1 INSTITUTO BRASILEIRO DE TERAPIA INTENSIVA – IBRATI SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA – SOBRATI MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA ROXANA MESQUITA DE OLIVEIRA TEIXEIRA SIQUEIRA DELIRIUM EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA TERESINA-PI 2015 2 ROXANA MESQUITA DE OLIVEIRA TEIXEIRA SIQUEIRA DELIRIUM EM UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva como requisito para conclusão do Curso de Mestrado Profissionalizante em Terapia Intensiva. Orientador: Prof. Dr. Marttem Costa de Santana Coorientadora: Prof.ª Dra. Maria Zélia de A. Madeira TERESINA – PI 2015 3 RESUMO Cerca 70 a 87% dos pacientes internados em unidade de terapia intensiva desenvolvem algum tipo de delirium. Esta pesquisa tem como objetivo central investigar, nas produções científicas, a ocorrência e a prevenção de delirium em paciente criticamente enfermo nas unidades de terapia intensiva. Utilizou-se os descritores: delirium e unidades de terapia intensiva para pesquisar artigos científicos publicados entre 2005 e 2015 no banco de dados Biblioteca Virtual em Saúde. Foram encontrados 240 artigos, dos quais selecionamos 17 que preenchiam os critérios de inclusão: descrição do delirium associado à internação hospitalar e a transtornos orgânicos, a ênfase aos fatores que contribuem para a ocorrência de delirium, a elucidação dos métodos para diagnóstico e prevenção. A análise dos estudos possibilitou a elaboração de quatro categorias: fatores predisponentes para o delirium, fatores precipitantes ao delirium na UTI, métodos para o diagnóstico de delirium e estratégias de prevenção de delirium nas unidades de terapia intensiva. As equipes que atuam na UTI precisam ampliar os conhecimentos sobre delirium e instituir programas de prevenção ao mesmo. A equipe de enfermagem tem papel fundamental neste processo uma vez que estes são os profissionais que dedicam mais tempo ao paciente, mas também os que realizam o maior número de intervenções. Palavras-chave: Delirium, Unidades de Terapia Intensiva. 4 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 5 2 MÉTODO 7 3 RESULTADOS 8 3.1 FATORES PREDISPONENTES PARA O DELIRIUM 3.2 FATORES PRECIPITANTES AO DELIRIUM NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA 3.3 MÉTODOS PARA O DIAGNÓSTICO DE DELIRIUM 3.4 ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DE DELIRIUM NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 19 REFERÊNCIAS 20 5 1 INTRODUÇÃO Conforme Curiatti (2006), o termo delirium foi introduzido na literatura médica por Celsus no século 1 d.C., no entanto os transtornos mentais associados a doenças físicas já haviam sido descritos por Hipócrates há 2.500 anos. Para Keen e Swearingen (2005), o delirium, ou estado de confusão aguda, manifesta-se com desorientação em relação ao tempo e espaço, raciocínio desorganizado, medo, irritabilidade, alucinações, memória prejudicada e alterações psicomotoras bem como do ciclo de sono. Segundo Falcão (2009, p.1039), a Associação Americana de Psiquiatria no último Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-IV) definiu oficialmente o delirium como, “distúrbio da consciência, com inatenção, alterações cognitivas e distúrbios da percepção que ocorrem em curto período de tempo, horas a dias, e de caráter flutuante.” O delirium é definido atualmente como uma síndrome neurocomportamental de início súbito decorrente do comprometimento da atividade cerebral provocado por distúrbios sistêmicos. O DSM-IV classifica o delirium para fins diagnósticos em cinco tipos: o delirium por condição médica geral; o delirium decorrente à intoxicação por sustâncias; o delirium de abstinência de substâncias; o delirium associado a múltiplas etiologias e o delirium sem especificações (WACKER et al., 2005). Cerca 70 a 87% dos pacientes internados em unidade de terapia intensiva desenvolvem algum tipo de delirium. As taxas de mortalidade variam de 22 a 76%, podendo ser comparadas às de IAM (Infarto Agudo do Miocárdio) ou SEPSE (LOBO et al., 2010). O custo hospitalar em pacientes com delirium comparados aos que não apresentaram o quadro foi 31% maior e especificamente em UTI o custo aumentou em 39% (MORI et al., 2009). O delirium deixa seqüelas cognitivas no paciente após a alta hospitalar e nos primeiros meses a mortalidade ainda é elevada. As causas do delirium na UTI são as mais variadas. Incluem desde fatores de risco presentes na admissão do paciente, tais como: idade acima de 65 anos, doenças crônicodegenerativas, tabagismo, etilismo e insuficiência renal, até aqueles apresentados no decorrer da internação, que incluem afecções do sistema nervoso central, alterações metabólicas e disfunções orgânicas (FALCÃO, 2009). Também é necessário considerar os fatores psicológicos e ambientais a que o paciente está sendo exposto para tentar prevenir os estados confusionais agudos. Fatores como excesso 6 de luz e de ruído, frio, acústica ruim, dificuldade de comunicação, ausência de familiares, presença de sondas, dor e o uso de drogas psicoativas contribuem para manifestação do delirium. Dessa forma, a prevenção e o diagnóstico precoce do delirium em pacientes críticos é responsabilidade de toda equipe multiprofissional da UTI, a fim de melhorar o atendimento e a qualidade de vida do paciente. Esta pesquisa tem como objetivo central: investigar as produções científicas publicadas acerca do delirium nas unidades de terapia intensiva e como objetivos específicos: identificar os fatores que contribuem para que o paciente internado na UTI apresente delirium e discutir a relação do delirium com a assistência prestada pela equipe de intensivistas. 7 2 MÉTODO O estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema Delirium em Unidade de Terapia Intensiva. Na pesquisa bibliográfica, o pesquisador realiza o levantamento de dados de variadas fontes, as quais foram coletadas por outras pessoas, chamadas de fontes secundárias. Dessa forma, oferece meios para uma nova abordagem de problemas já conhecidos, encontrando-se novas conclusões (MARCONI; LAKATOS, 2007). Para a realização deste trabalho de pesquisa foram buscados artigos científicos publicados entre 2005 e 2015 no banco de dados Biblioteca Virtual em Saúde, utilizando-se como descritores: delirium e unidades de terapia intensiva, com restrição aos artigos traduzidos ou publicados em Português, com textos completos disponíveis gratuitamente. Foram encontrados 240 artigos a partir dos descritores supracitados, dos quais selecionamos 17 para análise neste estudo tendo como base os seguintes critérios de inclusão: a descrição do delirium associado à internação hospitalar e a transtornos orgânicos, a ênfase aos fatores que contribuem para a ocorrência de delirium e a elucidação dos métodos para diagnóstico e prevenção. Desse modo, os artigos selecionados foram analisados de acordo com o referencial de Bardin, (2011) que considera a análise de conteúdo como um método diversificado e em constante aperfeiçoamento. A análise dos resultados e conclusões dos estudos selecionados evidenciou que alguns temas estão sendo discutidos com maior regularidade, possibilitando a elaboração de quatro categorias: fatores predisponentes para o delirium, fatores precipitantes ao delirium na UTI, métodos para o diagnóstico de delirium e estratégias de prevenção de delirium nas unidades de terapia intensiva. 8 3 RESULTADOS Os resultados da pesquisa bibliográfica serão descritos a seguir em conformidade com os objetivos do estudo. Na tabela 1 são apresentadas as 17 publicações selecionadas: Tabela 1- Publicações sobre Delirium em Unidade de Terapia Intensiva no banco de dados da BVS no período de 2005 a 2015, segundo autores, ano de publicação, periódico e título: Autores Ano Periódico BARBOSA, F. T. et al 2008 Rev Bras. Anestesiol. Delirium pós-operatório em idosos 2005 Rev Médica do Chile Subdiagnóstico de delirium em idosos CARRASCO, G. M. et. al CARVALHO, J. P. L. M. Título do Artigo hospitalizados 2013 Rev Bras. Terapia Intensiva Escalas de avaliação de delirium em pacientes graves: revisão sistemática da literatura CASARIN, A. e PAGE, V. J. DAL-PIZZOL, F. et. al. 2014 2015 Rev Bras. Terapia Intensiva Uso de antipsicóticos para tratamento do Rev Bras. Terapia Intensiva Atividade basal de acetilcolinesterase e delírio na unidade de terapia intensiva níveis plasmáticos de serotonina não se associam ao delirium em pacientes gravemente enfermos DAL-PIZZOL, F. et. al. 2012 Rev Bras. Terapia Intensiva Incidência de delirium durante a internação em unidade de terapia intensiva em pacientes pré-tratados com estatinas no pós-operatório de cirurgia cardíaca FARIA, R. S. B. e MORENO R. P. LOBO, R. R. et al. MORI, S. et al 2013 2010 2009 Rev Bras. Terapia Intensiva Rev Medicina Rev Bras. Terapia Intensiva Delirium na unidade de cuidados intensivos: uma realidade subdiagnosticada Delirium Confusion Assessment Method para analisar delirium em unidade de terapia intensiva: revisão de Literatura PESSOA, R. F. e NÁCUL, F. E. 2006 Rev Bras. Terapia Intensiva PITROWSKY, M. T. et al 2010 Rev Bras. Terapia Intensiva Delirium em pacientes críticos Importância da monitorização do delirium na unidade de terapia intensiva Rev Bras. Medicina 2008 POVINELLI, B. M. S. et al. Delirium no paciente idoso 9 PRADO, L. K. P. et al. SALLUH, J. I. F e SHINOTSUKA, 2008 Rev Bras. Medicina 2013 Rev Bras. Terapia Intensiva Percepções e práticas sobre delirium, sedação e analgesia em pacientes críticos: uma revisão narrativa 2013 Rev Bras. Terapia Intensiva Aumento da conscientização sobre delirium em pacientes criticamente enfermos 2005 Rev Psiq. Clínica Mecanismos fisiopatológicos do delirium 2011 Rev Latinoam. Análise dos registros de uma equipe de saúde Enfermagem e as percepções dos enfermeiros sobre sinais C. R. SALLUH, J. I. F. e STEVENS, R. D.. SANTOS, F. S. SILVA, R. C. G. et al. . Delirium e sintomas de delirium Fonte: Elaborado pelo pesquisador com base nos dados da pesquisa, 2015. Observa-se na Tabela 1 que houve diversidade de publicação em seis periódicos. A Revista Brasileira de Terapia Intensiva foi a que mais publicou sobre Delirium em UTI, em um total de 10 dentre os 17 artigos selecionados. 3.1 FATORES PREDISPONENTES PARA O DELIRIUM É consenso entre os estudos analisados que o delirium é uma síndrome de causas multifatorias e geralmente resulta da combinação de fatores predisponentes e precipitantes. Os fatores predisponentes são aqueles que estão presentes no paciente no momento da admissão. Segundo Lobo et al. (2010), quanto maior a idade do paciente e o número de comorbidades maior a incidência de delirium, dessa forma, os setores do hospital onde ocorre com maior frequência, são a emergência, o pós-operatório e as unidades de terapia intensiva. Pitrowsky et al. (2010) subdividem os fatores de risco para delirium em modificáveis e não modificáveis, destacando entre os fatores não modificáveis as características do paciente como idade, gênero, tabagismo, etilismo, doenças prévias do sistema nervoso, características genéticas e demência. Prado et al.(2006) identificaram em um estudo prospectivo com idosos hospitalizados quatro fatores de risco para delirium: déficit visual, doença grave, déficit cognitivo e desidratação. O autor também considera como fatores predisponentes ao delirium: alcoolismo, tabagismo, hipertensão arterial descontrolada e capacidade funcional comprometida. 10 Povinelli et al.(2008) também destacam fatores de risco para delirium semelhantes, como: idade avançada, presença de demência, déficits sensoriais, dependência funcional, múltiplas comorbidades e déficit cognitivo prévio. Uma pesquisa realizada com cento e oito pacientes idosos institucionalizados revelou a prevalência significativa de delirium associada com a idade avançada, pois 53% dos idosos pesquisados desenvolveram o quadro. Este estudo atestou também que os pacientes mais graves (de acordo com o escore APACHE II) apresentaram delirium em 88% dos casos (CARRASCO et al., 2005). Com o envelhecimento ocorrem mudanças no cérebro que o tornam mais suscetível ao desenvolvimento de delirium, desde diminuição do fluxo sanguíneo até perda neuronal. As concentrações de norepinefrina, acetilcolina, dopamina e ácido gamaaminobutírico também diminuem. Isso explica porque as pessoas idosas têm mais chance de desenvolver delirium associado a alterações orgânicas, as quais não teriam o mesmo impacto no jovem (SANTOS, 2005). Um estudo prospectivo de coorte investigou se os níveis plasmáticos de serotonina e atividade de acetilcolinesterase determinados por ocasião da admissão à unidade de terapia intensiva preveem a ocorrência de disfunção cerebral aguda. Dos 77 pacientes avaliados 38 (49,6%) desenvolveram delirium durante a internação na UTI, porém, nem a atividade de acetilcolinesterase nem os níveis séricos de serotonina se associaram com delirium ou disfunção cerebral aguda em pacientes gravemente enfermos. (DAL-PIZZOL, F. et. al., 2015) Em se tratando de pacientes críticos, um estudo sobre fatores de risco para o desenvolvimento de delirium apontou a hipertensão arterial, tabagismo, hiperbilirrubinemia, e o uso de morfina através de cateter peridural como fatores predisponentes. Além destes, os autores citam também a redução prévia da cognição, doença crítica, administração de certos medicamentos e idade avançada (PESSOA, NÁCUL, 2006). Conforme Lobo et al.(2010), todas as doenças crônicas podem predispor ao delirium, a principal delas é a demência, que eleva em 2 a 5 vezes a chance de desenvolver um estado confusional agudo. Outros fatores de risco elucidados pelo autor foram: gravidade da doença de base, déficit visual, nível cognitivo basal e desidratação. 11 3.2 FATORES PRECIPITANTES AO DELIRIUM NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA Os fatores precipitantes ao delirium são aqueles aos quais os pacientes são expostos após a internação. A UTI é o setor onde o delirium ocorre com maior freqüência, devido aos pacientes encontrarem-se em estado crítico, fazerem uso de diversas medicações, serem submetidos a procedimentos invasivos e pelo próprio ambiente restrito, onde o indivíduo é isolado em um compartimento. Um estudo realizado por Silva et al.(2011) com 111 pacientes diagnosticados com delirium (com média de idade de 75,6 anos), evidenciou que em termos de diagnóstico médico, os mais afetados por delirium foram os que tinham afecções do aparelho circulatório (26,1%), seguido do trato respiratório (22,5%) e de neoplasias (10,8%). Um estudo analisou 169 pacientes internados em terapia intensiva quanto ao desenvolvimento de Delirium após cirurgia cardíaca eletiva, sendo que 40% deles fazendo uso de estatina previamente. Os resultados apontaram que não há relação entre o uso de estatinas e a ocorrência de Delirium (DAL-PIZZOL, F. et. al., 2012). Povinelli et al.(2008) consideram como principais fatores precipitantes ao delirium: doenças infecciosas, afecções pulmonares, cardiovasculares e cerebrovasculares, alterações metabólicas, uso ou retirada de medicações (psicotrópicos, hipnóticos, sedativos e bebida alcoólica) e cirurgias, principalmente ortopédicas e cardíacas. Estes são fatores comuns de se encontrar em pacientes submetidos à terapia intensiva. A incidência de delirium após intervenções cirúrgicas varia de acordo com o tipo de operação, por exemplo, em cirurgias cardíacas de grande porte é de 47%. Acredita-se que a circulação extracorpórea comprometa a função cognitiva do paciente. Já para cirurgias gerais, a incidência é de apenas 10%, nas ortopédicas chega a ser de 50% sendo que nas correções de fratura de quadril, comum em idosos, pode chegar a 62%. A fisiopatologia do delirium ainda não foi definida, mas em se tratando de trauma cirúrgico sabe-se que ele leva a distúrbio neuroendócrino com liberação de cortisol e citocinas e diminuição da atividade dos hormônios da tireóide. Com isso, ocorre alteração na concentração de aminoácidos neurotransmissores precipitando o quadro de delirium. Além dos fatores já citados, este estudo acrescenta: baixo nível educacional e reoperação como precipitantes de estados confusionais agudos (BARBOSA et al., 2008). 12 Existem autores que consideram os medicamentos responsáveis por mais de 40% dos casos de delirium. Freqüentemente as drogas com ação psicoativa, como por exemplo: opióides, hipnóticos, bloqueadores H2 e drogas com efeitos anticolinérgicos (antipsicóticos, anti-histamínicos, antiparkinsonianos, antidepressivos, antiespasmódicos) (PRADO et al., 2006). O uso de diversos medicamentos foi relatado com fator precipitante de delirium, principalmente os que têm ação anticolinérgica como os antidepressivos tricíclicos e antihistamínicos. Em menor freqüência, ocorre delirium também associado aos benzodiazepínicos, digitálicos, furosemida, glicocorticóides, opióides e antiinflamatórios, especialmente os não-esteróides. Até mesmo o ácido acetil salicílico tem relato de induzir delirium, mas se utilizado em altas doses (PESSOA; NÁCUL, 2006). SALLUH, J. I. F e SHINOTSUKA, C. R. (2013) recomendam o uso de protocolos escritos de sedação como forma de se atingir objetivos específicos de cada paciente em unidade de terapia intensiva. Na prática, a interrupção da sedação para permitir que o paciente desperte diariamente pouco acontece no Brasil, embora as evidências científicas apontem este caminho como essencial para segurança do paciente crítico. Lobo et al. (2010) destacaram um estudo que apontou os seguintes fatores precipitantes do desenvolvimento de delirium: a ocorrência de iatrogenias, o uso de restrição física, a desnutrição, a adição de mais de 3 medicações no dia anterior e o uso de cateter urinário. E ainda enfatizou que a incidência de delirium está diretamente relacionada com o aumento do número de medicamentos utilizados. É comum a prática de restrições físicas aos pacientes internados em unidades de terapia intensiva, sob a perspectiva de protegê-los de iatrogenias como queda do leito ou retirada acidental de sondas e cateteres. A análise sobre a influência desta prática na precipitação do delirium revelou que ela pode contribuir tanto para o desenvolvimento quanto para piora do quadro, mesmo quando utilizada com critério para a contenção de pacientes agitados (MORI et al., 2009). Também são fatores precipitantes ao delirium em indivíduos hospitalizados, especialmente nas unidades de terapia intensiva: as alterações eletrolíticas, infecções, abstinência de drogas e dor (PITROWSKY et al., 2010). Outros fatores são: condições 13 psiquiátricas (por exemplo, a depressão), as insuficiências renal, hepática e cardíaca, hipóxia, hipercapnia, alterações tireoidianas, anemia e desordens nutricionais (PESSOA; NÁCUL, 2006). Conforme Prado et al. (2006), os principais fatores responsáveis pela ocorrência de delirium são: a imobilização ou a contenção física, infecções, distúrbios metabólicos, hidroeletrolíticos, síndrome de abstinência, o uso de sonda vesical, a má nutrição, alguns medicamentos e a insuficiência de órgãos (renal, hepática), mas também considera fatores ambientais e psicossociais. O ambiente da UTI constitui um fator de risco para delirium, em função do isolamento e da falta de objetos que permitam ao paciente uma melhor orientação no tempo e no espaço, como janelas e relógios (PITROWSKY et al., 2010). Para Pessoa e Nácul (2006), os fatores ambientais presentes nas unidades de terapia intensiva que contribuem para desencadear o quadro de confusão mental, são o medo do desconhecido, ruídos de alarme, mudanças constantes de cuidadores e realização de procedimentos sem a devida explicação ao paciente. Pitrowsky et al. (2010) acrescentam outro potencial fator de risco para precipitação do delirium: a alteração da necessidade básica de sono e repouso. Da mesma forma que no indivíduo saudável, o prejuízo na qualidade do sono provoca flutuação da capacidade mental e disfunção cognitiva. Assim, pacientes internados em unidades de terapia intensiva sempre terão este fator de risco para delirium, em função do ambiente da UTI, com iluminação excessiva, ruídos, equipamentos conectados ao corpo e procedimentos que ocorrem em curtos intervalos de tempo como a administração de medicamentos. 3.3 MÉTODOS PARA O DIAGNÓSTICO DE DELIRIUM Nesta categoria discute-se as questões levantadas nos estudos a cerca dos métodos para o diagnóstico de delirium. O quadro de delirium possui três formas de apresentação. Conforme Povinelli et al. (2008), o tipo hiperativo ocorre quando o paciente está hipervigilante, com agitação psicomotora, agressividade, humor lábil, podendo apresentar ilusões e alucinações. Já no quadro de delirium hipoativo o paciente encontra-se hipovigilante, com atividade motora lenta ou diminuída, e no misto, o indivíduo alterna os dois tipos de sintomas. 14 Além desta classificação, o delirium pode ser subdividido de acordo com o tempo de evolução em: prevalente (se é detectado no momento da admissão), incidente (se surgir durante a estadia hospitalar) e persistente (se os sintomas persistirem durante um período de tempo). Os sintomas cognitivos e comportamentais são bastante variáveis, alguns pacientes manifestam predominantemente lentificação psicomotora, outros apresentam-se ansiosos, disruptivos e combativos. (FARIA, 2013) Em virtude da variabilidade de apresentações clínicas do delirium a detecção do quadro está sendo subdiagnosticada, uma vez que, as apresentações hiperativas podem ser confundidas com um transtorno psicótico agudo e as hipoativas são semelhantes a um quadro de depressão ou demência. Desta forma, é recomendado o uso de escalas psicométricas para reduzir o subdiagnóstico de delirium (PRADO et al., 2006). Um estudo avaliou o conhecimento e a prática de profissionais da UTI a cerca do delirium. Embora eles reconhecessem a relevância do problema 78% admitiram não saber diagnosticar o quadro e apenas 32% destes profissionais buscava atualização sobre seu tratamento. Dos 40% de profissionais que avaliavam o paciente quanto ao delirium diariamente, apenas 16% utilizavam instrumentos específicos. O mais utilizado foi o Mini Mental State Examination (50%), seguida pela escala de coma de Glasgow (28%), escala de sedação (16%) e apenas 7% utilizavam o CAM-ICU (MORI et al., 2009). Segundo Silva et al. (2011), os profissionais de enfermagem por estarem em maior contato com os pacientes têm mais chance de perceber o início do quadro de delirium e diagnosticá-lo. No entanto, falta conhecimento dos profissionais da área de saúde sobre os sinais e sintomas do estado confusional agudo. Estima-se que o subtipo hipoativo seja quase 100% sub-diagnosticado, por isso a importância de treinar a equipe para utilizar instrumentos de avaliação e monitoramento do delirium. A investigação do diagnóstico, conforme Barbosa et al. (2008), deve incluir a história clínica, o exame físico, a solicitação de exames complementares, a intoxicação medicamentosa e a aplicação de uma escala para avaliação do estado cognitivo. São sugeridas as duas mais utilizadas: o Mini Mental State Examination e o Confusion Assessment Method - CAM. O primeiro teste investiga a orientação, o registro, a memória, a capacidade de atenção, de cálculo e a linguagem, tendo sensibilidade de 80% e especificidade de 98%. 15 O Método para Avaliação da Confusão (CAM) foi desenvolvido em 1991 baseado em idosos fora das unidades de terapia intensiva. Em 2001 CAM sofreu modificações para atender aos pacientes em UTI, os quais estivessem impossibilitados de falar, e passou a ser conhecido como Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (CAM – ICU). O novo método foi em seguida validado para pacientes em ventilação mecânica, tendo recebido a confiabilidade dos avaliadores. Um estudo comparou três instrumentos de forma prospectiva: CAM-ICU, escala de triagem de delirium pela enfermagem (sigla em inglês, DDS) e o escore de detecção de delirium, usando o ICDSC e o CAM-ICU foi o instrumento de maior sensibilidade no diagnóstico do delirium (PITROWSKY et al., 2010). Prado et al. (2006) e Lobo et al. (2010) também elucidaram as vantagens do método CAM sobre as outras escalas psicométricas, visto que ele apresentou melhor sensibilidade (85%) e 100% de especificidade no diagnóstico. Segundo, Pessoa; Nácul (2006) e Mori et al.(2009), para utilizar o CAM-ICU é necessário apenas um rápido treinamento, uma vez que ele é composto por observação do padrão de resposta não verbal do paciente, o reconhecimento de figuras e respostas lógicas com sim ou não a perguntas simples. Quatro itens são avaliados: 1 - início agudo, 2 - distúrbio da atenção, 3 - pensamento desorganizado e 4 - alteração do nível de consciência. É necessário considerar também, se o paciente está sob efeito de sedação, pois caso esteja, primeiro avalia-se quanto à escala de agitação e sedação de Richmond (The Richmond Agitation and Sedation Scale - RASS). Encontrando-se o paciente com RASS superior a - 4 (3 até +4) pode-se então avaliar o delirium aplicando o CAM-ICU (PESSOA; NÁCUL, 2006). Os atuais guidelines recomendam a avaliação diária do delirium e uma abordagem multidisciplinar, sendo uma importante questão no que diz respeito à segurança do doente crítico. A redução da incidência de delirium na UTI deve ser considerada um indicador de qualidade e um alvo a ser perseguido, representando melhoria no processo de prestação de cuidados ao paciente. (FARIA, 2013). Carvalho et. al. (2013) em uma revisão sistemática encontrou seis escalas para avaliação de delirium em pacientes internados em terapia intensiva, entretanto apenas duas foram validadas para a língua portuguesa o Confusion Assessment Method-ICU (CAM-ICU) e o Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC). Todas apresentaram boa acurácia, 16 mas consideraram o ICDSC a escala de maior praticidade e que melhor se adequa ao uso em unidade de terapia intensiva. Portanto os profissionais que atuam na UTI devem estar preparados para diagnosticar o delirium, especialmente a equipe de enfermagem, pois é ela que tem mais contato com o paciente e seus familiares, devendo valorizar e registrar as informações fornecidas por eles. 3.4 ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DE DELIRIUM NAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA A prevenção baseia-se: na avaliação e tratamento das doenças associadas, história detalhada dos medicamentos em uso, história pregressa de alcoolismo, etilismo ou drogadicção, evitar o uso no pré- e no intra-operatório de anticolinérgicos, evitar desidratação, manter o equilíbrio eletrolítico, evitar dor e dar suporte a síndrome de abstinência (BARBOSA et al., 2008). Carrasco et al. (2005) elencou algumas recomendações internacionais para prevenção do delirium, todas aplicáveis às unidades de terapia intensiva: iluminação diferenciada com respeito aos ritmos de sono-vigília, reorientação repetitiva, redução da rotatividade de profissionais e pacientes, incentivo aos pacientes a permanecer com seus elementos de apoio, tais como aparelhos auditivos ou óculos sensoriais, evitar contenção física. Mori et al.(2009) destacaram medidas preventivas e terapêuticas do delirium em pacientes graves, como: a realização da avaliação periódica da condição mental por meio de um instrumento, a identificação dos fatores de risco relacionados aos antecedentes pessoais do paciente, diminuição dos ruídos excessivos e outros fatores que colaboram para o aumento da ansiedade e estresse do paciente, administração balanceada de medicamentos sedativos e analgésicos e o uso criterioso da contenção física dos pacientes. A prevenção do delirium deve incluir também medidas como: a flexibilização do horário de visitas a fim de proporcionar maior interação com familiares e amigos, o uso de relógios e calendários no ambiente para permitir uma maior orientação de tempo, redução de ruídos e iluminação noturna e comunicação clara com o paciente (PESSOA; NÁCUL, 2006). Povinelli et al. (2008) traz as seguintes orientações para prevenção do delirium: detectar e tratar comprometimento cognitivo, manter ambiente silencioso, com pistas para 17 orientação (calendário, relógio, objetos familiares), envolver familiar nos cuidados, favorecer sono tranqüilo, evitar ou reduzir o uso de medicações que possam precipitar delirium (anticolinérgicos, benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos, opióides), corrigir distúrbios hidroeletrolíticos, informar o paciente sobre os procedimentos aos quais será submetido, corrigir déficit sensorial (óculos e prótese auditiva já do seu uso), evitar desnutrição, evitar o uso de cateteres, favorecer a mobilização, não restringir fisicamente, prevenir e tratar abstinência alcoólica e por benzodiazepínicos, otimizar as condições cirúrgicas (analgesia adequada, evitar hipotensão e hipoxemia, corrigir anemia. Intervenções simples podem melhorar o ambiente da unidade de terapia intensiva permitindo ao paciente mais conforto e orientação temporal, como a abertura de janelas e o uso das luzes para dar idéia de noite e dia, o uso das próteses habituais do paciente e a remoção precoce de dispositivos invasivos, logo que possível (PITROWSKY et al., 2010). A UTI pode criar um programa de medidas preventivas ao desenvolvimento de delirium que incluam: terapia ocupacional, técnicas de reorientação, redução de ruídos, adequação do horário de medicações e procedimentos noturnos, mobilização precoce, fisioterapia, técnicas de massagem, musicoterapia, utensílios adaptados para pessoas com déficit visual e auditivo, permitir a presença de familiares como acompanhantes e contato pessoal é fundamental (LOBO et al., 2010). É importante lembrar que os idosos hospitalizados merecem maior atenção no que diz respeito às medidas de prevenção de delirium não farmacológicas. Um estudo constatou a redução significativa na incidência de delirium em idosos após fratura de quadril com a realização de uma consulta geriátrica durante a internação. Portanto, é recomendado que todos os pacientes idosos, principalmente os de maior risco (idade acima de 70 anos, saúde muito comprometida e presença de déficit cognitivo) devem ser acompanhados pelo geriatra (POVINELLI et al., 2008). Salluh e Stevens, 2013 consideram que intervenções farmacológicas nem sempre são necessárias no delirium hipoativo, entretanto o reconhecimento precoce do quadro de delirium é fundamental para desencadear medidas não farmacológicas que incluem tarefas estimulantes, mobilidade precoce, presença de familiares e restauração do controle sensorial, como uso de óculos, aparelhos auditivos e próteses dentárias quando possível. As medidas não farmacológicas de prevenção do delirium foram objeto de um estudo realizado com 852 idosos internados com risco de moderado a alto para desenvolver delirium. 18 Nesta pesquisa foi instituído um protocolo multidisciplinar de intervenções preventivas que enfatizava o manejo de seis fatores de risco: alteração cognitiva, privação do sono, imobilidade, desidratação, déficit visual e auditivo. Após a implantação do protocolo, constatou-se que a incidência de delirium reduziu 34% comparado ao grupo-controle, bem como diminuiu o tempo de internação hospitalar. A maioria dos estudos demonstra que a assistência humanizada e a correção de fatores de risco são bastante eficientes na prevenção de delirium (PRADO et al., 2006). Embora a fisiopatologia do Delirium ainda não esteja clara, o tratamento envolve o uso de antipsicóticos e deve ser iniciado tão logo seja diagnosticado. Cabe ao médico decidir se vai utilizar tanto no delírio hipoativo como no hiperativo, bem como eleger a droga de escolha. Um treinamento educacional a respeito dos psicofármacos e atitudes frente ao paciente delirante deve ser realizado nas unidades de terapia intensiva (CASARIN, A. e PAGE, V. J., 2014). 19 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com as publicações o delirium é uma complicação freqüente em pacientes submetidos à terapia intensiva, tem um prognóstico ruim que se reflete em comprometimento cognitivo após a alta, aumento dos custos e do tempo de internação e alta taxa de mortalidade. O estado confusional agudo pode ser desencadeado por diversos fatores, que vão desde características genéticas do indivíduo ao ambiente das unidades de terapia intensiva. As equipes que atuam na UTI precisam melhor se qualificar em relação aos conhecimentos do diagnóstico e tratamento do delirium. Bem como, instituir programas e protocolos de prevenção baseados nos fatores precipitantes. A equipe interdisciplinar tem papel fundamental neste processo uma vez que são os profissionais que dedicam mais tempo ao cuidado do paciente, mas também os que realizam o maior número de intervenções. O tratamento do Delirium deve ser instituído tão logo seja diagnosticado. O uso de medicamentos antipsicóticos e sedativos é relatado na literatura pesquisada. A presença de acompanhante com o paciente também foi considerada essencial para prevenção e estabilização do doente crítico com confusão mental. 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, F. T. et. al. Delirium Pós-Operatório em Idosos. Revista Brasileira de Anestesiologia, 2008. BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011 CARRASCO, G. M. et. al. Subdiagnóstico de delirium em idosos hospitalizados. Revista Médica do Chile, 2005. CARVALHO, J. P. L. M. et. al. Escalas de avaliação de delirium em pacientes graves: revisão sistemática da literatura. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, São Paulo, 2013. 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