ALMEIDA, Aires (org.) – Dicionário escolar de filosofia. Lisboa

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ALMEIDA, Aires (org.) – Dicionário escolar de
filosofia. Lisboa: Plátano Editora, 2003, 148 p.
Preliminarmente -- registrando que cada página
do texto foi separada em duas colunas -- focalizo meia
dúzia de aspectos “positivos” da obra.
(1) São nove os autores (lista na p. 7), direta ou
indiretamente vinculados à Associação Portuguesa de
Filosofia. Ficou explícito, no prefácio, que quase todos
estão habituados a lecionar para estudantes
secundaristas ou, pelo menos, discutem o assunto
com freqüência; (2) há mais de 400 “entradas”,
selecionadas em função dos tópicos do programa de
filosofia do secundário; (3) cada “entrada” tem
indicação de seu autor, ressaltando-se, porém, que os
nove autores examinaram os vários termos, de modo
que o dicionário pode ser visto como “obra de equipe”;
(4) em geral, as entradas se encerram com breve
indicação de textos existentes em nosso idioma, onde
os interessados poderão obter informes adicionais
relativos ao termo focalizado.
(5) Após o prefácio (três p. e meia) e uma
“instrução”, relativa ao modo de usar o dicionário (duas
p.), há três breves índices – (i) lista de termos,
distribuídos segundo as unidades do programa oficial
de filosofia, para décimo e undécimo anos escolares;
(ii) lista de termos, segundo disciplinas não
diretamente citadas nas unidades do programa oficial;
(iii) lista de termos estrangeiros comumente utilizados
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em filosofia. [Oportuno observar que (ii) contém um
item, “História da filosofia”, com nomes de 34 filósofos
(de Sócrates e Aristóteles, a Quine e Singer) cujas
biografias se encontram no texto.]
(6) No final do volume, temos (i) uma lista de
símbolos lógicos. Em seguida, (ii) uma tabela
cronológica (oito páginas) em que uma primeira
coluna registra acontecimentos filosóficos
notáveis, desde o nascimento de Tales e
Anaximandro (antes de 660 a.C.) até a
publicação de livros de Singer e Dennett (nos
anos 90 do século XX)) e uma segunda coluna
alude a ocorrências históricas dos períodos
correspondentes. Enfim, temos (iii) nomes de
180 filósofos, indicando-se as páginas em que
aparecem, o que facilita a localização de alguns
pontos de interesse.
***
Ao lado de “verbetes” com as biografias de 34
filósofos julgados “importantes” (colhidos entre os 180
que a obra menciona), há mais três tipos de
“verbetes”. Longos -- uma página (duas colunas),
pouco mais, pouco menos (p. ex., ‘epistemologia’;
‘Wittgenstein’). Médios – meia página, contemplando
posições
filosóficas
especialmente
relevantes.
(’idealismo’; ‘racionalismo’). Breves – reservados para
as “noções de base da filosofia” (‘conotação’;
‘enunciado’;
‘frase’;
‘juízo’;
‘opinião’;
‘razão’;
‘significado’; ‘tese’; ‘valor’). [Há, naturalmente, os
“curtinhos” que se limitam a enviar o leitor para locais
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apropriados (ex. ‘condições de verdade’), ou, talvez,
esclarecem o significado de um termo (ex. ‘katharsis’)]
***
A Sociedade Portuguesa de Filosofia (SPF)
vem realizando, há alguns anos, meritório trabalho
com o objetivo de modernizar o ensino da filosofia em
terras lusitanas. Notícias que recebo, enviadas por
colegas portugueses, dão conta dos esforços que os
integrantes do Centro para o Ensino da Filosofia (CEF)
têm despendido com o fito de alterar certas
determinações legais, visando tornar a filosofia, junto
aos alunos secundaristas, uma disciplina “viva”,
atraente e útil – não apenas “uma obrigação destituída
de qualquer interesse”.
Trabalho dessa espécie requer tempo,
dedicação, muito estudo e (ao lado da “inspiração”)
boa dose de “transpiração”, como lembrou, certa vez,
falando de suas composições, o pianista João Carlos
Martins. Isso não faltou aos nove autores deste
dicionário.
Não obstante, vale ressaltar que é muito difícil
preparar dicionário que tenha 80 por cento dos
verbetes acolhidos com total aprovação por, digamos,
80 por cento de leitores e comentaristas.
Tendo em conta os propósitos da obra, não
pretendo descer a minúcias irrelevantes. Todavia, não
posso omitir certas críticas (na verdade, três) – numa
tentativa de ver o dicionário melhorado (aos meus
olhos, é claro) numa próxima edição.
***
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Meu primeiro comentário gira em torno do uso
de aspas. A fim de distinguir USO e MENÇÃO, os
autores ressaltam, com propriedade, no prefácio, a
diferença entre sentenças como:
Lisboa é uma bonita cidade;
Lisboa tem seis letras,
dizendo ter-se tornado “natural” (eu diria “impositivo”) o
emprego de aspas para identificar entidades
lingüísticas mencionadas -- o que obriga a escrever a
segunda sentença deste outro modo:
‘Lisboa’ tem seis letras.
Infelizmente, os autores não adotam as aspas simples
(convenção hoje quase universal) e se valem das
aspas comuns, duplas. Isso, como é óbvio, gerará
dúvidas no espírito de muitos leitores (sobretudo os
principiantes) quando, em numerosíssimos verbetes
do dicionário, encontrarem aspas em palavras e
sentenças usadas (não mencionadas).
***
O segundo comentário gira em torno das
definições. Escudado em obras como The Oxford
companion to philosophy (Oxford: University Press,
1995) e Concise Routledge Encyclopedia of
philosophy (London: Routledge, 2000), entendo que as
definições são “enunciados, declarações ou propostas
destinados a fixar o significado de uma expressão”.
Numa definição, a expressão a ser definida (o
definiendum) adquire o significado da expressão pela
qual é caracterizada (o definiens).
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As definições são, pois, expressões que
descrevem ou estipulam equivalências entre
sentenças (verbais ou simbólicas). Uma definição
descritiva relata como certo termo tem sido utilizado.
Uma definição estipulativa informa como o termo
deverá (ou deveria) ser utilizado de certo momento em
diante.
É´ usual considerar definições explícitas e
implícitas. Aquelas estabelecem equivalência entre
definiendum e definiens. Estas fixam o significado de
um dado termo t por meio de (em geral, várias)
expressões em que t compareça. Todos esses
aspectos da questão foram examinados em meu
Saber de e saber que, alicerces da racionalidade
(Petrópolis: Vozes, 2002).
Teorias clássicas sustentam que a “boa”
definição “captura a natureza real” da coisa definida –
uma definição é frase que significa a “essência da
coisa” (Aristóteles). Isso levou historiadores a distinguir
“definições reais” (essências de coisas) e “nominais”
(significados de termos).
No dicionário organizado por Almeida, o termo
‘Definição’ aparece com vestes indianas (laksana) ou,
talvez, à maneira aristotélica, em busca de “essências”
de coisas. Optando pela maneira oxfordiana ou
londrina de entender o assunto, parece-me que
‘Definição’ é entrada a ser reconsiderada neste
dicionário de Almeida e colaboradores.
[Já comentei o assunto ao resenhar o livro A
natureza da filosofia e seu ensino, de D. Murcho
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(Lisboa: Plátano, 2002). Ver, p. ex., a seção de
resenhas que a profa. Marilúze Ferreira de Andrade e
Silva e eu inauguramos, no portal da UFSJ
(Universidade Federal de São João Del Rey, Minas,
Gerais, Brasil) ]
***
Minha terceira crítica volta-se para o problema
da indução.
Carl Hempel (Aspects of scientific
explanation. New York: Free Press, 1965) e, logo
depois, Brian Skyrms (Choice and chance. Belmont:
Dickenson, 1966 – que traduzi para nosso idioma -Escolha e acaso. São Paulo: Cultrix, 1971),
“liquidaram” com o MITO de que a indução
corresponde a argumentos não-dedutivos (certo, até
aqui) “cujas premissas são menos gerais do que a
conclusão” (errado!). Para corroborar minha afirmação,
note-se que um argumento estatístico pode “partir” de
premissa “geral” (relativa a uma dada população) e
“chegar” a uma conclusão “particular” (relativa a certa
mostra). Eis mais um exemplo simples em que
premissa geral nos dá conclusão particular
(exatamente o “oposto” do que se costuma dizer):
“Todos os cavalos observados de 1547 a 1604,
galopavam com garbo” e “Rocinante galopa com
garbo”...
***
Há vários itens que os autores deste dicionário
e eu entendemos de maneiras diversas. Apenas para
citar um caso, noto que em meu Dicionário de lógica
(São Paulo: E.P.U, 1995) faço apresentação das
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falácias, dos paradoxos e dos sofismas que difere
bastante das caracterizações aqui registradas.
Basta. Prosseguir, seria chegar às minúcias
que me parecem perfeitamente dispensáveis.
Res Dez. 2003
Leonidas Hegenberg
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