Artigo de Margareth Chan www.thelancet.com A inocuidade dos alimentos deve estar aliada à segurança nutricional e alimentar Apesar dos progressos na redução da subnutrição, muitos desafios relacionados aos alimentos ainda afetam a população mundial, inclusive deficiências de minerais e vitaminas, obesidade e doenças subnotificadas. Esses desafios se devem em parte à disponibilidade de alimentos mais baratos, convenientes e altamente processados, que apelam para o paladar. Mas as ameaças aos alimentos não param por ai. Uma área que, embora com menor visibilidade, tem recebido bastante atenção da comunidade internacional é o esforço para assegurar a inocuidade dos alimentos que produzimos, comercializamos e comemos, preservando-os de infecções e contaminantes. Essas questões estarão na agenda de líderes governamentais de todo o mundo quando se reunirem em Roma, Itália, para a segunda Conferência Internacional sobre Nutrição, programada conjuntamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), de 19 a 21 novembro de 2014. Gostaríamos que a conferência emitisse uma declaração política em prol de uma abordagem global destinada a propiciar sustentavelmente a todas as pessoas uma dieta inócua, saudável e diversificada. Mas essa dieta deveria consistir em quê? E como asseguraríamos a inocuidade dos alimentos constituintes de nossa dieta saudável?. Todos precisam de alimentação, e precisam dela todos os dias. Precisamos de uma base ampla de alimentos de origem vegetal, inclusive frutas, verduras e legumes, cereais e óleos vegetais, geralmente acompanhados de uma quantidade adequada de alimentos de origem animal. Deve-se manter baixa a ingestão de açúcares livres e gorduras saturadas, que devem representar apenas 10%, ou até menos, de nosso consumo total de energia, assim como o consumo de sal deveria ser inferior a 5 gramas por dia. Precisamos cozinhar nosso próprio alimento e consumi-lo socialmente. Os alimentos devem ser nutritivos – e inócuos. Apesar disso, a inocuidade dos alimentos é um problema invisível e frequentemente negligenciado. Em sua maioria, as pessoas que sofrem de diarreia não consultam um médico. Doenças e mortes são atribuídas a outras causas, mesmo quando a culpa é dos alimentos ingeridos. Frequentemente ouvimos alguém dizer: “Deve ter sido algo que comi”. Doenças transmitidas por alimentos, decorrentes de infecções agudas causadas por pató- genos ou por exposição crônica a produtos químicos, são insuficientemente notificadas e não há estatísticas precisas dos seus efeitos sobre a sociedade. Tudo o que sabemos é que os segmentos mais vulneráveis da população - crianças e idosos - veem aumentando e, com isso, está também aumentando a camada daqueles que incorrem em maior risco. Muitas vezes é necessário um escândalo global para conscientizar a coletividade a respeito da inocuidade dos alimentos, como, por exemplo, a crise de encefalopatia espongiforme bovina na década de 1990 ou a adulteração de leite com melanina, em 2008, que atingiu em cheio alguns países. A ameaça contra a inocuidade dos alimentos é esquecida até que surja uma nova emergência. Já é mais do que hora de uma resposta sustentável para os problemas centrais, tais como a falta de consenso entre as autoridades em inocuidade dos alimentos, orçamentos instáveis e a escassez de evidências convincentes sobre os efeitos de doenças de transmissão alimentar. Por isso, a OMS dedicará seu Dia Mundial da Saúde de 2015 à inocuidade dos alimentos, a fim de catalisar ações coletivas governamentais e públicas que visem à adoção de medidas destinadas a aprimorar a inocuidade dos alimentos, oriundos do campo e de fábricas, vendidos por ambulantes, ou preparados em cozinhas. Ainda em 2015, a OMS irá, pela primeira vez, publicar estimativas da carga global de doenças transmitidas por alimentos, mostrando finalmente a magnitude do problema. Novos métodos permitirão que os países es- www.thelancet.com Published online November 19, 2014 http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(14)62037-7 Published Online November 19, 2014 http://dx.doi.org/10.1016/ S0140-6736(14)62037-7 timem suas cargas de doenças transmitidas por alimentos, para que possam informar as autoridades e mobilizar recursos urgentemente necessários. Hoje, a cadeia de alimentos estende-se por milhares de quilômetros, ultrapassando fronteiras nacionais, e consistindo em várias etapas, da produção ao consumo. Um erro cometido por um produtor num determinado país pode afetar a saúde de consumidores do outro lado do planeta. No nosso mundo globalizado, não são somente as pessoas que viajam com rapidez para destinos longínquos, mas os alimentos também. A inocuidade dos alimentos requer um esforço global. A OMS há muito tempo, colabora com várias atividades da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura e da Organização Mundial da Saúde Animal, a fim de assegurar a inocuidade dos alimentos em todos os elos da cadeia de alimentos. Juntos, avaliamos os riscos e perigos associados aos alimentos, definimos padrões internacionais, acionamos mecanismos de alerta global, avaliamos a relevância e a seguridade de novas tecnologias de alimentos e auxiliamos países a estruturar capacidades básicas. Espero que os governos nacionais sigam esse exemplo e construam pontes entre setores, a fim de progredir em causas de saúde pública. A inocuidade dos alimentos é o teste decisivo da capacidade governamental para empreender diálogo e coordenação multi-setorial, especialmente entre os setores de saúde, agricultura, comércio e meio-ambiente. A inocuidade dos alimentos é motivo de outras preocupações de saúde pública, e a resistência antimicrobiana é uma delas. Micro-organismos resistentes que entram na cadeia de alimentos são hoje uma séria ameaça à segurança da saúde pública. O uso prudente de antimicrobianos na medicina humana é crucial no combate à resistência antimicrobiana. Esse uso prudente é igualmente crucial na agricultura, particularmente na produção animal e na piscicultura. A inocuidade dos alimentos deveria servir como plataforma para unir as partes interessadas, com vistas à conscientização e à adoção de medidas para a solução do problema. Em maio de 2015, a OMS apresentará um plano global de ações na Assembleia Mundial da Saúde para a resolução do crescente problema de resistência antimicrobiana. A produção de alimentos seguros é uma força motriz do desenvolvimento sustentável. Os países em desenvolvidos podem ganhar acesso ao mercado global somente se provarem que seus produtos obedecem a normas internacionais de inocuidade dos alimentos. Cada vez mais cientes do elo entre inocuidade dos alimentos e desenvolvimento econômico, esses países vêm participando ativamente do estabelecimento de padrões internacionais de alimentos, no contexto da Comissão do Codex Alimentarius. Alimento é vital para nossas vidas, como a água e o ar, fornecendo prazer e muito mais. O primeiro alimento que o ser humano consome – leite materno – é um dos mais seguros para recém-nascidos, fornecendo todos os nutrientes essenciais, oferecendo proteção imunológica e criando um elo emocional entre mãe e bebê. Todo alimento introduzido mais tarde pertence a nossas respectivas culturas. Há décadas, a OMS vem defendendo práticas seguras e higiênicas para a preparação de alimentos. As Cinco Chaves de Segurança em Alimentos da OMS aplicam-se a todas as culturas e comunidades. Mas as autoridades nacionais e locais devem comunicar a importância da inocuidade dos alimentos por meio de mensagens concebidas especificamente para suas comunidades, visto que alimentos e práticas alimentares variam significantemente de um lugar para outro. Seria desastroso se os alimentos centrais em nossas vidas se tornassem inseguros para o consumo. Ainda há muito a ser feito para evitar isso. Mas poderíamos começar formulando políticas para as áreas de agricultura, comercio, saúde, educação e proteção social, com o fim de propiciar uma dieta saudável e segura a todos. Margaret Chan World Health Organization, 1211 Geneva 27, Switzerland [email protected] I am Director-General of WHO. I declare no competing interests. © 2014. World Health Organization. Published by Elsevier Ltd/Inc/ BV. All rights reserved. 1 WHO. FAO/WHO second international conference on nutrition (ICN2). 2014. http://www.who.int/nutrition/topics/ WHO_FAO_announce_ICN2/en/ (accessed Nov 12, 2014). 2 WHO. Burden of foodborne disease. http://www.who.int/ foodborne_disease/burden/en/ (accessed Nov 12, 2014). 3 WHO. INFOSAN in action in the Americas. 2014. http:// www.who.int/foodsafety/en/ (accessed Nov 12, 2014). 4 WHO. WHO draft global action plan on antimicrobial resistance. 2014. http://www.who.int/drugresistance/amr_global_action_plan/en/ (accessed Nov 12, 2014). 5 WHO and FAO. The 50th anniversary of Codex Alimentarius. 2013. http://www.codexalimentarius.org/50th-anniversary/ (accessed Nov 12, 2014). 6 WHO. The Five Keys to Safer Food programme. http://www. who.int/foodsafety/areas_work/food-hygiene/5keys/en/ (accessed Nov 12, 2014).