Artigo Original Original article Tratamento do cancro colo-rectal avançado com metastização hepática síncrona Treatment of advanced colorectal cancer with synchronous liver metastases R. Barreira1 , E. Barbosa1,2, RESUMO ABSTRACT Introdução: A metastização hepática surge em metade dos pacientes com cancro colo-rectal, dos quais 25% têm metastização síncrona. Esta monografia tem como objectivo rever o momento ideal da cirurgia, o papel da quimioterapia e das intervenções loco-regionais não cirúrgicas, no tratamento da metastização hepática síncrona do cancro colo-rectal. Métodos: Pesquisa na base de dados Pubmed desde Janeiro de 2008 até Setembro de 2010. Resultados: A ressecção cirúrgica continua a ser a única terapêutica potencialmente curativa. A abordagem clássica da metastização hepática síncrona consiste em ressecar o tumor primário, seguindo-se quimioterapia e, por fim, ressecção hepática. Estudos recentes verificaram que a ressecção simultânea e inversa (se primário assintomático) podem ser realizadas com segurança e outcomes comparáveis. Também foi demonstrado um aumento da sobrevida global/sobrevida livre de doença em pacientes submetidos a quimioterapia. Adivinha-se uma maior eficácia com a introdução dos agentes biológicos. A ablação por radiofrequência e a terapêutica regional têm tido sucesso, a primeira em combinação com a ressecção, a segunda nos casos refractários à quimioterapia sistémica. Conclusão: Consequentemente à multiplicidade de modalidades de tratamento e sequências de tratamento existentes, a abordagem deve ser feita por uma equipa multidisciplinar. Há consenso quanto à necessidade de estudos randomizados prospectivos. Introduction: Colorectal cancer liver metastases occur in half the patients. Of these, 25% have synchronous metastases. This paper aims to review the ideal time for surgery, the role of chemotherapy and non-resectional locoregional interventions, on the treatment of synchronous colorectal cancer liver metastases. Methods: Search on Pubmed database from January (2008) until September (2010). Results: Surgical resection remains the only potentially curative approach. The classical management of synchronous hepatic metastases is to resect the primary tumor, followed by chemotherapy and, finally, liver resection. Recent studies verified that simultaneous resection and reverse resection (if primary asymptomatic tumor) can be performed safely and with comparable outcomes. It was also demonstrated an increase in overall survival and disease-free survival in patients who received chemotherapy. Additionally, the introduction of biological agents is expected to increase that efficiency. Radiofrequency ablation and regional therapies have been successful, the first in combination with resection and the latter in refractory cases to systemic chemotherapy. Conclusion: Due to the multiplicity of treatment modalities and sequences of treatment available, the approach must be made by a multidisciplinary team. Prospective randomized trials are needed to clarify the best management of each individual case. INTRODUÇÃO O cancro colo-rectal (CCR) é uma neoplasia muito frequente e letal.1 É o terceiro cancro mais frequente tanto no homem como na mulher.1,2 Raramente leva a morte por crescimento local do tumor, mas sim por disseminação.3 Os locais mais comuns de metastização são, por ordem de frequência, os nódulos linfáticos regionais, o fígado, pulmões e peritoneu.4 Estima-se que, na altura de apresentação, as metástases síncronas apareçam em até 30% dos casos de CCR.5 A metastização hepática surge em aproximadamente metade dos pacientes com CCR, e entre estes, 25% têm metástases hepáticas (MH) síncronas no momento do diagnóstico.6 A cirurgia continua a ser a única terapêutica potencialmente curativa, no entanto, a hepatectomia só é possível em cerca de 20% dos casos, com sobrevida aos 5 anos de 35-58%.7,8 As MH síncronas podem ser ressecadas com segurança.6,9 No entanto, o momento ideal para a intervenção cirúrgica e o seu tratamento antes do tratamento do tumor primário (desde que não esteja em oclusão ou a sangrar), permanece controverso.6,10 Também se discute o verdadeiro papel da quimioterapia (pré e pós operatória) e das intervenções loco-regionais não cirúrgicas.11-15 O tratamento do CCR avançado evoluiu dras- Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; 2Serviço de Cirurgia Geral, Hospital São João 1 Correspondência: Elisabete Barbosa • Departamento de Cirurgia Geral, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Alameda Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto • E-mail: [email protected] REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 17 Artigo Original Original article ticamente na última década tanto a nível cirúrgico como a nível da terapêutica adjuvante e paliativa. Actualmente, um paciente com CCR metastizado tem uma sobrevida média esperada de cerca de 24 meses, comparativamente aos 12 meses esperados há alguns anos.8 No entanto, as melhores estratégias para cada caso ainda não estão bem definidas. O objectivo desta monografia é rever, analisar e discutir os argumentos defendidos na literatura actual, relativamente à abordagem do CCR avançado, nomeadamente com metastização hepática. lução ao nível da anestesiologia, da radiologia diagnóstica e de intervenção, da terapêutica quimioterápica e, muito importante, da cirurgia hepato-biliar.16,17 Por outro lado, há uma crescente preocupação e pressão em reduzir os custos nos cuidados de saúde.16 Tudo isto conduziu ao crescimento progressivo de controvérsias em torno dos métodos tradicionais de tratamento do CCR com metastização hepática. Actualmente, existem várias opções a ter em conta no tratamento da metastização hepática síncrona do CCR. MÉTODOS A fim de avaliar a evidência científica recente no que diz respeito ao tratamento do CCR com MH, foi realizada uma pesquisa na base de dados Pubmed, com os seguintes limites: estudos realizados em humanos, publicados em inglês, português ou espanhol. A pesquisa foi efectuada com as seguintes combinações de palavras-chave: metastatic colorectal cancer treatment, colorectal hepatic metastases or colorectal liver metastases, synchronous resection of colorectal liver metastases. Foram excluídos editoriais, cartas ao editor e artigos de opinião, assim como, artigos que, após leitura do título, abstract ou leitura integral, se revelassem inadequados para o tema. Foram incluídas as publicações desde Janeiro de 2008 até Setembro de 2010. Para uniformização do trabalho foram apenas integrados os artigos cuja definição de metastização síncrona compreendia aquela detectada anteriormente ou durante a ressecção do tumor primário. Foram ainda incluídos os artigos que, não tendo sido detectados na pesquisa inicial e independentemente da data e tipo de publicação, encontravam-se referenciados nos artigos seleccionados e foram considerados relevantes para a elaboração da monografia. Assim, de um total de 5178 artigos obtidos na pesquisa (723 revisões), foram seleccionados pela leitura do título, desde Janeiro de 2008 até Setembro de 2010, 81 artigos. Após a leitura do abstract e leitura integral, foram seleccionados 40 artigos. Foram ainda incluídos 116 artigos referenciados a partir dos artigos seleccionados. Concluindo, 117 (40+77) artigos foram usados para a elaboração da monografia. Ressecção cirúrgica A ressecção cirúrgica das MH do CCR continua a ser a única abordagem potencialmente curativa.18,19 No entanto, só é possível em cerca de 20% dos casos.20 É um procedimento seguro e eficaz, sendo que estudos a partir de 1990 revelam mortalidades menores que 5%.21 Já artigos mais recentes revelam mortalidades de 1-2%.22 Esta diminuição foi conseguida mesmo nas hepatectomias mais extensas.23 A ressecção hepática tem sido ainda associada a taxas de morbilidade da ordem dos 20-50%.24 Mais de 40% dos pacientes submetidos a ressecção hepática por metástases de CCR sobrevivem pelo menos 5 anos após ressecção (20). A recorrência ocorre em cerca de 2/3 dos pacientes, sendo que metade delas ocorre no fígado.23 A abordagem clássica das MH do CCR consistia em ressecar o tumor primário e, passados 2-3 meses, realizar-se-ia a ressecção hepática se não tivesse ocorrido progressão da doença, com quimioterapia no período de intervalo entre ressecções.25 As MH síncronas podem ser ressecadas com segurança, e foram alcançadas taxas de sobrevida sobreponíveis às das metástases metácronas.6,9 Contudo, a altura ideal para a remoção cirúrgica da metastização síncrona ainda não está bem definida, e as várias abordagens possíveis são alvo de discussão nesta monografia (vide infra). Existem vários factores de prognóstico identificados que são úteis para prever o risco de recorrência e a probabilidade de sobrevida a longo prazo.23 Alguns estudos demonstraram que a apresentação síncrona de MH do CCR seria, por si só, um indicador de pior prognóstico a longo-prazo, o que justificaria uma abordagem clássica.11,16 No entanto, em estudos mais recentes, a apresentação síncrona das MH do CCR não foi identificada RESULTADOS/DISCUSSÃO Na última década assistiu-se a uma grande evo- 18 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 Artigo Original Original article como factor de pior prognóstico quando comparada com a apresentação metácrona.27 Considerações cirúrgicas Em 1950, Couinaud clarificou a anatomia segmentar hepática.28 Este conhecimento, aliado ao uso de ecografia intra-operatória (EIO), possibilitou o mapeamento individual da anatomia vascular e das relações do tumor, e assim delinear a cirurgia “óptima” para cada paciente, minimizando a morbilidade e mortalidade.29 De facto, os cirurgiões hepáticos conseguiram demonstrar a superioridade da EIO sobre o estudo imagiológico pré-operatório.30 Por norma, a EIO utiliza ultra-sons de elevada resolução, detectando tumores de 3-4mm.30 Contudo, a melhor maneira de diminuir ao máximo a morbilidade e mortalidade da cirurgia hepática é minimizando as perdas sanguíneas.31 Historicamente, utilizava-se a digitocrasia, em que o fígado era “esmagado” pelos dedos, mantendo-se intactas as estruturas vasculares de maior calibre, mas não os vasos mais pequenos nem as frágeis veias hepáticas, grandes responsáveis pela hemorragia.31 Mais recentemente, o uso de baixas pressões venosas centrais e os avanços na anestesia permitiram reduzir a morbilidade e mortalidade da cirurgia hepática.29 O fluxo sanguíneo hepático pode ser controlado impedindo o influxo proveniente da veia porta e artéria hepática. Consequentemente, se existir um clamp a impedir este influxo, a hemorragia só poderá ocorrer pelas veias hepáticas, que estão em continuidade com a veia cava.32 Assim, se a pressão venosa central e a pressão na veia cava for baixa, a ruptura de uma veia hepática não resultará em hemorragia significativa.32 Nos últimos anos houve um grande interesse na cirurgia hepática minimamente invasiva ou laparoscópica que, no geral, é tecnicamente mais exigente, sendo pouco provável que traga algum benefício significativo para os pacientes em termos de controlo da doença.33 A maior vantagem é uma menor duração do internamento.33 As áreas de mais simples acesso são os segmentos 2 e 3, 5 e 6 (os mais periféricos).32 Relativamente à margem de ressecção, estudos mostraram que a obtenção de uma margem negativa diminui a recorrência local e melhora a sobrevida.35,36 Cady et al.36 reportaram que uma margem de ressecção menor que 1cm associa-se a uma sobrevida livre de doença significativamente menor e, por isso, muitos centros têm adoptado a regra de 1cm como a margem mínima a obter durante a ressecção hepática. Critérios de ressecabilidade Tradicionalmente, não se considerava a hepatectomia como abordagem inicial das seguintes situações: incapacidade de obter ressecções tumorais completas (MH de grande tamanho, má localização), incapacidade de obter uma margem de ressecção igual ou superior a 1cm, existência de 4 ou mais metástases, doença bilobar ou doença extra-hepática.37,38 Alguns investigadores consideraram ainda a metastização hilar nodal uma contra-indicação para a ressecção hepática.22 Contudo, Yasui et al.39 e Jaeck et al.40) reportaram uma taxa de sobrevida aos 5 anos em pacientes com CCR e gânglios linfáticos hepáticos positivos, submetidos a ressecção hepática, de 41,7% e 38%, respectivamente. Assim, o envolvimento linfático hepático é um factor de pior prognóstico mas não deve ser considerado uma contra-indicação para a cirurgia hepática.39,40 Actualmente, com o grande progresso na cirurgia hepática e nos cuidados intra e pós operatórios, muitos tumores anteriormente considerados irressecáveis são agora passíveis de ressecção completa.12 Tem-se adoptado a ideia de que ressecabilidade compreende a capacidade de atingir uma ressecção completa, com margens negativas, mantendo pelo menos dois segmentos hepáticos contíguos e um remanescente do volume hepático funcional total superior a 20%.28 Simmonds et al.7, Rees et al.17, e Adam et al.41, afirmaram que, actualmente, dever-se-ia indicar a ressecção na doença que possa ser cirurgicamente ressecada (inclusive perante doença extra hepática). O remanescente deve ser suprido pela veia porta e artéria hepática, o ducto biliar deve ficar em continuidade com o intestino, uma das três veias hepáticas principais deve ser mantida e o remanescente deve possuir cerca de 20-25% do volume hepático funcional total.28,42 De notar que, a sobrevivência com um remanescente de 25% requer que o tecido hepático residual não possua cirrose, esteatose e, com maior importância actualmente, esteatohepatite REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 19 Artigo Original Original article associada a quimioterapia (CASH).43 Relativamente às ressecções R0 de MH, estudos mais recentes mostram que o benefício da cirurgia estende-se não só às ressecções R0 (sobrevida média aos 5 anos de 37%) mas também às R1, ou seja, com margens de ressecção positivas (sobrevida média aos 5 anos pós-cirurgia de 20%).13 E, no que diz respeito, à doença extra-hepática também têm surgido novas linhas de pensamento. O envolvimento metastático extra-hepático no CCR é frequentemente considerado como representando doença disseminada, o que contribui para a relutância na proposta desses doentes para metastasectomia. Adicionalmente, os estudos relativos a esta situação ainda são escassos, o que torna difícil definir quando é que a metastasectomia deve ser proposta. Contudo, estudos recentes revelaram que pacientes seleccionados com doença metastática hepática e extra-hepática (pulmonar ou carcinomatose peritoneal) podem beneficiar da ressecção cirúrgica.44-47 Como aumentar o número de candidatos à ressecção cirúrgica? As duas técnicas cirúrgicas actualmente mais usadas aumentam o tecido hepático disponível, sendo elas: a ressecção em dois estadios e a embolização da veia porta (EVP), que na prática são realizadas em conjunto.28 No primeiro caso, a doença tumoral é removida de um dos lobos ou este é inicialmente ressecado.28 Após um período de recuperação, que permite a regeneração do lobo tratado e que dura geralmente um mês, segue-se o tratamento do lado contralateral.28 A outra técnica, a EVP, foi descrita pela primeira vez por Makuuchi no contexto de colangiocarcinoma hilar.28 Baseia-se no facto da embolização de determinados ramos da veia porta levar à atrofia do segmento/lobo suprido pelo ramo e hipertrofia dos restantes supridos pela veia porta.28 É um procedimento seguro, contudo, o risco de embolia mantém-se, como resultado de uma possível migração de material para a veia porta principal ou para ramos que suprem o futuro remanescente hepático.12 O desenvolvimento destas técnicas foi muito importante, pois permitiu ponderar a doença metastática bilobar como candidata a metastasectomia.48 De facto, esta é uma questão complexa uma vez que implica ressecções extensas. Karoui et al.48 reportaram, pela primeira vez, os resultados de pacientes seleccionados com doença metastática hepática bilobar síncrona de CCR. Estes foram submetidos a hepatectomia em dois estadios, EVP e ainda ablação por radiofrequência (nas metástases de mais difícil ressecção ou localizadas mais profundamente).48 Na primeira fase foi realizada uma segmentectomia lateral ou uma ressecção em cunha para ressecar a(s) metástase(s) do remanescente hepático.48 Adicionalmente, esta fase foi combinada com a ressecção do tumor primário.48 A EVP é, então, realizada para permitir a hipertrofia do remanescente e cerca de 3-4 semanas depois, é realizada a segunda cirurgia.49 Esta abordagem foi tecnicamente possível em 75% dos pacientes com doença bilobar, tendo-se obtido uma eficácia oncológica em 67%.48 A quimioterapia também pode aumentar a probabilidade de ressecção em doentes que inicialmente se apresentam com metástases irressecáveis, como será discutido mais à frente (vide infra). As controvérsias Ressecção por estadios: Tumor primário em primeiro lugar. Tradicionalmente, a maioria dos cirurgiões defendia a ressecção do tumor primário em primeiro lugar, seguida da ressecção das MH, se estas permanecessem operáveis durante o intervalo de tempo entre cirurgias.16 Estão descritos vários factores a favor do adiamento da ressecção hepática. 1) Quando adiada por aproximadamente 3-6 meses, para outros 2-3, permitiria que a doença oculta se manifestasse e, dessa forma, a cirurgia hepática não representaria benefício adicional.50 Assim, com esta abordagem era possível conhecer o comportamento do tumor, e seleccionar os pacientes que mais provavelmente beneficiariam da hepatectomia parcial.50 Consequentemente, aqueles que deixassem de ser candidatos à ressecção durante o intervalo entre cirurgias seriam poupados à morbilidade e mortalidade de uma cirurgia intra-abdominal major, seguindo para quimioterapia paliativa.50 2) A quimioterapia neoadjuvante administrada neste intervalo de tempo poderia diminuir o número de micrometástases e melhorar a sobrevida global a longo prazo.50 3) Anulava-se o efeito cumulativo dos riscos de duas cirurgias no 20 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 Artigo Original Original article mesmo tempo cirúrgico.12 4) As hepatectomias e ressecções intestinais mais complexas poderiam ser realizadas com a equipa focada num dos procedimentos, para assim diminuir a morbilidade e a mortalidade.12 No entanto, com esta abordagem, MH originalmente ressecáveis podem-se tornar irressecáveis.10,51 Adicionalmente, se a ressecção hepática ainda for possível depois do intervalo de tempo, é necessário um segundo procedimento cirúrgico que implica custos e stress psicológico para o doente.51 Ressecção simultânea (ou combinada ou síncrona): ressecção do tumor primário e MH na mesma cirurgia.Parece haver consenso quanto ao facto da ressecção síncrona só dever ser considerada por equipas cirúrgicas com experiência considerável em ambos os campos.10 Contudo, o paradigma do tratamento destas metástases tem mudado, em parte devido à melhoria significativa da segurança e da eficácia da ressecção simultânea nos últimos anos.52,53 Estudos recentes têm mostrado que a ressecção simultânea pode ser realizada com segurança e com resultados comparáveis a longo prazo e até melhores a curto-prazo comparativamente à ressecção clássica.52-55 Adicionalmente, vários estudos confirmaram que a ressecção síncrona não está associada a uma maior morbilidade ou mortalidade.53,56-58 Foram identificados vários factores a favor da ressecção síncrona. 1) Numa única cirurgia toda a doença tumoral poderia ser ressecada, com maior conforto e menos stress psicológico para o doente.12,50,54 2) Alguns estudos documentaram menor tempo de hospitalização.12 3) Permitiria ainda a redução maciça da carga tumoral e melhorar a resposta à quimioterapia.53 4) Risco de disseminação potencialmente menor.52 5) Há estudos em que a ressecção síncrona se associou a menor morbilidade, principalmente no que diz respeito a complicações hepáticas.59 No entanto, esse menor número de complicações pode estar a ser mascarado pelo facto de em vários estudos o grupo submetido à ressecção clássica se encontrar mais provavelmente associado a quimioterapia pré-operatória, esta sim comprovadamente associada a hepatotoxicidade, podendo ser responsável pelas complicações hepáticas deste grupo.60 Vários estudos recentes obtiveram bons resultados com a ressecção simultânea.53,54,61-66 Os resultados estatisticamente significativos desses estudos estão sumariados no Quadro I. Aqueles que são contra a ressecção síncrona justificam-no com o facto de: 1) alguns estudos terem demonstrado um aumento da morbilidade, do tempo de internamento e até da mortalidade associados à ressecção simultânea;67,68 2) não permite observar o comportamento biológico da doença metastática pós-ressecção do tumor 1º, comprometendo a selecção dos melhores candidatos a cirurgia;50 3) aparentemente está associada a um aumento da taxa de recorrência (parece ser um factor independente preditivo de recorrência.59 Santibañes et al.53 obtiveram taxas de recorrência em pacientes com ressecção síncrona da ordem dos 64%, a maioria das lesões localizadas no fígado, sugerindo presença de doença microscópica residual no momento da cirurgia. É provável que as micrometástases permaneçam irressecadas na ressecção simultânea.3 Contudo, tem sido reportada uma probabilidade de apenas 5-10% de se detectar novas metástases no intervalo entre ressecções.69 Existem, ainda, algumas situações em que a ressecção simultânea deve ser protelada, como por exemplo nas hepatectomias major. Nestes casos, parece associar-se a maior morbilidade e mortalidade em relação à ressecção hepática major isolada.16,59 Adam et al.11 concluíram que as ressecções simultâneas deveriam ser evitadas quando as MH são identificadas na exploração, durante uma ressecção colo-rectal emergente (por perfuração, obstrução ou hemorragia) e quando a probabilidade de insuficiência hepática pós-operatória é alta. Outros estudos defendem que as ressecções simultâneas também deveriam ser evitadas se não for possível atingir uma margem de ressecção negativa11 nos idosos e nas cirurgias complicadas do tumor primário.12 Ressecção inversa (Ressecção por estadios: Metástases em primeiro lugar). Como já foi referido, existem algumas desvantagens quando se opta pela abordagem clássica e, no que diz respeito à metastização hepática, as principais desvantagens são: a quimioterapia realmente eficaz contra as MH não pode ser dada durante o tratamento do tumor primário, principalmente se existirem complicações associadas à cirurgia colo-rectal.70 A segunda desvantagem importante é o rápido REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 21 Artigo Original Original article n QUADRO 1 Resumo dos resultados estatisticamente significativos, a curto e a longo prazo, dos diferentes estudos analisados sobre ressecção simultânea versus ressecção por estadios Autor Ano Cirurgia NTP Resultados estatisticamente significativos* Curto prazo CP Weber 2003 54 Martin 2003 61 Chua 2004 62 Slupski 2009 63 Martin II, Augenstein64 2009 Moug 2010 65 Santibañes 53 Yanxin Luo66 2010 2010 SIM 35 EST 64 SIM Longo prazo TI MH SG*’ SLD NS NS NS NS NS 134 <PS <PO:49% TS:NS 10 NS — — EST 106 >PO:67% 18 — — SIM 64 NS 11 — NS NS EST 32 22 — SIM 28 TC: 250 PS: 950 NS NS 45 — EST*’’ 61 TC: 200 PS: 620 38 — SIM 70 NS — — EST 160 — — SIM 32 NS NS NS EST 32 SIM 185 TS:33,5% 8 1,08% 36,1% 27,9% EST — — — — — — SIM 129 TC: 255 PS: 400 8 NS — — EST 276 TC: 415 PS: 650 14 — — 10 NS 18 NS 12 20 CP: complicações; EST: por estadios; MH: mortalidade hospitalar (taxa); NS: diferenças não significativas; NTP: número total de pacientes; PO: pós operatórias; PS: perdas sanguíneas (mL); SG: sobrevida global (taxa); SIM: simultânea; SLD: sobrevida livre de doença (taxa); TC: tempo cirúrgico (min); TI: tempo de internamento (em dias) TS: transfusões sanguíneas; *p <0,05; *’aos 5 anos; *’’os resultados só incluem dados da ressecção hepática (não cumulativos com a colectomia) crescimento das MH (em modelos de ratos) após a remoção do tumor primário.71 Este último parece estar associado à inibição da angiogénese nas metástases.71 Adicionalmente, em humanos, tem-se demonstrado um aumento da densidade vascular em MH de CCR depois da ressecção do tumor primário.72 Estas duas desvantagens principais deram ímpeto a uma nova abordagem que consiste em liver first (metastasectomia em primeiro lugar, seguida de quimioterapia e depois remoção do tumor primário, ou quimioterapia inicial seguida de metastasectomia e finalmente remoção do primário). Contudo, associa-se a um risco, raro, do tumor primário se tornar obstrutivo, e que pode ser ultrapassado pela colocação de uma prótese, de um estoma ou mesmo por ressecção tipo Hartmann.12 Brouquet et al.73 avaliaram as diferentes abordagens possíveis (simultânea, por estadios e inversa) em 156 pacientes com MH ressecáveis e síncronas de CCR. No Quadro 2 estão representados os resultados a curto e longo prazo. Os autores concluíram que as três abordagens têm resultados similares, e que a estratégia inversa pode ser considerada uma alternativa em pacientes com CCR metastizado e tumor primário assintomático.73 Ressecção cirúrgica do tumor primário assintomático em pacientes com MH irressecáveis: ressecção do tumor primário ou quimioterapia paliativa? O CCR raramente causa morte por crescimento 22 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 Artigo Original Original article n QUADRO 2 Resultados, a curto e a longo prazo, de pacientes com metástases hepáticas ressecáveis e síncronas de cancro colo-rectal submetidos a cirurgia de ressecção hepática combinada ou clássica ou inversa Autor Brouquet et al73 Ano 2010 Cirurgia SIM vs EST Curto prazo Longo prazo SIM vs INV EST vs INV CP* PS: PS: 300 mL vs 600 mL 300 mL vs 500 mL NS MH NS NS SG NS SIM: 55% vs EST: 48% vs INV: 39% SLD NS SIM, EST e INV: 11 meses NS nestes casos a cirurgia colo-rectal permite o início precoce de quimioterapia, que prolonga a sobrevida e cria a possibilidade de tornar a doença metastática ressecável. Em conclusão, a morbilidade pós-operatória da ressecção colo-rectal, a falta de benefícios em termos de sobrevida, o pequeno número de complicações de tumores não ressecados e o atraso no início da quimioterapia afastam a necessidade de cirurgia colo-rectal em pacientes com MH irressecáveis de CCR assintomático. Papel da quimioterapia e terapêuticas biológicas CP: complicações; EST: por estadios; INV: inversa; MH: mortalidade hospitalar; NS: não significativos; PS: perdas sanguíneas; SG: sobrevida global; SLD: sobrevida livre de doença; SIM: simultânea; *resultados estatisticamente Vários estudos têm demonstrado um significativos. aumento da sobrevida global e da local do tumor, mas sim pela disseminação, prin- sobrevida livre de doença em pacientes com CCR cipal factor limitante da sobrevida.74 Embora a avançado submetidos a quimioterapia.79 Os agentes quimioterápicos mudaram subsressecção cirúrgica do CCR sintomático na presença de MH irressecáveis seja generalizadamente tancialmente ao longo da última década, no aceite, estudos recentes questionam a abordagem entanto, o 5-fluorouracilo (5-FU) mantém-se do tumor primário quando este é assintomáti- como a peça chave da maioria dos protocolos co.11,25 Tradicionalmente, tem sido realizada para de tratamento correntes.80 Do regime tradicional prevenir 1) eventuais complicações consequentes fazem então parte o 5-FU e o leucovorine (LV) ou a crescimento tumoral local e 2) desenvolvimento ácido folínico. Dois novos agentes, o irinotecano adicional da doença metastática influenciando e oxaliplatina, são usados em combinação com o negativamente os resultados a longo prazo.11 Con- regime tradicional. À combinação do irinotecano tudo, estudos recentes mostraram que a maioria e da oxaliplatina com o 5-FU/LV chama-se FOLdos pacientes com doença metastática generali- FIRI e FOLFOX, respectivamente.12,81 Enquanto zada não desenvolve complicações resultantes de a quimioterapia tradicional tinha uma eficácia um tumor primário irressecável, e que a taxa de limitada, com taxas de resposta não excedendo os obstrução intestinal subsequente a crescimento 25%, as novas combinações parecem permitir uma tumoral é semelhante à taxa de obstruções cau- resposta tumoral em aproximadamente 50% dos sadas por adesões pós cirurgia colo-rectal.75 Já o pacientes, com aumento da sobrevida média de 12 conceito tradicional de que a redução cirúrgica da meses com 5-FU/LV para mais de 20 meses com a carga tumoral promove benefício imunológico e associação aos novos agentes.82 Adicionalmente, aumento da susceptibilidade para a quimioterapia os esquemas FOLFIRI/FOLFOX parecem facilitar é ainda aplicado no tratamento de alguns tumores a ressecção em 9-40% das metástases inicialmente sólidos.76 No entanto, foi recentemente demons- irressecáveis.83 A combinação da ressecção com trado que a ressecção primária do CCR avançado a quimioterapia moderna está associada a uma em doentes assintomáticos não tinha nenhum sobrevida aos 5 anos que praticamente alcança efeito na sobrevida a longo prazo, reforçando al- os 60% em pacientes seleccionados.84 Mais recentemente, adivinha-se ainda uma gumas publicações anteriores que mostravam que a ressecção exclusiva do tumor primário, sem re- maior eficácia com a introdução dos agentes moção completa das MH, não promovia nenhuma biológicos dirigidos, o bevacizumab, anticorpo melhoria na sobrevida.77,78 Além disso, renunciar humanizado contra o factor de crescimento REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 23 Artigo Original Original article n QUADRO 3 Lesões hepáticas, características das mesmas e impacto pós-operatório dos diferentes agentes quimioterápicos Fármaco Características Lesão hepática + frequente Impacto clínico pós-operatório HP MAC 5-FU EST (90) Armazenamento lipídico nos hepatócitos60,109 AM60,92 ↑ Morbilidade pós-operatória (++complicações infecciosas)89,93,94 Irinotecano ESTH (95) Esteatose + inflamação lobular + hepatócitos balonizados92 AM92 ↓ Função hepática95 ↓ Sobrevida pós-ressecção95 Oxaliplatina SOS (96,97) Edema dos hepatócitos centrolobulares, dissecção dos cordões celulares, oclusão fibrótica sinusoidal98 AZ60,92 ↑ Morbilidade pós-operatória99,100 ↑ Transfusões sanguíneas99,100 ↑ Tempo de estadia hospitalar99,100 Bevacizumab — — — ↑ Hemorragia , cicatrização e regeneração hepática + difícil101 ↓ Hemorragia e transfusões102 ↓ insuficiência hepática pós-ressecção103 Protecção dos efeitos da oxaliplatina104 Cetuximab — — Não ↑ Morbilidade pós-operatória105 ↑ Morbilidade, mortalidade e insuficência hepatocelular106 — AM: amarelado; AZ: azulado; EST: esteatose; ESTH: esteatohepatite; HP: histopatológicas; MAC: macroscópicas; SOS: Síndrome de obstrução sinusoidal vascular endotelial (VEGF, sigla em inglês), e o cetuximab, anticorpo quimérico contra o receptor do factor de crescimento epitelial (EGFR, sigla em inglês).85 A introdução destes agentes parece permitir uma melhoria extra das taxas de resposta e sobrevida.13,79 Um outro aspecto merecedor de atenção são as mutações K-ras que têm sido detectadas em aproximadamente 40% dos CCR e são responsáveis pela falência da inibição do EGFR.86 Assim, só o bevacizumab promove benefício clínico significativo tanto naqueles com K-ras wild-type como mutado.87 Adicionalmente, mutações neste gene têm-se revelado preditivas de pior prognóstico.87 Contudo, a quimioterapia tem sido associada a hepatotoxicidade, com alterações específicas no tecido hepático não tumoral: esteatose, esteatohepatite e doença veno-oclusiva denominada síndrome de obstrução sinusoidal (SOS).88-90 A prevalência destas complicações varia entre 3779%.91 No Quadro 3 encontram-se sumariadas as lesões hepáticas, características das mesmas e impacto pós-operatório dos diferentes agentes.92-106 Recentemente, Kishi et al.107 demonstraram que períodos prolongados (igual ou superior a 9 ciclos) de quimioterapia FOLFOX pré-operatória associam- -se a maior morbilidade pós-operatória, incluindo insuficiência hepática e dano sinusoidal e, por outro lado, não estavam associados a melhoria na resposta patológica.107 Este estudo, é o primeiro que mostra o risco de insuficiência hepática após quimioterapia pré-operatória prolongada. Quimioterapia pré-operatória ou neoadjuvante A quimioterapia pré-operatória pode ser analisada de duas perspectivas diferentes: 1) Quimioterapia com intenção indutora ou conversora, cujo objectivo é converter metástases irressecáveis em metástases ressecáveis e 2) Quimioterapia pré-operatória com intenção neoadjuvante em metástases inicialmente ressecáveis, para aumentar a taxa de ressecções completas, permitir hepatectomias mais limitadas, tratar micrometástases e promover um teste de resposta à quimioterapia.12,41 Quimioterapia pré-operatória indutora. As combinações dos novos quimioterápicos têm sido reportadas como facilitadoras da ressecção em 9-40% das metástases inicialmente irressecáveis.83 Thomay et al.108 reportaram que 12-45% dos pacientes com MH de CCR inicialmente irressecáveis tornaram-se candidatos a ressecção curativa 24 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 Artigo Original Original article após quimioterapia. Adicionalmente, a sobrevida aos 5-anos aproximou-se da dos pacientes que seguem para ressecção por metástases inicialmente ressecáveis.108 De facto, taxas de sobrevida aos 5-anos de 50% após tratamento combinado têm-se tornado cada vez mais comuns.109 Presentemente, a adição de cetuximab e bevacizumab aumentou a taxa de resposta, assim como, a sobrevida livre de progressão.83 A prática corrente em pacientes com MH inicialmente irressecáveis passa por dar o regime mais eficaz, em termos de taxa de resposta e sobrevida livre de doença, que o doente possa tolerar;83 aliada à recomendação de que a cirurgia deva ser feita o mais cedo possível para minimizar os efeitos da quimioterapia no fígado.13 Actualmente, a quimioterapia sistémica é o tratamento óptimo para doentes com MH de CCR irressecáveis.110 Quimioterapia neoadjuvante em MH ressecáveis. A quimioterapia neoadjuvante em doentes com MH inicialmente ressecáveis ainda é controversa.11 Kornprat et al.111, constataram que pacientes com quatro ou mais metástases que experienciavam progressão da doença enquanto recebiam quimioterapia pré-operatória tinham uma pior sobrevida global. Uma vez que muito poucos doentes experienciam progressão da doença durante o curto período da quimioterapia pré-operatória, esta não é capaz de identificar a maioria dos doentes com MH, inicialmente ressecáveis, que teoricamente não iriam beneficiar da hepatectomia.112 Ou seja, seriam necessários longos períodos de quimioterapia pré-operatória, em pacientes com metástases síncronas ressecáveis, para identificar aqueles com tumores biologicamente mais agressivos.113 Adicionalmente, está claramente provado que tratamentos prolongados associam-se a maior morbilidade pós-operatória, principalmente na hepatectomia major.11 Na revisão de Reddy et al.11, verificou-se que o uso de quimioterapia pré-operatória não é uniformemente apoiado pelos estudos actuais, que também não suportam o seu uso na rotina como um método de selecção para metastasectomia.11 Contudo, os pacientes que a realizarem devem ser monitorizados de perto e vigiados imagiologicamente para que, ao primeiro sinal de progressão, a quimioterapia seja interrompida e a ressecção hepática realizada enquanto ainda é possível.114 Adicionalmente, a quimioterapia pré-operatória tem sido associada ao desaparecimento de metástases, ou seja, não é possível identificar nenhuma lesão ou anomalia radiológica pós-quimioterapia no local onde inicialmente se identificou uma metástase.12,115 Alguns estudos mostraram doença microscópica/macroscópica residual ou recorrência muito precoce em 83% dos casos.116 Este achado não foi modificado pela introdução do PET-CT (11). Assim, uma resposta completa radiológica não significa uma resposta histológica completa.51 O paradigma actual passa por conseguir uma ressecção completa ou ablação das áreas hepáticas onde a metástase fora observada previamente à quimioterapia.116 Contudo, existem muitas limitações na sua visualização e localização intra-operatória.116 A sensibilidade da EIO e do exame visual é menor na detecção de lesões pequenas após quimioterapia intensa, aumentando a probabilidade de ressecções incompletas.51 Alguns autores sugerem a ressecção da área correspondente com base nos limites vasculares.51 Quando tal não é possível, pode-se optar por não avançar para a ressecção.115 No entanto, estes locais não tratados têm um alto risco de recorrência in situ.115 No estudo de Vledder et al.115, concluíram que quando se realiza quimioterapia neoadjuvante num doente com MH inicialmente ressecáveis, é prudente limitar a sua duração. Naqueles com MH irressecáveis que realizam quimioterapia pré-operatória conversora, é importante um seguimento imagiológico apertado para que a ressecção seja realizada mal seja possível, em vez de esperar pela resposta máxima à quimioterapia.115 Quimioterapia pós-operatória ou adjuvante Várias revisões concluíram que a quimioterapia adjuvante após a ressecção hepática deve ser considerada, particularmente naqueles que não receberam quimioterapia pré-operatória.13 A quimioterapia administrada pós-operatoriamente está associada a melhor sobrevida livre de doença e sobrevida global.117 Já a ausência de quimioterapia adjuvante está, em alguns estudos, associada a piores resultados (p=0,001).25 Como já referido, a recorrência pós-ressecção hepática é um problema significativo, com aproximadamente 70% dos pacientes desenvolvendo REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 25 Artigo Original Original article MHS de CCR Tumor 1º Sintomático Tumor 1º Assintomático Ressecção 1º Avaliar Ressecabilidade das MH QT sistémica Irressecáveis Avaliar ressecabilidade das MH Ressecáveis Terapêuticas de intenção conversora Ponderar QT neoadjuvante 1ªL: QT sistémica +/- agentes biológicos 2ªL: Terapêuticas regionais não cirúrgicas Responde Não Responde QT sistémica paliativa +/- agentes biológicos Permanece irressecável Cirurgia Ressecção 1º Ressecção combinada +/- ARF QT sistémica QT sistémica Metastasectomia +/- ARF Ressecável QT sistémica Continuar QT Irressecáveis ARF: Ablação por radiofrequência; CCR: cancro colo-rectal; MH: metástases hepáticas; MHS: metastização hepática síncrona; QT: quimioterapia; 1ª/2ªL: 1ª/2ª linha Ressecção 1º A decisão deve ser feita por uma Equipa Multidisciplinar tendo em conta: • Condição clínica do doente • Extensão da ressecção hepática • Complexidade da cirurgia do tumor primário Figura 1. Resumo das diferentes abordagens possíveis no tratamento da metastização hepática síncrona do cancro colo-rectal. recorrência.23 A quimioterapia com 5-FU/LV após a ressecção das MH tende a melhorar o prognóstico, a sobrevida global e a sobrevida livre de doença.111,117 Terapêuticas loco-regionais não cirúrgicas Termo-ablação (Radiologia de intervenção) A ablação por radiofrequência (ARF) ganhou, recentemente, popularidade na abordagem das MH do CCR.118 É de uso fácil e seguro.118 O objectivo é aquecer o tecido tumoral e a margem de parênquima normal até provocar necrose.29 Contudo, deve ser restrita aos casos em que há no máximo 3 lesões, e a maior delas inferior a 3 cm.119 Outra limitação é a localização anatómica das lesões, nomeadamente quando próximas de grandes vasos.120 Algumas das complicações associadas são: perfuração gastro-intestinal, estenose biliar, dano nos ductos biliares e vasos, abcesso e peritonite.118 Está ainda descrita a síndrome pós-ablação caracterizada por febrícula, 26 REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 Artigo Original Original article mal-estar geral, náuseas e vómitos, em média, 3 dias após a ablação, durando 5 dias.118 Esta técnica tem sido crescentemente usada em combinação com a ressecção, permitindo ressecções mais completas pois pode ser usada intra-operatoriamente.121 Como não existem, actualmente, dados prospectivos que comparem as técnicas ablativas locais com a ressecção hepática de intenção curativa, e tendo em conta as limitações acima mencionadas, a ARF não pode ser recomendada como alternativa à ressecção cirúrgica.23,122 Contudo, de momento, é útil nos pacientes sem indicação cirúrgica por co-morbilidades, e pode ainda ser um suplemento da ressecção permitindo a destruição completa do tumor.23,122 Terapêuticas regionais Pacientes com MH de CCR, não candidatos a cirurgia, ou com uma extensão/localização tumoral não passível de ressecção nem ablação, são potenciais candidatos a terapêutica dirigida ao fígado.29 Radioembolização arterial (Radiologia de intervenção). Utiliza microesferas de vidro (TheraS- pheres®) ou de resina (SIR-Spheres®). Ambas têm cerca de 20-35μm e contêm o β-emissor Yttrium-90 – semi-vida de 64h.123 Alojam-se preferencialmente nos plexos venosos tumorais.124 Por um lado, porque a maioria do fluxo sanguíneo para as MH provém da vasculatura arterial.123 Por outro lado, o diâmetro médio da microvascularização do tumor difere da do tecido normal.124 A principal vantagem é que o número e distribuição das MH não limitam o alcance da terapêutica.123 As complicações são raras: doença hepática induzida pela radiação, úlceras gastrointestinais e hemorragia.125 Está contra-indicada se existir shunt arterial hepato-pulmonar e refluxo arterial major da vasculatura hepática para as artérias da região gastroduodenal.126 Parece ser eficaz e segura no tratamento de pacientes com MH refractárias à quimioterapia, promovendo um aumento da sobrevida.127 Adicionalmente, pode permitir diminuir o estadio dos tumores, que consequentemente podem ser considerados para ressecção cirúrgica ou ablação local.128 Bombas de infusão intra-arterial (BIIA). Trata-se de uma tecnologia que permite a entrega regional de alta dose de quimioterápicos directamente no interior das MH, reduzindo-se os seus efei- tos sistémicos e no restante fígado.129 Contudo, requer uma cirurgia para colocar o cateter na artéria hepática comum, logo está associada a complicações precoces (perfusão extra-hepática, úlceras, trombose arterial/cateter, infecções) e tardias (hemorragia, esclerose biliar).29 O carácter invasivo, a toxicidade biliar e a falta de evidência a longo prazo, levaram à sua menor aceitação.129 Papel emergente da radioterapia A radioterapia (RT) conformal parece ser uma opção de tratamento de MH que não são passíveis a outras terapêuticas locais.130 O interesse no seu uso tem vindo a crescer devido a dados recentes que demonstram que a tolerância hepática à RT é muito maior do que tradicionalmente se pensava e, por outro lado, como resultado da melhoria das técnicas de RT, incluindo o desenvolvimento da RT com intensidade modulada e da RT guiada por imagem.130 Se a irradiação hepática for considerada, devem ser preferidas a RT corporal estereotácica ou a RT conformal, para que a irradiação seja segura e se consiga controlar as metástases.131,132 A combinação da RT com os novos agentes sistémicos deve levar ainda a um aumento maior nos outcomes.130 CONCLUSÃO Têm sido descritas várias abordagens terapêuticas da metastização hepática do CCR. Como resultado da multiplicidade de modalidades de tratamento e sequências de tratamento existentes para estes pacientes, existem poucas dúvidas de que a abordagem deva ser feita por uma equipa multidisciplinar. Para além do cirurgião, médicos e oncologistas radiológicos, também devem ser incluídos nutricionistas, geriatricistas, terapeutas enteroestomacais e especialistas de reabilitação, contribuindo para encorajar o doente a completar com sucesso um longo e difícil protocolo de tratamento.13,29,64 As diferentes propostas discutidas nesta monografia estão resumidas na Figura 1. No entanto, deve-se ter em consideração os limites de grande parte destes estudos. Para além de serem estudos retrospectivos, são muito heterogéneos relativamente às características comparadas, inerentes ao paciente, à metastização hepática, ao tumor primário e inerentes ao próprio estudo. Na abordagem dos doentes com MH síncronas de REVISTA PORTUGUESA DE COLOPROCTOLOGIA | JAN/ABR 2012 27 Artigo Original Original article CCR, parece haver consenso no que diz respeito à necessidade de estudos randomizados prospectivos, que avaliem as diferentes abordagens.11,29 n BIBLIOGRAFIA 1. Jemal A, Siegel R, Xu J, Ward E. Cancer statistics, 2010. CA Cancer J Clin. 2010 Sep-Oct;60(5):277-300. 2. Meulenbeld HJ, Creemers GJ. First-line treatment strategies for elderly patients with metastatic colorectal cancer. Drugs Aging. 2007;24(3):223-38. 3. Scheele J, Stangl R, Altendorf-Hofmann A, Gall FP. Indicators of prognosis after hepatic resection for colorectal secondaries. Surgery. 1991 Jul;110(1):13-29. 4. Galandiuk S, Wieand HS, Moertel CG, Cha SS, Fitzgibbons RJ, Jr., Pemberton JH, et al. Patterns of recurrence after curative resection of carcinoma of the colon and rectum. Surg Gynecol Obstet. 1992 Jan;174(1):27-32. 5. Eisenberg B, Decosse JJ, Harford F, Michalek J. 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