Filosofia analítica: a investigação da linguagem1. Na virada do século XIX para o século XX surgiu uma corrente filosófica que, pela análise lógica da linguagem, procurava esclarecer o sentido das expressões (conceitos, enunciados, uso contextual) e seu uso no discurso linguístico. Por isso, ela ficou conhecida como filosofia analítica ou filosofia da linguagem. De acordo com essa corrente, muitos dos problemas filosóficos se reduziriam a equívocos e mal entendidos originados do uso ambíguo da linguagem. O desenvolvimento da filosofia analítica lançou luz sobre diversos aspectos da linguagem e influenciou filósofos de outros campos da filosofia, que passaram a atentar mais para o fenômeno da linguagem. O movimento da filosofia analítica passou por várias etapas, nas quais se voltou para questões específicas em relação à linguagem. Surgiu com o reconhecimento de que as questões sobre o sentido e a linguagem desempenham papel fundamental na filosofia. Essa preocupação teve como precursor o lógico e matemático alemão Johann Gottlob Frege (1848-1925). Percebendo que a linguagem comum contém expressões geradoras de equívocos, Frege propôs a constituição de uma linguagem formal que restringisse os inconvenientes da linguagem comum. Outros nomes importantes da filosofia analítica foram Bertrand Russel, Ludwig Wittgenstein, John Langshaw Austin e Gilbert Ryle. Bertrand Russel (1872-1970) Nascido no País de Gales (Grã-Bretanha), Bertrand Russel dedicou-se a matemática, à lógica e à filosofia em geral. Escreveu mais de sessenta livros tratando de variados temas, como teoria do conhecimento, ciência, educação, política, lógica, matemática e história da filosofia. Em co-autoria com Alfred North Whitehead, escreveu três volumes de Principia Mathematica, publicados entre 1910-1913. A tese central desta obra consiste em demonstrar que “toda a matemática pura advém dos princípios da lógica pura”. Portanto, há uma identidade entre lógica e matemática. Posteriormente, Russel ampliou esta tese procurando estabelecer os fundamentos lógicos do conhecimento científico em geral. E prosseguindo neste projeto de apontar os pressupostos lógicos da racionalidade, Russel desenvolveu a filosofia analítica submetendo a linguagem humana à análise lógica. Para ele a grande parte dos problemas filosóficos se dissolvem em falsos problemas quando enfrentamos os equívocos, ambiguidades e imprecisões da linguagem cotidiana. O problema fundamental consistiria em investigar em termos lógicos, as proposições lingüísticas para se saber o que estamos realmente falando quando questionamos ou afirmamos isto 1 COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 16.ed. reform. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2006. p..304. pp. 203-206. ou aquilo. A filosofia analítica promoveria uma espécie de terapia lingüística, desmontando as 2 armadilhas ocultas da linguagem. Vejamos como Russel ilustra esse método com um exemplo : Acontece com frequência de alguém se perguntar quando tudo iniciou. O que deu partida ao mundo, de que inicio adquiriu o seu curso? Em vez de darmos uma resposta, examinemos essa palavra no discurso corrente? Para responder a esta indagação secundária, precisamos examinar o tipo de situação em que ordinariamente usamos essa palavra. Talvez pudéssemos pensar num concerto sinfônico e dizer que o seu inicio será às oito horas. Antes do início, poderíamos jantar na cidade, e depois do concerto voltar para casa. O importante é observar que faz sentido perguntar o que aconteceu antes do início e o que ocorreu depois. Um início é um ponto no tempo, que marca uma fase de algo que acontece no tempo. Se retornarmos agora à questão filosófica fica claro que, neste caso, empregamos a palavra início de modo completamente diferente, porque não se pretende que jamais perguntássemos o que aconteceu antes do início de todas as coisas. Na verdade, explicando assim, podemos ver o que há de errado com a pergunta. Perguntar por um início sem nada que o preceda, é como perguntar por um quadrado redondo. Depois de compreendermos isso, deixaremos de fazer essa pergunta, porque compreenderemos que não tem sentido. Ludwig Wittgenstein (1889-1951) Ludwig Wittgenstein, diz ser necessário fazer uma “terapia da linguagem”, ao final da qual muitos dos problemas filosóficos se mostrariam como falsos problemas, como simples problemas de linguagem. Seu percurso filosófico pode ser dividido em duas grandes fases. Na primeira fase, configurada no Tractatus lógico-philosophicus, ele intensificou a busca de ums estrutura lógica que pudesse dar conta do funcionamento da linguagem. Para ele, a estrutura da linguagem deveria corresponder à realidade dos fatos. Em suas palavras: “um estado de coisas é pensável, quer dizer: podemos fazer uma figura dele. A totalidade dos pensamentos verdadeiros é uma figura do mundo”. Em sua segunda fase, Wittgenstein deu um giro de 180º e se afastou dessa compreensão de que a verdade da proposição deve ser verificada na experiência do mundo real, e passou a afirmar a impossibilidade de uma redução legítima entre um conceito lógico (da linguagem) e um conceito empírico (da realidade). Em outras palavras, a linguagem não seria a captura conceitual da realidade, isto é, não seria a reprodução do objeto, mas sim uma atividade, um jogo. E os jogos de linguagem adquirem o seu significado no uso social, nos diferentes modos de ser e de viver no qual a fala está inserida. De acordo com Wittgenstein, a linguagem comum possui uma riqueza de espécies e tipos de frases que são usadas em situações específicas (mandar, pedir, relatar, descrever, inventar, 2 Russel oferece este exemplo do método analítico, embora ressalve que não aceita este argumento em particular. agradecer etc.) e formam os “jogos de linguagem”, que se produzem socialmente e não individualmente. Com essa perspectiva, abandonou a intenção de fazer da linguagem comum a “pintura da realidade”, como ele mesmo havia dito anteriormente. O termo linguístico não poderia mais ser explicado por meio de uma análise lógica, mas apenas a partir de seu uso social. Na sua obra Investigações filosóficas, Wittgenstein explica: “A linguagem é como uma caixa de ferramentas”. Para ele, não se trata mais de considerá-la falsa ou verdadeira, mas de saber usá-la A tarefa da filosofia da linguagem é usar adequadamente a linguagem, sabendo dos seus limites e calando-se diante do que não pode ser falado.