ELIANE FIDELIS GOMES MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA FATORES DE RISCO PARA DESENVOLVIMENTO DE DELIRIUM EM UTI RECIFE, 2011. ELIANE FIDELIS GOMES FATORES DE RISCO PARA DESENVOLVIMENTO DE DELIRIUM EM UTI Pesquisadora Eliane Fidelis Gomes Orientadora Carolina Martins 2 Eliane Fidelis FATORES DE RISCO PARA DESENVOLVIMENTO DE DELIRIUM NA UTI RECIFE 2011 3 SUMÁRIO Introdução .................................................................................... 3 Justificativa .................................................................................... 5 Objetivos ....................................................................................... 6 Metodologia ................................................................................... 6 Análise e Discussão dos Dados .................................................... 9 Referencias Bibliográfica ............................................................... 14 4 1 INTRODUÇÃO Segundo Ballone (2003), a palavra delírio etimologicamente significa "sair dos trilhos" (de: fora; e liros: sulcos). Por definição o conceito de delírio consiste em alteração do juízo de realidade (capacidade de distinguir o falso do verdadeiro) e implica em lucidez da consciência. Para que se use o termo "delírio" Jaspers (1999) propõe que esta alteração do juízo não seja decorrente de uma perturbação da inteligência nem que seja secundário a um estado de consciência momentaneamente alterado. Quando existe um distúrbio da consciência produzindo uma alteração de juízo, chamamos, então, de "Delirium". A característica essencial do Delirium consiste de uma perturbação da consciência, acompanhada por uma alteração na cognição, que não pode ser explicada por uma demência preexistente ou em evolução. A perturbação desenvolve-se em um curto período de tempo, de horas a dias, tendendo a flutuar no decorrer do dia. Desencadeantes comuns de Delirium são: Uso ou abstinência de drogas (álcool, cannabis, cocaína, inalantes, medicações analgésicos, anticonvulsivantes, anti-histamínicos, antimicrobianos, corticosteóides, bloqueadores H2, relaxantes musculares, anti-hipertensivos, medicações psicotrópicas, entre outras); distúrbios endócrinos (hipo/hiperglicemia, hipo/hipertiroidismo), distúrbios hidroeletrolíticos (hiponatremia, hipo/ hipercalcemia), falência de órgãos sistêmicos, encefalopatia hepática, uremia, infecções, distúrbios vasculares, trauma, estado pós-ictal, entre outros. 5 O Delirium não deve ser entendido como uma doença psiquiátrica primária, mas como uma síndrome decorrente de uma causa orgânica. Em idosos, por exemplo, é Delirium é manifestação de uma doença física tanto quanto febre ou dor. O Delirium tem sua prevalência muito aumentada nos extremos de idade. Está presente em aproximadamente 10%-15% dos pacientes médico-cirúrgicos internados e, em idosos, chega a aproximadamente 20% e essa incidência deve aumentar nos próximos anos, concomitantemente com o aumento da expectativa de vida. O Delirium é uma ocorrência extremamente comum em pacientes internados na UTI e acontece em mais de 70% dos casos (Wesley at al., 2001). Por sua vez o diagnóstico do Delirium em UTI é difícil. Na maioria das vezes, o Delirium é confundido com depressão, demência ou psicose. Desde a constatação de que Delirium se acompanha de elevados índices de morbidade e mortalidade, prevenir sua ocorrência tem se tornado uma grande preocupação. O delirium é uma síndrome que se inicia subitamente, tem curso flutuante e se manifesta por comprometimento das funções cognitivas, distúrbio da atenção e do ciclo sono-vigília com atividade psicomotora anormalmente elevada (delirium hiperativo) ou reduzida (delirium hipoativo). O aparecimento do delirium se deve a uma somação de fatores, como a presença de comorbidades, a própria patologia que levou ao internamento na UTI e iatrogenias. O delirium é uma complicação séria, podendo resultar em aumento do período de internamento, institucionalização e complicações clínicas que, por sua vez, podem contribuir para aumento da mortalidade. Existe, ainda, a possibilidade dessa complicação predispor os sobreviventes a déficit neuropsicológico prolongado. 6 A disfunção neurológica em que consiste o delirium compromete a tentativa de remover os pacientes da ventilação mecânica ou de os mesmos atingirem uma recuperação plena e uma vida independente. 1.2 JUSTIFICATIVA A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) se destaca por seus recursos altamente tecnológicos e especializados, tornando-se indispensável na assistência ao paciente grave. De acordo com Ballone (2003) o impacto da ameaça à vida promove, quase invariavelmente, em um número crescente de pacientes internados em UTI, um desequilíbrio emocional. As respostas de ansiedade e depressão nos pacientes de UTI são facilmente observadas e estão entre os principais diagnósticos psicológicos. Após as primeiras 24h de internação é possível começar a delinear as reações emocionais desses pacientes, desde que estejam orientados e conscientes, sobre a possibilidade de morte. Habitualmente nos dois primeiros dias de internação, o principal diagnóstico é a ansiedade, juntamente com a atitude de recusar o tratamento e solicitações de alta a pedido. Já a depressão ou desespero, costuma aparecer principalmente após o 4º dia de internação, período onde começa decrescer a ansiedade. Esse estado depressivo costuma persistir nos dias subseqüentes. O delirium não se enquadra entre as alterações psicológicas listadas acima, mas caracteriza-se por uma alteração do conteúdo da consciência que reflete a presença de uma disfunção orgânica que precisa ser tratada ou revertida. No entanto, esse diagnóstico não é fácil uma vez que, na UTI, embora exista uma ampla 7 monitorização dos mais variados sistemas, não existe um método de monitorização do mais importante de todos os órgãos: o cérebro. 2 OBJETIVOS: Esse estudo visa: a) caracterizar a presença, entre os pacientes internados em UTI, dos fatores de risco associados ao desenvolvimento do Delirium; b) delineamento de um método de detecção de sua presença e c) incrementar a conscientização dos profissionais que trabalham em UTI para a existência desse quadro e das medidas disponíveis para preveni-lo e tratá-lo. 3 METODOLOGIA A primeira fase desse estudo (estudo-piloto) visou identificar e avaliar os fatores de risco para desenvolvimento de delirium em pacientes internados, permitindo dessa forma, o diagnóstico precoce e acurado. A detecção precoce objetiva uma intervenção eficiente da equipe médica e de enfermagem, diminuindo dessa forma as complicações advindas de um internamento prolongado. O estudo-piloto tem o objetivo de identificar as dificuldades metodológicas na análise de uma síndrome de causa multifatorial, identificar possíveis vieses e permitir treinamento-em-uso e adequação do protocolo-padrão. 8 A análise dos resultados do piloto auxiliou na confecção do protocolo final de pesquisa e adequação do formulário padrão. Na avaliação cuidadosa e abrangente de múltiplos fatores desencadeadores do delirium e das substâncias causadoras do mesmo, observou-se que os enfermeiros basicamente o associavam à abstinência alcoólica, desconsiderando os diversos outros desencadeantes orgânicos que podem gerar essa síndrome, divergindo de INOUYE, VAN DICK, ALESSI et al. (1999), relacionados nos quadros 1 e 2. Quadro 1: Fatores de Risco para Desenvolvimento de Delirium em Pacientes Internados em UTI Hipo ou hipernatremia Idade > 70 anos Alimentação enteral Internamento asilar prévio Uso de contenção física História prévia de depressão Cateteres retais ou urinários Hipo ou hipertireoidismo História prévia de demência Cateteres venosos centrais Hipotermia ou febre Passado de AVC/epilepsia Administração BUN/Creatinina >8 de Hipo ou hiperglicemia drogas psicoativas Abuso de álcool no mês Choque Creatinina > 2mg/dl precedente Uso de drogas ilícitas na Antecedentes de insuficiência Bilirrubina > 2mg/dl semana precedente cardíaca congestiva Infecção por HIV Desnutrição Deficiência visual ou auditiva 9 Quadro 2: Substâncias que Podem Causar Delirium Quando da Retirada ou Intoxicação Drogas de Abuso Medicações Toxinas Álcool Anestésicos Anticolinesterase Cannabis Analgésicos Inseticidas organofosforados Cocaína Alucinógenos Inalantes Agentes Anti-asmáticos Monóxido de carbono Anticonvulsivantes Dióxido de carbono Anti-histamínicos Substâncias voláteis (combustíveis) Opióides Antimicrobianos Sedativos Drogas antiparkinsonianas Hipnóticos Corticosteróides Fenciclidina Bloqueadores H2 Solventes orgânicos Relaxantes musculares Agentes imunosupressores Lítio e medicações psicotrópicas com propriedades anticolinérgicas Anti-hipertensivos Quanto a experiência com pacientes com delirium, apesar de relatarem possuir vivencia prévia com essa síndrome, a maioria dos entrevistados demonstrou dúvidas acerca da práxis de enfermagem nesse contexto, o que é surpreendente dado a longa experiência profissional da amostra (em média 11,5 anos para os enfermeiros atuantes em UTI e de 9,4 anos para os enfermeiros atuantes em UI) 10 Diante desse dado e sendo o delirium segundo Wesley, Siegel, Inouye (2001) uma ocorrência extremamente comum em pacientes internados na UTI, acontecendo em mais de 70% dos casos, questiona-se estão os enfermeiros realmente prestando uma assistência de qualidade à pacientes com delirium? Com o aumento da expectativa de vida da população e sendo o envelhecimento um fator favorecedor ao aparecimento de delirium em pacientes internados, parece vantajoso treinar os profissionais de saúde a lidarem com essa nova realidade. 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Esse estudo por amostragem avaliou a familiaridade de enfermeiros com o diagnóstico, causas e manejo da desorientação transitória da consciência de causa orgânica, o delirium. A amostra foi composta por 18 enfermeiros, de três hospitais públicos do Recife, sendo 08 enfermeiros atuantes em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 10 de Unidade de Internamento (UI). Os dados foram analisados de forma descritiva. O tempo de experiência profissional variou de 2 a 23 anos, sendo em média 11,5 anos para os enfermeiros atuantes em UTI e de 9,4 anos para os enfermeiros atuantes em UI. Dentre os 18 enfermeiros entrevistados 14 reconheciam o delirium e foram capazes de distinguir acertadamente delirium e delírio. Embora relatassem experiência prévia com pacientes que desenvolveram delirium, havia dúvidas quanto ao manejo e prevenção dessa síndrome. Foi comum associar delirium a síndrome de 11 retirada de drogas de abuso, especialmente o álcool. Todos os enfermeiros manifestaram desejo de realizar treinamento específico no tema. A seguir os dados foram apresentados obedecendo a seqüência do instrumento (questionário estruturado), ou seja: a) conhecimento sobre delirium e a diferenciação com delírio; b) desencadeadores do delirium; c) experiência prévia no manejo dessa síndrome d) métodos de prevenção; e) papel da enfermagem no manejo do delirium e f) motivação para treinamento específico nesse tema. Visando impedir a instalação e progressão desse quadro, o enfermeiro deve utilizar estratégias de prevenção que consistem basicamente em reorientação do paciente (Tabela 4). Essas técnicas permitem aos profissionais de saúde atuarem de forma precoce e acurada impedindo a instalação do delirium e, conseqüentemente, suas complicações. Esses achados são corroborados por estudos recentes 2,3 que sugerem a introdução de um programa de investigação do delirium 1 com vistas a estudar a incidência e a importância prognostica para pacientes internados. Quanto a experiência prévia no manejo dessa síndrome, métodos de prevenção e o papel da enfermagem no manejo do delirium os resultados apontaram que apesar da sensibilidade dos enfermeiros, os mesmos desconhecem como lidar com a síndrome do delirium, como preveni-la e qual o seu papel frente essa situação bem como desconhecem o CAM (quadro 3), método que afere a presença de delirium de forma adequada e confiável que pode ser utilizado na avaliação de pacientes internados em UTI ou outras unidades dos serviços de saúde. 12 Quadro 3: Método de Avaliação do Delirium (CAM-UTI) Inatenção 1.Existe evidência de alteração aguda do estado mental a partir do estado base? 2. O comportamento anormal flutuou durante as últimas 24h, isto é, tende a “ir e vir”, “aumentar e diminuir” em severidade? 1. O paciente tem dificuldade em focalizar a atenção? Pensamento 2. Existe redução na capacidade de manter ou desviar a atenção? 1. O pensamento é desorganizado? Incoerente? Início agudo e curso flutuante desorganizado 2. Existe fluxo ilógico de idéias? 3. O discurso consiste numa imprevisível mudança de assunto para assunto? 4. O paciente é capaz de seguir comandos durante a avaliação? Alteração do nível de consciência 1. Existe qualquer outro nível de consciência que não alerta? (considerar estado hiperalerta como anormalidade do nível de consciência). No que diz respeito a motivação para treinamento específico nesse tema, a totalidade da amostra expressou a necessidade desse treinamento pois visando impedir a instalação e progressão do quadro de delirium, o enfermeiro deve utilizar estratégias de prevenção que consistem basicamente em reorientação do paciente (Quadro 4). Essas técnicas permitem aos profissionais de saúde atuarem de forma precoce e acurada impedindo a instalação do delirium e, conseqüentemente, suas complicações. 13 Tabela 4: Prevenção e Medidas Não-Farmacológicas para Tratamento do Delirium Atividade cognitiva simples 3Xdia Higiene do sono não farmacológico (regularização ciclo sono-vigília) Mobilização precoce e fisioterapia motora Remoção de cateteres e contenções físicas Instituição do uso de óculos de grau e aparelhos auditivos 5 CONSIDERAÇÕES Esse estudo demonstrou um alto grau de reconhecimento do delirium entre os enfermeiros de UTI. No entanto, apesar de informarem já terem lidado com este distúrbio, os enfermeiros basicamente o associavam à abstinência alcoólica, desconsiderando os diversos outros desencadeantes orgânicos que podem gerar essa síndrome (Quadros 1 e 2). Apesar de relatarem experiência com pacientes com delirium, a maioria dos entrevistados demonstrou dúvidas acerca da práxis de enfermagem nesse contexto, o que é surpreendente dado a longa experiência profissional da amostra entrevistada. Com o aumento da expectativa de vida da população e sendo o envelhecimento um fator favorecedor ao aparecimento de delirium em pacientes internados, parece vantajoso treinar os profissionais de saúde a lidarem com essa nova realidade. Esses achados são corroborados por estudos recentes2,3 que sugerem a introdução de um programa de investigação do delirium1 com vistas a estudar a incidência e a importância prognostica para pacientes internados (Quadro 3). Segundo alguns autores, cerca de 70% dos pacientes 14 internados apresentam delirium em decorrência do internamento, aumentando o período de internação e propiciando complicações clínicas que podem contribuir para o aumento da mortalidade. Visando impedir a instalação e progressão desse quadro, o enfermeiro deve utilizar estratégias de prevenção que consistem basicamente em reorientação do paciente (Quadro 4). Essas técnicas permitem aos profissionais de saúde atuarem de forma precoce e acurada impedindo a instalação do delirium e, conseqüentemente, suas complicações. 6 RECOMENDAÇÕES Delirium é uma síndrome de alteração do conteúdo da consciência associado a diversas causas orgânicas. Profissionais de saúde devem manter alto grau de suspeição para sua ocorrência, especialmente durante o internamento de pacientes idosos. Recomenda-se a implantação de módulo de treinamento dos profissionais de saúde na avaliação, identificação, manejo e profilaxia do delirium. 15 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ASSOCIAÇÃO PSIQUIATICA AMERICANA - APA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-4). 4 ed., Porto Alegre, Artes Médicas, 1994. 623 p. 2. 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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Porto Alegre : Artes Médicas, 1993. 10. WESLEY, E.; SIEGEL, M.; INOUYE, S. Delirium in the intensive care unit : an Ander-recognized síndrome of organ dysfunction. Sem Resp Cri Care Med 22(2):115-126, 2001. . 16