Andrea Mismotto Carelli

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Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância
e Juventude do Estado de Minas Gerais - CAO/IJ
Rua Dias Adorno, nº 367, 6º andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.190-100.
Telefone: (31) 3330-9918 / Fax: (31) 3330-9920.
E-mail: [email protected] / Site: www.mp.mg.gov.br
SD
Parecer
Assunto: Tratamento Fora do Domicílio (TFD).
Belo Horizonte, 09 de Fevereiro de 2010.
Excelentíssima Senhora Promotora de Justiça,
Em atenção à consulta da Promotoria de Justiça da Infância e
Juventude
da
Comarca
de
Governador
Valadares
quanto
à
universalidade do direito ao acesso ao serviço conhecido como TFD
(Tratamento Fora do Domicílio), inserido no SUS, passo a dispor.
O Tratamento Fora do Domicílio – TFD, instituído pela Portaria/
SAS/Nº 55/99, da Secretaria de Assistência à Saúde (Ministério
da Saúde),
pode ser definido como um programa de natureza
assistencial do SUS que tem por objetivo o custeio das despesas
de transporte, alimentação e estadia do paciente que necessita de
tratamento médico-hospitalar em outro Município, tendo em vista
que o Município em que reside não possui estrutura técnica
necessária para seu tratamento.
Trata-se de ajuda de custo dada ao paciente para que possa ter
acesso ao serviço de saúde que será prestado em outra localidade,
uma vez que a Cidade de origem não possui recursos de diagnóstico
e terapia, estando esgotados todos os meios de atendimento
naquela localidade.
O auxílio prestado refere-se ao custeio das despesas de
transporte, alimentação e estadia, conforme previsto na Portaria/
SAS/Nº 55/99, que em seu art. 4º dispõe:
Art. 4º - As despesas permitidas pelo TFD são aquelas
relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias
para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante,
devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade
orçamentária do município/estado.
O benefício concedido é limitado ao período estritamente
necessário ao tratamento e aos recursos orçamentários existentes
no Município.
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O TFD é um programa de natureza híbrida. Embora instituído e
mantido no âmbito do SUS, tem natureza predominante de
assistência social, dado o caráter assistencialista do seu
benefício. O TFD é o auxílio material dado ao paciente que
permite o seu acesso a um serviço de saúde, mas não é o serviço
de saúde em si, revestindo-se das características típicas de um
programa de Assistência Social.
As prestações de assistência social são destinadas a atender as
necessidades básicas dos indivíduos sem condições de prover o
próprio
sustento
de
forma
permanente
ou
provisória,
independentemente de contribuição à seguridade social.
Assim dispõe o art. 203 da Constituição da República:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras
de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família, conforme dispuser a lei.
O rol de objetivos estabelecido pelo artigo acima não é taxativo.
Não quis o legislador constituinte dar limitação aos programas e
benefícios de assistência social. A Assistência Social é
abrangente, podendo compreender outros programas não previstos no
rol do art. 203, conforme a natureza e o objeto do benefício
concedido.
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O autor Wladimir Novaes Martins1 conceitua a assistência social
como:
Um
conjunto
de
atividades
particulares
e
estatais
direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes,
consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em
dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e
outras pequenas prestações. Não só complementa os serviços
da Previdência Social, como a amplia, em razão da natureza
da clientela e das necessidades providas.
A Assistência Social abrange todos os programas e serviços
assistenciais que amparam indivíduos necessitados, visando
garantir os mínimos sociais para o atendimento das necessidades
básicas.
Neste sentido, o TFD, como programa assistencial que busca dar o
apoio necessário ao paciente, garantindo as condições mínimas
para o acesso a um serviço de saúde em outra localidade, como
transporte, estadia e alimentação, reveste-se das características
típicas de um instituto da Assistência Social.
Dessa forma, uma vez preponderante a sua natureza assistencial, o
TFD deve ser regido pelos princípios norteadores da Assistência
Social.
A Assistência Social trata-se de uma subdivisão da Seguridade
Social, prevista no art. 194 da CR/88, juntamente com os direitos
relativos à saúde e à previdência social, sendo orientada pelos
princípios e objetivos da Seguridade Social.
O art. 194 da CR/88 traz a seguinte disposição:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. São
Paulo: LTR, 2ª ed., 1992, p.99.
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Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da
lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes
objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços
às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade
benefícios e serviços; (grifamos)
na
prestação
dos
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII
caráter
democrático
e
descentralizado
administração,
mediante
gestão
quadripartite,
participação dos trabalhadores, dos empregadores,
aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
da
com
dos
Dentre os princípios/objetivos citados acima, destaca-se o
princípio da seletividade e da distributividade na prestação dos
benefícios e serviços.
Os programas e serviços de assistência social devem ter caráter
distributivo,
devendo
atender
prioritariamente
aos
mais
necessitados. Não serão todas as pessoas que terão direito aos
benefícios, devendo-se identificar as camadas mais carentes da
população.
Os
programas
devem
ser
destinados
aos
mais
necessitados, até mesmo em detrimento dos menos necessitados, em
respeito ao princípio da igualdade e ao caráter social do
princípio da distributividade.
Logo, o princípio da distributividade, aplicado na Seguridade
Social e na Assistência Social, deve ser usado também no
Tratamento Fora do Domicílio, de forma a ser destinado aos mais
carentes.
Neste contexto, torna-se imprescindível a definição do critério
de aferição de necessidade ou vulnerabilidade social para
identificação dos destinatários dos programas de Assistência
Social e consequentemente os destinatários do TFD.
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O art. 203, caput, da CR/88, dispõe que a assistência social será
prestada a quem dela necessitar, não estabelecendo parâmetros
para identificação de quem seriam as pessoas necessitadas,
deixando
para
a
lei
infra-constitucional
esta
definição,
principalmente quanto ao critério econômico.
A Assistência Social é organizada pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS) que trouxe a definição de
necessidade ou hipossuficiência econômica, considerando como
hipossuficiente a família cuja renda mensal per capita seja
inferior a ¼ do salário mínimo, conforme previsto em seu art. 20,
§3º.
No entanto este é apenas um critério objetivo de aferição da
hipossuficiência econômica, devendo ser conjugado com a realidade
fática, através de perícia sócio-econômica, conforme entendimento
da maioria dos Tribunais. A vulnerabilidade social deve ser
comprovada não só apenas pela análise do orçamento da família,
mas, também, por estudo sócio-econômico.
A doutrina de
esclarecimento:
Potyara
Amazoneida
Pereira2
traz
o
seguinte
[...] o destinatário da ação resgatadora de direitos é
todo cidadão que, por razões pessoais, sociais ou de
calamidade pública, encontra-se temporária ou permanente,
sob o jugo de condições de vida e de cidadania inferiores
ao padrão básico julgado socialmente satisfatório. O
destinatário
da
ação
preventiva,
mantenedora
da
participação social, é todo cidadão que, embora usufrua do
padrão básico julgado socialmente satisfatório, apresenta
vulnerabilidades e enfrenta riscos que o impedem de
permanecer, pelo seu próprio esforço, nesse patamar ou de
superá-lo.
Portanto, diante dos argumentos e fundamentos expostos neste
parecer, conclui-se que o Tratamento Fora do Domicílio (TFD),
como programa de natureza social e assistencial, deve ser
destinado aos mais necessitados, usando-se como parâmetro de
PEREIRA. Potyara Amazoneida.
Brasil. 2007, p.229.
2
Sobre
a
Política
de
Assistência
Social
no
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seleção de seus usuários o critério objetivo definido pela LOAS
em seu art. 20, §3°, ou seja, famílias com renda per capita
máxima inferior ¼ do salário mínimo, bem como estudos sociais
realizados por meio de perícia sócio-econômica.
Em caso de tratamento de saúde de alta complexidade, o TFD deve
ser custeado pelo Estado que pode, por uma questão operacional,
repassar os recursos para que o Município os distribua. Nada
obsta, também, que o Município faça primeiramente o pagamento
para em momento posterior demandar a quantia do Estado em
regresso.
Andrea Mismotto Carelli
Promotora de Justiça
Coordenadora do CAO-IJ
Saulo Marques Duarte
Analista em Direito
CAO-IJ
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