Plantas como - Semantic Scholar

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Plantas como
PESQUISA
Biorreatores
Utilização de plantas transgênicas como reatores biológicos para produção de proteínas
Eneida Abreu Parizotto
Doutoranda em Genética e Biologia
Molecular (UNICAMP)
[email protected]
Paulo Cezar De Lucca
Doutorando em Genética e Biologia
Molecular (UNICAMP)
[email protected]
Letícia Jungmann
Mestranda em Genética e Biologia
Molecular (UNICAMP)
[email protected]
Edson Luis Kemper
Doutor em Genética (UNICAMP)
Alba Chiesse da Silva
Doutora em Ciências Biológicas
(UFSCar)
Pós-doc do Centro de Biologia
Molecular e Engenharia Genética
(CBMEG, UNICAMP)
[email protected]
Adilson Leite
Doutor em Bioquímica
Pesquisador do Centro de Biologia
Molecular e Engenharia Genética
(CBMEG, UNICAMP)
[email protected]
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
desenvolvimento de plantas transgênicas com novas características é considerado uma das mais importantes aplicações da
tecnologia do DNA recombinante. Através dessa técnica, as plantas podem ser
geneticamente modificadas, basicamente com duas finalidades: a) melhoramento de suas características agronômicas e qualidades nutricionais; b) uso
das plantas como reatores biológicos
para a produção de biomoléculas.
Inicialmente, as plantas transgênicas visavam apenas ao melhoramento
agronômico por meio da introdução
de genes capazes de conferir resistência a herbicidas e a ataques de insetos
e microorganismos. Atualmente, as
plantas transgênicas estão sendo também exploradas para o desenvolvimento de alimentos que apresentem
conteúdo balanceado de aminoácidos,
ou ainda que sejam enriquecidos em
óleos insaturados e vitaminas (Gander
& Marcellino, 1997; Binsfeld, 2000;
Carneiro et al., 2000).
As plantas, assim como os animais
transgênicos, podem ser empregadas
como biorreatores para a produção de
proteínas, carboidratos e lipídios em
larga escala. Adicionalmente, alterações genéticas que determinam modificações em vias metabólicas das plantas podem ser empregadas na produção de polímeros ou compostos orgânicos de baixo peso molecular. O
número de compostos produzidos por
meio dessas abordagens tem aumentado consideravelmente, sendo que a
viabilidade do uso das plantas como
biorreatores já foi demonstrada para a
produção de carboidratos, ácidos graxos, polipeptídios utilizados como fármacos, enzimas de uso industrial e
plásticos biodegradáveis (Goddijn &
Fotos cedidas pelos autores
Pen, 1995; Hood & Jilka, 1999).
Por que usar plantas
como biorreatores?
As plantas apresentam vantagens
em potencial em relação aos sistemas
baseados em fermentação microbiana,
células animais e animais transgênicos.
Proteínas heterólogas expressas em
bactérias geralmente retêm o resíduo
de metionina, derivado do sistema de
tradução, na sua extremidade aminoterminal. Nas proteínas expressas em
eucariotos, entretanto, essa metionina
geralmente faz parte de sinais de endereçamento específicos, que são retirados quando essas proteínas são introduzidas no compartimento celular para
o qual foram endereçadas.
Além disso, a fermentação bacteriana freqüentemente resulta na produção de agregados insolúveis, e são
necessários gastos significativos para
solubilizar esses agregados e recuperar
a estrutura da proteína nativa. Por
outro lado, o processo de fermentação
em si requer grandes investimentos de
capital.
Ao contrário dos sistemas bacterianos de expressão de proteínas, os
sistemas eucarióticos permitem o processamento e a modificação dos produtos. O sistema de expressão eucariótico mais antigo e mais utilizado baseia-se na utilização de leveduras, sendo as espécies Saccharomyces cerevisae e Pichia pastoris as mais utilizadas
(Torres & Moraes, 2000). Esses sistemas são tão econômicos quanto os
bacterianos, mas as proteínas sintetizadas são freqüentemente hiperglicosiladas e, quando produzidas em altos
níveis, são instáveis e insolúveis.
Outros sistemas eucarióticos utilizados para a produção de proteínas
heterólogas são as culturas de células
de insetos e de mamíferos infectadas
por vírus recombinantes. Esses vírus
apresentam o gene que codifica a
proteína de interesse controlado por
um potente promotor viral (Fraser,
1992). Esses sistemas são capazes de
secretar proteínas corretamente enoveladas e podem promover modificações pós-traducionais. Por outro lado,
têm como desvantagens o requerimento de meios de cultura complexos, de
condições especiais para a manutenção das células, e de reatores sofisticados, que encarecem bastante o processo.
Animais transgênicos também podem ser utilizados para a expressão de
proteínas heterólogas em larga escala.
Um dos sistemas descritos baseia-se na
secreção de proteínas heterólogas no
leite de caprinos, ovinos e bovinos.
Nesse sistema, a expressão da proteína
de interesse é controlada por promotores que atuam nas células de glândulas
mamárias. Devido à limitação da produção em fêmeas em fase de lactação,
métodos alternativos têm sido propostos, nos quais a proteína heteróloga é
secretada na urina (Kerr et al., 1998) ou
no fluido seminal (Dyck et al., 1999) de
animais transgênicos. Os sistemas baseados em animais transgênicos são,
no entanto, mais caros que os sistemas
baseados em plantas, e a aceitação do
produto por parte do público consumidor é menor quando este tem origem
animal.
As plantas apresentam vias de modificação e processamento pós-traducionais, e os custos da produção de
proteínas heterólogas em plantas geralmente são menores que os dos demais sistemas. Por essas razões, o uso
de plantas como biorreatores para a
produção de proteínas heterólogas estáse tornando economicamente importante. A avidina, glicoproteína encontrada em ovos de aves, répteis e anfíbios, e utilizada na produção de reagentes para imunoensaios, constitui a primeira proteína heteróloga produzida
em plantas já comercializada (Sigma)
(Hood et al., 1997).
As diferentes estratégias utilizadas para a produção de proteínas
heterólogas em plantas
Basicamente, duas diferentes estratégias podem ser utilizadas para a
Figura 1: Representação esquemática das diferentes estratégias
utilizadas na produção de proteínas heterólogas em plantas.
Do lado esquerdo, estão representadas as etapas envolvidas na
produção de proteínas heterólogas em plantas pelo emprego de vírus
carreadores. O gene que codifica a proteína de interesse é inserido em
um vetor viral que é utilizado na infecção de plantas. Após o
desenvolvimento das plantas, os tecidos infectados são utilizados como
fonte para extração de vírus recombinantes. Os extratos virais podem
ser utilizados para a amplificação da produção, através da infecção de
novas plantas. Do lado direito, estão representadas as etapas envolvidas
na produção de proteínas heterólogas em plantas transgênicas e
transplastômicas. O gene que codifica a proteína de interesse é inserido
em um vetor de transformação apropriado. Além do gene de interesse,
geralmente é inserido também um gene seletivo, codificador de uma
proteína que confere resistência a um antibiótico ou a um herbicida. A
integração simultânea dos dois genes limitará o desenvolvimento de
células não transformadas, durante a etapa de seleção. A partir do tecido
selecionado, são regeneradas plantas nas quais a integração do gene de
interesse é avaliada por meio da técnica de PCR e de hibridação com
sondas específicas. A presença do produto de expressão do gene de
interesse é investigada através de testes bioquímicos e imunoensaios
com anticorpos específicos. Essas análises permitem a seleção das
linhagens que apresentam maior rendimento, que serão multiplicadas
e utilizadas no desenvolvimento de métodos de extração e purificação,
e subseqüente caracterização estrutural e funcional da proteína heteróloga.
produção de proteínas heterólogas em
plantas. Uma delas baseia-se na utilização de vírus contendo RNA simples
fita, que ocorrem naturalmente nas
plantas. O gene que codifica a proteína
de interesse é inserido no genoma do
vírus, geralmente fusionado à região
estrutural de um gene que codifica
uma proteína da capa viral. Depois de
infectar a planta, o vírus promove sua
replicação e a expressão de seus genes
incluindo o gene que codifica a prote-
ína heteróloga. A expressão desse gene
é transitória, pois ele não é integrado
ao genoma da planta. Esta, por sua vez,
funciona como um veículo para a amplificação das partículas virais (Fig. 1).
A proteína recombinante é recuperada
através do processamento da proteína
da capa viral, que é purificada a partir
de extratos dos tecidos infectados. Opcionalmente, as partículas virais quiméricas purificadas podem ser utilizadas diretamente na formulação de va
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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cinas orais e nasais
que os corpúsculos lipídi(Beachy et al., 1996).
cos e as proteínas associaA segunda estratédas, devido à sua baixa
gia consiste em introdensidade, são facilmente
duzir o gene que codipurificados por flotação
fica a proteína de inteapós centrifugação em
resse no genoma da
baixa rotação.
planta por meio de técA secreção de proteínicas de transformação,
nas heterólogas em exsuenvolvendo, portanto,
datos de raízes, a rizosea obtenção de plantas
creção, constitui outro sistransgênicas. O desentema especial de enderevolvimento de uma
çamento. Borisjuk et al.
série de técnicas de
(1999) demonstraram a
transformação permieficiência desse sistema
tiu a obtenção de planatravés da expressão de
tas transgênicas da maialtos níveis da proteína
oria das plantas cultiverde fluorescente de água
vadas. Descrições deviva (GFP), da fosfatase
talhadas das técnicas
alcalina de placenta humais utilizadas podem
mana, e de uma xilanase
ser encontradas em
bacteriana. Os sistemas de
Brasileiro & Carneiro
rizosecreção permitem o
(1998). A integração
desenvolvimento de proestável permite a excessos de produção basepressão permanente do
ados em cultivo hidropôFigura 2: Comparação da tecido-especificidade dos progene e sua transferênnico e cultura in vitro de
motores PCaMV e PGKaf.
cia à progênie da planraízes de plantas transgêta transformada (Fig.
nicas. Culturas de raízes
Para a realização desse ensaio foram construídos plasmídios
1). Enquanto a estratésão especialmente úteis
onde os promotores do gene que codifica o transcrito 35S do
gia mediada por vírus
para a obtenção de produvírus do mosaico da couve flor (PCaMV) e do gene que codifica
determina geralmente
tos naturais cujas fontes
a γ-kafirina (proteína de reserva de sorgo) controlam a
a expressão apenas em
são plantas difíceis de culexpressão do gene repórter codificador da β-glicoronidase
folhas, a integração
tivar ou que estão em pro(GUS). Sementes de milho seccionadas longitudinalmente
permanente apresenta
cesso de extinção (Shanks
foram bombardeadas com os plasmídios e, após 48 horas, a
maior versatilidade,
& Morgan, 1999). A fitoratividade enzimática de GUS foi revelada com a adição do
permitindo que a exremediação de solo e água
substrato 5-bromo-4-cloro-3-indolil-β-D-glicoronídio (Xgluc).
pressão seja direcionarepresenta outra importanOs pontos azuis, indicativos da atividade de GUS, aparecem
da para os diversos
te e promissora aplicação
nos diversos compartimentos da semente (EB, embrião; EN,
órgãos, tecidos e compara os sistemas de rizoseendosperma; P, pericarpo) bombardeada pelo plasmídio que
partimentos das plancreção.
apresenta o promotor P35SCaMV (imagem da esquerda),
tas.
As proteínas heteróloenquanto que na semente bombardeada com a construção
A orientação da
gas podem ainda ser procontendo o promotor PGKaf, os pontos azuis são observados
expressão para os diduzidas em cloroplastos
apenas na região do endosperma (imagem da direita). O
versos compartimentos
de plantas, transformadas
ensaio demonstra que, ao contrário do promotor P35SCaMV,
das plantas transgêniatravés da introdução dos
o promotor PGKaf apresenta tecido-especificidade, sendo
cas é realizada através
genes codificadores das
ativo apenas no endosperma.
da utilização de proproteínas de interesse no
motores tecido-especípróprio DNA do cloroplasficos e de sinais de
to, por meio de técnicas
direcionamento intracelulares. Essa ca- estratégia foi utilizada na produção de de biobalística e posterior integração
pacidade tem sido explorada no de- encefalina inserida na albumina 2S de por recombinação homóloga (Fig. 1).
senvolvimento de sistemas de produ- Arabidopsis thaliana (Vandekerckho- Para diferenciar essas plantas das planção capazes de simplificar o armazena- ve et al., 1989), e do anticoagulante tas transgênicas com modificações no
mento do material colhido e os proces- hirudina inserido em oleosina (Par- DNA nuclear, as plantas assim obtidas
sos de extração e purificação das pro- menter et al., 1995). Os sinais presentes são denominadas de transplastômicas.
teínas recombinantes. Alguns sistemas nas proteínas 2S e oleosina endereçam
O grande número de cloroplastos prebaseiam-se na inserção do polipeptí- a expressão das proteínas recombinan- sentes nas células das folhas (aproxidio em proteínas carreadoras. O direci- tes para corpúsculos protéicos e lipídi- madamente 100 por célula) determina
onamento da proteína sintetizada, nes- cos de sementes, respectivamente. A
grande amplificação gênica, podendo
se caso, é realizado pelo peptídio sinal grande vantagem do sistema baseado
resultar em altos rendimentos na propresente na proteína carreadora. Essa no uso de oleosinas reside no fato de
dução da proteína recombinante. A
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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Figura 3: Expressão de hGH em tabaco transgênico.
(A) Representação esquemática do cassete utilizado na expressão do
hGH. O esquema mostra a região que codifica o hGH, modificado através
da substituição do peptídio sinal natural por um peptídio equivalente
originário de uma proteína de reserva de planta. A expressão do gene
modificado é regulada pelo promotor PGKaf e pelo sinal e sítio de
poliadenilação do transcrito 35S do vírus do mosaico da couve flor
(3’35S). (B) Western blot de extratos protéicos de diferentes tecidos de
tabaco transgênico. Amostras de extratos dos tecidos indicados, contendo
50 µg de proteína solúvel, foram submetidas a eletroforese em gel de
poliacrilamida 14% na presença de dodecil sulfato de sódio (SDS). Após
a eletroforese, as proteínas foram transferidas para a membrana, onde a
presença de hGH foi revelada pela utilização de anticorpo específico. Para
indicar a posição da migração do hGH, foram utilizados 50 ng de Saizen,
hGH comercial da Serono. A presença de banda indicadora de hGH
apenas no extrato de semente confirma a tecido-especificidade nesse
sistema de produção do hormônio recombinante. (C) Western blot de
extrato protéico obtido a partir de sementes de milho transgênico. O
rendimento na produção de hGH recombinante (0,6% da proteína
solúvel) foi estimado pela comparação das quantidades do hormônio
presentes em diferentes alíquotas do extrato de semente com diferentes
quantidades do hGH padrão (Saizen). O extrato foi preparado a partir de
100 mg de farinha de sementes maduras em 1,0 ml de tampão de extração.
transformação de cloroplastos apresenta
ainda vantagem em relação à contenção
biológica, posto que o genoma plastidial
raramente é transmitido via pólen. Recentemente, Staub et al. (2000) descreveram a obtenção de rendimentos superiores a 7% da proteína total solúvel para a
produção de hormônio de crescimento
humano (hGH) em cloroplastos de tabaco. Entretanto, grande parte do hGH
recombinante produzido apresentou um
resíduo do aminoácido prolina na região
N-terminal no lugar do resíduo de fenilalanina presente na mesma região do
hormônio natural. Esse resultado indica
que a estratégia utilizada no processamento, catalisado pela protease específica para ubiquitina, que é produzida simultaneamente com a proteína de fusão
ubiquitina-hGH, não apresentou a eficiência desejada em cloroplastos. Portanto, apesar do alto rendimento de expressão descrito, esse sistema requer aperfeiçoamento adicional na etapa de processamento pós-traducional das proteínas
recombinantes.
Plantas transgênicas na produção
de peptídios e proteínas de interesse farmacêutico
A expressão de proteínas usadas como
fármacos em plantas constitui uma alter-
nativa para processos, muitas vezes
caros e que nem sempre são capazes
de suprir a demanda desses produtos.
Vandekerckhove et al. (1989) realizaram um dos trabalhos pioneiros nesse
ramo, onde o neuropeptídio leu-encefalina (um analgésico opióide) foi produzido em Brassica napus (canola),
como parte de uma proteína de reserva da semente, a albumina 2S. Outras
proteínas usadas como fármacos já
foram sintetizadas em plantas, como o
fator de crescimento epidérmico, eritropoietina, interferon, proteína C humana, glucocerebrosidase, entre outras (Goddijn & Pen, 1995; Cramer et
al., 1996).
As plantas transgênicas também
estão sendo testadas para a produção
de antígenos vacinais. Enquanto os
sistemas baseados na amplificação de
vírus em plantas apresentam capacidade de expressar apenas pequenos domínios antigênicos fusionados às proteínas da capa viral, plantas transgênicas podem expressar antígenos de
maior complexidade estrutural, sem
perda de suas propriedades imunogênicas originais. Diversas abordagens
têm sido usadas para obtenção de
vacinas a partir de plantas, sendo as
“vacinas comestíveis” as mais promissoras, pela redução nos custos e faci-
lidade de administração, uma vez que
dispensariam todos os recursos necessários para a produção e distribuição
das vacinas (Langridge, 2000). Buscando demonstrar que proteínas produzidas em plantas transgênicas são capazes de induzir resposta imune nos
animais, Mason et al. (1992) introduziram, em tabaco, o gene codificador da
proteína de superfície do vírus da hepatite B (HBV), ligado a um promotor
constitutivo. Imunoensaios revelaram
a presença da proteína viral em extratos das folhas transformadas, indicando a viabilidade da expressão de antígenos exógenos em plantas para uso
em vacinas. Posteriormente, Thanavala et al. (1995) demonstraram que a
proteína viral obtida nos extratos das
folhas transformadas era capaz de induzir resposta imune in vivo.
A mesma estratégia foi utilizada
também na produção dos antígenos
vacinais bacterianos toxina termolábil
(LT) de Escherichia coli enteropatogênica (Haq et al., 1995), e toxina colérica
(CT) de Vibrio cholerae (Arakawa et
al., 1998). Haq et al (1995) demonstraram a formação espontânea de estruturas pentaméricas LT-B idênticas às naturais, em batatas transgênicas. Os antígenos recombinantes produzidos em
batatas foram capazes de produzir resBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento
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posta imune e proteção parcial em
camundongos (Mason et al., 1998) e no
homem (Tackett et al., 1998).
Anticorpos ou imunoglobulinas são
proteínas multiméricas complexas, que
requerem, para a sua produção, sistemas eucarióticos de expressão. A produção de anticorpos em plantas pode
ter aplicações in situ ou ex situ (Whitelam & Cockburn, 1996). As aplicações
in situ compreendem aquelas em que o
anticorpo age como um reagente na
própria célula, modulando a atividade
de um antígeno, ou ainda, promovendo
imunização intracelular contra patógenos. Os anticorpos apresentam uma
grande variedade de aplicações ex situ,
tais como controle de poluição ambiental, produção de reagentes industriais,
sensores moleculares, reagentes para
diagnósticos, soros contra toxinas e
venenos, imunização passiva contra
agentes infecciosos, contraceptivos, terapias contra câncer, entre outras. A
maioria dessas aplicações requer grandes quantidades de anticorpos, sendo
sua utilização limitada pelo rendimento
dos sistemas de produção. As plantas
transgênicas, além de apresentarem altos rendimentos de produção, constituem até o momento, o único sistema de
expressão capaz de produzir anticorpos
completos funcionais. Esse fato foi efetivamente comprovado através da produção de um anticorpo do tipo IgA em
tabaco (Ma et al., 1995). Com esse
objetivo, esses pesquisadores produziram quatro diferentes plantas de tabaco
transgênicas, cada uma expressando
uma das quatro cadeias polipeptídicas
que compõem um anticorpo monoclonal do tipo IgA. Através de cruzamentos
sucessivos entre essas plantas, obtiveram plantas capazes de expressar, simultaneamente, as quatro cadeias polipeptídicas e de produzir uma imunoglobulina funcional. Devido à capacidade de ligação do anticorpo original com
uma adesina da bactéria Streptococcus
mutans, o anticorpo recombinante, produzido em larga escala em plantas,
deverá ser utilizado na imunização passiva contra cárie, pela sua adição em
dentifrícios.
Produção de hormônio do
crescimento humano em
sementes de plantas transgênicas
As proteínas recombinantes, de maneira geral, devem ser processadas imediatamente após a colheita, devido à
16
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
alta atividade proteolítica da maioria
dos tecidos vegetais. As sementes, por
sua vez, apresentam tecidos especializados que permitem o armazenamento de proteínas por longos períodos,
sem a ocorrência de degradação. Além
disso, o emprego de promotores semente-específicos impede que haja expressão generalizada da proteína na
planta, de modo que seus processos
metabólicos básicos não são significativamente afetados.
Com o objetivo de explorar as
vantagens da produção em sementes,
foi desenvolvido, em nosso laboratório um, cassete de expressão onde a
expressão do gene codificador da proteína de interesse é controlada pelo
promotor de γ-kafirina. A γ-kafirina,
uma proteína de reserva de sorgo,
acumula-se em grande quantidade na
semente, onde constitui fonte de nitrogênio e enxofre durante a germinação
(Leite et al., 1999). Conforme demonstram os experimentos de expressão
transiente mostrados na Figura 2, enquanto o promotor constitutivo derivado do transcrito 35S do vírus do mosaico da couve flor (P35ScaMV) dirige a
expressão do gene repórter gus para os
diversos compartimentos da semente
de milho, o promotor de γ-kafirina
estimula essa expressão especificamente no tecido de reserva, o endosperma.
O cassete de expressão baseado no
promotor de γ-kafirina foi inicialmente
testado na produção de hormônio do
crescimento humano (hGH) em sementes de tabaco transgênico (Leite et
al., 2000). Com essa finalidade, a seqüência de cDNA codificadora do hGH
foi inserida na extremidade 3' da seqüência promotora (Fig. 3A). Na hipófise, o hGH é produzido na forma de
um pré-hormônio que apresenta um
peptídio sinal em sua extremidade
amídica. O peptídio sinal é responsável pelo endereçamento da proteína
para o retículo endoplasmático (RE)
determinando, dessa forma a secreção
do hormônio. Apesar da existência de
evidências de que sinais de endereçamento de animais são funcionais em
plantas, no intuito de maximizar seu
processamento na semente o peptídio
sinal original do hGH foi substituído
por um peptídio sinal equivalente originário de uma proteína de reserva de
Coix lacryma-jobi, um cereal filogeneticamente relacionado ao milho (Leite
et al., 1999).
A análise de extratos protéicos dos
diversos órgãos do tabaco transformado com o cassete de expressão demonstrou a produção do hormônio
recombinante especificamente nas sementes (Fig. 3B). O seqüenciamento da
região amídica do hGH purificado a
partir das sementes indicou a presença
de resíduos idênticos aos encontrados
no hormônio natural. Esse resultado
demonstra que o peptídio sinal adicionado, de maneira similar ao peptídio
sinal original, pôde ser reconhecido
como um sinal de endereçamento, tendo sido adequadamente processado.
Posteriormente, ensaios de ligação a
receptores específicos mostraram que
o hormônio produzido em sementes
de tabaco apresenta propriedades similares às da proteína nativa, dando uma
clara indicação de sua funcionalidade
(Leite et al., 2000).
O nível de expressão do hGH recombinante obtido em sementes de
tabaco resultou um rendimento de produção de, aproximadamente, 0,16%
das proteínas solúveis da semente. O
baixo rendimento deve-se possivelmente ao fato de um promotor originário de
uma planta monocotiledônea ter sido
usado no controle da expressão de
genes em tabaco, uma planta dicotiledônea. Corroborando com essa hipótese, resultados obtidos recentemente
por nosso grupo demonstram rendimentos superiores (cerca de quatro
vezes) em sementes de milho transgênico. Estimativas baseadas nesse rendimento indicam a possibilidade de se
produzir, aproximadamente, 250 g de
hGH a partir de uma tonelada de semente de milho transgênico (Fig. 3C).
A baixa complexidade protéica que
caracteriza o endosperma, aliada à reduzida solubilidade em água da maioria de suas proteínas, deve facilitar o
desenvolvimento de processos industriais de extração e purificação do hGH
produzido em sementes de milho transgênico. Com o objetivo de comparar o
rendimento da produção de hGH recombinante em sementes de diferentes
espécies de plantas, a mesma construção utilizada na transformação de tabaco e de milho está sendo testada em
soja. Os experimentos com soja transgênica estão sendo realizados em colaboração com os pesquisadores Dr. Elíbio L. Rech e Dr. Francisco J. L. Aragão,
da EMBRAPA-Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília, DF).
Esse trabalho abriu perspectivas para
a expressão de outros fármacos de
interesse econômico em sementes e,
utilizando o mesmo sistema de expressão, nosso grupo está trabalhando atualmente em projetos que visam à expressão de insulina humana e de um
anticorpo em sementes de tabaco transgênicas.
Agradecimentos
Os autores agradecem o suporte
técnico dado por Camilla Abbehausen,
Daniela Stancato e Eduardo Kiyota, e o
trabalho dos alunos de iniciação científica Flávia Enara Furquin, Mário del
Giúdice Paniago e Sylvia Morais de
Sousa. Adilson Leite recebe bolsa de
Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Eneida A. Parizotto recebe bolsa do
CNPq, Paulo C. De Lucca, Letícia Jungmann e Alba C. da Silva recebem bolsa
da FAPESP. Este trabalho recebe apoio
financeiro da FAPESP através do Projeto Temático PTE: 99/02198-3.
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