Caroço-da-terra: ensaios agroecológicos Agricultura é mais cooperativa do que competitiva Jefferson Pietroski Mota [email protected] O que dizer da agricultura num primeiro momento? Para uma pessoa da cidade muitas vezes é apenas o local onde se produzem alguns alimentos que vão para os grandes centros - essa pessoa vou chamar de urbanóide. Para uma pessoa do campo pode ser a única alternativa de renda, a qual deve ser explorada ao máximo para se alcançar o resultado esperado, mas para um agricultor que observa e interage de maneira sensitiva e cooperativa, agricultura vai muito além de um resultado isolado, ela é tratada no nível das interações entre organismos, sendo assim um sistema, ou melhor; um agroecossistema. Nos sistemas agrícolas em que existe uma preocupação além da produção de uma única espécie, podemos nos deparar com interações e cooperações de várias formas, entre insetos e plantas, fungos decompositores, bactérias fixadoras de nitrogênio e as super-heroínas sem coluna vertebral; as minhocas. No ambiente natural essas interações ocorrem simplesmente pelo fato de um organismo causar algum impacto sobre o ambiente e dessa forma outro organismo ser afetado, ocorrendo assim interações que os cientistas chamam de: Adição: um ou mais organismos liberam alguma substância, por exemplo; plantas que liberam substâncias químicas e impedem outras de crescerem. Chamamos isso de ALELOPATIA. Por outro lado, também podem adicionar alguma estrutura ao local, como por exemplo: produzir muito pólen. A segunda interação é a Remoção: quando dois organismos interagem e algum recurso é removido, prejudicando o outro. Por exemplo: a simples competição por alimento ou quando um inseto parasita outro ainda vivo, como acontece com as vespas parasitas que colocam seus ovos em outro inseto. Após eclodirem as larvas penetram no inseto e se alimentam dele. A terceira interação é uma união da Remoção & Adição e podemos dizer que essa é a que mais nos interessa num agroecossistema. A partir da terceira interação: podemos entender que os organismos evitam a competição e podem coexistir em comunidades mistas, trazendo vantagens para ambos, quebrando a regra de que na natureza tudo é competição e tornando a coexistência mais comum. Um bom exemplo da coexistência são as plantas domesticadas pela humanidade desde o início da agricultura, há cerca de 10.000 anos atrás em diferentes partes do mundo, onde a seleção das plantas era direcionada para a produção com várias outras plantas (policulturas). Nessa terceira interação podemos destacar as relações de mutualismo (ou simbiose) entre as diversas espécies do agroecossistema, sendo as mais comuns a: Endossimbiose (Endo = dentro; simbiose = associação entre duas espécies): onde um organismo (mutualista) vive em partes ou totalmente dentro do outro. Por exemplo, a bactéria Rhizobium e as plantas leguminosas. As bactérias penetram nas raízes das plantas para realizar a fixação biológica de nitrogênio (FBN) em troca de fontes de carbono e açúcares que a planta oferece para ela - isso tudo sem nenhum custo para ela (a planta), para o agricultor ou para o urbanoide. Outro exemplo ainda, nos animais ruminantes como boi, vaca e ovelha, nos quais as bactérias especializadas na digestão da lignina da pastagem habitam um compartimento exclusivo delas, o rúmen. Exossimbiose (Exo=fora; simbiose = associação entre duas espécies): as espécies são independentes de certa forma, porém interagem diretamente. Por exemplo, as flores produzem néctar e pólen atraindo assim insetos, morcegos, aves que vão em busca do alimento e visitam outras flores, realizando assim a polinização e troca de material genético entre elas. Isso tudo de graça para o agricultor e para o urbanóide. Mutualismos indiretos: vários organismos (vegetais, animais, fungos, bactérias) interagem entre si e modificam o ambiente em que vivem, beneficiando a todos com essa mistura, ou melhor, com essa diversidade. O melhor exemplo pra isso é o agroecossistema de policultivos e de espécies estratégicas para as demais. Nos sistemas onde se produzem plantas anuais (milho, feijão, abóbora), hortaliças, frutíferas e árvores para madeira, também conhecidos por Sistemas Agroflorestais (SAF's), uma espécie importante são os ingazeiros que possuem estruturas que liberam néctar de suas folhas, atraindo-as vespas predadoras e formigas que retiram ou afastam insetos que poderiam causar danos maiores nas culturas de interesse como borboletas e mariposas, besouros e até na retirada de esporos ''sementes'' de fungos que causam doenças nas plantas. As formigas em muitos casos são vistas como prejuízo em qualquer plantação, porém essas formigas, saúvas e cortadeiras, representam cerca de 25 espécies apenas (2%), quando o levantamento para América do Sul e Central é de 3.100 espécies. Ambientes simplificados tendem a possuir menor diversidade de formigas. Os fungos micorrízicos que estão lá no solo, junto das raízes das árvores também prestam outro grande serviço; estima-se que mais de 90% das plantas possuem associação com micorrizas. Principalmente na absorção de nutrientes mineiras como o fósforo, que deixa de ser lixiviado e levado para os córregos e rios e consequentemente poluindo menos as cidades. Para os amantes do chimarrão, esses fungos aumentam a absorção de água pela planta e ajudam na abertura dos estômatos das folhas, permitindo que elas troquem gases (CO2 e O2) e desenvolvam-se mais fortes e saudáveis. O sistema tradicional de cultivo de milho-feijão-moranga também se torna mais produtivo para o milho, cerca de 50% mais do que do milho em monocultivo. Entender das interações e torná-las partes integrais das culturas agrícolas é a chave para estabelecer sistemas autossuficientes, aumentando a resistência de todo o sistema aos impactos negativos como pragas e doenças. E pra finalizar a conversa, a agricultura é o verdadeiro mutualismo entre os seres humanos e as espécies domesticadas. Só precisamos resgatar e aplicar essa cooperação que o que está na nossa essência ou melhor, em nosso DNA. Julho de 2016