Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Estado de Minas Gerais - CAO/IJ Rua Dias Adorno, nº 367, 6º andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.190-100. Telefone: (31) 3330-9918 / Fax: (31) 3330-9920. E-mail: [email protected] / Site: www.mp.mg.gov.br SD Parecer Assunto: Tratamento Fora do Domicílio (TFD). Belo Horizonte, 09 de Fevereiro de 2010. Excelentíssima Senhora Promotora de Justiça, Em atenção à consulta da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Governador Valadares quanto à universalidade do direito ao acesso ao serviço conhecido como TFD (Tratamento Fora do Domicílio), inserido no SUS, passo a dispor. O Tratamento Fora do Domicílio – TFD, instituído pela Portaria/ SAS/Nº 55/99, da Secretaria de Assistência à Saúde (Ministério da Saúde), pode ser definido como um programa de natureza assistencial do SUS que tem por objetivo o custeio das despesas de transporte, alimentação e estadia do paciente que necessita de tratamento médico-hospitalar em outro Município, tendo em vista que o Município em que reside não possui estrutura técnica necessária para seu tratamento. Trata-se de ajuda de custo dada ao paciente para que possa ter acesso ao serviço de saúde que será prestado em outra localidade, uma vez que a Cidade de origem não possui recursos de diagnóstico e terapia, estando esgotados todos os meios de atendimento naquela localidade. O auxílio prestado refere-se ao custeio das despesas de transporte, alimentação e estadia, conforme previsto na Portaria/ SAS/Nº 55/99, que em seu art. 4º dispõe: Art. 4º - As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado. O benefício concedido é limitado ao período estritamente necessário ao tratamento e aos recursos orçamentários existentes no Município. 1 Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Estado de Minas Gerais - CAO/IJ Rua Dias Adorno, nº 367, 6º andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.190-100. Telefone: (31) 3330-9918 / Fax: (31) 3330-9920. E-mail: [email protected] / Site: www.mp.mg.gov.br O TFD é um programa de natureza híbrida. Embora instituído e mantido no âmbito do SUS, tem natureza predominante de assistência social, dado o caráter assistencialista do seu benefício. O TFD é o auxílio material dado ao paciente que permite o seu acesso a um serviço de saúde, mas não é o serviço de saúde em si, revestindo-se das características típicas de um programa de Assistência Social. As prestações de assistência social são destinadas a atender as necessidades básicas dos indivíduos sem condições de prover o próprio sustento de forma permanente ou provisória, independentemente de contribuição à seguridade social. Assim dispõe o art. 203 da Constituição da República: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família, conforme dispuser a lei. O rol de objetivos estabelecido pelo artigo acima não é taxativo. Não quis o legislador constituinte dar limitação aos programas e benefícios de assistência social. A Assistência Social é abrangente, podendo compreender outros programas não previstos no rol do art. 203, conforme a natureza e o objeto do benefício concedido. 2 Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Estado de Minas Gerais - CAO/IJ Rua Dias Adorno, nº 367, 6º andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.190-100. Telefone: (31) 3330-9918 / Fax: (31) 3330-9920. E-mail: [email protected] / Site: www.mp.mg.gov.br O autor Wladimir Novaes Martins1 conceitua a assistência social como: Um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações. Não só complementa os serviços da Previdência Social, como a amplia, em razão da natureza da clientela e das necessidades providas. A Assistência Social abrange todos os programas e serviços assistenciais que amparam indivíduos necessitados, visando garantir os mínimos sociais para o atendimento das necessidades básicas. Neste sentido, o TFD, como programa assistencial que busca dar o apoio necessário ao paciente, garantindo as condições mínimas para o acesso a um serviço de saúde em outra localidade, como transporte, estadia e alimentação, reveste-se das características típicas de um instituto da Assistência Social. Dessa forma, uma vez preponderante a sua natureza assistencial, o TFD deve ser regido pelos princípios norteadores da Assistência Social. A Assistência Social trata-se de uma subdivisão da Seguridade Social, prevista no art. 194 da CR/88, juntamente com os direitos relativos à saúde e à previdência social, sendo orientada pelos princípios e objetivos da Seguridade Social. O art. 194 da CR/88 traz a seguinte disposição: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. São Paulo: LTR, 2ª ed., 1992, p.99. 1 3 Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Estado de Minas Gerais - CAO/IJ Rua Dias Adorno, nº 367, 6º andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.190-100. Telefone: (31) 3330-9918 / Fax: (31) 3330-9920. E-mail: [email protected] / Site: www.mp.mg.gov.br Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade benefícios e serviços; (grifamos) na prestação dos IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII caráter democrático e descentralizado administração, mediante gestão quadripartite, participação dos trabalhadores, dos empregadores, aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. da com dos Dentre os princípios/objetivos citados acima, destaca-se o princípio da seletividade e da distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Os programas e serviços de assistência social devem ter caráter distributivo, devendo atender prioritariamente aos mais necessitados. Não serão todas as pessoas que terão direito aos benefícios, devendo-se identificar as camadas mais carentes da população. Os programas devem ser destinados aos mais necessitados, até mesmo em detrimento dos menos necessitados, em respeito ao princípio da igualdade e ao caráter social do princípio da distributividade. Logo, o princípio da distributividade, aplicado na Seguridade Social e na Assistência Social, deve ser usado também no Tratamento Fora do Domicílio, de forma a ser destinado aos mais carentes. Neste contexto, torna-se imprescindível a definição do critério de aferição de necessidade ou vulnerabilidade social para identificação dos destinatários dos programas de Assistência Social e consequentemente os destinatários do TFD. 4 Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Estado de Minas Gerais - CAO/IJ Rua Dias Adorno, nº 367, 6º andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.190-100. Telefone: (31) 3330-9918 / Fax: (31) 3330-9920. E-mail: [email protected] / Site: www.mp.mg.gov.br O art. 203, caput, da CR/88, dispõe que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, não estabelecendo parâmetros para identificação de quem seriam as pessoas necessitadas, deixando para a lei infra-constitucional esta definição, principalmente quanto ao critério econômico. A Assistência Social é organizada pela Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS) que trouxe a definição de necessidade ou hipossuficiência econômica, considerando como hipossuficiente a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo, conforme previsto em seu art. 20, §3º. No entanto este é apenas um critério objetivo de aferição da hipossuficiência econômica, devendo ser conjugado com a realidade fática, através de perícia sócio-econômica, conforme entendimento da maioria dos Tribunais. A vulnerabilidade social deve ser comprovada não só apenas pela análise do orçamento da família, mas, também, por estudo sócio-econômico. A doutrina de esclarecimento: Potyara Amazoneida Pereira2 traz o seguinte [...] o destinatário da ação resgatadora de direitos é todo cidadão que, por razões pessoais, sociais ou de calamidade pública, encontra-se temporária ou permanente, sob o jugo de condições de vida e de cidadania inferiores ao padrão básico julgado socialmente satisfatório. O destinatário da ação preventiva, mantenedora da participação social, é todo cidadão que, embora usufrua do padrão básico julgado socialmente satisfatório, apresenta vulnerabilidades e enfrenta riscos que o impedem de permanecer, pelo seu próprio esforço, nesse patamar ou de superá-lo. Portanto, diante dos argumentos e fundamentos expostos neste parecer, conclui-se que o Tratamento Fora do Domicílio (TFD), como programa de natureza social e assistencial, deve ser destinado aos mais necessitados, usando-se como parâmetro de PEREIRA. Potyara Amazoneida. Brasil. 2007, p.229. 2 Sobre a Política de Assistência Social no 5 Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Estado de Minas Gerais - CAO/IJ Rua Dias Adorno, nº 367, 6º andar, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG, CEP: 30.190-100. Telefone: (31) 3330-9918 / Fax: (31) 3330-9920. E-mail: [email protected] / Site: www.mp.mg.gov.br seleção de seus usuários o critério objetivo definido pela LOAS em seu art. 20, §3°, ou seja, famílias com renda per capita máxima inferior ¼ do salário mínimo, bem como estudos sociais realizados por meio de perícia sócio-econômica. Em caso de tratamento de saúde de alta complexidade, o TFD deve ser custeado pelo Estado que pode, por uma questão operacional, repassar os recursos para que o Município os distribua. Nada obsta, também, que o Município faça primeiramente o pagamento para em momento posterior demandar a quantia do Estado em regresso. Andrea Mismotto Carelli Promotora de Justiça Coordenadora do CAO-IJ Saulo Marques Duarte Analista em Direito CAO-IJ 6