Continental philosophy. Oxford: University Press, 2001, 149.

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CRITCHLEY, SIMON – Continental philosophy.
Oxford: University Press, 2001, 149. (vol. 39 da
coleção “Very shrort introductions).
Há muitos anos tem estado em tela o “abismo”
que separa filósofos da Inglaterra e dos EUA (e da
Austrália), de colegas da Alemanha e da França. De
um lado, a corrente analítica, “inaceitável” para estes.
De outro, um misto de fenomenologia, existencialismo,
hermenêutica e estruturalismo, “inadmissível” para
aqueles.
Afortunadamente, as divergências têm sido
comentadas por alguns estudiosos que evitam
tendenciosidades. Critchley é um desses estudiosos –
na condição de professor em Essex e de diretor do
Collége International de Philosophie, em Paris. O livro
que preparou para a série das “Very short
introductions” é de especial valia para quem deseja
compreender certos aspectos das divergências entre
franco-germânico e anglofônicos. Não traz respostas
que especialistas desejariam encontrar, mas abre
boas perspectivas para quantos não tiveram
oportunidade de meditar a respeito daquelas
divergências.
Para leitores desejosos de aprofundar estudos,
o ensaio de Critchley pode ser lido com dois livros de
maior alcance, Continental philosophy since 1750, de
Robert Solomon, e Introduction to continental
philosophy, de David West. Vale a pena, ainda, ver A
companion to continental philosophy, obra organizada
pelo próprio Critchley, em companhia de W. R.
Schroder.
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HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
Em tese, o livro de Critchley, publicado na
Inglaterra, destina-se a adeptos da filosofia analítica,
convidando-os a melhor conhecer o que se passa no
continente europeu. Na política britânica se fala em
“eurocéticos” e “eurofanáticos”. Levando a dicotomia
para o campo filosófico, fica implícito que as
considerações do livro podem ser de interesse para as
duas facções.
Critchley ressalta que ‘filosofia continental’ é
termo aplicável a um período de 200 anos da história
da filosofia, abrangendo, após Kant (fim do século
XIX), diversas correntes, a seguir enumeradas,
indicando apenas alguns nomes de maior relevo. (1)
Idealismo alemão (Fichte, Hegel); (2) crítica à
metafísica (Marx, Nietzsche); (3) fenomenologia -germânica (Husserl, Heidegger) e francesa (Sartre,
Merleau-Ponty); (4) hermenêutica (Dilthey, Ricoeur);
(5) marxismo ocidental e Escola de Frankfurt
(Marcuse, Habermas); (6) estruturalismo francês
(Lacan, Althusser) e pós-estruturalismo (Foucault,
Derrida).
Apesar dessa variedade temática, a filosofia
continental gravita em torno de problemas que se
agrupam em um “núcleo” usualmente ignorado pela
tradição anglo-americana. Caracterizar esse núcleo
requer, segundo o autor, o plano mais amplo das
relações entre sabedoria e conhecimento. Os dois
temas andam (ou andaram) separados e a tentativa de
reuni-los, por difícil que seja, tem sido a tônica do
pensamento continental. Em certa medida, o
continente realça um pensamento socrático: a
sabedoria diz respeito ao que significaria “boa vida”,
“uma vida feliz”. Para muita gente, isso pode parecer
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anedótico, pois a filosofia nada tem a ver com a “boa
vida”, assunto encaminhado para uma psicologia – até
meio folclórica. Em outras palavras, nos velhos tempos
a filosofia era atividade prática, diversa da
investigação teórica em que transformou a partir do
século 17. Melhor dizendo, a ‘filosofia’ (= amor ao
saber) se transformou em ‘scientia’ (= conhecimento).
Critchley observa, porém, que a concepção científica
do mundo não eliminou a necessidade de atribuir um
sentido à vida. A muito perturbadora lacuna que se
abriu entre sabedoria e conhecimento vem sido
preenchida retornando às religiões antigas, inventando
religiões, aceitando autoritarismo político ou, ainda,
aderindo às variadas formas de esoterismo. Está posto
o dilema. De um lado, “endeusamento” da ciência, o
cientismo. De outro, repúdio à ciência, o
obscurantismo.
***
Colocadas as bases de suas considerações, o
autor usa o cap. 2 para relatar certas idéias de Kant.
De modo interessante, sublinha que a Crítica do Juízo
(1790) estabelece um vínculo entre o entendimento
(campo da epistemologia voltado para o conhecimento
da natureza) e a razão (campo da ética voltado para a
liberdade). Kant abriu, assim, o caminho para o
idealismo alemão.
`
No cap. 3, o foco são as “duas culturas” a que
alude C. P. Snow (cf. seu livro The two cultures,
reeditado em 1993), para deixar claro que o
pensamento inglês (“englishness”) também oscila,
desde o começo do século XIX, entre hábitos
empíricos (Coleridge) e idéias utilitaristas (Bentham).
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HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
Em seguida, Critchley examina o pensamento francoalemão de modo sistemático, centrando sua análise
nos conceitos de crítica, práxis e emancipação. É
preciso escapar da crise provocada por uma ciência
que nos transforma em “gado que pasta contente nos
prados”. A fim de fugir da crise -- na verdade, o
desconhecimento de que existe crise (o nihilismo de
Nietzshe) -- é indispensável a crítica das idéias
tradicionais. É indispensável a “destruição”, tal como
proposta por Heidegger e que Derrida levou para a
França, vista como “déconstruction”. A critica permite
concluir que o ser humano está imerso em um mundo
que ele próprio deve erigir (práxis) a fim de alcançar a
liberdade (emancipação).
O cap. seguinte mostra como o nihilismo
nietzsheano tem origem nos romancistas russos,
ressaltando que estes o encaram por prisma sóciopolítico, ao passo que o pensador alemão lhe dá
dimensões metafísicas.
Uma célebre discussão filosófica ocupa o cap. 6.
Compara-se a concepção científica do mundo,
defendida por Carnap, e a experiência existencial (ou
hermenêutica), advogada por Heidegger. Para
benefício de todos, Critchley preocupa-se em mostrar
onde ambos erraram.
O penúltimo cap. destina-se a reavaliar o
contraste entre cientismo e obscurantismo. Opondo-se
à filosofia analítica, os filósofos do continente –
Bérgson, Husserl, Heidegger e os integrantes da
Escola de Frankfurt -- entendem que a ciência natural
não fornece (nem deve nem pode fornecer) modelo
para um método filosófico e não dá ao ser humano um
promissor acesso ao mundo. Conquanto essa posição
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dos pensadores continentais tenha aspectos
perfeitamente aceitáveis, o fato é que gerou atitude
anti-científica, fácil de conduzir ao obscurantismo.
Para o autor, vale a pena aceitar as palavras de
Putnam (Meaning and the moral sciences, 1978, trad.
livre): “admitir que o conhecimento é muito mais amplo
do que a ciência me parece uma necessidade cultural
se desejarmos sadia e humana visão de nós mesmos
e da ciência”.
Nas observações finais, Critcley nota que as
idéias dos pensadores continentais não têm recebido,
nos últimos tempos, quaisquer contribuições
interessantes. Nota que, de outra parte, muitos
estudiosos britânicos e americanos se debruçaram
sobre a tradição franco-germânica, evitando os
equívocos da simples tradução e do (simplório?)
comentário.
A rigor, podemos concluir que voltamos a Sócrates...
***
Como nos demais livros da coleção, este
contém um bom índice remissivo, livros de apoio, para
cada capítulo, e indicações para leituras adicionais.
Tem 21 ilustrações. Destas, são interessantes as fotos
de Nietzshe, Husserl, Heidegger e Carnap; as
caricaturas, de Kant e Mill; e quadros retratando
Hegel, Jacobi e um jantar imaginário, na casa de Kant.
Res Mar 04
Leonidas Hegenberg
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