante em tratamento em regime ambulatorial para realizar as refeições e retorno ao ambulatório de tratamento. Isso demonstra efetivo óbice à fruição do serviço de alimentação, que deveria beneficiar a acompanhante da criança. Assim, face às particularidades dos casos concretos, a condição singular de saúde de cada paciente e as eventuais necessidades especiais dos doentes (quer seja por condição pessoal ou da própria doença), a gestão municipal do SUS não pode se limitar a apenas uma solução para as demandas de TFD, sob pena de, 5 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR como aqui se observa, obstar o acesso de determinados usuários e seus acompanhantes. Portanto, não há dúvidas de que a pretensão da genitora da criança, de obter custeio de despesas de alimentação quando seu filho precisa passar o dia em Curitiba fazendo tratamento ambulatorial, precisa ser acolhida pela Secretaria de Saúde de Telêmaco Borba. Nem mesmo a alegação de que não haveria previsão orçamentária, estampada pela municipalidade em fls. 33, poderia socorrer-lhe para se furtar ao encargo de custear as despesas de alimentação durante o tratamento feito pelo infante em Curitiba. Na verdade a gestão local do SUS faz interpretação restritiva do art. 4º da Portaria SAS/MS n. 55/1999, violando assim o exercício de direito fundamental de acesso a ações e serviços de saúde do SUS, frustrando a garantia da integralidade prevista no art. 198, II, da CF/88, bem como o princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Carta Magna). O artigo 4º da referida Portaria não se prestaria a fazer menção a uma faculdade para as administrações públicas, de preverem ou não em seu orçamento dotação orçamentária para fornecimento de diárias ou recursos financeiros ao programa TFD, mas sim ressaltar a obrigatoriedade de instituição de rubrica para tanto. Ademais, é certo que previsão orçamentária para custear o programa TFD existe, já que desde 2013 o município de Telêmaco Borba destina recursos para pagamentos mensais da casa de apoio contratada em Curitiba para hospedar e fornecer refeições aos usuários em TFD. Em situação semelhante, no julgamento de apelação interposta contra sentença que condenou o Estado do Rio Grande do Norte a custear diárias para as despesas de alimentação e pernoite a pacientes e acompanhantes em Tratamento Fora do Domicilio interestadual, decidiu-se: 6 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TFD - TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO. SUS SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DIÁRIAS. PORTARIA Nº 55/99, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. REGULAMENTAÇÃO. OMISSÃO DA ENTIDADE FEDERADA. RESPONSABILIDADE. CONDENAÇÃO. NÃO PROVIMENTO DOS RECURSOS. 1. Recursos necessário (tido por interposto) e voluntário contra sentença de procedência do pedido formulado em ação civil pública, tendo sido condenado, o Estado do Rio Grande do Norte, no pagamento de diárias, para despesas com alimentação e pernoite, aos cidadãos necessitados do TFD - Tratamento Fora do Domicílio, do SUS - Sistema Único de Saúde e seus acompanhantes, tendo como valores mínimos os previstos na tabela de referência da Portaria nº 55/99, do Ministério da Saúde. 3. Nos termos da Norma Constitucional (arts. 5o, 6o e 196), o direito à saúde é marcado por sua "fundamentalidade", considerando-se mesmo que sua garantia é expressão de resguardo da própria vida, maior bem de todos, do qual os demais direitos extraem sentido. Analisando o conceito de "fundamentalidade", J J Gomes Canotilho concebe-o sob duas perspectivas: a "fundamentalidade formal", correspondente à constitucionalização, à localização de direitos reputados fundamentais no ápice da pirâmide normativa, com as conseqüências, desse fato, derivadas - demarcação das possibilidades do ordenamento jurídico e vinculatividade dos poderes públicos -, e a "fundamentalidade material", identificadora dos direitos fundamentais a partir do seu conteúdo "constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade", permissiva do reconhecimento de outros direitos não expressamente tipificados no rol constitucional, mas equiparáveis em dignidade e relevância aos direitos formalmente constitucionais ("norma de fattispecie aberta"). Em ambas as visões, exsurge a magnitude da essencialidade, embora seja patente a maior significância compreensiva da segunda. "No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados" (José Afonso da Silva). Os direitos fundamentais cumprem, nessa contextura, determinadas funções: exigem prestações do Estado, protegem diante do poder público e de terceiros, fomentam a paridade entre os indivíduos, designam os alicerces sobre os quais se constrói e se orienta o ordenamento jurídico ("eficácia irradiante"). Têm força, ao mesmo tempo, por assim dizer, de princípio e de regra. 4. O SUS caracteriza-se pela descentralização, "com direção única em cada esfera de governo", devendo ser financiado com recursos federais, estaduais e municipais (art. 198, parágrafo 1o, da CF/88). A Lei nº 8.080/90 fixa, em seu art. 7o, que o SUS é regido, dentre outros, pelo princípio da "integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema", bem como pelo preceito da "conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população". 5. O TFD do SUS, regulado pela Portaria nº 55/99, do Ministério da Saúde, é instrumento que se destina aos pacientes que, já tendo exaurido as possibilidades de tratamento médico para os seus males, no local (Município) de origem, precisam se deslocar 7 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR em busca da adequada assistência médica, apenas encontrável em localidade diversa do território nacional. O programa inclui, além dos procedimentos médicos, passagens de ida e volta e ajuda de custo para alimentação e hospedagem do paciente e do acompanhante. 6. De conformidade com as diretrizes do sistema, a responsabilidade pelo pagamento das despesas com deslocamento dentro de um mesmo Estado é da Secretaria Municipal de Saúde, e entre Estados é da Secretaria Estadual de Saúde. 7. Segundo reza, ademais, a Portaria nº 55/99, do Ministério da Saúde, "caberá às Secretarias de Estado da Saúde/SES propor às respectivas Comissões Intergestores Bipartite - CIB a estratégia de gestão entendida como: definição de responsabilidades da SES e das SMS para a autorização do TFD; estratégia de utilização com o estabelecimento de critérios, rotinas e fluxos, de acordo com a realidade de cada região e definição dos recursos financeiros destinados ao TFD". Mais que isso, foi estabelecido um prazo: "A normatização acordada será sistematizada em Manual Estadual de TFD a ser aprovado pela CIB, no prazo de 90 dias, a partir da vigência desta portaria, e encaminhada, posteriormente, ao Departamento de Assistência e Serviços de Saúde/SAS/MS, para conhecimento" (art. 5o). 8. Se o Estado-membro, confessadamente, não está honrando com a obrigação de pagar as diárias para os trajetos interestaduais, como lhe compete, na distribuição das incumbências entre os entes da Federação, em relação à saúde, e, particularmente, se ele se omitiu, deixando de expedir, como se lhe foi exigido, a regulamentação necessária à implementação adequada do programa TFD (apenas o fazendo quando a ação civil pública já havia sido ajuizada, transcorridos mais de sete anos desde a determinação de expedição de regulamento), deve ele ser impelido a cumprir suas atribuições. 9. Por certo que não se ajusta ao Texto Constitucional inviabilizar o deslocamento de pacientes às localidades com assistência médica adequada, mormente no caso de enfermidades extremamente graves, como as relatadas nos autos (doentes submetidos a cirurgias na coluna, transplantados renal e hepático, um dos quais também acometido de câncer). 10. "O Estado, ao negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível" (Primeira Turma, RESP 948579/RS, Rel. Min. José Delgado, j. em 28.08.2007). 11. Diversamente do alegado, os valores envolvidos não têm o condão de colocar em risco o orçamento do Estado (a diária é orçada, na tabela de referência do SUS, em R$30,00). Ainda que ele não tivesse o importe à disposição sob essa rubrica, a garantia da preservação da saúde dos cidadãos autoriza determinação judicial para que os recursos, inicialmente previstos para fins publicitários, sejam direcionados ao TFD, tudo em função do sopeso dos bens jurídicos a resguardar. 12. A norma não exige a condição de "carência" do paciente para que ele possa gozar do benefício, apenas asseverando que "o TFD será concedido, exclusivamente, a pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do SUS" (parágrafo 2o, do art. 1o, da Portaria nº 55/99). 13. Ônus de sucumbência regularmente arbitrados. 14. Pelo não provimento da remessa oficial e da apelação. 8 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR (TRF-5, Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, Data de Julgamento: 08/11/2007, Primeira Turma) A jurisprudência no Paraná vem se pronunciando no mesmo sentido, reconhecendo o dever dos Estados e municípios em prestar auxílio financeiro para despesas de alimentação e hospedagem a pacientes em TFD: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.MANDADO DE SEGURANÇA. PACIENTE QUE NECESSITA RECEBER PASSAGENS E AJUDA DE CUSTO PARA REALIZAR TRATAMENTO MÉDICO EM OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO ATRAVÉS DO PROGRAMA TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO (TFD).PRELIMINAR. INCLUSÃO DA UNIÃO E DO MUNICÍPIO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA, COM A CONSEQUENTE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL E NECESSIDADE DE REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL. DESNECESSIDADE.PRETENSÃO QUE PODE SER DIRIGIDA CONTRA QUAISQUER DOS ENTES DA FEDERAÇÃO.RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE QUE A PRESCRIÇÃO MÉDICA NÃO ESTÁ EM CONFORMIDADE COM OS PROTOCOLOS CLÍNICOS. DESNECESSIDADE. PROTOCOLOS ELABORADOS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE QUE SERVEM APENAS COMO PARÂMETRO.NÃO VINCULAÇÃO DO ENTE PÚBLICO. DIREITO DO PACIENTE TER ACESSO AO TRATAMENTO QUE NECESSITA. EXISTÊNCIA DE NORMA ESPECÍFICA DA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE PREVENDO TAL POSSIBILIDADE COM TODAS AS DESPESAS PAGAS PELO PODER PÚBLICO. ARTIGO 4º DA PORTARIA Nº 55/99. DIREITO À VIDA E À SAÚDE DOS INDIVÍDUOS QUE É INDISSOCIÁVEL E CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO, CABENDO AO ESTADO IMPLEMENTAR POLÍTICAS PÚBLICAS QUE ATENDAM AOS HIPOSSUFICIENTES, ASSEGURANDOLHES NA PRÁTICA A CONSECUÇÃO DESSES DIREITOS. EVENTUAL RECUSA DO FORNECIMENTO DE PASSAGENS E AJUDA DE CUSTO PARA REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO NECESSÁRIO AO SUBSTITUÍDO, ESSENCIAL PARA COMBATER O AVANÇO DA DOENÇA APRESENTADA, QUE LHE TRARIA GRAVES DANOS À SAÚDE E INCLUSIVE A SUA PRÓPRIA VIDA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE CONSAGRA O DIREITO À SAÚDE (ARTIGOS 6º E 196), IMPONDO-SE AO PODER JUDICIÁRIO INTERVIR QUANDO PROVOCADO, PARA TORNÁLO REALIDADE, AINDA QUE PARA ISSO RESULTE EM IMPOR OBRIGAÇÃO DE FAZER, COM INAFASTÁVEL REPERCUSSÃO 9 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR NA ESFERA ORÇAMENTÁRIA. MULTA. VALOR EXORBITANTE FIXADO, MIL REAIS DIÁRIOS, CONSIDERADO O VALOR DADO À CAUSA E A PRESTAÇÃO IMPOSTA. REDUÇÃO CABÍVEL EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. REDUÇÃO DA MULTA DIÁRIA IMPOSTA PARA QUINHENTOS REAIS, EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR - 4ª C.Cível - ACR - 1107569-5 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Coimbra de Moura Unânime - - J. 18.03.2014) (destaques não constam do original) Não há dúvidas de que é mesmo dever do gestor municipal do SUS em Telêmaco Borba, no caso concreto, em suportar as despesas de alimentação do paciente e sua mãe durante o período em que permanecem em Curitiba para tratamento de quimioterapia ambulatorial. Preponderando a concretização de direitos fundamentais em face de interesses estatais, o Ministro Celso de Mello, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 393.175-0, afirmou: Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput" e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. 10 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição de 1988", vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República. O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. O ilustre Ministro reconhece que, pelo caráter programático da regra insculpida no artigo 196 da Carta Magna e a fundamentalidade do direito à saúde, devem as estruturas governamentais atuar de forma a concretizar tal direito. Eventual falta de previsão orçamentária não pode ser privilegiada em detrimento da vida e da saúde de uma criança. Em suma é possível aduzir que, inexistindo previsão orçamentária, como justifica a Secretaria Municipal de Telêmaco Borba para a negativa do benefício, nada obsta que, depois de esgotadas as vias administrativas para que o gestor municipal regularize o repasse de recursos financeiros para custear a alimentação do paciente e sua mãe durante o tratamento ambulatorial em Curitiba, busque-se a tutela jurisdicional para a solução da demanda. 11 Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública Rua Mal. Deodoro, 1028, 5º andar, Curitiba-PR 3. Conclusão Na expectativa de que as considerações tecidas tenham contribuído para o encaminhamento das questões, este Centro de Apoio permanece à disposição para quaisquer esclarecimentos e/ou debates que se fizerem necessários. Restitua-se à origem, por ofício. Curitiba, 19 de fevereiro de 2015. Fernanda Nagl Garcez Promotora de Justiça 12