Protocolo de atendimento de estado confusional agudo e delirium

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Protocolo de atendimento de estado confusional agudo e delirium:
Delirium é uma emergência geriátrica e, ao mesmo tempo, o distúrbio psiquiátrico
mais comum em pacientes idosos hospitalizados. É uma síndrome que se inicia subitamente,
tem curso flutuante e se manifesta por comprometimento global das funções cognitivas,
distúrbio da atenção e do ciclo sono-vigília e atividade psicomotora anormalmente elevada ou
reduzida.1
Em sua quase totalidade, o delirium é secundário a doença física grave, intoxicação
medicamentosa e abstinência a hipnossedativos, álcool ou outra droga de abuso.
Raramente é diagnosticado e/ou tratado, quando eventualmente reconhecido. Na
maioria das vezes é confundido com depressão, demência ou psicose.2 Diversos estudos
mostram que 57 a 80% dos pacientes idosos com distúrbios cognitivos não são diagnosticados
pelos clínicos na admissão hospitalar3 e, em se tratando de delirium, essa falha pode chegar a
70%.4 Delirium pode ser a única manifestação clínica conseqüente a infarto agudo do
miocárdio, pneumonia, septicemia, distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos em idosos
hospitalizados. O seu pronto reconhecimento conduz à imediata investigação, no sentido de se
identificar precocemente a causa básica, salvando vidas. De outra forma, tempo precioso pode
ser desperdiçado, com pesado ônus nas taxas de morbimortalidade, nos custos hospitalares ou
na demanda e utilização de serviços médicos e de enfermagem.
Por essas razões, o diagnóstico de delirium deve fazer parte do conhecimento e
competência de todos os médicos que atendem idosos e não apenas do psiquiatra e do
geriatra. Todo esforço deve ser empregado para uma maior divulgação desse tema entre
clínicos gerais, cirurgiões, anestesistas, cardiologistas, intensivistas e demais especialistas que
atendem em emergências.
Diagnóstico:
CID-10 - Critérios diagnósticos para delirium (F05.0)
A. Comprometimento da consciência e atenção (em continuum de obnubilação ao coma;
capacidade reduzida para dirigir, focar, sustentar e mudar a atenção).
B. Perturbação global da cognição (distorções perceptivas, ilusões e alucinações mais
freqüentemente visuais; comprometimento do pensamento abstrato e compreensão, com ou
sem delírios transitórios, mas tipicamente com algum grau de incoerência, comprometimento
das memórias imediata e recente, mas com a memória remota relativamente intacta;
desorientação temporal, assim como, em casos mais graves, espacial e pessoal);
C. Perturbações psicomotoras (hipo ou hiperatividade e mudanças imprevisíveis de uma para
outra; tempo de reação aumentado; aumento ou diminuição do fluxo da fala; intensificação da
reação de susto);
D. Perturbação do ciclo sonovigília (insônia ou, em casos graves, perda total do sono ou
reversão do ciclo sonovigília; sonolência diurna; piora noturna dos sintomas; sonhos
perturbadores ou pesadelos, os quais podem continuar como alucinação após o despertar);
E. Perturbações emocionais, por exemplo depressão, ansiedade ou medo, irritabilidade,
euforia, apatia ou perplexidade abismada.
O início é usualmente rápido, o curso flutuante ao correr do dia e a duração total da condição
menor que seis meses.
DSMIV-TR - Critérios Diagnósticos para Delirium
A. Perturbação da consciência (isto é, redução da clareza da consciência em relação ao
ambiente), com redução da capacidade de direcionar, focalizar, manter ou deslocar a atenção.
B. Uma alteração na cognição (tal como déficit de memória, desorientação, perturbação da
linguagem) ou desenvolvimento de uma perturbação da percepção que não é melhor
explicada por uma demência preexistente, estabelecida ou em evolução.
C. A perturbação desenvolve-se ao longo de um curto período de tempo (em geral de horas a
dias), com tendência a flutuações no decorrer dia.
D. Existem evidências, a partir da história, exame físico ou achados laboratoriais, de que a
perturbação é causada por conseqüências fisiológicas diretas de uma condição médica geral,
substância ou abstinência.
Confusion assessment Method (CAM)
1. Mudança aguda do comportamento
2. Inatenção
3. Pensamento desorganizado
4. Nível de consciência alterado
(Itens 1 e 2 mais 3 ou 4) Inouye et al.,2001: 95% de sensibilidade e especificidade
Fatores de risco:
Demográfico: Idade acima de 65 anos e sexo masculino
Cognitivos: declínio cognitivo prévio e demência; depressão e delirium prévio.
Estado funcional: dependente, restrição ao leito, quedas freqüentes, baixo nível de atividade.
Impedimento sensitivo: baixa acuidade visual ou auditiva
Baixa ingestão oral: desidratação e desnutrição
Drogas: politerapia, drogas psicoativas, narcóticos, alcoolismo.
Condições médicas coexistente: doença grave, condições múltiplas, insuficiência hepática e
renal, AVC prévio, doença neurológica, anemia, hipoalbuminemia, fratura ou trauma, pósoperatório, doença terminal, HIV, desarranjos metabólicos, internamento prolongado e em
UTI, cateterismo, tubos e sondas.
Causas de delirium (geralmente multifatorial):
Medicação (vide abaixo)
Abstinência: álcool (SAA e delirium tremens), bezodiazepínicos e opiáceos (inclusive sedação
empregada UTI durante ventilação mecânica), drogas ilícitas, paroxetina e outros ISRS de curta
meia vida.
Intoxicação exógena: acidental, intencional (tentativa de suicídio) e iatrogênica. Metais
pesados (mercúrio, chumbo), monóxido de carbono, drogas ilícitas e pesticidas. Considerar
síndrome neuroléptica maligna e síndrome serotoninérgica maligna se cabível.
Infecção: doenças infecciosas variadas como pneumonia, endocardite, flebite, úlceras de
decúbito, urosepse, peritonitie, e outras consições causando bacteremia e sepse
(encefalopatia séptica). Considerar HIV e neuroLUES.
Metabolismo: estupor hepático, uremia, hipo ou hipernatremia, hipercalcemia, hipo e
hiperglicemia, síndrome de Wernicke, pelagra.
Desidratação e desnutrição
Insuficiência renal: IRA, IRC, pré e pós renal; verificar se diálise recente
Insuficiência hepática: alcoolismo, vírus B e C, hiperamonemia, síndrome de Reye
Insuficiência endócrina: hipo ou hipertireoidimo, hipo ou hiperparatireoidimo insuficiência
adrenal aguda
Hipóxia (inclusive dentro de quadro de ICC) e hipercarbia.
Pós-operatório e politrauma (considerar embolia gordurosa se fratura)
Outras causas: dor, privação sensorial (óculos e aparelho auditivo), retenção urinária e fecal
(bexigoma, fecaloma) (especialmente em pacientes com demência prévia), IAM, porfiria,
neoplasia (síndrome paraneoplásica).
Causas de estado confusional relacionadas à disfunção direta cerebral:
Meningites e encefalites
Acidente vascular cerebral: isquêmico (particularmente tálamo e lobos temporais, topo de
basilar e hemisfério direito) e hemorrágico (HSA, vasoepasmo)
Vasculites
Metástases
Hematoma subdural
Estado de mal epiléptico
Estado pós ictal
Encefalopatia hipertensiva
Melinólise pontina, doenças desmielinizantes...
Drogas e delirium:
EVITAR - Alto potencial anticolinérgico: cimetidina, ranitidine, prednisolona, teofilina,
antidepressivos tricíclicos, antihistamínicos de 1ª geração, digoxina, nifedipina, fenotiazidas
(clorpromazina, levomepromazina, periciazina, tioridazida...), furosemida, dinitrato de
isossorbida, vafarina, dipiramidol, codeína, captopril, escopolamina, ipratrópio, e
anticolinérgicos (triexifenidil e biperideno).
USAR COM CRITÉRIO - associadas à delirium: benzodiazepínicos, AINES narcóticos, agentes
antiparkinsonianos (nesta ordem: anticolinérgicos, amantadina, agonistas, L-dopa), laxativos,
corticóides.
Diferencial:
Avaliação laboratorial:
1ª linha
Sangue: Hemograma completo, hemoculturas, coagulação (TAP/TTPA), sódio, potássio,
magnésio, cálcio, glicemia (curva), uréia, creatinina, gasometria arterial, Cloro (anion gap),
TGO, TGP, bilirrubina direta e indireta, albumina, amônia, amilase, LDH, CPK e CK-MB, TSH, T4
livre, VHS, PCR, colesterol total e frações;
OBS: Verificar osmolalidade e anion gap se acidose.
Urina: urina rotina e urocultura (considerar cultura para fungos se cabível)
Cultura de ponta de cateter
Outros exames: Rx de tórax; ECG; Neuroimagem (TCC)
2ª linha ou indicação específica:
RNM
Cortisol e ACTH, PTH, dosagem de folato e vitamina B12, vitamina B1, punção lombar, EEG
(diagnóstico e evolução); VDRL, HIV, sorologias específicas, FAN, FR, marcadores inflamatórios
específicos,
Ecocardiograma (considerar trasesofágico se suspeita de endocardite)
Doppler de carótidas
SPECT
Triagem paraneo
Tratamento:
Delirium é uma emergência médica cujo desfecho depende da causa, da saúde em geral do
paciente e das chances e rapidez do tratamento. A abordagem inicial do paciente delirioso
deve centrar-se no diagnóstico e tratamento de qualquer fator causal ou contribuinte e em
medidas de apoio visando as funções vitais do paciente. Todo esforço deve ser realizado para
minimizar doses de medicações com efeitos no SNC, exceto no delirium por abstinência a
sedativos ou álcool, onde a dose do benzodiazepínico (lorazepam) administrado deve ser
proporcional à que foi suprimida antes da instalação da síndrome de abstinência e do
delirium.2,4,6,11
O paciente com delirium hipoativo, calmo, quieto não requer tratamento específico.
Entretanto, muitos pacientes com delirium hiperativo, agitado, põem em risco sua própria
saúde e a dos demais, dificultam a abordagem diagnóstica e terapêutica e sobrecarregam as
equipes médicas e de enfermagem. Alucinação, mesmo nos pacientes apáticos, é muito
desgastante, e é melhor tratá-la precocemente, para evitar ter que recorrer à contenção
química quando a agitação florir completamente. Em se tratando de pacientes idosos
debilitados e com múltiplos problemas clínicos, contenção física é quase sempre indesejável e
na maioria das vezes prejudicial ao paciente. É também um atestado de insuficiência de
pessoal de enfermagem ou má prática. Quando se decidir pelo seu uso seus aspectos
negativos devem ser considerados e não deve ser permitida exceto se por tempo limitado e
para situações muito particulares. Se for necessário sedar o paciente idoso a droga de escolha
é o haloperidol (Haldol) 0,5 a 1,0 mg por via oral ou parenteral de 30 em 30 minutos até que o
paciente fique calmo ou sedado.12 Não devemos recorrer aos benzodiazepínicos ou
neurolépticos de baixa potência ou outros sedativos como barbitúricos e antihistamínicos, os
quais geralmente pioram o quadro. Para os raros casos de agitação incontrolável com as
medidas acima descritas, a exemplo de pacientes idosos francamente agitados na enfermaria
ou em UTIs, haloperidol endovenoso, 5mg a cada 30 minutos até o controle da agitação 13 ou
em associação com diazepam na proporção de 4 mg de haloperidol para 1mg de diazepam,
administrado em escala geometricamente progressiva tem sido igualmente eficaz e com
menos efeitos colaterais extrapiramidais do que o haloperidol isolado endovenoso e menos
ainda do que doses significativamente menores por via oral.14 Uma situação grave contraindica formalmente esse plano terapêutico que é a existência de miocardiopatia dilatada.
Nessa circunstância, o uso endovenoso de haloperidol está associado à ocorrência de arritmias
cardíacas graves, especialmente “torsades des points”. Por essa razão é mandatória a
realização de ECG antes do início e durante a farmacoterapia intravenosa com haloperidol.
Benzodiazepínicos são o tratamento de escolha para os deliria associados à abstinência ao
álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos e nos pacientes com doença extrapiramidal. O
lorazepam, já mencionado, é a primeira opção deste grupo.
Farmacológico:
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Glicose hipertônica (40ml a 50%) imediatamente se suspeita de hipoglicemia.
Tiamina se suspeita de síndrome carencial
Hidrocotisona 100-300mg EV se suspeita de crise adrenal, seguido de 50-100mg qid
(6/6h).
 Controle de dores, cólicas, febre e outros possíveis sintomas somáticos.
 Hierarquia de opções farmacológicas para possíveis intercorrências.
 Hidratação adequada.
 Nutrição adequada
 Medicação psicoativa reservada para casos onde o paciente coloca em risco a própria
segurança ou de outros ou se há possibilidade de interrupção de terapia essencial
(acesso central, sondas, tubo endotraqueal).
Opções:
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Haldol 0,5-1mg 2x dia oral (1gt=0,1mg; 5-10gts): pico de efeito 4-6h.
Haldol 0,5-1mg IM (ampola 5mg): pico de efeito 20-40 min.
Risperidona 0,5mg 2x dia oral
Olanzapina 2,5-5mg 2x dia oral
Quetiapina 25mg 2x oral (observar intervalo QT)
Benzodiazepínicos (2ª linha): evitar; úteis no caso de abstinência; se usado preferir
drogas de meia vida curta.
Não farmacológico
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Conforto: controle de dor, temperatura do quarto, constipação, necessidades
fisiológicas como esvaziamento de bexiga (verificar se bexigoma) e intestinos, escaras,
cama adequada, massagem e técnicas de relaxamento
Óculos e aparelho auditivo se cabível
Evitar imobilização
Estimular deambulação precoce.
Evitar sondas, tubos e acessos se possível.
Dieta adaptada às preferências individuais.
Referências familiares como parentes próximos, lençóis, quadros, música, retratos e
objetos pessoais no sentido de criar um ambiente mais receptivo.
Comunicação reorientadoras com referências espaciais (local do internamento e o
porquê do internamento) e referências temporais como relógio e calendário no
quarto, exposição à luz solar e informação ativa (ex. “Bom dia, são 7h e está na hora
do café”). Uso de intérprete se barreira de linguagem
Sono: Intervenções para evitar privação de sono como evitar prescrição de medicação
e sinais vitais durante madrugada, barulho e movimento no quarto fora de horário.
Quarto escuro e silencioso. Atividade diurna e estímulo a ciclo natural de sono.
Desencorajar sono diurno.
Visitas controladas
Evitar troca de quadro e de equipe
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