Plantas como PESQUISA Biorreatores Utilização de plantas transgênicas como reatores biológicos para produção de proteínas Eneida Abreu Parizotto Doutoranda em Genética e Biologia Molecular (UNICAMP) [email protected] Paulo Cezar De Lucca Doutorando em Genética e Biologia Molecular (UNICAMP) [email protected] Letícia Jungmann Mestranda em Genética e Biologia Molecular (UNICAMP) [email protected] Edson Luis Kemper Doutor em Genética (UNICAMP) Alba Chiesse da Silva Doutora em Ciências Biológicas (UFSCar) Pós-doc do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG, UNICAMP) [email protected] Adilson Leite Doutor em Bioquímica Pesquisador do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG, UNICAMP) [email protected] 12 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento desenvolvimento de plantas transgênicas com novas características é considerado uma das mais importantes aplicações da tecnologia do DNA recombinante. Através dessa técnica, as plantas podem ser geneticamente modificadas, basicamente com duas finalidades: a) melhoramento de suas características agronômicas e qualidades nutricionais; b) uso das plantas como reatores biológicos para a produção de biomoléculas. Inicialmente, as plantas transgênicas visavam apenas ao melhoramento agronômico por meio da introdução de genes capazes de conferir resistência a herbicidas e a ataques de insetos e microorganismos. Atualmente, as plantas transgênicas estão sendo também exploradas para o desenvolvimento de alimentos que apresentem conteúdo balanceado de aminoácidos, ou ainda que sejam enriquecidos em óleos insaturados e vitaminas (Gander & Marcellino, 1997; Binsfeld, 2000; Carneiro et al., 2000). As plantas, assim como os animais transgênicos, podem ser empregadas como biorreatores para a produção de proteínas, carboidratos e lipídios em larga escala. Adicionalmente, alterações genéticas que determinam modificações em vias metabólicas das plantas podem ser empregadas na produção de polímeros ou compostos orgânicos de baixo peso molecular. O número de compostos produzidos por meio dessas abordagens tem aumentado consideravelmente, sendo que a viabilidade do uso das plantas como biorreatores já foi demonstrada para a produção de carboidratos, ácidos graxos, polipeptídios utilizados como fármacos, enzimas de uso industrial e plásticos biodegradáveis (Goddijn & Fotos cedidas pelos autores Pen, 1995; Hood & Jilka, 1999). Por que usar plantas como biorreatores? As plantas apresentam vantagens em potencial em relação aos sistemas baseados em fermentação microbiana, células animais e animais transgênicos. Proteínas heterólogas expressas em bactérias geralmente retêm o resíduo de metionina, derivado do sistema de tradução, na sua extremidade aminoterminal. Nas proteínas expressas em eucariotos, entretanto, essa metionina geralmente faz parte de sinais de endereçamento específicos, que são retirados quando essas proteínas são introduzidas no compartimento celular para o qual foram endereçadas. Além disso, a fermentação bacteriana freqüentemente resulta na produção de agregados insolúveis, e são necessários gastos significativos para solubilizar esses agregados e recuperar a estrutura da proteína nativa. Por outro lado, o processo de fermentação em si requer grandes investimentos de capital. Ao contrário dos sistemas bacterianos de expressão de proteínas, os sistemas eucarióticos permitem o processamento e a modificação dos produtos. O sistema de expressão eucariótico mais antigo e mais utilizado baseia-se na utilização de leveduras, sendo as espécies Saccharomyces cerevisae e Pichia pastoris as mais utilizadas (Torres & Moraes, 2000). Esses sistemas são tão econômicos quanto os bacterianos, mas as proteínas sintetizadas são freqüentemente hiperglicosiladas e, quando produzidas em altos níveis, são instáveis e insolúveis. Outros sistemas eucarióticos utilizados para a produção de proteínas heterólogas são as culturas de células de insetos e de mamíferos infectadas por vírus recombinantes. Esses vírus apresentam o gene que codifica a proteína de interesse controlado por um potente promotor viral (Fraser, 1992). Esses sistemas são capazes de secretar proteínas corretamente enoveladas e podem promover modificações pós-traducionais. Por outro lado, têm como desvantagens o requerimento de meios de cultura complexos, de condições especiais para a manutenção das células, e de reatores sofisticados, que encarecem bastante o processo. Animais transgênicos também podem ser utilizados para a expressão de proteínas heterólogas em larga escala. Um dos sistemas descritos baseia-se na secreção de proteínas heterólogas no leite de caprinos, ovinos e bovinos. Nesse sistema, a expressão da proteína de interesse é controlada por promotores que atuam nas células de glândulas mamárias. Devido à limitação da produção em fêmeas em fase de lactação, métodos alternativos têm sido propostos, nos quais a proteína heteróloga é secretada na urina (Kerr et al., 1998) ou no fluido seminal (Dyck et al., 1999) de animais transgênicos. Os sistemas baseados em animais transgênicos são, no entanto, mais caros que os sistemas baseados em plantas, e a aceitação do produto por parte do público consumidor é menor quando este tem origem animal. As plantas apresentam vias de modificação e processamento pós-traducionais, e os custos da produção de proteínas heterólogas em plantas geralmente são menores que os dos demais sistemas. Por essas razões, o uso de plantas como biorreatores para a produção de proteínas heterólogas estáse tornando economicamente importante. A avidina, glicoproteína encontrada em ovos de aves, répteis e anfíbios, e utilizada na produção de reagentes para imunoensaios, constitui a primeira proteína heteróloga produzida em plantas já comercializada (Sigma) (Hood et al., 1997). As diferentes estratégias utilizadas para a produção de proteínas heterólogas em plantas Basicamente, duas diferentes estratégias podem ser utilizadas para a Figura 1: Representação esquemática das diferentes estratégias utilizadas na produção de proteínas heterólogas em plantas. Do lado esquerdo, estão representadas as etapas envolvidas na produção de proteínas heterólogas em plantas pelo emprego de vírus carreadores. O gene que codifica a proteína de interesse é inserido em um vetor viral que é utilizado na infecção de plantas. Após o desenvolvimento das plantas, os tecidos infectados são utilizados como fonte para extração de vírus recombinantes. Os extratos virais podem ser utilizados para a amplificação da produção, através da infecção de novas plantas. Do lado direito, estão representadas as etapas envolvidas na produção de proteínas heterólogas em plantas transgênicas e transplastômicas. O gene que codifica a proteína de interesse é inserido em um vetor de transformação apropriado. Além do gene de interesse, geralmente é inserido também um gene seletivo, codificador de uma proteína que confere resistência a um antibiótico ou a um herbicida. A integração simultânea dos dois genes limitará o desenvolvimento de células não transformadas, durante a etapa de seleção. A partir do tecido selecionado, são regeneradas plantas nas quais a integração do gene de interesse é avaliada por meio da técnica de PCR e de hibridação com sondas específicas. A presença do produto de expressão do gene de interesse é investigada através de testes bioquímicos e imunoensaios com anticorpos específicos. Essas análises permitem a seleção das linhagens que apresentam maior rendimento, que serão multiplicadas e utilizadas no desenvolvimento de métodos de extração e purificação, e subseqüente caracterização estrutural e funcional da proteína heteróloga. produção de proteínas heterólogas em plantas. Uma delas baseia-se na utilização de vírus contendo RNA simples fita, que ocorrem naturalmente nas plantas. O gene que codifica a proteína de interesse é inserido no genoma do vírus, geralmente fusionado à região estrutural de um gene que codifica uma proteína da capa viral. Depois de infectar a planta, o vírus promove sua replicação e a expressão de seus genes incluindo o gene que codifica a prote- ína heteróloga. A expressão desse gene é transitória, pois ele não é integrado ao genoma da planta. Esta, por sua vez, funciona como um veículo para a amplificação das partículas virais (Fig. 1). A proteína recombinante é recuperada através do processamento da proteína da capa viral, que é purificada a partir de extratos dos tecidos infectados. Opcionalmente, as partículas virais quiméricas purificadas podem ser utilizadas diretamente na formulação de va Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 13 cinas orais e nasais que os corpúsculos lipídi(Beachy et al., 1996). cos e as proteínas associaA segunda estratédas, devido à sua baixa gia consiste em introdensidade, são facilmente duzir o gene que codipurificados por flotação fica a proteína de inteapós centrifugação em resse no genoma da baixa rotação. planta por meio de técA secreção de proteínicas de transformação, nas heterólogas em exsuenvolvendo, portanto, datos de raízes, a rizosea obtenção de plantas creção, constitui outro sistransgênicas. O desentema especial de enderevolvimento de uma çamento. Borisjuk et al. série de técnicas de (1999) demonstraram a transformação permieficiência desse sistema tiu a obtenção de planatravés da expressão de tas transgênicas da maialtos níveis da proteína oria das plantas cultiverde fluorescente de água vadas. Descrições deviva (GFP), da fosfatase talhadas das técnicas alcalina de placenta humais utilizadas podem mana, e de uma xilanase ser encontradas em bacteriana. Os sistemas de Brasileiro & Carneiro rizosecreção permitem o (1998). A integração desenvolvimento de proestável permite a excessos de produção basepressão permanente do ados em cultivo hidropôFigura 2: Comparação da tecido-especificidade dos progene e sua transferênnico e cultura in vitro de motores PCaMV e PGKaf. cia à progênie da planraízes de plantas transgêta transformada (Fig. nicas. Culturas de raízes Para a realização desse ensaio foram construídos plasmídios 1). Enquanto a estratésão especialmente úteis onde os promotores do gene que codifica o transcrito 35S do gia mediada por vírus para a obtenção de produvírus do mosaico da couve flor (PCaMV) e do gene que codifica determina geralmente tos naturais cujas fontes a γ-kafirina (proteína de reserva de sorgo) controlam a a expressão apenas em são plantas difíceis de culexpressão do gene repórter codificador da β-glicoronidase folhas, a integração tivar ou que estão em pro(GUS). Sementes de milho seccionadas longitudinalmente permanente apresenta cesso de extinção (Shanks foram bombardeadas com os plasmídios e, após 48 horas, a maior versatilidade, & Morgan, 1999). A fitoratividade enzimática de GUS foi revelada com a adição do permitindo que a exremediação de solo e água substrato 5-bromo-4-cloro-3-indolil-β-D-glicoronídio (Xgluc). pressão seja direcionarepresenta outra importanOs pontos azuis, indicativos da atividade de GUS, aparecem da para os diversos te e promissora aplicação nos diversos compartimentos da semente (EB, embrião; EN, órgãos, tecidos e compara os sistemas de rizoseendosperma; P, pericarpo) bombardeada pelo plasmídio que partimentos das plancreção. apresenta o promotor P35SCaMV (imagem da esquerda), tas. As proteínas heteróloenquanto que na semente bombardeada com a construção A orientação da gas podem ainda ser procontendo o promotor PGKaf, os pontos azuis são observados expressão para os diduzidas em cloroplastos apenas na região do endosperma (imagem da direita). O versos compartimentos de plantas, transformadas ensaio demonstra que, ao contrário do promotor P35SCaMV, das plantas transgêniatravés da introdução dos o promotor PGKaf apresenta tecido-especificidade, sendo cas é realizada através genes codificadores das ativo apenas no endosperma. da utilização de proproteínas de interesse no motores tecido-especípróprio DNA do cloroplasficos e de sinais de to, por meio de técnicas direcionamento intracelulares. Essa ca- estratégia foi utilizada na produção de de biobalística e posterior integração pacidade tem sido explorada no de- encefalina inserida na albumina 2S de por recombinação homóloga (Fig. 1). senvolvimento de sistemas de produ- Arabidopsis thaliana (Vandekerckho- Para diferenciar essas plantas das planção capazes de simplificar o armazena- ve et al., 1989), e do anticoagulante tas transgênicas com modificações no mento do material colhido e os proces- hirudina inserido em oleosina (Par- DNA nuclear, as plantas assim obtidas sos de extração e purificação das pro- menter et al., 1995). Os sinais presentes são denominadas de transplastômicas. teínas recombinantes. Alguns sistemas nas proteínas 2S e oleosina endereçam O grande número de cloroplastos prebaseiam-se na inserção do polipeptí- a expressão das proteínas recombinan- sentes nas células das folhas (aproxidio em proteínas carreadoras. O direci- tes para corpúsculos protéicos e lipídi- madamente 100 por célula) determina onamento da proteína sintetizada, nes- cos de sementes, respectivamente. A grande amplificação gênica, podendo se caso, é realizado pelo peptídio sinal grande vantagem do sistema baseado resultar em altos rendimentos na propresente na proteína carreadora. Essa no uso de oleosinas reside no fato de dução da proteína recombinante. A 14 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento Figura 3: Expressão de hGH em tabaco transgênico. (A) Representação esquemática do cassete utilizado na expressão do hGH. O esquema mostra a região que codifica o hGH, modificado através da substituição do peptídio sinal natural por um peptídio equivalente originário de uma proteína de reserva de planta. A expressão do gene modificado é regulada pelo promotor PGKaf e pelo sinal e sítio de poliadenilação do transcrito 35S do vírus do mosaico da couve flor (335S). (B) Western blot de extratos protéicos de diferentes tecidos de tabaco transgênico. Amostras de extratos dos tecidos indicados, contendo 50 µg de proteína solúvel, foram submetidas a eletroforese em gel de poliacrilamida 14% na presença de dodecil sulfato de sódio (SDS). Após a eletroforese, as proteínas foram transferidas para a membrana, onde a presença de hGH foi revelada pela utilização de anticorpo específico. Para indicar a posição da migração do hGH, foram utilizados 50 ng de Saizen, hGH comercial da Serono. A presença de banda indicadora de hGH apenas no extrato de semente confirma a tecido-especificidade nesse sistema de produção do hormônio recombinante. (C) Western blot de extrato protéico obtido a partir de sementes de milho transgênico. O rendimento na produção de hGH recombinante (0,6% da proteína solúvel) foi estimado pela comparação das quantidades do hormônio presentes em diferentes alíquotas do extrato de semente com diferentes quantidades do hGH padrão (Saizen). O extrato foi preparado a partir de 100 mg de farinha de sementes maduras em 1,0 ml de tampão de extração. transformação de cloroplastos apresenta ainda vantagem em relação à contenção biológica, posto que o genoma plastidial raramente é transmitido via pólen. Recentemente, Staub et al. (2000) descreveram a obtenção de rendimentos superiores a 7% da proteína total solúvel para a produção de hormônio de crescimento humano (hGH) em cloroplastos de tabaco. Entretanto, grande parte do hGH recombinante produzido apresentou um resíduo do aminoácido prolina na região N-terminal no lugar do resíduo de fenilalanina presente na mesma região do hormônio natural. Esse resultado indica que a estratégia utilizada no processamento, catalisado pela protease específica para ubiquitina, que é produzida simultaneamente com a proteína de fusão ubiquitina-hGH, não apresentou a eficiência desejada em cloroplastos. Portanto, apesar do alto rendimento de expressão descrito, esse sistema requer aperfeiçoamento adicional na etapa de processamento pós-traducional das proteínas recombinantes. Plantas transgênicas na produção de peptídios e proteínas de interesse farmacêutico A expressão de proteínas usadas como fármacos em plantas constitui uma alter- nativa para processos, muitas vezes caros e que nem sempre são capazes de suprir a demanda desses produtos. Vandekerckhove et al. (1989) realizaram um dos trabalhos pioneiros nesse ramo, onde o neuropeptídio leu-encefalina (um analgésico opióide) foi produzido em Brassica napus (canola), como parte de uma proteína de reserva da semente, a albumina 2S. Outras proteínas usadas como fármacos já foram sintetizadas em plantas, como o fator de crescimento epidérmico, eritropoietina, interferon, proteína C humana, glucocerebrosidase, entre outras (Goddijn & Pen, 1995; Cramer et al., 1996). As plantas transgênicas também estão sendo testadas para a produção de antígenos vacinais. Enquanto os sistemas baseados na amplificação de vírus em plantas apresentam capacidade de expressar apenas pequenos domínios antigênicos fusionados às proteínas da capa viral, plantas transgênicas podem expressar antígenos de maior complexidade estrutural, sem perda de suas propriedades imunogênicas originais. Diversas abordagens têm sido usadas para obtenção de vacinas a partir de plantas, sendo as vacinas comestíveis as mais promissoras, pela redução nos custos e faci- lidade de administração, uma vez que dispensariam todos os recursos necessários para a produção e distribuição das vacinas (Langridge, 2000). Buscando demonstrar que proteínas produzidas em plantas transgênicas são capazes de induzir resposta imune nos animais, Mason et al. (1992) introduziram, em tabaco, o gene codificador da proteína de superfície do vírus da hepatite B (HBV), ligado a um promotor constitutivo. Imunoensaios revelaram a presença da proteína viral em extratos das folhas transformadas, indicando a viabilidade da expressão de antígenos exógenos em plantas para uso em vacinas. Posteriormente, Thanavala et al. (1995) demonstraram que a proteína viral obtida nos extratos das folhas transformadas era capaz de induzir resposta imune in vivo. A mesma estratégia foi utilizada também na produção dos antígenos vacinais bacterianos toxina termolábil (LT) de Escherichia coli enteropatogênica (Haq et al., 1995), e toxina colérica (CT) de Vibrio cholerae (Arakawa et al., 1998). Haq et al (1995) demonstraram a formação espontânea de estruturas pentaméricas LT-B idênticas às naturais, em batatas transgênicas. Os antígenos recombinantes produzidos em batatas foram capazes de produzir resBiotecnologia Ciência & Desenvolvimento 15 posta imune e proteção parcial em camundongos (Mason et al., 1998) e no homem (Tackett et al., 1998). Anticorpos ou imunoglobulinas são proteínas multiméricas complexas, que requerem, para a sua produção, sistemas eucarióticos de expressão. A produção de anticorpos em plantas pode ter aplicações in situ ou ex situ (Whitelam & Cockburn, 1996). As aplicações in situ compreendem aquelas em que o anticorpo age como um reagente na própria célula, modulando a atividade de um antígeno, ou ainda, promovendo imunização intracelular contra patógenos. Os anticorpos apresentam uma grande variedade de aplicações ex situ, tais como controle de poluição ambiental, produção de reagentes industriais, sensores moleculares, reagentes para diagnósticos, soros contra toxinas e venenos, imunização passiva contra agentes infecciosos, contraceptivos, terapias contra câncer, entre outras. A maioria dessas aplicações requer grandes quantidades de anticorpos, sendo sua utilização limitada pelo rendimento dos sistemas de produção. As plantas transgênicas, além de apresentarem altos rendimentos de produção, constituem até o momento, o único sistema de expressão capaz de produzir anticorpos completos funcionais. Esse fato foi efetivamente comprovado através da produção de um anticorpo do tipo IgA em tabaco (Ma et al., 1995). Com esse objetivo, esses pesquisadores produziram quatro diferentes plantas de tabaco transgênicas, cada uma expressando uma das quatro cadeias polipeptídicas que compõem um anticorpo monoclonal do tipo IgA. Através de cruzamentos sucessivos entre essas plantas, obtiveram plantas capazes de expressar, simultaneamente, as quatro cadeias polipeptídicas e de produzir uma imunoglobulina funcional. Devido à capacidade de ligação do anticorpo original com uma adesina da bactéria Streptococcus mutans, o anticorpo recombinante, produzido em larga escala em plantas, deverá ser utilizado na imunização passiva contra cárie, pela sua adição em dentifrícios. Produção de hormônio do crescimento humano em sementes de plantas transgênicas As proteínas recombinantes, de maneira geral, devem ser processadas imediatamente após a colheita, devido à 16 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento alta atividade proteolítica da maioria dos tecidos vegetais. As sementes, por sua vez, apresentam tecidos especializados que permitem o armazenamento de proteínas por longos períodos, sem a ocorrência de degradação. Além disso, o emprego de promotores semente-específicos impede que haja expressão generalizada da proteína na planta, de modo que seus processos metabólicos básicos não são significativamente afetados. Com o objetivo de explorar as vantagens da produção em sementes, foi desenvolvido, em nosso laboratório um, cassete de expressão onde a expressão do gene codificador da proteína de interesse é controlada pelo promotor de γ-kafirina. A γ-kafirina, uma proteína de reserva de sorgo, acumula-se em grande quantidade na semente, onde constitui fonte de nitrogênio e enxofre durante a germinação (Leite et al., 1999). Conforme demonstram os experimentos de expressão transiente mostrados na Figura 2, enquanto o promotor constitutivo derivado do transcrito 35S do vírus do mosaico da couve flor (P35ScaMV) dirige a expressão do gene repórter gus para os diversos compartimentos da semente de milho, o promotor de γ-kafirina estimula essa expressão especificamente no tecido de reserva, o endosperma. O cassete de expressão baseado no promotor de γ-kafirina foi inicialmente testado na produção de hormônio do crescimento humano (hGH) em sementes de tabaco transgênico (Leite et al., 2000). Com essa finalidade, a seqüência de cDNA codificadora do hGH foi inserida na extremidade 3' da seqüência promotora (Fig. 3A). Na hipófise, o hGH é produzido na forma de um pré-hormônio que apresenta um peptídio sinal em sua extremidade amídica. O peptídio sinal é responsável pelo endereçamento da proteína para o retículo endoplasmático (RE) determinando, dessa forma a secreção do hormônio. Apesar da existência de evidências de que sinais de endereçamento de animais são funcionais em plantas, no intuito de maximizar seu processamento na semente o peptídio sinal original do hGH foi substituído por um peptídio sinal equivalente originário de uma proteína de reserva de Coix lacryma-jobi, um cereal filogeneticamente relacionado ao milho (Leite et al., 1999). A análise de extratos protéicos dos diversos órgãos do tabaco transformado com o cassete de expressão demonstrou a produção do hormônio recombinante especificamente nas sementes (Fig. 3B). O seqüenciamento da região amídica do hGH purificado a partir das sementes indicou a presença de resíduos idênticos aos encontrados no hormônio natural. Esse resultado demonstra que o peptídio sinal adicionado, de maneira similar ao peptídio sinal original, pôde ser reconhecido como um sinal de endereçamento, tendo sido adequadamente processado. Posteriormente, ensaios de ligação a receptores específicos mostraram que o hormônio produzido em sementes de tabaco apresenta propriedades similares às da proteína nativa, dando uma clara indicação de sua funcionalidade (Leite et al., 2000). O nível de expressão do hGH recombinante obtido em sementes de tabaco resultou um rendimento de produção de, aproximadamente, 0,16% das proteínas solúveis da semente. O baixo rendimento deve-se possivelmente ao fato de um promotor originário de uma planta monocotiledônea ter sido usado no controle da expressão de genes em tabaco, uma planta dicotiledônea. Corroborando com essa hipótese, resultados obtidos recentemente por nosso grupo demonstram rendimentos superiores (cerca de quatro vezes) em sementes de milho transgênico. Estimativas baseadas nesse rendimento indicam a possibilidade de se produzir, aproximadamente, 250 g de hGH a partir de uma tonelada de semente de milho transgênico (Fig. 3C). A baixa complexidade protéica que caracteriza o endosperma, aliada à reduzida solubilidade em água da maioria de suas proteínas, deve facilitar o desenvolvimento de processos industriais de extração e purificação do hGH produzido em sementes de milho transgênico. Com o objetivo de comparar o rendimento da produção de hGH recombinante em sementes de diferentes espécies de plantas, a mesma construção utilizada na transformação de tabaco e de milho está sendo testada em soja. Os experimentos com soja transgênica estão sendo realizados em colaboração com os pesquisadores Dr. Elíbio L. Rech e Dr. Francisco J. L. Aragão, da EMBRAPA-Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília, DF). Esse trabalho abriu perspectivas para a expressão de outros fármacos de interesse econômico em sementes e, utilizando o mesmo sistema de expressão, nosso grupo está trabalhando atualmente em projetos que visam à expressão de insulina humana e de um anticorpo em sementes de tabaco transgênicas. Agradecimentos Os autores agradecem o suporte técnico dado por Camilla Abbehausen, Daniela Stancato e Eduardo Kiyota, e o trabalho dos alunos de iniciação científica Flávia Enara Furquin, Mário del Giúdice Paniago e Sylvia Morais de Sousa. Adilson Leite recebe bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Eneida A. Parizotto recebe bolsa do CNPq, Paulo C. De Lucca, Letícia Jungmann e Alba C. da Silva recebem bolsa da FAPESP. Este trabalho recebe apoio financeiro da FAPESP através do Projeto Temático PTE: 99/02198-3. Bibliografia Arakawa, T.; Chong, D.K.X.; Langridge, W.H.R. Efficacy of a food plantbased oral cholera toxin B subunit vaccine. Nature Biotechnology 16: 292297, 1998. 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