Claude IMBERT et al - Filosofia analítica. Lisboa: Gradiva, sem data, 147 p. (Coleção Panfletos, original francês, igualmente sem data, trad. de Jorge Manuel Pereira Fernandes Pires.) Não há grande exagero ao admitir que a filosofia analítica é fruto de idéias surgidas em obras de autores Ingleses (ou radicados na Inglaterra) -- de Moore e Russell a Wittgenstein, Ayer, Ryle e Strawson. Tais idéias foram discutidas, por certo, dos anos 30 em diante, em Viena, Praga, Varsóvia, Oslo, Harvard e em alguns outros locais, inclusive de Portugal e do Brasil. Em sentido restrito, a filosofia analítica nasce com a chegada de Wittgenstein a Cambridge (1912). Em 1922, torna-se, por assim dizer, a “corrente oficial” do pensamento inglês. Logo depois, transporta-se para Viena e Berlim. Nesses locais, com a expansão nazista, a filosofia analítica desaparece. Na Inglaterra, em 1929, com a volta de Wittgenstein (agora mais próximo das idéias de Moore do que das idéias de seu primeiro orientador, Russell), estabelece-se a chamada “corrente lingüística”. Essa corrente dominaria o cenário filosófico dos povos de língua inglesa de 1945 até aproximadamente 1960. Houve, depois de 1960, um retorno à anterior filosofia analítica. Embora com vestes um pouco diversas e variadas, essa filosofia continua sendo defendida e praticada até hoje. As várias novas “filosofias analíticas” receberam apoio de alguns membros do Resenhas II -- Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ 6 HEGENBERG, Leonidas: Resenhas Círculo de Viena (Carnap foi dos mais importantes desses defensores). O Círculo foi “oficialmente” dissolvido em 1938. Isso não acarretou, porém, o desaparecimento da filosofia analítica, a que ainda se ligam pensadores dos EUA e da Austrália. Nos EUA, Willard Van Orman Quine ampliou o alcance do pensamento dos fundadores do movimento e alguns filósofos, como H. Putnam e R. Nozik, ainda mantêm, “o espírito analítico”. Na Austrália, J. J. C. Smart também escreve livros e artigos muito interessantes, mantendo o espírito da corrente analítica. *** Dada a importância que Russell, Wittgenstein e seus seguidores adquiriram (pelo menos nos países de fala inglesa), muitos estudiosos da França examinaram os escritos desses filósofos e procuraram deixar suas idéias acessíveis ao público desse país. Entre tais estudiosos estão, p. ex., G. G. Granger (que já esteve três ou quatro vezes no Brasil, tendo lecionado na USP), Claude Imbert, P. Devaux, F. Jacques e alguns outros. Escreveram pequenos ensaios em que registraram suas impressões a respeito de certos filósofos ingleses (ou radicados na Inglaterra). Os ensaios foram publicados em França e, aparentemente, reunidos em pequeno livro ali divulgado. Em seguida, foram traduzidos para o português e divulgados no livro que a Gradiva, de Lisboa, coloca ao alcance de leitores portugueses e brasileiros (em geral pouco dispostos a ler obras escritas em idiomas diferentes do nosso). Infelizmente, a Gradiva não fornece qualquer indicação a respeito Resenhas II - Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ HEGENBERG, Leonidas: Resenhas 7 da publicação original ou das datas das edições francesa e portuguesa. O fato é que o livro aí está, ao alcance de pessoas que entraram em contato com os “Panfletos” de 120/150 páginas distribuídos por várias livrarias brasileiras. *** O volume começa com um ensaio de 28 páginas, em que F. Jacques procura esclarecer o que seria a filosofia analítica. Jacques procura mostrar erudição e, por isso, acaba escrevendo de maneira meio confusa. [Se alguém quiser saber o que foi a filosofia analítica, na Inglaterra, de Russell a Ayer, pode ler, por exemplo, English philosophy since 1900, de G. J. Warnock (Oxford University Press, 1958), certamente, até hoje, uma das melhores fontes disponíveis.] C. Imbert é o autor do segundo ensaio do livro. Em seis páginas, dá-nos um pequeno retrato das idéias de Frege. O que se registra na p. 45 (ed. da Gradiva), relativamente à “antinomia” das classes, é difícil de entender. (A culpa deve ser mais do autor do que do tradutor.) O ensaio, no entanto, pode ser usado como intróito para ler trabalhos de Frege. As 17 páginas seguintes, dedicadas a Bertrand Russell, escritas por P. Devaux, são exemplo de como não escrever filosofia. Várias asserções “soltas” (p. ex., p. 54: “a implicação justifica a inferência”); fórmulas mencionadas sem propósito claro; trechos obscuros (e.g., p. 55). O tradutor não contribuiu para afastar a vaguidade do texto. Em suma, o ensaio não tem maior utilidade. Felizmente, F. Armengaud, em cinco páginas, escreve, de modo correto e simples, algo de aceitável Resenhas II - Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ HEGENBERG, Leonidas: Resenhas 8 a respeito de Moore. Gilles G. Granger é o autor dos três ensaios seguintes, em que se comentam, em sucessão, as idéias de Wittgenstein, os ideais defendidos no Círculo de Viena e os planos neopositivistas. Armengaud apresenta, de modo sucinto, em meia dúzia de páginas, algumas idéias de Popper, e em outras seis páginas, algo acerca de Quine. Jacques, redimindo-se, talvez, do mau ensaio de abertura, limita-se, agora, em três curtíssimos artigos, a apresentar Ayer, Ryle e Strawson. O mesmo Jacques encerra o volume com ensaio a respeito da pragmática. Elogiável seu esforço no sentido de (1) diferençar “pragmatismo” (doutrina filosófica a que se associam os nomes de Peirce, James e Dewey) de “pragmática” (estudo da linguagem que enfatiza o usuário e o contexto da linguagem, em vez da referência, da verdade ou da gramática) e no sentido de (2) ressaltar as importantes contribuições de pensadores como Bar-Hillel, O. Ducrot, H. Grice, J. Hintikka, R. Montague, R. Stalnaker e outros. As 15 páginas do ensaio de Jacques não podem ser vistas como “satisfatórias”, mas devem ter sido úteis para os leitores franceses tomarem conhecimento do que se passa em outras terras... Res dez 04 Leonidas Hegenberg Resenhas II - Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ