EIXO BIOLÓGICO Unidade 4 Relações tróficas Autor: Professor José Gerley Díaz Castro I. Introdução II. Interações tróficas e outras interações populacionais III. Herbivoria IV. Parasitismo V. Outras interações populacionais VI. Tendências evolutivas das interações tróficas VII. Referências #M2U4 I. Introdução A s relações tróficas podem ocorrer entre populações de diferentes espécies tanto vegetais quanto animais ou ainda fungos e microrganismos, o que os ecólogos denominam de interações inter-específicas ou heterotípicas. Quando as interações ocorrem entre indivíduos de uma mesma espécie, os ecólogos denominam de interações intra-específicas ou homotípicas. Talvez você já deva ter ouvido falar de alguma delas. Várias tentativas foram feitas para agrupar essas relações ecológicas. Uma opção é agrupá-las em relações positivas ou harmônicas e negativas ou desarmônicas. As primeiras são caracterizadas pelo mútuo benefício dos organismos que interagem, ou também se somente um deles for beneficiado, contanto que o outro organismo não seja prejudicado. No caso das relações desarmônicas, uma das espécies sai ganhando. Entre as relações tróficas temos a predação, o parasitismo e a herbivoria. É importante destacar que as relações entre os organismos estão basicamente relacionadas com a busca de energia. Incluindo o lado daquele que busca a energia quanto do lado daquele que busca não ser consumido ou predado. É importante destacar, ainda, que ocorrem na natureza outra série de relações mutualísticas e competitivas que envolvem e podem ser estabelecidas exclusivamente sobre 246 Módulo II — Processos biologicos na captacao e na transformacao da materia e energia Saiba mais Relações tróficas são as formas como se dão as transferências de energia e nutrientes entre organismos de uma comunidade. P Eixo Biológico BSC defesa (como no mimetismo mülleriano) ou sobre outros recursos (como na competição por sítios protegidos), ou ainda sobre reprodução, como é o caso de algumas orquídeas que disponibilizam substâncias especiais utilizadas por seus polinizadores na atração de parceiros sexuais. Antes de falar das relações entre as espécies, é necessário deixar claro que ainda falta muito a ser descoberto sobre as relações entre os indivíduos na natureza. Ocorrem na superfície terrestre milhões de espécies (entre 10 e 30 milhões), das quais cerca de dois milhões unicamente estão descritas, catalogadas, e um número muito pequeno de espécies é conhecido do ponto de vista ecológico. Essa falta de conhecimento é especialmente grande nas regiões tropicais (reconhecimento especial a Sebastião Laroca e a Pinto-Coelho, que escreveram livros sobre Ecologia em literatura portuguesa), como você poderá verificar nos livros de Ecologia sugeridos ao final desta unidade. Talvez, num futuro não muito distante, nossas crianças saibam que girafas, leões e elefantes não ocorrem na Amazônia. Muitas razões podem ser citadas para justificar a falta de conhecimento que temos sobre nossa megadiversidade e em particular sobre a ecologia das mesmas. Certamente você poderá pensar em algumas dessas razões e discutir com seus colegas e professores nos encontros presenciais. Ao finalizar a leitura e análise dessa unidade, você deverá estar apto(a) a entender os princípios que regem as interações tróficas, perceber a diversidade dessas interações e suas implicações sobre outras características biológicas dos organismos envolvidos. #M2U4 II. Interações tróficas e outras interações populacionais A seguir apresentaremos uma descrição das relações tróficas e, posteriormente, descreveremos como se dão as outras relações. Exemplos ilustrativos serão dados para cada uma delas. Interações tróficas Predação A predação envolve um ritual que se inicia com a busca, captura, morte e consumo de uma presa, como fonte de alimento (matéria e energia). Para localizar e capturar alimento, os predadores desenvolveram sentidos proporcionais aos seus habitats, às suas táticas de alimentação e às habilidades de suas presas em evitar a sua detecção. A predação envolve vários aspectos adaptativos do predador para capturar a presa e, por sua vez, da presa para escapar do predador. Neste texto veremos algumas estratégias interessantes que foram desenvolvidas pelos organismos: Estratégias de fuga de presas Aposematismo É uma coloração de advertência, apresentada por animais que apresentam defesas químicas, ditos impalatáveis ou agressivos. Por sua vez, os predadores evitam padrões específicos associados a experiências próprias vividas anteriormente. Nessa estratégia, os organismos-presa parecem dizer “não se lembra de mim? Você não gostou muito da última vez”. Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 247 B # M2U4 Relações Tróficas Saiba mais Mimetismo Existem dois tipos de mimetismo: batesiano e o mülleriano. O primeiro é uma homenagem ao cientista inglês Henry Bates; e o segundo, ao naturalista alemão Fritz Müller, que passou grande parte de sua vida em Santa Catarina (Brasil), onde morreu. No mimetismo batesiano, se estabelece uma relação de tipo parasitária que se caracteriza pela semelhança em características que podem ser morfológicas, comportamentais (etológicas), biológicas, etc., entre uma espécie modelo e outra espécie que seria a cópia. Estudos experimentais demonstraram a vantagem do mímico nessa relação. Por exemplo, como apontado por RoHenry Walter Bates (1825 – 1892) bert Ricklefs, sapos que foram alimentados com abelhas vivas, daí em diante evitaram a palatável “mosca-abelha” (família Bombyliidae) que mimetiza a abelha. Mas quando sapos inexperientes foram alimentados com abelhas mortas, das quais o veneno tinha sido retirado anteriormente, eles consumiram as mímicas “moscas-abelhas”. No mimetismo mülleriano, se estabelece uma relação de proto-cooperação ou mutualística, pois ocorre entre espécies de organismos não palatáveis que vêm a assemelhar-se (mimetizar) uns aos outros, de tal forma que uns se parecem com os outros (é um sistema no qual os organismos são modelo e cópia ao Fritz Müller (1821 – 1897) mesmo tempo), de tal forma que cada má experiência 248 Módulo II — Processos biologicos na captacao e na transformacao da materia e energia Acredita-se que a semelhança de padrões de cores entre as cobras coral falsas e verdadeiras favorece unicamente as cobras corais falsas. De acordo com Robert Mertens (ecólogo Russo) as corais verdadeiras levavam vantagem em se parecer com as não venenosas mais agressivas, assim as duas espécies teriam vantagem contra a predação. Esse tipo de mimetismo é chamado de M. nepperiano. P Eixo Biológico BSC de um predador beneficia a todos, assim, o aprendizado da rejeição por parte dos predadores se torna mais eficiente. Camuflagem Os animais são palatáveis, contudo não são fáceis de serem vistos, pois se parecem com qualquer objeto da natureza, tais como cascas de árvore, galhos, folhagem caída no chão, pedras, etc., ou seja, características do ambiente (Figura 1). Figura 1: Bicho Pau na Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia (Universidade Federal do Tocantins – Campus de Araguaína). Estratégias dos predadores Os predadores aprimoraram alguns sentidos de forma a capturar suas presas. Vários exemplos são conhecidos na literatura, entre eles, a fosseta loreal nas serpentes venenosas da família Viperidae (surucucu, cascavel e jararacas ou surucucuranas). A fosseta loreal é um orifício que está localizado entre a narina e o olho e consiste de um órgão receptor de calor. Dessa forma, podem atacar suas presas com precisão. Recordemos que toda serpente que possuir fosseta loreal é venenosa, mas nem toda serpente venenosas possui fosseta loreal. Atividade complementar 1 Você conheceria uma serpente venenosa que não possua este orifício, a fosseta loreal? O sistema sonar dos morcegos também é um bom exemplo para ser citado aqui. Os morcegos emitem sons que ao chocar contra o alimento em potencial volta ao morcego e este pode “identificar” perfeitamente sua presa com relação ao tamanho, o formato e a direção de deslocamento. #M2U4 III. Herbivoria Tipo especial de parasitismo ou predatismo que acontece quando um animal intitulado herbívoro se alimenta de parte ou todo um vegetal. Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 249 B # M2U4 Relações Tróficas Para a defesa contra a herbivoria, as plantas desenvolveram diferentes estratégias, entre elas: defesas físicas ou estruturais (espinhos, pêlos, etc.); defesas químicas, por meio de compostos secundários, como por exemplo: alcalóides, saponinas, carotenóides, fenóis simples, flavonóides, poliacetilenos, entre outros, como apontado por Robert Ricklefs. Observe que nós, humanos, não podemos ingerir folhas de qualquer planta, por poderem ser tóxicas. O mesmo ocorre com os herbívoros de um modo geral. Apesar de serem especialistas em comer plantas, são capazes de digerir apenas uma pequena porção delas. Num estudo que tinha como objetivo comparar a taxa de herbivoria de plantas caducifólias (aquelas que perdem as folhas numa certa época do ano) e as perenifólias (que não perdem as folhas), realizado por Castro et al. (1997), verificou-se uma maior herbivoria nas folhas das plantas caducifólias (Tabela 1), sugerindo que as plantas perenifólias investem mais energia em defesa química contra herbivoria, pois as pressões de seleção em favor de melhores defesas contra herbívoros devem ser mais fortes para este tipo de plantas, já que para elas a quantidade de folhas consumida representa uma fração maior de sua produção líquida. Tabela 1 - Número de folhas por categoria de dano, para espécies caducifólias e perenifólias. Categoria* 0 1 2 3 4 5 Total Caducifolia 43 90 106 126 98 94 557 Perenifolia 263 84 42 33 22 18 462 * 0 (0% de área foliar consumida –AFC), 1(1-5,9% de AFC), 2 (6-11,9% de AFC), 3 (12-24,9 % de AFC), 4 (25- 49,9% de AFC) e 5 (>50% de AFC). As plantas também se defendem da herbivoria por meio de interações mutualísticas. No Bosque seco de Costa Rica, existe uma interação mutualística entre a árvore Acácia e a formiga do gênero Pseudomyrmex sp., que habitam os espinhos ocos (Figura 2) e alimentam-se dos nectários extraflorais. Dessa forma, a planta se protege dos herbivoros e oferece em troca às formigas alimento e abrigo. Figura 2: Espinho oco de Acácia para a colonização de formigas do gênero Pseudomirmex sp. 250 Módulo II — Processos biologicos na captacao e na transformacao da materia e energia P Eixo Biológico BSC Por sua vez, a planta recebe a proteção das formigas contra eventuais herbívoros que, ao menor sinal de perigo (é só mexer um galho), saem a patrulhar pelos galhos. As formigas também protegem a base da planta contra vegetação competidora e de acordo com Janzen (1991), o grau de “limpeza na base da planta” depende do gênero de formiga. Um estudo realizado pelo ecólogo Eugene Odum, mostrou que se as formigas são removidas experimentalmente (exemplo, envenenando-as com inseticida), da árvore Acácia, a mesma é atacada rapidamente e, muitas vezes, é morta por insetos desfolhadores. Nos cerrados brasileiros, o professor Paulo S. Oliveira (Universidade Estadual de Campinas/SP) estudou a interação entre formigas e o Pequi do Cerrado (Caryocar brasiliense), mostrando que a planta fornece para as formigas nectários extraflorais e, por sua vez, a formiga defende a planta contra herbivoria. Atividade complementar 2 Visite uma planta (por exemplo, do gênero Cecropia sp., popularmente conhecida como embaúba) e verifique se existem formigas colonizando a planta. Consulte na literatura os benefícios que os insetos estão obtendo nessa associação. #M2U4 IV. Parasitismo Geralmente, nesse tipo de interação, um indivíduo parasita, normalmente bem pequeno, vive sobre – ectoparasito — ou dentro – endoparasito — de outro indivíduo. No entanto, existem várias formas de parasitismo em que as espécies envolvidas não vivem juntas, como no caso do mimetismo batesiano citado acima, ou que se relacionam por um curto período, como no caso da fêmea do cuco (subfamília dos Cuculídeos), que coloca seus ovos junto com os ovos de outra espécie “madrasta” para que esta o choque. Depois de 12 a 13 dias de incubação, antes dos outros filhotes nascerem, nasce o Cuquinho, que em menos de 10 horas, joga todos os outros passarinhos para fora do ninho e fica com a atenção exclusiva de sua “mãe” adotiva. Não é preciso sair de nosso corpo para achar esse tipo de interação. Muitas pessoas tiveram piolhos e vermes na infância. O grande problema é que para viver dentro ou fora do hospedeiro, o parasita deve ter adaptações específicas que fazem com que ele tenha grande especificidade para com este hospedeiro. Nesse tipo de relação um grande paradoxo se apresenta para o parasita, pois sua própria sobrevivência depende da sobrevivência de gerações de hospedeiros! Assim, o parasitismo difere da predação porque a sobrevivência da maioria dos parasitos depende mais da sobrevivência de seu hospedeiro do que sua morte; como aponta Robert E. Ricklefs: “O parasita não deve morder a mão que o alimenta” (1996). Dentre os tipos de parasitismo encontrados na natureza envolvendo plantas (parasita e hospedeira), destacamos: Holoparasitismo: o vegetal é aclorofilado e obtém a seiva elaborada da planta em que vive. Exemplo: o cipó chumbo (Figura 3). Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 251 B # M2U4 Relações Tróficas Figura 3: Cipó chumbo parasitando um pé de assa peixe em Paranaíta (norte de Mato Grosso). Para saber mais leia o artigo “Introdução e Recuperação do Parasitóide Exótico Diachasmimorpha longicaudata (Ashmead) (Hymenoptera: Braconidae) em Pomares Comerciais de Goiaba no Norte de Minas Gerais”. Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/ne/v34n1/23397.pdf#search=%22Diachasmimorpha%2 0longicaudata%22 Hemiparasitismo: o vegetal é clorofilado, ou seja, realiza fotossíntese, porém retira do outro vegetal a seiva bruta. Exemplo: Ervas de passarinho (Figura 4), conhecidas com esse nome porque se disseminam com o auxílio de passarinhos. As ervas de passarinho pertencem à família das Lorantáceas, com mais de 1,4 mil espécies espalhadas por todo o mundo, segundo Murilo Alves Pereira (2005). Figura 4: Erva passarinho parasitando uma árvore sete copas (Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia – Araguaína/TO). 252 Módulo II — Processos biologicos na captacao e na transformacao da materia e energia www. P Eixo Biológico BSC #M2U4 V. Outras interações populacionais Sociedades Sociedades são grupos de animais da mesma espécie não ligados fisicamente uns aos outros, como é o caso das colônias. Cada grupo é chamado de casta e se adapta a uma determinada função. As abelhas sociais, que vivem em grande número de indivíduos no mesmo ninho, há divisão do trabalho e separação em castas. As castas são: rainha (fêmea poedeira), operárias (desde seu nascimento até a morte realizam o trabalho de faxineiras, nutrizes, engenheiras, guardas e operárias) e zangões (fins reprodutivos). A abelha mais conhecida pelos brasileiros Apis mellifera, introduzida pelos padres jesuítas por volta de 1840, cruzou com a abelha africana Apis mellifera capensis e se formou o híbrido de abelha africanizada. Esta é a espécie criada por praticamente todos os apicultores brasileiros. As abelhas nativas, conhecidas como Meliponas sp. têm o ferrão atrofiado e estão começando a ser criadas também em cativeiro (Figura 5). Estas produzem mel de excelente qualidade, porém em menor quantidade. www. Visite o site da UFRJ e conheça mais sobre as abelhas africanas: http://www.ufrrj.br/institutos/it/de/acidentes/abelha.htm Saiba mais Para cada tipo de polinização existe uma nomenclatura própria: anemofilia: por meio do vento; hidrofilia: por meio da água; entomofilia: por insetos em geral, especialmente abelhas e moscas; cantarofilia: por besouros; psicofilia: por borboletas; falenofilia: por mariposas; quiropterofilia: polinização por morcegos; ornitofilia: por aves. Figura 5: Abelhas Uruçu (Melipona flavolineata) – Comunidade Cajaza, Município de Rosário/MA. Mutualismo Dois tipos de mutualismo são definidos na literatura, o facultativo e o obrigatório. Neste último tipo de relação, um não pode sobreviver sem o outro. Alguns exemplos a seguir. O mecanismo de polinização é um exemplo típico de mutualismo obrigatório. Entre o polinizador e a planta há uma série de sinais químicos e atrativos visuais. Para o polinizador ocorre a recompensa em termos de ganhos de energia, por meio do néctar e/ou outros compostos extra-florais. Para as plantas, esse é um método eficiente de transmitir seus genes e deixar uma descendência viável. Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 253 B # M2U4 Relações Tróficas Outro exemplo clássico são os térmitas (cupins) que, para realizar a digestão da madeira, se utilizam de grande número de protozoários e bactérias que vivem em seus tubos digestivos. Tanto estes como os protozoários beneficiam-se dessa associação. O mutualismo facultativo é uma associação entre duas espécies diferentes em que ambas são beneficiadas e os indivíduos que se inter-relacionam podem viver de forma isolada. Um exemplo é dado entre o anu-preto (Crotophaga ani), uma ave que se alimenta de carrapatos existentes na pele do gado. O gado se livra destes ectoparasitos e o anu-preto consegue alimento. Esta relação também existe entre diversas espécies de aves com mamíferos de grande porte. Atividade complementar 3 1. Que tal observar as flores e seus visitantes ao seu redor? Há diferenças entre as características das flores e as espécies de visitantes? Compare pelo menos dois tipos de flores. 2. Pesquise e cite outras relações mutualísticas. Comensalismo Um tipo de associação entre uma das espécies – a comensal — que é beneficiada, sem causar dano ou trazer benefícios ao outro. Nesse tipo de relação, as duas espécies não precisam obrigatoriamente uma da outra para sua sobrevivência. Num sentido mais prosaico, “comensal é aquele que come na mesa do outro ou que vive na casa do outro”. Embora nem sempre se trate de alimento. Por exemplo, na região Amazônica, muitas espécies de pequenas plantas crescem nos troncos das árvores sem danificá-las. Entre elas: as orquídeas, as bromélias e as samambaias são inquilinas, pois não prejudicam as plantas hospedeiras, suas sementes são depositadas nos troncos das árvores por animais ou vento, desenvolvem raízes que não penetram na casca das árvores, retiram a água que precisam para sobreviver da umidade natural e da água que escorre pelos galhos das árvores que, no caso da Amazônia, é muito rica em nutrientes, pois a água da chuva “lava” o habitat de inúmeras espécies de animais que moram nos estratos superiores da floresta e que ali depositam seus restos metabólicos e alimentícios. No mundo animal marinho, a rêmora, por meio de ventosas, se segura nos tubarões e juntamente com o peixe piloto, que nada em cardumes ao redor do tubarão se alimentam dos restos do alimento do tubarão. Nessa relação, o tubarão não tem ganhos ou perdas com a presença da rêmora. Um outro exemplo, ocorrido na África, é o da hiena, que se alimenta dos restos deixados pelo leão. Atividade complementar 4 Você identificaria outro exemplo de comensalismo, típico da sua região? Amensalismo De acordo com Eugene Odum (1988), essa relação também é conhecida como antibiose ou alelopatia, interação em que os indivíduos de uma espécie eliminam uma série 254 Módulo II — Processos biologicos na captacao e na transformacao da materia e energia Curiosidades A rêmora, também conhecida como peixe-piolho, possui uma nadadeira dorsal modificada em forma de ventosa, próxima à cabeça, a qual pode se fixar a outros animais, como por exemplo, tartarugas e tubarões. P Eixo Biológico BSC de substâncias em sua volta que prejudicam o crescimento ou a reprodução de outras espécies que poderiam ocupar o mesmo habitat. Exemplos: o Eucalipto (Eucalyptus sp.) (Figura 6) libera pelas raízes substâncias que impedem a germinação de sementes ao redor. Isso evita que outras plantas venham a competir com elas por água, nutrientes do solo e outros recursos ambientais. Saiba mais O gênero Eucalyptus sp. é originário da Austrália e outras ilhas da Oceania. Foi introduzido no Brasil em 1910 e seu cultivo aumentou muito devido ao crescimento rápido, principalmente nas fases iniciais, 3m por ano. Devido ao crescimento rápido e ampla transpiração foliar, funciona como uma “bomba d´água”, desta forma competindo com outras plantas, provocando o rebaixamento do nível do lençol de água do solo, nas épocas mais secas do ano. Os eucaliptos estão sendo muito disseminados na região do Bico do Papagaio no extremo norte do Tocantins e noroeste do Maranhão para produzir carvão para alimentar as caldeiras das siderúrgicas de ferro-gusa, no Pará e Maranhão. De acordo com o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Dr. Maurílio de Abreu Monteiro, são necessários 875 quilos de carvão vegetal para produzir uma tonelada de ferro-gusa, representando 40% dos custos de produção de ferro-gusa. Outras informações disponíveis no site: http://www.cotianet.com.br/jornalatuante/mat027.htm Em nível microscópico, um exemplo é a penicilina – antibiótico produzido por um fungo do gênero Penicillium sp., que impede o desenvolvimento de bactérias ao redor. Hoje em dia esse antibiótico é amplamente usado no tratamento de infecções. Esse é um exemplo de como o conhecimento das interações pode se refletir em benefícios para o ser humano. O pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia) elimina substâncias químicas no solo, ao seu redor, que dificultam a germinação de sementes de outras plantas. Falando nisso, que tal dar uma olhada na área que restou desta espécie brasileira? Figura 6: Plantação de eucalipto nas imediações de Imperatriz/MA. Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 255 B # M2U4 Relações Tróficas Canibalismo Neste tipo de interação um indivíduo mata e devora o outro da mesma espécie. Ocorre com certas aranhas, cuja fêmea devora o macho após o ato sexual. Algumas espécies de Louva-Deus (Figura 7), chamado assim pela posição das patas dianteiras que ficam recolhidas esperando suas presas, é outro exemplo, pois têm um estranho ritual de acasalamento, cujas fêmeas tentam (às vezes conseguem) devorar os machos após o ato sexual. Especula-se que esse fenômeno ocorre para que a fêmea obtenha energia para o período de amadurecimento dos ovos. Figura 7: Louva-Deus (Foto: Dulce Rocha). Na criação de animais em confinamento, este fenômeno é freqüente, os suínos, por exemplo, comem a cauda de seus pares quando estressados. Lembremos que o crescimento de uma população depende, entre outros fatores, de espaço. Quando um grupo de indivíduos é confinado em um espaço reduzido, ocorre um estresse nos animais que os leva a se agredirem uns aos outros. Alguns povos indígenas das Américas praticavam o “canibalismo” que neste caso é denominado de antropofagia. É claro que este consumo não se relaciona com a obtenção de energia (como nos animais), mas sim como um fator cultural de caráter ritual Competição A competição dá-se entre os organismos pela luta dos recursos que sabidamente são limitados. Assim, o objetivo final dos indivíduos é obter a quantidade necessária de recurso para o seu desenvolvimento, seja pela sua eficiência em acessá-lo, seja pela interferência direta no acesso do recurso por outros organismos. Essa ação de interferência reduz a disponibilidade daquele recurso para os outros indivíduos, não importando se são indivíduos da mesma espécie (intra-específica) ou de espécies diferentes (interespecífica). Atividade complementar 5 Pode-se dizer que o efeito final da competição é a redução da contribuição individual para a próxima geração. Como você explicaria essa afirmação? 256 Módulo II — Processos biologicos na captacao e na transformacao da materia e energia Saiba mais Um recurso é qualquer fator que pode ser consumido e que permite o desenvolvimento das populações. Assim, são recursos a água, a luz, todos os tipos de alimento, os locais usados pelos organismos para se reproduzirem, etc. P Eixo Biológico BSC Schoener, citado por Robert Ricklefs (1996), subdividiu a competição em seis categorias, de acordo com seus mecanismos: competição de consumo, baseada no uso de algum recurso renovável; competição por ocupação, baseada na ocupação do espaço livre; competição de crescimento, que ocorre quando um indivíduo cresce sobre ou mais que outro, privando, dessa forma, o segundo de luz, água com nutrientes ou algum outro recurso; competição química, por meio da produção de uma toxina que age a distância após difundir-se pelo ambiente; competição territorial, isto é, a defesa do espaço; competição de encontro, que envolve a interação transitória em torno de um recurso que pode resultar em dano físico, perda de tempo ou energia e roubo de comida. Ainda, os estudos de laboratório levaram os ecólogos a concluir que duas espécies não podem conviver juntas (coexistir) com o mesmo recurso limitante, ou seja, uma espécie supera a outra em número de indivíduos e, portanto, elimina a outra, este fato é denominado pelos ecólogos como princípio da exclusão competitiva. Em módulos posteriores você poderá estudar melhor este assunto. Porém, segundo o ecólogo Eugene Odum (1988), para se entender a competição, deve-se considerar não apenas as condições e os atributos populacionais que poderão levar à exclusão competitiva, como situações em que espécies semelhantes coexistem, pois várias espécies compartilham recursos em comum nos sistemas abertos da natureza, como apresentado na figura 8. Índice de área foliar 7 T fragiferum (isolado) 6 5 T repens (isolado) 4 3 T repens (misturado) 2 T fragiferum (misturado) 1 0 0 9 12 15 18 21 Semanas após semeadura Figura 8: Crescimento populacional de duas espécies de trevo, crescendo isoladamente ou misturadas. A competição alimentar entre indivíduos da mesma espécie é intensa quando a densidade da população se torna elevada. Entre os vegetais, a competição intra-específica ligada às grandes densidades produz importantes modificações plásticas nos indivíduos. Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 257 B # M2U4 Relações Tróficas Esclavagismo Esta relação, que também é conhecida como sinfilia ou escravagismo, acontece quando uma espécie (beneficiada) transforma a outra espécie em “escrava”. As formigas Polyergus rufescens (Figura 9) são especialistas em atacar e capturar crias de outras formigas para mantê-las como obreras-escravas. Essa espécie amazônica não consegue mais sobreviver sem suas cativas devido às grandes mandíbulas que, se por um lado, servem para perfurar a cutícula das suas inimigas, por outro não lhes permite escavar ninhos, nem cuidar de pupas e nem se alimentar. Assim, a única forma de sobreviver é tendo as formigas escravas como fornecedoras de alimento e cuidando de suas larvas. Figura 9: P. rufescens (vermelhas) sendo alimentadas pelas suas obreiras escravas. #M2U4 VI. Tendências evolutivas das interações tróficas Você viu nessa unidade as principais formas de interações entre indivíduos e populações, em uma classificação que busca esclarecer os benefícios e prejuízos provocados pelas interações às partes envolvidas. No entanto, quando se trata de relações ecológicas, uma interpretação simplificada muitas vezes não traduz a real complexidade das interações e suas conseqüências. A avaliação do benefício é muito diferente se o critério for baseado nos efeitos sobre populações ou sobre indivíduos. No exemplo clássico dos liquens como mutualismo, alguns indivíduos das algas associadas são, na verdade, destruídos pelos fungos, mas a população das algas atinge um patamar maior do que na ausência da interação, justificando a classificação da interação como benéfica a ambos. Outra situação interessante é a do indivíduo da população de presas que não foi predado. Na verdade, ele se beneficia com a retirada, pelo predador, de outros competidores da mesma espécie. Nos dois casos, o resultado final da interação para o indivíduo é o oposto do resultado para a população. As interações entre indivíduos ou populações podem implicar tanto benefícios quanto prejuízos para as espécies envolvidas. Sendo assim, outro aspecto importante para entendermos as relações em maior profundidade é uma avaliação dos prós e contras da interação. Um exemplo disso ocorre nos sistemas de pastagens com grandes herbívoros. O animal se alimenta das gramíneas e pequenas plantas, apropriando-se de boa parte 258 Módulo II — Processos biologicos na captacao e na transformacao da materia e energia P Eixo Biológico BSC de sua produção e biomassa, mas, ao mesmo tempo, evita o recrutamento de plântulas e jovens de espécies arbustivas ou arbóreas, garantindo a manutenção de áreas abertas, essenciais às mesmas gramíneas. Em alguns casos, os herbívoros são os próprios dispersores dessas gramíneas. Outro aspecto importante é que existem tendências evolutivas sobre essas interações. Por exemplo, no caso das relações onde há beneficiado e prejudicado (por exemplo, entre parasita e hospedeiro) a tendência é que o beneficiado tente estreitar a relação enquanto o que tem prejuízo tenta o caminho da fuga ou da aproximação com a administração dos prejuízos. Assim, uma relação desse tipo pode se transformar em comensalismo ou mesmo mutualismo, com o decorrer do processo evolutivo. #M2U4 VII. Referências BÔAS, C. V. Insetos estéreis contra pragas. Ciência Hoje, v. 31, n. 183, 2002. CASTRO, J. G. D. C. et al. Hervivoría en plantas caducifolias e perennifolias. In: BRENER, A. G. F.; CHINCHILLA, F.; PONCE, L. Informes del curso Ecologia Tropical y Conservación 97-2. San José, Costa Rica: OTS, 1997, p. 159-161. DAJOZ, R. Ecologia Geral. Petrópolis: VOZES, 1983. JANZEN, D. H. História Natural de Costa Rica. Tradução. Manuel Chavarria. San José, Costa Rica: Editora Da Universidad de Costa Rica, 1991. LAROCA, S. Ecologia: princípios e métodos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. ODUM, E. P. Ecologia. Tradução Christopher J. Tribe, supervisão de tradução, Ricardo Iglesias Rios. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 1988. PEREIRA, M. A. Um hóspede indesejado. Ciência Hoje, v. 37, dez. 2005. PINTO-COELHO, R. M. Fundamentos de Ecologia. 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