PÂNICO Um mal súbito e angustiante O que é o transtorno do pânico, uma doença que causa extrema sensação de ansiedade e medo, comprometendo as relações sociais e psicológicas dos pacientes Foto:Getty Images E TEXTO ANA BEATRIZ GARCIA/COLABORADORA DESIGN GUILHERME LAURENTE/COLABORADOR m 2011, depois de um almoço com a mãe, Bruna Fernandes, hoje com 34 anos, teve falta de ar acompanhada de sensações que ela não consegue descrever. Seus batimentos cardíacos chegaram a 143 batimentos por minuto naquele dia. Levada ao pronto atendimento, foi medicada e voltou para casa sem um diagnóstico. Passado algum tempo, depois de um momento familiar delicado, Bruna sentiu novamente seu coração bater descompassado. Na ocasião, dirigiu-se ao hospital acreditando que estava sofrendo um infarto. Nesse dia, ela descobriu que havia entrado para as estatísticas: era mais uma diagnosticada com síndrome do pânico, um mal que atinge de 2% a 4% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Depois de receber tratamento, eu fiquei bem por um tempo sem medicação, mas passei por outro problema familiar, o que me abalou novamente. Voltaram todos os sintomas com crises de pânico e fobia. Fiquei um mês em crise, de cama, perdi 10 quilos e iniciei novamente o tratamento. Aos poucos fui me restabelecendo. Durante os oito meses em tratamento com psicoterapia entendi os meus pensamentos, medos e culpas. Hoje, há cinco meses sem tratamento, estou bem e participo de um grupo de autoajuda 4 | Segredos da Mente - Cérebro e Pânico onde auxilio e apoio os novatos”, relata Bruna. Assim como aconteceu com Bruna, em qualquer lugar, contexto ou hora, o transtorno pode se manifestar por meio de falta de ar, taquicardia, dormências em partes do corpo, sudorese intensa, tontura e desconforto no peito. Esses são os principais sintomas físicos de quem sofre um ataque de pânico. Tais sensações também podem ser desencadeadas por um gatilho específico, como na exposição ao ambiente, situação ou objeto temido. PÂNICO O pânico Com picos de medo e desespero, o transtorno do pânico, também chamado de síndrome do pânico, é uma crise de ansiedade aguda e intensa, caracterizado pelo início súbito. “É um conjunto de reações fisiológicas que ocorrem sem que a pessoa esteja necessariamente passando por um momento conflituoso em sua vida. Muitas vezes, as pessoas em pânico procuram assistência médica achando que vão morrer”, explica Eliana Melcher Martins, psicóloga clínica em terapia cognitivo-comportamental pelo Beck Institute (EUA). Há diferenças entre a síndrome do pânico e as crises de pânico, que podem ocorrer de maneira isolada por motivos variados. De acordo com a psiquiatra Julieta Guevara, o que configura o transtorno de pânico é a recorrência dos ataques de medo e desconforto físico, seguidos da preocupação e de perdas no dia a dia. “O ataque de pânico pode existir em outras condições médicas e psiquiátricas, sem a recorrência do transtorno. Também o prejuízo da vida diária não acontece em consequência do ataque, mas das outras condições subjacentes. Por exemplo, a depressão pode ocorrer com ou sem ataques de pânico”, explica a especialista. De onde vem Foto: Getty Images De acordo com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, 10% da população pode sofrer crises sem motivo aparente, denominadas crises de pânico. Cerca de 3,5% dessas pessoas sofrem ataques repetidos, que podem causar alterações no comportamento e um medo intenso, caracterizando a síndrome do pânico. “Não se sabe ainda quais as causas dos ataques de pânico ou transtorno do pânico, mas fatores como a genética do indivíduo, a ocorrência de um estresse acentuado no passado, o temperamento (algumas pessoas são mais propensas a emoções negativas) e certos mecanismos físico-químicos microscopicamente alterados em partes do cérebro podem desempenhar um papel nesse transtorno”, explica Martin Portner, médico neurologista e mestre em neurociência pela Universidade de Oxford. Fator mulher A síndrome do pânico é vista como um mal que atinge muito mais mulheres do que homens. Uma pesquisa divulgada pelo Departamento de 6 | Segredos da Mente - Cérebro e Pânico Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) diz que o transtorno atinge, em média, o dobro de pessoas do sexo feminino em relação ao masculino, principalmente na faixa etária entre 25 a 44 anos de idade. Para alguns pesquisadores, existem dois picos da doença, sendo, para ambos os sexos, o primeiro entre 15 e 24 anos e o segundo entre 45 e 54 anos, de acordo com o estudo. Uma das hipóteses levantadas pela pesquisa para justificar essa “vulnerabilidade” da mulher à síndrome do pânico seria o fato de que os pacientes do sexo masculino procuram tratamento mais rapidamente, já que os sintomas comprometem bastante o rendimento profissional. Tendo em vista que muitas mulheres ainda trabalham em casa, essa situação, de certa forma, poderia acomodá-las mais aos sintomas, fazendo com que busquem ajuda mais tardiamente. Para a psicanalista clínica Maria Clara Barbosa, outros fatores na vida da mulher podem ser motivadores para o acometimento da doença. “Costumamos ver na prática clínica que são nos marcos psíquicos da mulher em que ela geralmente experimenta todas as suas interiorizações não elaboradas durante a vida. Brinco com as pacientes chamando de os ‘4M's’ mais difíceis da vida da mulher, aqueles que vão pôr em jogo a capacidade de resistência, equilíbrio e superação. São eles: Quando a mulher menstrua pela primeira vez, na maternidade, no matrimônio (todo o período que o antecede ou depois) e na menopausa”, comenta a psicanalista clínica. O cérebro e o pânico O responsável por todas as reações voluntárias e involuntárias do corpo está inteiramente envolvido na forma como as crises de pânico ocorrem. De acordo com Martin Portner, pesquisas sugerem que a luta ou fuga, por serem as respostas naturais do cérebro, podem estar envolvidas nos ataques de pânico. “Por exemplo, se um cão raivoso vier atrás de você, seu corpo vai reagir instintivamente elevando a frequência cardíaca e a respiração. O organismo vai produzir muita adrenalina e outros hormônios para se proteger de uma situação de risco de vida,” exemplifica o neurologista. Durante um ataque de pânico, essas mesmas reações podem ocorrer, a diferença é que não há um motivo ameaçador UM MOMENTO DELICADO Existem casos em que a síndrome do pânico ocorre durante um dos períodos mais sensíveis de uma mulher, a gravidez. “As causas de uma mulher desenvolver transtornos de ansiedade, ou ainda a síndrome do pânico durante a gravidez ou pós-parto, são inúmeras. Ela pode apresentar maior ansiedade devido à alteração de sua vida com a chegada da maternidade, com assuntos às vezes difíceis e não elaborados na relação com o pai do bebê, com questões hormonais desordenadas, entre tantas outras”, ressalta Maria Clara. Nesses casos, é recomendado que a gestante tenha acompanhamento de uma equipe multidisciplinar com médicos e psicólogos, além de recorrer a outras técnicas para o tratamento, como meditação, yoga e hidroginástica. PÂNICO Córtex sensorial Tálamo Hipotálamo Amígdala Imagem: Shutterstock Images Hipocampo óbvio ou aparente. “O medo é uma ferramenta de sobrevivência bem sucedida. Se não existisse, seríamos facilmente eliminados”, lembra Julieta. Para Daisy Hernandes, psiquiatra do Ambulatório de Ansiedade (Amban), a relação do pânico com o cérebro é classificada em dois tipos, os não aprendidos e os aprendidos, como os transtornos do pânico. “O sistema de defesa é formado basicamente pelo córtex órbito frontal, cíngulo, amígdala, hipotálamo, hipocampo, núcleo septal e substância cinzenta periaquedutal. Sempre que nos sentimos ameaçados, o sistema de defesa se ativa e dispara um conjunto de reações no corpo que podem ser mais leves, como uma pequena falta de ar e suor nas mãos, até uma reação muito intensa, como um ataque de pânico”, descreve a psiquiatra. Ao passar pelas primeiras crises, o sistema de defesa associa os sintomas iniciais do ataque de pânico e o ataque de pânico em si em uma memória de pareamento. Dessa maneira, ao começar a sentir taquicardia, falta de ar ou qualquer outro sintoma presente no ataque de pânico, a pessoa rapidamente evolui para o ataque em si. O mesmo ocorre com situações ou locais que remetem às crises. “Esta memória de condicionamento clássico do medo está associada à amígdala. É uma estrutura que faz parte do sistema de defesa e contém vários 8 | Segredos da Mente - Cérebro e Pânico núcleos. No caso do pânico, o pareamento entre um estímulo que antes era neutro (não associado ao perigo) e o próprio ataque de pânico se dá no núcleo lateral da amígdala”, explica Daisy. A psiquiatra também aponta que, depois que a memória é formada, a apresentação do estímulo condicionado (antes neutro) irá determinar outputs do núcleo lateral para o núcleo central da amígdala, que será responsável por ativar as outras estruturas do sistema de defesa que irão disparar os vários componentes do ataque de pânico. “Assim, a informação sensorial passa pelo tálamo e atinge a amígdala a partir de duas rotas (via direta ou curta e via indireta ou longa). A amígdala irá ativar várias estruturas do sistema de defesa, disparando, assim, ataques de pânico (agora ataques de pânico aprendidos)”, conclui Daisy. “Nas doenças psiquiátricas, o órgão fora de prumo é o cérebro. Temos que pensar neste órgão como um centro integrador e administrador de toda a informação colhida pelos sentidos (olhos, pele, audição). O sistema nervoso está envolvido para perceber e integrar uma informação, além de produzir uma resposta. No caso do transtorno de pânico, a origem da disfunção são os centros de vigilância, estes sistemas hiperreagem sem estímulo aparente” Julieta Guevara, psiquiatra CONSULTORIAS Bruna Fernandes, diagnosticada com síndrome do pânico; Julieta Mejia Guevara, psiquiatra, com especialização e residência em psiquiatria pela UFRJ, título de especialista pela ABP e mestrado na universidade de Barcelona (IAEU); Eliana Melcher Martins, psicóloga clínica em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Beck Institute (EUA); Martin Portner, médico neurologista e mestre em neurociência pela Universidade de Oxford; Maria Clara Barbosa, psicanalista clínica; Daisy Hernandes, psiquiatra do Ambulatório de Ansiedade (AMBAN) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq – HCFMUSP); Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq – HCFMUSP); Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).