Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia Print by UFSJ

Propaganda
1
RACHELS, James. Elementos de filosofia moral. Lisboa:
Gradiva, 2004, 315 páginas. (volume 13 da coleção
“Filosofia aberta”)
Livros de Ética, li-os poucos e esparsamente.
Faltava-me ensaio breve e agradável, em que “matar” a
curiosidade. Interesse pelo assunto só foi despertado depois
de ler um ensaio de John Nugent, Nervos, preocupação e
depressão (São Paulo: Quadrante, 1992, cujo original, da
Inglaterra, foi publicado nesse mesmo ano). Bem mais
tarde, na tentativa de assentar a filosofia moral em bases
aceitáveis, interessei-me pelos livros de H. J. Gensler,
especialmente Ethics e Formal ethics, ambos distribuídos
pela Routledge, em 1998 e 1996, respectivamente.
Habituei-me a considerar os temas éticos pelo
prisma gensleriano – focalizando relativismo cultural,
subjetivismo, supernaturalismo, intuicionismo, emotivismo,
prescretivismo e vendo a “Golden rule” (“Não faças aos
outros o que não queres que te façam”) como fulcro de uma
possível teoria ética geral.
Nos últimos anos, leituras no campo da ética
voltaram a ser poucas e esparsas, ditadas pelo dever de
ofício. Cumpro o “dever”, comentando o livro de Rachels,
ora editado pela Gradiva.
***
James Rachels
(1941-2003)
lecionou
nas
universidades de New York, Miami e Birmingham. Além do
livro aqui comentado, escreveu outros – sobre
eutanásia.(1986), darwinismo (1991) e as “soluções” dos
problemas éticos (1997). Organizou uma dezena de
antologias – a mais recente das quais é Basic readings in
moral philosophy (2002) – e escreveu numerosos artigos
para revistas ligadas à ética.
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
A quarta edição destes “elementos de filosofia
moral” apareceu em 2003 (Mc-Graw-Hill). Em relação às
edições anteriores, houve alteração de muitos exemplos
(devidamente atualizados) e acréscimo de alguns
esclarecimentos, ao lado de pequenas correções. O livro
conservou, porém, sua estrutura anterior.
A obra foi aprovada pela Sociedade Portuguesa de
Filosofia.que encarregou F. J. Azevedo Gonçalves de
preparar versão para nosso idioma – já nas livrarias em
Janeiro de 2004. A Editora colocou-a ao lado de doze obras
de conhecidos autores (T. Nagel, S. Blackburn, A. C.
Grayling, e outros), numa interessante coleção que
facilitará, sem dúvida, os estudos de jovens universitários de
Portugal.
***
Este livro toma por base (capítulo 13) a idéia de que
quatro grandes vias para exame da filosofia moral
dominaram o cenário a partir do século XVII. São a teoria de
Kant, a teoria do contrato social (Hobbes), o utilitarismo
(Bentham) e a teoria do egoísmo ético (Ayn Rand seria a
divulgadora mais conhecida). Examinando essas teorias, o
Autor faz, ainda, um reexame das virtudes (Aristóteles).
Sustenta que uma teoria geral da ética deve ter em
conta as considerações que comparecem nas várias
maneiras de tomar decisões (práticas), tentando fornecerlhes um alicerce racional. Notando que o ser humano é
racional, vale concluir que está apto a tomar certos fatos
como satisfatórios motivos para nortear o comportamento.
No capítulo final (cap. 14), avaliando pormenores
das muitas idéias passadas, Rachels formula sua proposta - uma teoria despida de orgulhos exagerados (em inglês,
‘hubris’), em que estejam presentes as virtudes aristotélicas
e os aspectos “positivos” das teorias antigas.
***
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
As contribuições do passado estão em foco nos
primeiros 12 capítulos dos “Elementos”, cada qual deles
dividido em três, cinco ou até oito curtas seções, o que
simplifica sobremaneira a leitura.
Iniciando as considerações, Rachels entende que a
moralidade (minimamente definida) é “o esforço para
orientar nossa conduta pela razão”, ou seja, pra agir
executando aquilo para o que dispomos das melhores
razões. Embora Rachels nem mencione os trabalhos de
Gensler, com ele concorda, pois também este procura uma
ética apoiada em razões. Rachels “acompanha” Gensler ao
lembrar que a moralidade varia de uma para outra
sociedade, o que não impede abandonar práticas
indesejáveis e buscar padrões de conduta de ampla
generalidade.
O livro discute (cap. 3) o chamado “subjetivismo”
ético, de acordo com o qual inexistem fatos morais e
ninguém está “certo” – as pessoas apenas “sentem” de
modos diversos. Passando pelo “emotivismo” (o
homossexualismo é usado como exemplo), Rachels conclui
(p. 76) que “ser guiado pela razão é muito diferente de
seguir os sentimentos”. Em seguida, compara moralidade e
religião. Os mandamentos divinos são confrontados com a
lei natural e a conclusão é clara (p. 96): não definir o correto
e o errado em termos de vontades divina.
Há, em seguida, uma curiosa discussão do
“egoísmo psicológico”. Distinguindo ‘egoísmo’ e ‘interesse
próprio’, o Autor termina afirmando (p. 113) que a teoria do
egoísmo ou não se submete a teste (e é “vazia”) ou é
passível de testes, mostrando-se errônea, O tema
prossegue no cap. 6, onde se lembra que os direitos dos
outros são os mesmos que defendemos para nós mesmos.
A “corrente utilitarista” está analisada no cap. 7 do
livro. Ressalta que a teoria, elaborada por D. Hume,
recebeu formulação “final” com J. Bentham. Em suma, diz
que (havendo escolha) devemos optar pelas ações que
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
tragam as melhores conseqüências para todos os
envolvidos. Por essa via, justificam-se o suicídio e a
eutanásia (p 139 s), pelo menos em certos casos. Além
disso, fica patente que não tem sentido matar animais para
torná-los alimento de humanos. A questão volta a ser
esmiuçada (cap. 8) e, em defesa do utilitarismo, Rachels
lembra (p. 165) que o princípio de utilidade é “um guia para
escolher regras e não atos individuais”. Ainda está de pé a
idéia de que os preconceitos com que vivemos devem ser
abandonados, depois de crítica racionalmente conduzida.
No cap. 9, o Autor indaga “Há regras morais
absolutas?” Kant acreditou na absoluta inviolabilidade das
regras e mostrou, por exemplo, de maneira racional (sem
uso de noções teológicas), que jamais devemos mentir.
Mostrou que o termo ‘dever’ admite uso não-moral (“Quem
deseja um diploma deve ingressar em uma escola”). Boa
porção da conduta humana é regida por esse tipo de dever.
Kant os denomina “imperativos hipotéticos” (fazer algo em
função de desejos prévios). A tais imperativos se opõem os
“categóricos” (agir incondicionalmente, em função da razão).
Comentando o que dizem alguns autores, Rachels “reforça”
os pontos que pretendeu enfatizar. Em resumo, a
racionalidade exige regras sem exceções. O assunto volta a
ser analisado no capítulo seguinte, em que considera a
dignidade humana e o retributivismo kantiano.
“Contrato social” é o tema do cap. 11. De acordo
com o Autor, Hobbes (Inglaterra do século XVII), em seu
famoso livro Leviathan, dizia que a moralidade independe
de Deus, que o ser humano age em função de seus
interesses, que inexistem “fatos morais”. A moralidade seria
apenas uma solução prática a permitir o convívio das
gentes. Rachels apresenta (p. 213s) o conhecido “dilema do
prisioneiro”, voltando a sugerir que acatemos os interesses
alheios, mas que outros acatem os nossos. [O dilema é
apresentado de maneira clara por R. M. Sainsbury, no livro
Paradoxes (Cambridge: University Press, 2a. ed., 2002).
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
HEGENBERG, Leonidas: Resenhas
Sainsbury lembra, muito bem, que a racionalidade das
ações depende dos conhecimentos de que dispomos.]
***
O capítulo 12 é um “ensaio independente”, focalizando o
feminismo. Para desespero das senhoras, lembra-se que
Aristóteles desprezava a inteligência feminina e que Kant o
apoiava. A Rousseau se deve um primeiro apoio (filosófico)
às desprestigiadas representantes do sexo feminino. Mas
Carol Gilligan (Harvard, 1982) – distinguindo ética apoiada
em razão e ética apoiada em afeto – salienta que as
mulheres têm o cuidar dos outros como principal orientação
moral. Colocando a ética dos afetos como parte da ética das
virtudes, talvez se chegue a um denominador comum, em
que razão e afetividade
desenhem uma ética
universalmente aceitável.
Res Jun 2004-Leônidas Hegenberg
Resenhas -- Laboratório de Lógica e Epistemologia
Print by UFSJ
Download