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Lopes • A economia mundial e as doenças emergentes
A economia mundial e as doenças emergentes
The world-wide economy and the emergent diseases
Hélio Vasconcellos Lopes*
* Chefe do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Heliópolis. Chefe da Enfermaria de Doenças
Infecciosas do Hospital Mário Covas.
Professor Titular da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC.
Rev Panam Infectol 2005;7(2):43-44
Recibido en 3/6/2005.
Aceptado para publicación en 15/6/2005.
Nosso universo tem mais de 6 bilhões de habitantes; destes,
acima de 500 milhões vivem na miséria; 1 bilhão vive com menos
de 1 dólar por dia e quase 2 bilhões vivem com menos de 2 dólares
por dia.
Recentemente, um relatório da ONU(1) mostrou que a pobreza
causa um tsunami a cada cinco dias ou, em outras palavras: doenças
evitáveis, relacionadas à pobreza matam – a cada cinco dias – tantas
pessoas quanto o recente desastre do tsunami, na Ásia. Multiplicada
esta conta, a cada ano o total de mortes equivale a 68 tsunamis.
O tsunami ocorrido em 26/12/2004 matou cerca de 300.000
pessoas, levou milhões à pobreza mais profunda, destruiu empregos
e modos de vida, rompeu sistemas de educação e causou danos
ambientais que levarão anos para ser recuperados(1).
E os sobreviventes, na região do tsunami? Estão, ainda hoje,
sofrendo as suas conseqüências: expostos a água e a alimentos
contaminados, a insetos e ao calor, continuam envolvidos com
os riscos de adquirir doenças como cólera, febre tifóide e outras
doenças diarréicas, hepatites A e E, leptospirose, malária, dengue e peste.
A malária alcança 300 a 500 milhões de casos novos por ano;
75% destes casos ocorrem em crianças, no continente africano; 90%
das mortes, na África subsaariana, predominantemente em crianças
com menos de cinco anos de idade. Cerca de 41% da população
mundial (o que equivale a 2,5 bilhões de pessoas) em mais de 100
países, está exposta ao risco de contrair malária(2).
Dengue, também em mais de 100 países, infecta de 50 a 100
milhões de pessoas, por ano, segundo a OMS.
Com relação à Aids, recentemente um relatório conjunto da
OMS, Unaids, Fundo Mundial e governo dos Estados Unidos(3)
mostra que existem, atualmente, 6 milhões de pacientes necessitando de tratamento anti-retroviral, nos países em desenvolvimento. Destes, 72% são habitantes da África subsaariana. Mas
quantos recebem terapia ARV? Apenas 12%, um universo de
700.000 pessoas. A Tanzânia, com 263.000 pacientes necessitando de tratamento, o faz apenas para 2.880, em percentagem,
1%. A Índia, com indicação terapêutica para 770.000 pacientes,
trata apenas 4% deles(4).
Dos 4,9 milhões de casos novos de pacientes HIV positivos
por ano, 3,1 milhões (63%) situam-se na África subsaariana. A
síndrome da imunodeficiência adquirida está se deslocando para
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a Índia e os demais países do sul/sudeste asiático,
futuro epicentro da pandemia: isto está ocorrendo
devido às grandes desigualdades (social, econômica
e política), além das elevadas taxas populacionais dos
países dessa região.
A influenza é mais democrática: as pandemias de
18, 57 e 68, no século 20, atingiram tanto os países
pobres como os ricos; contudo, diante da expectativa
de uma nova e próxima (?) pandemia, o vírus potencial
- H5N1 - será atraído pelos países pobres, os emergentes. Isto deverá ocorrer porque o desenvolvimento
de vacinas com o vírus pandêmico – única profilaxia
potencialmente eficaz – está restrito a nove países
desenvolvidos(5), com disponibilidade atual de produzir
vacinas para proteger apenas 450 milhões de pessoas:
e o “resto” do mundo, como vai ficar(6)?
Tuberculose. A OMS decretou, a partir de 1993,
estado de emergência, como enfermidade emergente.
A associação com HIV impulsionou seu crescimento
em todo o mundo. Entretanto, as maiores taxas de
incidência estão presentes na África, com mais de
300 casos novos para 100.000 habitantes, enquanto nos Estados Unidos e na Europa estas taxas são
inferiores a 40/100.000 habitantes. A associação
de HIV aos casos de tuberculose revela-se muito
mais elevada, acima de 50%, em diversos países do
centro-sul africano(7).
Cerca de 3 milhões de pessoas estão morrendo,
anualmente, de doenças para as quais existem
vacinas preveníveis, tais como poliomielite, coqueluche, sarampo, tétano (inclusive tétano umbilical)
e hepatite B(8).
Voltando à economia, presente no título deste
artigo, cito dados de um editorial do The New York
Times(9): os Estados Unidos destinaram, em 2004,
400 bilhões de dólares para suas Forças Armadas,
100 bilhões para operações militares no Iraque e Afeganistão e 16 bilhões com ajuda externa para países
pobres do mundo.
Concluindo, cito duas frases de um jornalista
brasileiro(10), que expõe - com nitidez - a relação das
doenças emergentes, da miséria e dos países pobres
com a desigualdade econômica:
“Pobreza e fome (e, conseqüentemente, também
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as doenças emergentes, reemergentes e evitáveis) se
concentram nos países que estão fora do processo de
globalização e da economia de mercado, especialmente
os da África”.
“Os subsídios que os países ricos dão aos seus
produtos provocam uma redução na importação e uma
queda de preços dos produtos exportáveis pelos países
pobres, ditos em desenvolvimento”.
E ainda existe quem acredita que o controle destas
doenças é apenas um problema de saúde pública?
Referências
1. Three months after the Indian Ocean earthquake tsunami. Disponível em: http://www.who.int/hac/crises/international/asia_tsunami/3months/en/index.html. Acessado
em 26/03/2005.
2. What is Malaria? Disponível em: http://www.who.
int/mediacentre/facsheets/fs094/en/. Acessado em
12/03/2003.
3. Comunicado de prensa conjunto OMS/ONUSIDA/Fondo
Mundial/Gobierno de los Estados Unidos. Em 26 de
enero de 2005/Davos. Disponível em: http//www.who.
int/mediacentre/news/releases/2005/pr07/es/. Acessado
em 12/03/2005.
4. Investing in a comprehensive health sector response to
HIV/AIDS. Disponível em: http://www.who.int/3by5/en/
HIV_AIDSplan.pdf. Acessado em 20/03/2005.
5. Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Holanda, Austrália e Japão.
6. David Fedson, em conferência realizada em 17/05/05,
em Caracas, Venezuela, no XII Congresso da Associação
Panamericana de Infectología.
7. Tuberculosis. Disponível em: http://www.who.int/topics/
tuberculosis/en/ Acessado em 20/04/2005.
8. Fauci A. Clin Infec Dis 2001;32:675.
9. Editorial, The New York Times, 01/03/2005
10. Carlos Sardenberg. O Estado de São Paulo, 14/02/2005;
www.sardenberg.com.br.
Correspondência:
Dr. Hélio Vasconcellos Lopes
R. Agostinho Rodrigues Filho, 435
04026-040, São Paulo, SP, Brasil.
e-mail: [email protected]
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