Dano moral indenizável decorrente de efetiva lesão do direito

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AJURIS
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA
CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA
JOSÉ EDUARDO AIDIKAITIS PREVIDELLI
Dano moral indenizável decorrente de efetiva lesão do direito
fundamental da personalidade
Porto Alegre
2006
JOSÉ EDUARDO AIDIKAITIS PREVIDELLI
Dano moral indenizável decorrente de efetiva lesão do direito
fundamental da personalidade
Monografia realizada em atendimento a
requisito
para
obtenção
do
grau
em
cumprimento ao 3º nível do curso de
Preparação à Magistratura, sob a orientação
do Dr. Gilberto Schäfer
Porto Alegre
2006
“Conheci
um químico que, quando no seu laboratório destilava venenos,
acordava as noites em sobressalto, recordando com pavor que um
miligrama daquela substância bastava para matar um homem. Como
poderá dormir tranqüilamente o juiz que sabe possuir, num alambique
secreto, aquele tóxico subtil que se chama injustiça e do qual uma ligeira
fuga pode bastar, não só para tirar a vida mas, o que é mais horrível, para
dar a uma vida inteira indelével sabor amargo, que doçura alguma jamais
poderá consolar?”
(Piero Calamandrei)
Ao magistrado, mestre, orientador e amigo Gilberto Schäfer, pelo apoio e
incentivo durante todo o estudo na Ajuris, em especial durante a
elaboração do presente e, principalmente, pelas grandes lições: de
jurisdição e de vida.
Agradeço ao mestres, colegas e amigos pelas lições, acompanhamento,
incentivos e apoio durante todo o curso realizado, inclusive durante a
elaboração da presente.
E a todos os operadores do Direito que me serviram de modelo ao não se
furtar de mergulhar na vida e no direito, a fim de solver os conflitos.
RESUMO
A presente monografia aborda o dano moral indenizável como o decorrente da
efetiva lesão ao direito fundamental da personalidade, nas suas vertentes: intimidade, vida
privada, honra e imagem. A análise se efetuará em dois momentos. O primeiro capítulo
contará com duas partes: na primeira serão entabuladas considerações acerca do “dano” e suas
forma de reparação; logo após será adentrado no dano moral propriamente dito, sob o enfoque
da reparação civil. No capítulo subseqüente, igualmente bipartido, abordar-se-á,
primeiramente, o direito fundamental da personalidade, com a conceituação, características,
bem como a classificação e outros panoramas acerca dos direitos fundamentais insculpidos na
Constituição Federal de 1988, precipuamente o da personalidade; e, por derradeiro, serão
abordados os elementos da personalidade dispostos no inciso X do artigo 5º da Constituição
Federal e espécies casuísticas de dano moral decorrente da sua lesão, principalmente com
base na análise jurisprudencial.
O estudo tem por escopo a análise da reparação decorrente de dano moral, à luz
da disciplina do direito das obrigações em conjunto com o direito constitucional, discorrendo
acerca do dano genericamente e das especificações dano de natureza moral, em especial e
principalmente o direito fundamental da personalidade, através de estudo bibliográfico e
jurisprudencial do tema.
ABSTRACT
Questa monografia aborda il danno morale indennizzabile come quello
decorrente dall’effettiva lesione al diritto fondamentale della personalità, nelle sue vertenti:
intimità, vita privata, onore e immagine. L’analisi si effettuerà in due momenti. Il primo
capitolo avrà due parti: nella prima parte saranno intavolate le considerazioni sul “danno” e le
sue forme di riparazione; poi si parlerà nel danno propriamente detto, sotto l’ottica della
riparazione civile. Nel prossimo capitolo, anche questo bipartito, verrà abordato prima il
diritto fondamentale della personalità con il concetto, le caratteristiche, così come la classifica
e altri panorami dei diritti fondamentali incisi nella Costituzione Federale del 1988,
precipuamente quello della personalità; e, per l’ultimo, verranno abordati gli elementi della
personalità disposti nella Costituzione Federale, art. 5º, x e le specie casistiche del danno
decorrente dalla sua lesione, principalmente con base nell’analisi giurisprudenziale.
Lo studio ha come scopo l’analisi della riparazione decorrente dal danno
morale, alla luce della disciplina del diritto privato (delle obbligazioni) insieme al diritto
costituzionale, discorrendo sul danno genericamente e sulle specificazioni del danno di natura
morale, in particolare e principalmente il diritto fondamentale della personalità, attraverso lo
studio bibliográfico e giurisprudenziale del tema.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11
1. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS........................................................................ 14
1.1 Noções gerais da Reparação de Danos......................................................................... 14
1.1.1 Conceito de Dano.......................................................................................................14
1.1.2 Espécies de Reparação...............................................................................................15
1.1.2.1 Reparação por Danos Patrimoniais ou Materiais....................................................16
1.1.2.2 Reparação por Danos Morais..................................................................................17
1.1.3 Cumulação de danos morais e materiais....................................................................17
1.2 Dano Moral Indenizável............................................................................................... 19
1.2.1 Conceito de Dano Moral............................................................................................19
1.2.2 Fundamentos Positivos.............................................................................................. 21
1.2.2.1 Constituição Federal............................................................................................... 21
1.2.2.2 Código Civil Brasileiro........................................................................................... 27
1.2.2.2.1 Código Civil de 1916........................................................................................... 27
1.2.2.2.2. Código Civil de 2002.......................................................................................... 30
1.2.3. Prova do Dano Moral................................................................................................32
1.2.4. Requisitos Gerais e Específicos................................................................................ 36
1.2.4.1. Conduta do Agente................................................................................................ 37
1.2.4.2. Nexo de Causalidade..............................................................................................41
1.2.4.3. Lesão à direito de personalidade............................................................................44
2. DIREITO FUNDAMENTAL DA PERSONALIDADE E DANO MORAL.................46
2.1 Dos Direitos Fundamentais...........................................................................................46
2.1.1 Conceito de Direito Fundamental.............................................................................. 46
2.1.2 Características dos Direitos Fundamentais................................................................ 49
2.1.2.1 Historicidade........................................................................................................... 49
2.1.2.2 Universalidade........................................................................................................ 50
2.1.2.3 Limitabilidade......................................................................................................... 51
2.1.2.4 Concorrência........................................................................................................... 52
2.1.2.5 Irrenunciabilidade................................................................................................... 52
2.1.2.6 Inalienabilidade.......................................................................................................53
2.1.2.7 Imprescritibilidade.................................................................................................. 53
2.1.3 Classificação dos Direitos Fundamentais.................................................................. 53
2.1.4 Gerações ou Dimensões de Direitos Fundamentais...................................................54
2.1.5 Direito de Personalidade............................................................................................ 60
2.1.5.1 Conceito e conteúdo................................................................................................60
2.1.5.2 Natureza Jurídica.................................................................................................... 64
2.1.6 As restrições a direitos fundamentais........................................................................ 66
2.2 Elemento da Personalidade e Dano Moral....................................................................68
2.2.1 Intimidade.................................................................................................................. 68
2.2.1.1 Dano moral decorrente da exposição da intimidade............................................... 70
2.2.2 Vida Privada...............................................................................................................71
2.2.2.1 Dano moral decorrente da violação da vida privada...............................................72
2.2.3 Honra..........................................................................................................................74
2.2.3.1 Inscrição indevida nos cadastros de Restrição de Crédito...................................... 78
2.2.4. Imagem..................................................................................................................... 81
2.2.4.1 Dano moral decorrente do uso indevido da imagem.............................................. 82
CONCLUSÃO.................................................................................................................... 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 89
INTRODUÇÃO
A formulação do tema a ser desenvolvido na presente monografia jurídica,
intitulada “Dano moral indenizável decorrente de efetiva lesão do direito fundamental da
personalidade”, mais do que cumprir a uma exigência curricular, atenderá uma preferência
pessoal, tendo em vista os trabalhos já desenvolvidos na área civil e processual civil.
A presente monografia, ainda, terá por objetivo a construção de material
científico para complementar os processos de aprendizagem realizados no âmbito acadêmico,
bem como servir de base na prática forense.
Como se sabe a vida em sociedade não raro provoca o entrechoque de direitos
e de condutas, dos mais variados, com a possibilidade de interferência de um sujeito na esfera
jurídica de outros, inclusive com a possibilidade de lesão a direitos deste.
A solução para esse possível conflito, começou a viabilizar-se a medida que o
lesado passou a buscar, através tutela jurisdicional, a reparação de seu direito ofendido. Bem
assim, ainda há a possibilidade de reparação ao dano íntimo, causado pela lesão ao direito
fundamental da personalidade.
Todavia, no curso da prática forense dos tempos atuais, nota-se a busca da
reparação por “danos morais”, de forma subsidiária a mais ampla variedade de ações, e até
mesmo de situações do convívio humano.
Com a preocupação de não possibilitar o enriquecimento sem justa causa, o
instituto jurídico do dano moral deve ser profundamente analisado em conjunto com o direito
constitucional, utilizando este como forma efetiva de indenização e mecanismo de supressão
de condutas danosas. Assim pensando, chega-se às seguintes formulações:
1) O que é o dano moral no direito pátrio e quais seus fundamentos?
2) Em que momento as situações decorrentes da vida em sociedade passam a
gerar o dever de indenizar por ofensa ao direito da personalidade?
Na tentativa de encontrar respostas a essas formulações, desenvolver-se-á a
presente monografia, aprofundando o estudo do Dano Moral, através de uma retrospectiva
histórica e conceitual, por meio de uma explanação teórico-prática a respeito do assunto, sem,
contudo, pretender esgotar a matéria.
Aliás, tal explanação terá como fontes a pesquisa caracterizada como sendo do
tipo descritivo e, fundamentam-se na investigação e interpretação de dados coletados, através
de pesquisa bibliográfica - da legislação constitucional, civil e processual civil vigente, assim
como de bibliografia nacional relacionada ao tema; em documentos eletrônicos,
compreendendo artigos, paper’s e demais publicações, bem como a jurisprudência dos
Tribunais de Justiça e Súmulas dos Tribunais Superiores;
Nos limites desse tema, a presente monografia jurídica dividir-se-á em dois
capítulos, com duas fases cada; no primeiro capítulo, serão trazidas à discussão as
considerações iniciais acerca do “dano” e suas forma de reparação, individual ou
cumulativamente.
Na segunda parte deste capítulo, com a finalidade de adentrar no dano moral
propriamente dito, será colacionada a exposição do conceito e fundamentos legais da
reparação por lesão ao direito da personalidade, bem como seus requisitos, e a prova judicial
necessária.
Com relação ao direito fundamental da personalidade, tratará a primeira etapa
do segundo capítulo de sua conceituação e características, bem como da classificação e outros
elementos acerca dos direitos fundamentais presentes na Constituição Federal de 1988.
Por derradeiro, a parte final do segundo capítulo, e não menos importante,
tratará dos elementos da personalidade dispostos no inciso X do artigo 5º da Constituição
Federal e espécies casuísticas de dano moral decorrente da sua lesão, principalmente com
base na análise jurisprudencial.
REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS
1.1 Noções gerais da Reparação de Danos
1.1.1 Conceito de Dano
Segundo José de Aguiar Dias, a partir da definição de Hans Albrecht Fischer1,
dano é o “prejuízo que alguém sofre, na sua alma, no seu corpo ou seus bens”, observando
que na esfera jurídica do mesmo é delimitado “por sua condição de pena ou de dever de
indenizar” por violação de direitos.
Para Fabrício Matiello2, dano é “qualquer ato ou fato humano produtor de
lesões a interesses alheios juridicamente protegidos”.
Por sua vez Jorge Mossete Iturraspe3 define dano como:
[...] É a diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo
ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode
ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo
1
FISCHER, Hans Albrecht. Reparação dos danos no direito civil, apud DIAS, José Aguiar. Obra citada, DIAS,
José Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11ª ed. rev., atual. de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada
por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 971.
2
MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Dano Moral, dano material e reparação – 6ª ed. rev. e atual. Porto Alegre:
Dora Luzzatto, 2006, p. 13.
3
ITURRASPE, Jorge Mosset, Responsabilidade Civil, apud SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável
– 4ª ed. rev., amp. e atual. de acordo com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.
74.
que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que
era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa
integralidade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas
incorporações [...]”
O conceito jurídico do dano encontra substrato no texto dos artigos 1864, 1875 e
1886 do vigente Código Civil (Lei 10.406 de 10/01/2002). Esses dispositivos traçam o
contorno do instituto, mediante exposição do que é e do que não é um evento danoso. Da sua
leitura pode-se concluir que o dano é o prejuízo causado a alguém por uma ação consciente,
voluntária, ou omissão de um agente em violação de um direito, que pode constar de lei, de
contrato ou de decisão judicial.
Observa-se que de tal análise, ainda, transparecem todos os elementos da
responsabilidade civil: ato do agente praticado em violação do direito; prejuízo para outrem;
nexo de causalidade entre um e outro elemento.
1.1.2 Espécies de Reparação:
A interesse do presente estudo, considera-se o dano como a interferência de um
sujeito na esfera jurídica de outrem, provocando-lhe lesão das mais diversas ordens.
Nesse sentido, desde logo se depreende que os danos e, por conseqüência suas
reparações, podem ser classificados sob duas vertentes ou espécies de acordo com o bem
jurídico lesado: os de origem material ou patrimonial e os morais.
4
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
5
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
6
Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover
perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o
tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
1.1.2.1 Reparação por Danos Patrimoniais ou Materiais
Segundo afirma Fabrício Matiello7, os danos de ordem puramente patrimoniais:
Consubstanciam-se em fatos humanos que produzem lesões em interesses
alheios juridicamente protegidos, com caráter exclusivamente material.
Noutras
palavras,
a
conduta
afronta
tão-somente
direitos
patrimoniais/materiais, sem alcançar interesses psíquicos, ou morais, do
lesado
Efetivamente, não há como deixar de analisar o dano patrimonial senão em
relação de exclusão com o dano moral, e vice-versa, considerando que em ambos há a lesão
ao bem jurídico de outro sujeito; em tais casos o conteúdo basilar da separação da
conceituação o patrimônio lesado: os bens materiais ou o direito fundamental da
personalidade.
Em tal sentido, não será demais recordar a lição de Alfredo Minozzi 8, segundo
a qual “la distinzione del danno in patromoniale ed non patrimoniale non si referisce al
danno nella sua origine, ma al danno nei soui effetti.”
1.1.2.2 Reparação por Danos Morais
7
8
MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Obra citada, p. 15.
MINOZZI, Alfredo. apud CAHALI, Yussef Said. Dano Moral – 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
p 19.
A exemplo do que está sendo feito, cumpre aqui apontar breve conceito através
de observância a contrário senso do dano material, ou seja, é o ato que lesa a carga subjetiva
íntima da pessoa, consistente de seu direito de personalidade consagrado na Carta Maior.
Acerca de tal dano, Matiello9 conceitua tal lesão como “fatos humanos que
conduzem a lesões em interesses alheios, juridicamente protegidos, mas que atingem apenas
a reserva psíquica do ofendido”.
1.1.3 Cumulação de danos morais e materiais
Como observado por Humberto Theodoro Júnior10, ainda que já presente o
reconhecimento da possibilidade de reparação de danos decorrentes à ofensa ao direito da
personalidade – danos morais – antes do advento da Constituição Federal de 1988, os
Tribunais mantinham entendimento predominante da impossibilidade de cumulação de
indenização a tal título com indenização por danos materiais.
Tal posicionamento possuía como alicerce o entendimento de que uma vez
indenizada o lesado, quer a título de danos materiais, quer a título de danos morais, haveria já
o “ressarcimento de todos os efeitos patrimoniais nocivos do ato ilícito já estaria, a vítima,
suficientemente reparada”.
Nesta senda, antigo acórdão do STF, ao interpretar o art. 1537 do Código Civil
de 1916, chegou à conclusão de não ser indenizável o valor afetivo exclusivo:
Nem sempre dano moral é ressarcível, não somente por se não poder darlhe valor econômico, por se não poder apreciá-lo em dinheiro, como ainda
porque essa insuficiência dos nossos recursos abre a porta a especulações
desonestas pelo manto nobilíssimo de sentimentos afetivos; no entanto, no
caso de ferimentos que provoquem aleijões, no caso de valor afetivo
coexistir com o moral, no caso de ofensa à honra, à dignidade e à liberdade,
se indeniza o valor moral pela forma estabelecida pelo Código Civil. No
9
MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Obra citada, p. 16.
10
THEODORO JR, Humberto. Dano Moral, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.
caso de morte de filho menor não se indeniza o dano moral se ele não
contribuía em nada para o sustento da casa.11
Em contraponto, operou-se evolução no entendimento doutrinário e
jurisprudencial acerca do tema, de maneira que se encontra defendida pela doutrina e
jurisprudência dos Tribunais Superiores12 a reparação integral dos danos havidos, sendo
reparado o dano material e, cumulativamente, indenizada a lesão ao direito personalíssimo
atingido.
Aliás, vale transcrever o entendimento colacionado por Humberto Theodoro
Júnior13, emanado da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:
Se há um dano material e outro moral; que podem existir autonomamente,
se ambos dão margem a indenização, não se percebe porque isso não deva
ocorrer quando os dois se tenham como presentes, ainda que oriundos do
mesmo fato. De determinado ato ilícito decorrendo lesão material, esta
haverá de ser indenizada. Se apenas de natureza moral, igualmente devido o
ressarcimento. Quando reunidas, a reparação há de referir-se a ambas. Não
há porque cingir-se a uma delas, deixando a outra sem indenização” (Resp
6.852-RS e Resp 4.235, Rel. Mini, Eduardo Ribeiro, in Lex-JSTJ, 29/190).
Cumpre salientar que tais entendimentos culminaram com a edição da Súmula
nº 37 em 12/03/1992, consagrando que “são cumuláveis as indenizações por dano material e
dano moral oriundas do mesmo fato”, sedimentando assim o posicionamento das Cortes
pátrias.
1.2 Dano Moral Indenizável
11
Supremo Tribunal Federal. 2a Turma. Ementa: Dano moral. Valor afetivo exclusivo. Indenização.
Inadmissibilidade. Inteligência do art. 1.537 do Código Civil. RE 12.039. Relator: Lafayette de Andrada. Data
do julgamento: 6.8.1948. RT 244/629
12
DANOS MATERIAIS E MORAIS - CUMULAÇÃO - POSSIBILIDADE - SÚMULA Nº 37 DO STJ. A
condenação em danos materiais e morais encontra suporte na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de
Justiça, já solidificada no enunciado da Súmula nº 37: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano
moral oriundas do mesmo fato." Recurso improvido. (REsp 193944 / RN ; Recurso Especial 1998/0081499-0.
Rel. Min. Garcia Vieira – Terceira Turma. DJ 29.03.1999 p. 110).
13
THEODORO JR, Humberto. Obra citada, p. 05
1.2.1 Conceito de Dano Moral
Desde a Constituição de 1988 que se passou a fazer distinção entre o dano
patrimonial e o extrapatrimonial, ou moral. Todavia não há na legislação um conceito
expresso do dano moral.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça14 e dos demais tribunais do
país15 tem reconhecido a existência de dano moral nas situações em que o ato ilícito do agente
causa à vítima: dor, sofrimento, angústia; ou, violação aos direitos personalíssimos como o da
honra, imagem, privacidade própria e das comunicações.
Para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral:
É a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na
vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade
individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os
demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a
parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que
molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.),
dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz
deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.) 16.
14
Processual civil. Ação civil pública. Dano ambiental. Dano moral coletivo. Necessária vinculação do dano
moral à noção de dor, de sofrimento psíquico, de caráter individual. Incompatibilidade com a noção de
transindividualidade (indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa e da reparação).
Recurso especial improvido. (REsp 598281 / MG ; Recurso Especial. 2003/0178629-9 Rel. Ministro Teori
Albino Zavascki. Primeira Turma, DJ 01.06.2006 p. 147). (grifei).
15
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. O dano material deve ser cabalmente
comprovado, sendo possível postergar para liquidação apenas o quantum indenizatório, e não assim o
reconhecimento da ocorrência do próprio prejuízo. Simples incômodos da vida moderna não traduzem ofensa a
direito de personalidade, este sim passível de indenização. No caso de vício de qualidade no produto, inexiste
previsão legal no Código de Defesa do Consumidor para restituição de quantia em dobro. Descabe o
prequestionamento, posto que o magistrado não é obrigado a responder a toda e qualquer indagação de ordem
legal formulada pelo recorrente. Não retroage o Código Civil Brasileiro de 2003 para incidência de juros de
mora. Apelação desprovida e provido o recurso adesivo. Decisão unânime. (Apelação Cível Nº 70010626687,
Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em
30/06/2005) (grifei).
16
CAHALI, Yussef Said. Obra citada, p. 20.
No mesmo sentido, em brilhante lição, manifesta-se o grande jurista luso,
Professor Inocêncio Galvão Telles:
Dano moral se trata de prejuízos que não atingem em si o patrimônio, não o
fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O patrimônio não é
afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de
bens de caráter imaterial - desprovidos de conteúdo econômico,
insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a
integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a reputação. A
ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima,
traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral.
Violam-se direitos ou interesses materiais, como se se pratica uma lesão
corporal ou um atentado à honra: em primeira linha causam-se danos não
patrimoniais, v.g., os ferimentos ou a diminuição da reputação, mas em
segunda linha podem também causar-se danos patrimoniais, v.g., as
despesas de tratamento ou a perda de emprego17.
1.2.2 Fundamentos Positivos
1.2.2.1 Constituição Federal
Ao observar o alicerce constitucional do dever de reparar, se faz mister, num
primeiro momento, observar a própria estrutura da Carta Política de 1988.
17
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6ª edição, p. 375.
De início, é preciso verificar a carga normativa do Preâmbulo18 da Constituição
e sua integração com o restante do texto.
Na lição de Antônio Jeová Santos:
[…] o preâmbulo da Constituição não pode ser ignorado por que pretende
verificar a pessoa em sua integralidade. O estudo do dano moral e, por
conseqüência, do dano à pessoa (à Luz da Constituição) não pode
prescindir do preâmbulo. É lá que o constituinte resolveu arrolar todo o
programa que visa a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos19.
Desta forma, conclui-se que o preâmbulo não pode apresentar contradição com
o corpo do texto constitucional, eis que transmite os elementos básicos de interpretação e não
simples fórmula retórica do legislador. Conquanto não tenha valor de direito positivo
propriamente dito, o preâmbulo assume especial importância ao intérprete, porque introduz os
elementos causais que vão direcionar o trabalho de interpretação e de integração da letra
constitucional.
Nesse mesmo sentido leciona Alexandre de Moraes20, sustentando que,
“apesar de não fazer parte do texto constitucional propriamente dito e, conseqüentemente,
não conter normas constitucionais de valor jurídico autônomo, o preâmbulo não é
juridicamente irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de interpretação e
integração dos diversos artigos que lhe seguem”, inclusive apontando como nota de rodapé o
julgamento da Adin nº 2.076/AC – Rel. Min. Carlos Velloso (decisão: 15-08-2002.
Informativo 227), onde foi afirmada a ausência de força normativa do preâmbulo
constitucional.
18
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
19
SANTOS, Antônio Jeová. Obra citada, p. 34.
20
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 51.
Ainda, tal dispositivo evidencia a completa pretensão do constituinte: o
personalismo, em oposição ao exacerbado patrimonialismo. Aqui vale o ser humano como
ente único e não intercambiável.
Transposto o preâmbulo, portal da Constituição Federal e linha base desta
análise, há que ser observado o Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana,
insculpido no art. 1º da Carta Maior.
Com efeito, é no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 que se encontra, no
constitucionalismo moderno, a existência de uma norma fundamental de defesa dos direitos
fundamentais.
Os termos “dignidade” e “pessoa humana” devem ser analisados sob o prisma
integrativo, pois, sozinhos, não representam a magnitude expressa pelo legislador
constitucional.
Alexandre de Moraes21 ensina que a dignidade da pessoa humana é um valor
espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação
consciente e responsável da própria vida, trazendo a concepção ao respeito pelas pessoas
constituintes de uma sociedade.
Ainda vale observar a preciosa lição do Professor Ingo Wolfgang Sarlet, ao
sustentar que “[…] a dignidade da pessoa humana – continua, talvez mais do que nunca, a
ocupar um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que dá conta a sua
já referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica […]” 22.
E prossegue o aludido doutrinador23, que define a dignidade da pessoa
humana:
Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana que o faz merecedor
do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
21
Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. Ed. Atlas – 2003. 2ª
Ed. p.128.
22
SARLET, Ingo Wolfgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988,
Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2006, p. 38
23
SARLET, Ingo Wolfgang, Obra citada, p. 60.
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da
vida em comunhão com os demais seres humanos.
Por tal esteira, prossegue Jeová Santos24 que
da dignidade, da autonomia e da inviolabilidade da pessoa extraímos a
idéia de que o homem é portador em si mesmo de um valor moral
intransferível e inalienável, que lhe foi atribuído pelo puro fato de ser um
homem, quaisquer que sejam suas qualidades individuais, ainda que se trate
de um criminoso, de um fugitivo ou de um réu.
Conclui o respeitável autor que:
desta maneira, o homem não pode ser reduzido a coisa, a objeto, como no
período escravocrata. Daí, o respeito a todos os direitos da personalidade.
Em havendo violação, o dano moral há que ser ressarcível de forma mais
completa possível, a fim de impedir que o infrator continue em sua faina
violadora de direitos alheios.
Embora longa, cabe registrar aqui a fundamentação apresentada pelo Min. Luiz
Fux, relator do Recurso Especial nº 612108/PR25, ao analisar, inicialmente, o Princípio
Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana:
À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável
assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto
subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.
Consectariamente, não há falar em prescrição de ação que visa
implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição
não estipulou lapso prescricional ao direito de agir correspondente ao
direito inalienável à dignidade.
Outrossim, a Lei 9.140/95, que criou as ações correspondentes às violações
à dignidade humana perpetradas em período de supressão das liberdades
públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem estipular-lhe prazo
prescricional, por isso que a lex specialis convive com a lex generalis ,
24
25
SANTOS, Antônio Jeová. Obra citada, p. 43
REsp 612108 / PR ; Recurso Especial 2003/0210878-7, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
02/09/2004, DJ 03.11.2004 p. 147
sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código Civil no afã de
superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais da pessoa
humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à integridade física
do ser humano.
Adjuntem-se à lei interna, as inúmeras convenções internacionais firmadas
pelo Brasil, a começar pela Declaração Universal da ONU, e demais
convenções específicas sobre a tortura, tais como a Convenção contra a
Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Conveção
Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
Prosseguindo em sua fundamentação, o Ministro relator dispôs acerca da
proteção à Dignidade da Pessoa Humana e o dever de reparar por danos morais em razão de
sua violação, no caso em tela, tratando-se de sepultamento de familiar sem as devidas práticas
ou alertas à família, gerando, por conseguinte, impar sentimento negativo aos mesmos:
A dignidade humana violentada, in casu, decorreu do sepultamento do
irmão da parte, realizado sem qualquer comunicação à família ou
assentamento do óbito, gerando aflição ao autor e demais familiares, os
quais desconheciam o paradeiro e destino do irmão e filho, gerando
suspeitas de que, por motivos políticos, poderia estar sendo torturadorevelando flagrante atentado ao mais elementar dos direitos humanos, os
quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis
e imprescritíveis .
A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos
humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade
humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a
Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no
art. 1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos".
Deflui da Constituição federal que a dignidade da pessoa humana é
premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência,
no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive
em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a
relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.
Ex positis , dou parcial provimento ao recurso especial interposto pela
União, apenas, para afastar a indenização de despesas de guarda do
túmulo, mantida a indenização pelo dano moral, repartindo-se o valor da
indenização, na liquidação de sentença, na forma do art. 10 da Lei nº
9.140/95”.
Nesta esteira, afigura-se pertinente a lição de Eroulths Cortiano Junior
26
no
sentido que de que:
A dignidade da pessoa humana é o centro de sua personalidade, e portanto
merece a maior proteção possível. Aliás, a conjugação personalidadedignidade é tão forte que boa parte dos autores que tratam do tema referemse diretamente à proteção da dignidade do homem. Esta ligação é, assim,
indissolúvel.
Finalmente, é forçosa a análise do art. 5º
27
da CF/88, com a devida ênfase ao
inciso X 28. Acerca de tal dispositivo, inicialmente, observa-se que, segundo ensina Yussef
Cahali 29:
[…] a Constituição de 1988 apenas elevou à condição de garantia dos
direitos individuais a reparabilidade dos danos morais, pois esta já estava
latente na sistemática legal anterior; não sendo aceitável, assim, pretenderse que a reparação dos danos dessa natureza somente seria devida se
verificados posteriormente à referida Constituição.
Ainda vale consignar que, apesar da interpretação gramatical sugerir que se
trata de cláusula taxativa de bens tutelados, cuja violação é passível de indenização por danos
morais, a interpretação conferida ao dano moral, depois da CF/88, considera aquela entidade
de forma ampla.
Nesta senda, conforme defendido por Antônio Jeová Santos30:
O direito à vida privada, à honra e à imagem são apenas alguns dos dados
da personalidade. Rica e proteiforme, a lei não pode abarcar todos os
26
CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. In:
Fachin, Luiz Edson (Coord.); Eroulths Cortiano Junior [at al.]. Repensando fundamentos do direito civil
brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 42.
27
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
28
inc. X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
29
CAHALI, Yussef Said. Obra citada, p. 53.
30
SANTOS, Antônio Jeová. Obra citada, p. 66.
aspectos da personalidade. Hoje, por exemplo, fala-se em direito à
identidade pessoal, sem que nenhum dispositivo da Constituição tenha
articulado claramente sobre esse direito, que na visão de Fernandez
Sessarego ( El daño a la persona na Código Civil, p. 113), é o prejuízo
causado ao conjunto de atributos e características que permitem
individualizar a pessoa em sociedade. Identidade pessoal é tudo aquilo que
faz com que cada qual seja um mesmo e não outro. Esse entrelaçamento de
características da personalidade de cada qual se projeta para o mundo
exterior, se fenomenaliza, e permite aos demais conhecerem a pessoa, a
certa pessoa em sua mesmidade, no que ela é enquanto específico ser
humano.
Aliás, a própria Constituição Federal, no § 2º do art. 5º já resolve o celeuma, ao
dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados […]”.
Desta forma afigura-se hábil a conclusão de que o rol insculpido no inciso
supra referido é meramente exemplificativo, sendo abarcada pela Carta Maior a possibilidade
mais ampla o possível de indenização por danos morais decorrentes de lesão à personalidade
do sujeito, em consonância com análise da Constituição, principalmente de sua interpretação
conforme o preâmbulo.
1.2.2.2 Código Civil Brasileiro
Seguindo-se a devida hierarquia legislativa, faz-se mister a análise da previsão
de reparação de danos à luz da Carta Civil.
1.2.2.2.1 Código Civil de 1916
À época, quando vigia o Código Civil de 1916, dizia Agostinho Alvim31:
Em doutrina pura, quase ninguém sustenta hoje a irreparabilidade dos
danos morais. É assim que a obrigação de reparar tais danos vai se
impondo às legislações, mais ousadamente aqui, mais timidamente ali, já se
admitindo a reparação, como regra, já, somente, nos casos expressamente
previstos.
E ressalvava, ainda: “O sentimento de justiça impulsiona no sentido de
admitir-se a indenização por dano moral; mas, a dificuldade da aplicação da teoria aos
casos ocorrentes faz retroceder”32. Todavia, o mesmo autor33 alertava, outrossim:
O nosso legislador não inseriu no Código uma regra sobre dano moral, nem
mesmo, como certos Códigos, para conceder a indenização em casos
previstos. Nenhuma norma de caráter geral. No art. 1543 prevê-se um caso.
Outros dispositivos há, de caráter casuístico, melhor direi, discutíveis. Mas,
ainda mesmo que se enxerguem casos de indenização por dano moral em
várias disposições, nenhuma generalização é possível, donde, o mais que se
pode conceber, é que o Código se filiou à doutrina dos casos previstos em
lei.
Parte da doutrina contestava essa posição, argumentando que o próprio caput
do art. 76 do Código Civil de 1916 afirmava textualmente: “Para propor, ou contestar uma
ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral”.
Ao omitir-se sobre o tema, o Código Civil revogado provocou calorosa
discussão acerca da reparabilidade dos danos morais, havendo, contra a possibilidade de
reparação por dano não patrimonial, argumentos que variavam desde a alegação de
“impossibilidade de uma rigorosa avaliação pecuniária do dano moral, passando pela
imoralidade da compensação da dor com dinheiro e chegando ao perigo de enriquecimento
sem causa” 34.
31
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 220221.
32
ALVIM, Agostinho. Obra citada, p. 224.
33
ALVIM, Agostinho. Obra citada, p. 221.
34
VARELA, Antunes. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
Até então, o lesado poderia ir buscar algum tipo de reparação na legislação
anterior, que, embora esparsa e nem sempre clara, permite, ainda hoje, o embasamento na
sustentação do pedido indenizatório. Portanto, será suficiente lembrar, além do comentado art.
76 do Código Civil, que legitimava a ação, os artigos 84 do Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4417, de 27.8.1962)35 e 53 da Lei de Imprensa (Lei 5250/67)36.
Também das hipóteses casuísticas estampadas no Código Civil Brasileiro de
1916, a exemplo dos artigos 1.53737, 1.53838, 1.54339, 1.54840, 1.54941 e 1.55042, tornou-se
permitido induzir a existência no sistema jurídico pátrio de um princípio geral de
reparabilidade do dano moral. O berço desse princípio, entretanto, é a exegese literal do art.
15943 daquele Codex, cuja aplicação não se encontra restrita aos danos patrimoniais.
Apesar de a positivação da reparabilidade do dano moral ter recebido, em
nosso sistema jurídico, inspiração na construção doutrinária e pretoriana, não se pode deixar
de valorá-la como conquista em termos de direitos e garantias fundamentais, conforme já
observado no título antecessor.
35
“Art. 84 – Na estimação do dano moral o juiz terá em conta notadamente a posição social ou política do
ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão das
ofensas.”.
36
“Art. 53 – No arbitramento da indenização em reparação por dano moral o juiz terá em conta notadamente
[...]”.
37
Art. 1.537. A indenização, no caso de homicídio, consiste: I - no pagamento das despesas com o tratamento
da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia.
38
Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do
tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau
médio da pena criminal correspondente. § 1o Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou
deformidade. § 2o Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a
indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do
defeito.
39
Art. 1.543. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa (art. 1.541), estimar-se-á ela pelo
seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele.
40
Art. 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser
reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à sua própria condição e estado: I - se, virgem e menor,
for deflorada. II - se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças. III - se for seduzida com
promessas de casamento. IV - se for raptada.
41
Art. 1.549. Nos demais crimes de violência sexual, ou ultraje ao pudor, arbitrar-se-á judicialmente a
indenização.
42
Art. 1.550. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que
sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547.
43
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar
prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
1.2.2.2.2 Código Civil de 2002
Desta forma, o Código Civil vigente, promulgado à luz da garantias da CF/88 e
com a pacificação doutrinária e jurisprudencial de reparabilidade do dano moral, acolheu
integralmente as disposições prescritas na Carta Maior.
O art. 186 veio a estabelecer que “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (Grifei).
Por conseqüência, a cláusula geral do dever de indenizar do Código Civil
vigente, adotou a teoria da culpa, dispondo, no art. 927 que “aquele que, por ato ilícito (arts.
186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Em consonância com o mandamento constitucional, a Carta Civil agasalha a
possibilidade de reparação pecuniária da ofensa praticada contra o direito da personalidade,
inclusive consagrando a proteção ao direito da personalidade em seu texto.
Inicialmente, já pode ser observada a manifesta preocupação do legislador com
o direito da personalidade, seguindo-se o espírito da Constituição com a inserção do Capítulo
II (Dos Direitos da Personalidade), sem equiparação no revogado Código.
Já na abertura de dito capítulo, nos artigos 11
44
e 12
45
, é manifestada a
proteção à personalidade em relação ao próprio indivíduo que, em regra não pode limitar seu
próprio direito (art. 11) e contra terceiros onde, além de garantida a cessação da lesão, já há a
previsão da reparação pelos danos sofridos.
Ainda vale observar que o vigente Código Civil, em seu art. 2146, sem
precedente no CC16, onde se consagra a proteção ao direito da personalidade na sua vertente
“vida privada”, estabelece a garantia de que o julgador deverá adotar as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato lesivo a tal direito.
Em relação ao dispositivo supra, Maria Cláudia Cachapuz47 afirma:
O pioneirismo que se reconhece na norma constante no artigo 21 do novo
Código diz respeito, especialmente, a este destaque conferido à adoção de
um princípio de exclusividade em relação àquilo que concerne à
privacidade do indivíduo. Isto porque, diferentemente da previsão anterior
dos artigos 159 e 160 do Código Civil brasileiro de 1916, que tratam dos
atos ilícitos, não trabalha o atual código com a tutela jurídica da
privacidade a partir da noção de responsabilidade civil – como ainda faz o
art. 5°, inc. X, da C.F. -, mas busca definir a proteção legislativa pela
autonomia de tratar o tema da privacidade de forma exclusiva.48
44
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
45
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos,
sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para
requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral
até o quarto grau.
46
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
47
CACHAPUZ, Maria Cláudia. A proteção à intimidade e à vida privada no novo código civil: Análise dos arts.
21 e 187. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: TC-RS, v. 22, n. 37, p.
324-338, 2005.
48
No mesmo sentido: CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo código civil brasileiro:
uma leitura orientada no discurso jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006. 303 p. ISBN 8575253484.
Como observado, o art. 21 do NCC traz à lume a tutela inibitória no âmbito da
vida privada, de forma específica, ou seja, fora da cláusula de tutela inibitória genérica
insculpida no 46149 do Código de Processo Civil50.
O Código Civil vigente, nas palavras de Cláudio Ari Mello 51 “recolheu alguns
direitos ‘especiais’ da personalidade: os direitos à incolumidade física (arts. 13 52 e 15 53), ao
nome (art. 16 54), à imagem, à honra, à intimidade (art. 20 55) e à privacidade (art. 21)”. Da
mesma forma, consagrou a proteção de um direito geral da personalidade, nos moldes do
caput do art. 1256.
1.2.3 Prova do Dano Moral
Outro aspecto de essencial relevância no estudo do instituto da reparação moral
é relativo à prova do dano, questão na qual diverge a doutrina pátria.
49
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
50
Acerca do tema, ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da Vida Privada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000 (Coleção temas atuais de direito processual civil, v. 2).
51
MELLO, Cláudio Ari. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos da personalidade. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.); MELLO, Cláudio Ari. [at al.]. O Novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2003, P. 85.
52
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar
diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto
neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
53
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a
intervenção cirúrgica.
54
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
55
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública,
a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de
uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em
se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou
os descendentes.
56
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos,
sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Há os que, de um lado, conforme esclarece Cahali57, defendem o
posicionamento de que a regra geral a ser observada, no plano do dano moral, exige a prova
não só de sua ocorrência, mas, também, de sua repercussão moral.
De outro lado, majoritária corrente abraçada por Bittar58 aponta a
responsabilização como decorrente do simples fato da violação, ao fundamento precípuo de
que:
[...] verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a necessidade de
reparação, uma vez presentes os pressupostos do direito, haja vista que a
constatação do alcance do dano constitui fenômeno claramente perceptível
a qualquer um, porquanto diga respeito à essencialidade do homem.
Na lição de Sérgio Cavalieri Filho59 sobre o tema:
[...] por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não
pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do
dano material. Seria uma demasia, algo até impossível exigir que a vitima
comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos,
documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o
repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que
acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em
razão de fatores instrumentais.
[...]
Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente
do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está
demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma
presunção hominis ou facti que decorre das regras de experiência comum.
No mesmo sentido é o entendimento já esposado pelo Superior Tribunal de
Justiça
57
60
. Assim, entende-se que a sistemática adotada pelo nosso ordenamento jurídico
Obra citada, p. 703.
58
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1999. p.214-218
59
60
FILHO, Sérgio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed, 2000, p.79/80
A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a esponsabilização do agente causador do dano
moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a
necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais
para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade) (STJ , 4ª Turma, Resp. nº. 23.575-DF, Rel. Min.
César Asfor Rocha, j. 09.06.1997.)
prescreve que a prova de dano moral autônomo ou puro, isto é, desvinculado ao dano
material, se satisfaz com a demonstração da ocorrência do ato ilícito, que originou a ofensa
extrapatrimonial. Noutros termos, a força probante do ato ilícito gera presunção juris tantum61
de ocorrência de danos morais.
Como visto, os prejuízos extrapatrimoniais suportados pela vítima independem
de prova material para emergir o direito à reparação moral, bastando a comprovação da
prática antijurídica perpetrada pelo ofensor.
A proposição ventilada recebe a chancela do Superior Tribunal de Justiça, ao
decidir que "Estando comprovado o fato não é preciso a prova do dano moral” 62, bem como
"Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso
indevido do direito personalissímo, não havendo que se cogitar de prova da existência de
prejuízo ou dano” 63.
Acerca da questão vale observar que STJ, analisando o Recurso Especial nº
79768964, em voto de lavra do Ministro Jorge Scartezzini, em questão acerca de danos morais
em decorrência de saques irregulares efetivados em conta corrente de mutuário, sustentou
que:
61
Presunção juris tantum é aquela estabelecida pela lei, mas que se admite prova do contrário. [nota do autor
da presente monografia].
62
STJ, AGA 250722/SP, j. 19/11/1999, 3ª Turma, r. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 07/02/2000, p. 163
63
STJ, REsp. 45305/SP, j. 02/09/1999, 4ª Turma, r. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 25/10/1999, p. 83
64
A decisão está assim ementada: Decisão CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. SAQUES IRREGULARES EFETUADOS EM CONTA CORRENTE. DANOS
MATERIAIS RECONHECIDOS. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. VALOR INDENIZATÓRIO DEVIDO.
FIXAÇÃO.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. 1. Tendo o Tribunal a quo examinado, fundamentadamente, todas as
questões suscitadas pelo recorrente, tanto em sede de apelação como em embargos (fls. 141/144, 167/169), não
há falar na ocorrência de omissão e, pois, de ofensa ao art. 535, II, do CPC. 2. No pleito em questão, os saques
irregulares efetuados na conta corrente do autor acarretaram situação evidente de constrangimento para o
correntista (que, como reconhece, expressamente, o Tribunal "perdeu quase todo o seu dinheiro que tinha em sua
conta corrente"), caracterizando, por isso, ato ilícito, passível de indenização a título de danos morais. Segundo
precedentes desta Corte, em casos como este, o dever de indenizar prescinde da demonstração objetiva do abalo
moral sofrido, exigindo-se como prova apenas o fato ensejador do dano, ou seja, os saques indevidos por culpa
da instituição ora recorrida: "a exigência de prova do dano moral se satisfaz com a comprovação do fato que
gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam". Precedentes. 3. Com o fito de assegurar ao
lesado justa reparação, sem incorrer em enriquecimento ilícito, fixo o valor indenizatório por danos morais em
R$ 3.000,00 (três mil reais). 4. A pretensão do recorrente no sentido de que seja reconhecida a litigância de máfé implicaria o revolvimento de elementos probatórios analisados nas instâncias ordinárias, e sobre os quais o
Tribunal a quo fundamentou sua decisão. Incidência da Súmula 07, desta Corte. 5. Recurso parcialmente
conhecido e, nesta parte, provido. (REsp 797689 / MT ; Recurso Especial. 2005/0189396-6. Min. Rel. Jorge
Scartezzini, 4ª Turma, DJ 11.09.2006 p. 305).
a exemplo do que ocorre com a inscrição indevida em registros de proteção
ao crédito, ou de devolução injustificada de cheque, tenho que , no caso em
questão, os saques irregulares efetivados na conta corrente do autor
acarretaram situação evidente de constrangimento para o correntista ( que,
como reconhece, expressamente, o Tribunal "perdeu quase todo o dinheiro
que tinha em sua conta corrente") caracterizando, por isso, ato ilícito
passível de indenização a título de danos morais. Em casos como este,
portanto, segundo os precedentes desta Corte, o dever de indenizar
prescinde da demonstração objetiva do abalo moral sofrido, porquanto
decorre da experiência comum, exigindo-se como prova apenas o fato
ensejador do dano dano, ou seja, os saques indevidos por culpa da
instituição financeira. (Grifei).
Não obstante a esta questão da prova do dano moral, ora suscitada, há um
aspecto processual alusivo a tal dano, que merece especial destaque. Os padecimentos morais,
para que sejam indenizáveis, devem constar expressamente descritos na petição inicial, a fim
de levá-los ao conhecimento do Estado-juiz, sob pena de afastamento da verba indenizatória
pugnada.
Em suma, o autor da ação indenizatória por danos morais deve levar ao
conhecimento do magistrado da causa o substrato necessário para margear o ressarcimento, a
fim de que seja devidamente instaurado o Contraditório, permitindo que o requerido exerça
seu constitucional direito à ampla defesa.
Nesse sentido, não cabe ressarcimento a meras conjecturas e fantasias, devendo
o dano moral existir e ser descrito em sua essência para sobejar o direito à indenização.
Convém observar que algumas espécies de danos morais, como os decorrentes
da inscrição indevida nos cadastros de órgãos restritivos de crédito, são considerada in re
ipsa65, ou seja, é dispensada a comprovação do dano, limitando-se à necessidade de prova da
conduta do agente.
Nesta senda, vale observar parte a fundamentação na decisão de lavra do Des.
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, RELATOR DA APELAÇÃO CÍVEL N° 7000476062566, que
65
66
"de que a coisa fala por si mesma" [tradução do autor da presente monografia].
A decisão está assim ementada: Responsabilidade civil. Dano moral. Protesto indevido de título. Prova do
dano in re ipsa. O dano moral, como prática atentatória aos direitos da personalidade, traduz-se num sentimento
de pesar íntimo da pessoa ofendida, capaz de gerar-lhe alterações psíquicas ou prejuízos à parte social ou afetiva
de seu patrimônio moral. A prova se satisfaz com o protesto de título. Danos morais que devem ser reparados
considerados a conduta ilícita, a natureza da lesão e o porte econômico das partes. Quantum indenizatório
condenou financeira ao pagamento de danos morais em decorrência de inscrição indevida em
órgão de restrição de crédito:
Ocorre que o dano moral, como prática atentatória aos direitos da
personalidade, traduz-se num sentimento de pesar íntimo da pessoa
ofendida, capaz de gerar-lhe alterações psíquicas ou prejuízos à parte
social ou afetiva de seu patrimônio moral. Nessas condições, torna-se a meu
ver difícil, senão mesmo impossível, em certos casos, a prova do dano, de
modo que me filio à corrente que considera estar o dano moral in re ipsa,
dispensada a sua demonstração em juízo.
E prosseguiu o julgador:
Claro está, como bem acentua Antônio Chaves (Tratado de Direito Civil,
vol. III, 3a. ed., São Paulo, RT, 1985, p. 637), que não será todo e qualquer
melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor próprio,
pretensamente ferido, que merecerá ressarcimento. De minimis non curat
praetor, já ressaltavam as fontes romanas. Necessário se mostra para o
acolhimento do pedido de indenização, repito, apenas a prova da ilicitude
da conduta do agente e da relativa gravidade da lesão suportada pela
vítima, ilicitude essa evidenciada no presente litígio.
1.2.4 Requisitos Gerais e Específicos
Inicialmente, em face da sistemática do presente estudo, como já anteriormente
observado, é enfocado o dano moral decorrente do ato ilícito, à luz da teoria subjetiva, sem,
todavia, sustentar-se a limitação do dever de reparar a tais situações.
reduzido. A verba honorária constitui capítulo acessório da sentença. Assim, provido total o parcialmente o
recurso, a condenação em honorários devem ser impostas pelo órgão "ad quem". Manutenção da sucumbência
recíproca, a despeito da orientação jurisprudencial deste órgão sobre o tema, ante a inexistência de
inconformidade por parte do autor. Apelação do réu provida em parte, prejudicado o recurso adesivo. (Apelação
Cível nº 70004760625, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Álvaro de
Oliveira, Julgado em 18/12/2002)
Quanto aos requisitos do dever de indenizar o dano moral, observa-se que estes
são os requisitos gerais da responsabilidade civil, insculpidos no Código Civil, ao que se
agrega a lesão específica.
1.2.4.1 Conduta do Agente
O primeiro elemento a ser analisado a fim de aferir o dever de reparar é a
conduta do agente.
Como é sabido, o dano, cujo conceito já foi analisado anteriormente, dever ser
proveniente de ação ou omissão voluntária do agente.
Se a atuação ou omissão desastrosa do agente é deliberadamente procurada,
voluntariamente alcançada, diz-se que houve culpa lato sensu, ou seja, dolo. Dolo é, portanto,
o propósito de causar dano a outrem. É a infração consciente do dever preexistente. Se,
todavia, o prejuízo causado à vítima deriva de comportamento omissivo ou comissivo
adjetivado como negligente, imprudente ou imperito do agente, houve culpa stricto sensu,
também denominada como culpa aquiliana.
O Juízo de reprovação próprio da culpa pode, pois, revestir-se de intensidade
variável, correspondendo à clássica divisão da culpa em dolo e negligência, abrangendo esta
última, hoje, a imprudência e a imperícia. Em qualquer de suas modalidades, entretanto, a
culpa implica a violação de um dever de diligência, ou em outras palavras, a violação do
dever de previsão de certos fatos ilícitos e de adoção de medidas capazes de evitá-los.
Como bem observado por Carlos Roberto Gonçalves67:
67
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito das obrigações: parte especial, vol. 6, tomo II: responsabilidade civil. São
Paulo: Saraiva, 2001 (Coleção sinopses jurídicas), p. 51.
O Código Civil, entretanto, não faz nenhuma distinção entre dolo e culpa,
nem entre os graus de culpa, para fins de reparação do dano. Tenha o
agente agido com dolo ou culpa levíssima, existirá sempre a obrigação de
indenizar, obrigação esta que será calculada exclusivamente sobre a
extensão do dano. Em outras palavras, mede-se a indenização pela extensão
do dano e não pelo grau de culpa, com algumas poucas exceções, como nos
casos regidos pela Lei de Imprensa, por exemplo. Adotou o legislador a
norma romana, segundo a qual a culpa, ainda que levíssima, obriga a
indenizar.
No entanto, impende observar que, no que pese não haver distinção, quando ao
dever de reparar, entre dolo e culpa, o próprio Código Civil Brasileiro, no § único de seu art.
94468, sem comparativo no revogado Código, já estabelece que a culpa em si apresenta
diversos graus e, por conseqüência, reprovabilidades diferentes.
Quanto à definição desta culpa, vale observar a importante lição de Rui
Stoco69:
A culpa, genericamente entendida é, pois, fundo animador do ato ilícito, da
injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura encontram-se dois
elementos: o objetivo, expressado na iliciedade, e o subjetivo, do mau
procedimento imputável.
A doutrina também se refere à culpa in concreto, aquela examinada na conduta
específica sob exame, e a culpa in abstrato, aquela conduta de transgressão avaliada pelo
padrão do “homem médio”.
Em muitas situações, a jurisprudência considera a chamada culpa presumida.
Em algumas situações concretas, de evidência patente, provar a culpa é totalmente
despiciendo. Na hipótese de culpa presumida, carreadas pela jurisprudência, há a inversão do
ônus da prova: cabe ao réu provar que não agiu com culpa. A culpa presumida, contudo, não
se confunde com a responsabilidade objetiva, embora possa dela se aproximar bastante.
68
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção
entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
69
STOCCO, Rui apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3ª ed. São Paulo:
Atlas, 2003 (Coleção direito civil; v. 4), p. 23.
Nesta senda, vale observar, a exemplo desta situação, o já pacificado
entendimento jurisprudencial de que, nos acidentes de trânsito, há presunção de culpa daquele
que colide na traseira de outro veículo, como é o caso do voto de lavra do ilustre Dr. Eugênio
Facchini Neto, no julgamento do Recursal Cível nº 71000908178 ao dispor que “Como é
sabido, há uma presunção hominis70 de responsabilidade de quem colide por trás” 71.
No caso supra referido, observa-se que, embora inexista a responsabilidade
objetiva do condutor do veículo, há a construção efetuada no âmbito da jurisprudência já
sedimentada, no sentido de que se presume – relativamente – culpado aquele que colide na
traseira de outro veículo.
Assim resta ao mesmo a comprovação de ausência de culpa, havendo, portanto
a inversão do ônus da prova.
No mesmo sentido, vale observar a presunção de culpa em desfavor do dono ou
detentor do animal, presunção esta que decorre do expresso no art. 936 do CCB72, visualizada
em decisão igualmente de lavra do Dr. Eugênio Facchini Neto, ementada da seguinte forma:
Responsabilidade civil. Fato de animal. Culpa presumida do dono ou
detentor, apenas afastável pela comprovação de culpa exclusiva da vítima
ou força maior. Inocorrência no caso concreto. Danos materiais
indenizáveis. Recurso desprovido. (Recurso Cível nº 71000835504, Terceira
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais - JEC, Relator: Eugênio Facchini
Neto, Julgado em 06/06/2006) (Grifei)
No caso, segundo as palavras do relator, “nesse passo, milita em favor do autor
a presunção de culpa em desfavor do dono ou detentor do animal, a qual somente pode ser
afastada se comprovada culpa da vítima ou força maior”. Ora, afigura-se, assim, mais um
válido exemplo de presunção juris tantum de culpa.
70
Como já observado, Sérgio Cavalieri Filho sustenta que a presunção hominis ou facti é aquela que decorre das
regras de experiência comum. Pode-se sustentar que tal presunção não resulta da lei, fundando-se, porém, na
experiência da vida, que permite ao juiz firmar a própria convicção
71
A decisão está assim ementada: Acidente de trânsito. Desembarque de passageiro. Colisão por trás. Culpa
presumida daquele que abalroa por trás. Presunção relativa, não elidida pela prova produzida.
Responsabilidade do réu pelo evento. Sentença de procedência mantida. Recurso desprovido. (Recurso Cível Nº
71000908178, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais - JEC, Relator: Eugênio Facchini Neto,
Julgado em 15/08/2006) (Grifei)
72
Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou
força maior.
Dentre diversas classificações, pode-se dividir a culpa em: in committendo ou
in faciendo, in omittendo, in eligendo, in vigilando e in custodiendo.
Tem-se a culpa in committendo ou in faciendo quando o agente pratica um ato
positivo, isto é, com imprudência. Mas se ele cometer uma abstenção, ou seja, for negligente,
a culpa será in omittendo, como, por exemplo, um professor de natação que, por estar
distraído, não socorre o aluno, deixando-o morrer afogado. Contudo, a omissão só poderá ser
considerada causa jurídica do dano se houver existência do dever de praticar o ato não
cumprido e certeza ou grande probabilidade do fato omitido ter impedido a produção do
evento danoso.
Já a culpa in eligendo advém da má escolha daquele em quem se confia a
prática de um ato ou o adimplemento da obrigação, como p. ex.: admitir ou manter a seu
serviço empregado não habilitado legalmente ou sem aptidões requeridas. Esta modalidade
encontrava previsão no art. 1521, inc. III do CC de 1916, sendo recepcionado pelo art. 932,
inc. III do atual CC e na Súmula 341 do STF.
A culpa in vigilando é aquela que decorre da falta de atenção com o
procedimento de outrem, cujo ato ilícito o responsável deve pagar, como p. ex.: a ausência de
fiscalização do patrão, quer relativamente aos seus empregados, quer à coisa. É a hipótese de
empresa de transportes que permite a saída de ônibus sem freios, o qual origina acidentes. É o
que se observa no art. 1521, incs. I e II do CC16 e nos incisos I e II do art. 932 do atual
código civil.
E, por fim, a culpa in custodiendo é aquela que advém da falta de cautela ou
atenção em relação a uma pessoa, animal ou objeto, sob os cuidados do agente. Tal
modalidade possui presunção iuris tantum de culpa. No direito brasileiro, em regra,
presumem-se culpados os representantes legais por seus representados; o patrão pelos danos
causados por seus empregados; os donos ou detentores de animais pelos prejuízos causados
por esses a terceiros; o proprietário do edifício ou construção pelos danos resultantes da ruína.
1.2.4.2 Nexo de Causalidade
O último elemento a ser analisado é o nexo de causalidade, que representa a
relação de causa e efeito entre a ação ou omissão, e o dano73.
Para Carlos Roberto Gonçalves74, o nexo de causalidade pode ser assim
conceituado:
É a relação de causa e feito entre a ação ou omissão do agente e o dano
verificado. Vem expressa no verbo "causar", utilizado no art. 159. Sem ela,
não existe a obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas a sua causa não
está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de
causalidade e também a obrigação de indenizar.
Orlando Gomes, em sua obra "Obrigações", leciona: "para o ato ilícito ser
fonte da obrigação de indenizar é preciso uma relação de causa e efeito entre o ao (fato) e o
dano. A essa relação chama-se nexo causal" 75.
Nesse diapasão, elegem-se as palavras de Demongue: "É preciso estar certo
que, sem este fato, o dano não teria ocorrido. Assim, não basta que uma pessoa tenha
contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria" 76.
Assim, a responsabilidade civil não pode existir sem esta relação de
causalidade entre o dano e a ação que o provocou. Portanto, um dano só produzirá
responsabilidade quando tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente
sancionado77. No mesmo sentido se manifestaram Sílvio de Salvo Venosa78, que afirma:
O conceito de nexo causal ou relação de causalidade deriva de leis
naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do
73
MONTENEGRO, Antônio Lindebergh C. Responsabilidade Civil, p. 23.
74
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1995.
75
GOMES, Orlando. Obrigações. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 273.
76
DEMONGUE {s. referências}. Apud PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1999., p.75. V.III.
77
ALVIM, Agostinho. Da inexecução. {s.ed.}. {s. editora}. {s. l.} {s. d.}, p. 324. Apud GONÇALVES, Carlos
Roberto. Responsabilidade Civil, p. 384.
78
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas,
2001., p. 517.
exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano.
Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a
culpa, mas nunca dispensarão nexo causal. Se a vítima que experimentou
um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao
responsável, não há como ser ressarcida.
E Maria Helena Diniz79:
O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se nexo causal, de modo que o
fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua
conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação
necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que
esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o
dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se
verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este
poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do
dano, o agente responderá pela conseqüência.
O que se constata quanto ao nexo de causalidade, é a dificuldade em
determiná-lo, devido a duas questões: a dificuldade de sua prova e a identificação do fato que
constitui a verdadeira causa do dano, pois nem sempre se tem condições de apontar qual a
causa direta do fato.80
Com relação a essas dificuldades encontradas para precisar a existência do
nexo de causalidade, surgiram algumas teorias, dentre elas a teoria da equivalência de
condições ou da condição sine qua nom, a teoria da causalidade adequada e a teoria dos danos
diretos e imediatos. Entretanto, a teoria adotada pelo nosso Código Civil, foi a do dano direto
e imediato, essa expressa no art. 1.06081:
Ainda que da inexecução resulte o dolo do devedor, as perdas e danos só
incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela imediato.
79
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v.7., .p. 92.
80
STOCCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994, p. 50.
81
GONÇALVES, Carlos Roberto. Ob. cit, p.385-388.
Segundo afirma Marcelo Lima de Oliveira a respeito da teoria dos danos
diretos e imediatos, "o causador do dano, portanto, responde somente pelos danos causados
necessariamente por sua ação; pelos danos causados por suas causas estranhas, respondem
seus respectivos agentes" 82.
São palavras de Bonvicini, citado por Antônio Lindeberg Montenegro
83
,
acerca da referida teoria:
Na teoria da causalidade imediata somente a causa imediata assume
relevância jurídica na aferição do dano. A sua conceituação exige uma
precisa distinção entre causa e condição a fim de permitir separar o
próximo remoto. O momento exato da violação do direito apresenta-se por
igual, relevante para o efeito de determinar se houve ou não interrupção do
nexo causal, de tal modo que o autor da primeira causa seja liberado.
Ainda é necessário ressaltar que existem alguns fatos os quais que interferem
na exteriorização do nexo causal, excluindo-se a responsabilidade do agente. Estes, se
comprovados, excluem o direito da vítima ao ressarcimento, livrando o agente causador do
dano da sua responsabilidade. Os principais fatores são: o estado de necessidade, a legítima
defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, a cláusula de não indenizar e o caso fortuito ou
força maior 84.
Assim, para que o dano seja indenizável, ou seja, para que haja a reparação do
dano por parte de seu agente causador, torna-se imprescindível os seguintes requisitos:
diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma
pessoa, a efetividade ou certeza de um dano, a causalidade, a subsistência de um dano, a
legitimidade da vítima em pleitear o dano e a ausência das excludentes de responsabilidade 85.
82
OLIVEIRA, Marcelo Leal de Lima. Responsabilidade Civil Odontológica, p.174.
83
BONVICINI, {s. obra}. {s. ed.}. {s. l.}. {s. editora}. {s. d.}, p. 865. V. III. apud MONTENEGRO, Antonio
Lindenberg C.. Responsabilidade Civil, p.341.
84
GONÇALVES, Carlos Roberto. Ob. cit., p. 389.
85
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 58-61.
1.2.4.3 Lesão ao direito de personalidade
A questão do “dano”, já foi abordada no primeiro capítulo do presente estudo.
Em sua obra Danni morali contrattuali, Damartello86, aponta os elementos
caracterizadores do dano moral, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um
valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade
individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-os em dano
que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação etc.), dano que molesta a parte
afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que provoca direta ou
indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.), e dano moral puro (dor, tristeza
etc.).
Por tal caminho, os direitos da personalidade são direitos subjetivos natos que
se irradiam em, pelo menos, três grandes direções. Primeiro, procura tutelar a integridade
física da pessoa; de igual forma, também se preocupa com o aspecto moral da pessoa humana;
por fim, protege as expressões do intelecto humano, portanto, preocupa-se com o aspecto
intelectual da pessoa, vale dizer, com a proteção da produção artística, literária, científica. É
preciso se ter presente que toda lesão à personalidade, é considerada como de natureza moral.
Do ponto de vista físico, os direitos da personalidade preocupam-se com a vida
e com a integridade física da pessoa. Assim, qualquer dano à vida, enquanto fenômeno
biopsíquico complexo, ou ao corpo humano são vistos como afronta a direito da
personalidade e, portanto, indenizável.
Vale observar, igualmente, decisão do Egrégio STJ, acerca do tema:
Civil. Responsabilidade civil. Lei de imprensa. Notícia jornalística. Abuso
do direito de narrar. Assertiva constante do aresto recorrido.
Impossibilidade de reexame nesta instância. Matéria probatória. Enunciado
n. 7 da súmula/stj. Dano moral. Demonstração de prejuízo.
Desnecessidade. Violação de direito. Responsabilidade tarifada. Dolo do
jornal. Inaplicabilidade. Não-recepção pela constituição de 1988.
Precedentes. Recurso desacolhido. I - Tendo constado do aresto que o
jornal que publicou a matéria ofensiva à honra da vítima abusou do direito
86
Damartello. Rivista di Diritto Civile. apud Stoco, Rui, Responsabilidade Civil e sua Interpretação
Jurisprudencial. p. 674.
de narrar os fatos, não há como reexaminar a hipótese nesta instância, por
envolver análise das provas, vedada nos termos do enunciado n. 7 da
Súmula/STJ. II - Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa
ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade,
ao âmago e à honra da pessoa, por vez é de difícil constatação, haja vista
os reflexos atingirem parte muito própria do indivíduo - o seu interior. De
qualquer forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo,
mas também pela violação de um direito. […] (REsp 85019 / RJ ; Recurso
Especial 1996/0000726-8. Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira. 4ª
Turma. DJ 18.12.1998 p. 358) (Grifei).
Procurar-se-á analisar mais detalhadamente a questão do direito fundamental
da personalidade no próximo capítulo deste estudo.
DIREITO FUNDAMENTAL DA PERSONALIDADE E DANO MORAL
2.1 Dos Direitos Fundamentais
2.1.1 Conceito de Direito Fundamental
Podem-se conceituar os direitos fundamentais como conjunto de prerrogativas
e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da liberdade,
igualdade e dignidade entre os seres humanos. São núcleos invioláveis de uma sociedade
política, sem os quais essa tende a perecer.
Para Rodrigo César Rebello Pinho87, “direitos fundamentais são os
considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma
existência digna, livre e igual”.
A definição desses direitos denominados de fundamentais envolve diferentes
aspectos. Numa acepção material, podemos afirmar que eles dizem respeito aos direitos
básicos que o indivíduo, natural e universalmente, possui em face do Estado. Depois, em
acepção formal, os direitos são considerados fundamentais quando o direito vigente em um
país assim os qualifica, normalmente estabelecendo certas garantias para que estes direitos
sejam respeitados por todos.
Todavia, para José Afonso da Silva 88:
a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no
envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso.
Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem várias
expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos,
direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos,
liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do
homem.
Tendo em vista a profusão de termos utilizados, em consonância com a
preciosa lição do mestre supra referido, quando se fala sobre direitos fundamentais, causando
uma certa confusão de significados, importante se faz apresentar algumas definições nesta
seara.
Direitos fundamentais, em sua acepção formal, são aqueles direitos básicos do
indivíduo e do cidadão, reconhecidos pelo direito positivo do Estado, que exige deste ou uma
abstenção ou uma atuação no sentido de garanti-los. No Brasil, essa expressão engloba vários
direitos, tais como: os individuais, os coletivos, os difusos, os sociais, os nacionais e os
políticos.
87
PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais, 2a edição, Saraiva,
São Paulo, pág. 60.
88
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 179.
Por sua vez, os direitos naturais seriam aqueles direitos inerentes à natureza do
indivíduo enquanto ser humano, e, portanto, se estendem à toda humanidade, em todos os
lugares, sem limitação temporal.
Em que pese haver sustentação de que estes direitos se baseariam no conceito
de direito natural, os quais não necessitariam serem criados pelo direito positivo, mas tão
somente serem reconhecidos e declarados, em razão de serem verdadeiros direitos humanos,
José Afonso89 diz que “não se aceita mais com tanta facilidade a tese de que tais direitos
sejam naturais, provenientes da razão humana ou da natureza das coisas”. Aliás, prossegue o
aludido mestre que “são direitos positivos, que encontram seu fundamento e conteúdo nas
relações sociais materiais em cada momento histórico”.
Já os direitos do cidadão consistem em expressão que abarca dois tipos de
direitos: os direitos naturais, aqueles inerentes à própria existência humana; e os direitos civis,
que pertencem ao ser humano enquanto participante de uma coletividade social civil.
Finalmente, os direitos políticos constituem-se naqueles direitos decorrentes da
cidadania, subdividindo-se em direitos políticos positivos e negativos. Os primeiros concedem
ao cidadão o poder de participar da vida política do país por meio de diferentes formas: o
voto, o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de leis e por meio da propositura de ação
popular. Os direitos políticos negativos, por seu turno, permitem ao cidadão candidatar-se e
ser votado nas eleições para cargos públicos, representando o povo, também conhecidos como
direito de elegibilidade.
Não obstante todas essas conceituações, segundo professado pela doutrina90:
a expressão direitos fundamentais é a mais precisa. Primeiro, pela sua
abrangência. O vocábulo direito serve para indicar tanto a situação em que
se pretende a defesa do cidadão perante o Estado como os interesses
jurídicos de caráter social, político ou difuso protegidos pela Constituição.
De outro lado, o termo fundamental destaca a imprescindibilidade desses
direitos à condição humana.
89
90
Obra citada, p. 180.
ARAÚJO, Luiz Alberto David e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, 5a edição, pág.
80.
Ainda vale observar que o Professor Ingo Sarlet
91
, aponta como um dos
critérios ou formas de distinguir a terminologia “direitos fundamentais” da “diretos
humanos”, a consideração de que a primeira é utilizada “para aqueles direitos do ser humano
reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo” enquanto que a
segundo se aplica aos “documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições
jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional”.
2.1.2 Características dos Direitos Fundamentais
No tocante às características dos direitos fundamentais, verifica-se que a
doutrina é bastante rica na diversidade de características apresentadas92, em consonância com
cada doutrinador.
Por tal razão, por questão de didática é imperiosa a opção por uma divisão,
sendo que no presente estudo adota-se a classificação apresentada por José Afonso da Silva93.
2.1.2.1 Historicidade
A formação e consolidação desses direitos ocorrem dentro de uma cadeia
histórico-evolutiva. E nesse sentido Celso Ribeiro Bastos94:
91
SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais, a Reforma do Judiciário e os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos: notas em torno dos 2º e 3º do art. 5º da Constituição de 1988. Revista da AJURIS, Porto
Alegre: AJURIS, v. 33, n. 102, p. 177-208, jun./2006.
92
Alexandre de Moraes, por exemplo, apresente como características: Imprescritibilidade, Irrenunciabilidade,
Relatividade, Universalidade, Complementariedade e Inter-relacionados.
93
94
SILVA, José Afonso. Obra citada.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 2001,
página 174.
“O que é importante analisar é a formação histórica dessas liberdades. A
sua significação exata não pode ser apreendida senão avaliando-se o lento
processo pelo qual se deu a sua aquisição. É que no início dominava a
ilimitação do poder estatal. Mesmo nas sociedades que se governaram por
um princípio democrático, as liberdades públicas, tal como as entendemos
hoje, não existiam, mesmo porque a idéia de indivíduo, enquanto algo
diferente da sociedade que o envolve, foi uma lenta aquisição da
humanidade”.
Segundo José Afonso da Silva95, verifica-se que os direitos fundamentais:
são históricos como qualquer outro. Nascem, modificam-se e desaparecem.
Eles apareceram com a revolução burguesa e evoluem, ampliam-se com o
decorrer dos tempos. Sua historicidade rechaça toda fundamentação
baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das
coisas.
2.1.2.2 Universalidade
Os direitos fundamentais são direitos universais na medida em que se dirigem
a todos os humanos. Veja-se, por exemplo, as Declarações de Direitos do Bom Povo da
Virgínia (1776)96 e do Homem e do Cidadão (1789)97. Ambos os documentos referem-se ao
homem como detentor de certos direitos de sua natureza, sendo aplicados, portanto, a todo e
qualquer ser humano, daí seu caráter universal.
95
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 185.
96
Declaração do Bom Povo da Virgínia: I – Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem ser por
qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de
adquirir e possuir a propriedade e de buscar e obter a felicidade e segurança.
97
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: Art. 1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos.
As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Tanto é assim que J. A. Gonzáles Casanova98, citado por Celso Bastos, afirma
que:
Estas declarações têm em comum seu caráter declarativo ou de
proclamação prévia a toda regulamentação legal. Puramente, o que se
declarava ou proclamava era o caráter natural ou fundamentalmente
humano de certos direitos. Estes direitos naturais seriam uma crença
religiosa ou filosófica que viria a outorgar e a justificar um conhecido e
secular direito à resistência contra a tirania ou a renúncia ao pacto ReiReinado quando o primeiro o violasse, ao não respeitar os direitos
fundamentais dos súditos. Passa a ser expressão de direitos muito concretos
e de reivindicações políticas específicas, as Declarações citadas adotaram
uma formulação abstrata, geral e universalista, própria da filosofia do
Iluminismo.
2.1.2.3 Limitabilidade
Os direitos fundamentais são relativos, uns em relação aos outros, devendo-se
buscar a harmonização. Novamente capta-se da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão a validade desta característica para se identificar os direitos fundamentais, com a
análise dos artigos 4º 99 e 5º 100.
Constata-se, pelo exame, que o limite do exercício dos direitos fundamentais
encontra-se justamente na possibilidade de exercício dos mesmos direitos pelo próximo e
enquanto não constituam agressão à sociedade. É por isso que, no caso do exercício legítimo
98
Texto Original: “Estas Declaraciones tenían en común su carácter declarativo o de proclamación previa a toda
regulación legal. En puridad, lo que se declaraba o proclamaba era el carácter natural o fundamentalmente
humano de ciertos derechos. Estos derechos naturales serían una creencia religiosa o filosófica que vendria a
otorgar autoridad y a justificar um n conocido y secular derecho a la resistencia contra la tirania o a la denuncia
del pacto Rey-Reino cuando el primero la violara al no respetar los derechos fundamentales de los súbditos. Pese
a ser expressión de derechos muy concretos y de reivindicaciones política específicas, las Declaraciones citadas
adoptaron una formulación abstracta, general y universalista, própia de la filosofia racionalista de la Ilustración”.
BASTOS, Celso Ribeiro. Obra citada, página 175.
99
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles
que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser
determinados pela lei.
100
Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser
obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
de direitos contrapostos, a recomendação é de que a harmonização se dê pela cedência
recíproca, em que cada um dos titulares reduzem suas esferas jurídicas, de maneira a não
anular completamente a sua própria esfera e a do outro.
2.1.2.4 Concorrência
Também observa-se que tais direitos podem ser cumulados, ou seja, um só
titular pode manter em sua pessoa inúmeros direitos fundamentais. Sendo assim, a
Constituição e as leis devem encontrar um ponto de convergência e equilíbrio para assegurar,
em diferentes normas, a proteção de diversos direitos fundamentais exercidos por um só
titular num só ato.
2.1.2.5 Irrenunciabilidade
Ainda que titular de direito fundamental, o indivíduo não pode dispor desses.
Ora, essa é uma característica evidente, por tudo o que já foi exposto, porque são direitos
decorrentes da própria natureza de ser humano e, por isso, são realidades inseparáveis.
Os direitos fundamentais são identificáveis por meio de suas características.
Assim, presentes todos esses caracteres, é de se reconhecer o direito como sendo fundamental.
Segundo ensina José Afonso da Silva
101
“Não se renunciam direitos
fundamentais. Alguns deles podem até não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas
não se admite sejam renunciados”.
101
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 185.
2.1.2.6 Inalienabilidade
Prosseguindo a lição do mestre José Afonso, os direitos fundamentais, não
possuem conteúdo econômico-patrimonial, motivo pelo qual são intransferíveis e
inegociáveis. Ainda, nas palavras do aludido autor102 “Se a ordem constitucional os confere a
todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis”.
2.1.2.7 Imprescritibilidade
Os direitos fundamentais não se perdem pelo decurso de prazo. Eles são
permanentes. Para José Afonso da Silva103:
[...] nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico
que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter
patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não
individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há
intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da
exigibilidade pela prescrição.
2.1.3 Classificação dos Direitos Fundamentais
102
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 185.
103
Idem
Os direitos fundamentais podem ser classificados em direitos de defesa
(direitos “negativos”) e direitos em direitos a prestações (direitos “positivos”).
Os direitos fundamentais como direitos de defesa são aqueles objetos de uma
não intervenção na esfera de proteção da norma de direito fundamental por parte do Estado ou
de particulares. Por isso é que são chamados direitos “negativos”.
Os direitos fundamentais a uma prestação por parte do titular do direito
fundamental subdividem-se em direito a prestações em sentido amplo e direito a prestações
em sentido estrito.
O direito a prestações em sentido amplo refere-se a toda e qualquer tipo de
atuação positiva do Estado que não seja vinculada a sua atuação no sentido social. Estão
vinculadas à sua atuação como Estado Democrático de Direito.
O direito a prestações, em sentido estrito, divide-se em direito originário a
prestações, que são os direitos subjetivos do cidadão fundados diretamente na constituição, e
direito derivado a prestações, que são os direitos subjetivos do cidadão fundados em um
sistema de normas infraconstitucionais e/ou no sistema de políticas públicas.
2.1.4 Gerações ou Dimensões de Direitos Fundamentais
O reconhecimento e a proteção dos direitos fundamentais do homem no mundo
alcançou o seu estágio atual de uma forma lenta e gradual, passando por várias fases. Estas
etapas da evolução desses direitos são chamadas de gerações, pois foram construídas em
diferentes momentos históricos.
Os direitos fundamentais de primeira dimensão, contemporâneos do
liberalismo político, surgem, no século XVII, como resposta ao absolutismo monárquico e
objetivavam proteger o homem na sua esfera individual contra a interferência abusiva do
Estado. São direitos de cunho meramente negativo, que visam garantir as liberdades públicas.
A primeira geração dos direitos fundamentais, então, corresponderia àqueles
direitos básicos dos indivíduos relacionados a sua liberdade - aos direitos individuais considerada em seus vários aspectos. Negavam o Estado no seu poder de interferir nas
liberdades individuais, por que este era visto como inimigo para o homem. Tais direitos
cuidam da proteção das liberdades públicas, ou seja, os direitos individuais - civis e políticos compreendidos como aqueles inerentes ao homem e que devem ser respeitados por todos os
Estados, como o direito à liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, ao
voto, entre outros.
Esta geração encerra os postulados dos cidadãos em face da atuação do poder
público, buscando controlar e limitar os desmandos do governante, de modo que este respeite
as liberdades individuais da pessoa humana. Os direitos relativos a esta primeira geração
significariam, portanto, uma limitação do poder público, um não fazer do Estado. Significam
uma prestação negativa em relação ao indivíduo, ou seja, um não-fazer do Estado, em prol do
cidadão.
Como afirma Alexandre de Moraes
104
, “essas idéias encontravam um ponto
fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do
próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da
igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo”.
A natureza do comportamento perante o Estado serviu de critério distintivo
entre as gerações, eis que os de primeira geração exigiam do Estado abstenções (prestações
negativas), enquanto os de segunda exigem uma prestação positiva.
A segunda geração, por sua vez, fundada no ideário da igualdade, significa
uma exigência ao poder público no sentido de que este atue em favor do cidadão, e não mais
para deixar de fazer alguma coisa. Esta necessidade de prestação positiva do Estado
corresponderia aos chamados direitos sociais dos cidadãos, direitos não mais considerados
individualmente, mas de caráter econômico e social, com o objetivo de garantir à sociedade
melhores condições de vida. Significam uma prestação positiva, um fazer do Estado em prol
dos menos favorecidos pela ordem social e econômica.
104
MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Ed. Atlas, São Paulo, 2000, 3ª ed, p. 19.
Após a 1ª Guerra Mundial, o regime político liberal, caracterizado pela mínima
intervenção estatal, entrou em crise. A sociedade passou a exigir um Estado mais atuante,
clamando a substituição da Constituição, antes apenas garantista, por uma constituição
dirigente, que estabelecessem normas instituidoras de programas governamentais. Surge o
Estado do Bem Estar Social.
Nesse contexto, surgiram os direitos fundamentais de segunda dimensão,
denominados de direitos sociais, econômicos e culturais.
Esta geração de direitos guarda estreito vínculo com as condições de trabalho
da população, que, com a evolução do capitalismo, se viu necessitada de regular e garantir as
novas relações de trabalho, postulando, portanto, salário mínimo digno, limitação das horas de
trabalho, aposentadoria, seguro social, férias remuneradas etc.
São exemplos destes direitos: direito à saúde, ao trabalho, a assistência social, a
educação, liberdade de sindicalização, direito de greve, direito a férias e ao repouso semanal
remunerado.
E, ainda, a terceira geração, que corresponderia ao terceiro elemento
preconizado na Revolução Francesa, a fraternidade, representa a evolução dos direitos
fundamentais para alcançar e proteger aqueles direitos decorrentes de uma sociedade já
modernamente organizada que se encontra envolvida em relações de diversas naturezas,
especialmente aquelas relativas à industrialização e densa urbanização. Nesta situação, outros
direitos precisavam ser garantidos, além daqueles normalmente protegidos, uma vez que essas
novas relações devem ser consideradas coletivamente. São novos direitos decorrentes de uma
sociedade de massas.
Por tais razões, ainda são chamados de solidariedade ou fraternidade, voltados
para a proteção da coletividade.
Nesta terceira geração de direitos fundamentais, pode-se mencionar: o direito
ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o
direito à comunicação, os direitos dos consumidores e vários outros direitos especialmente
aqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneráveis (a criança, o idoso, o deficiente
físico etc.).
Observa-se que os direitos fundamentais até então assegurados, tinham como
destinatário o homem, enquanto indivíduo. Já os direitos fundamentais de Terceira Dimensão
têm como traço característico o fato de não mais estarem centrados no homem
individualmente considerado, mas sim na coletividade. Surgem os direitos coletivos e difusos.
Por derradeiro, há uma quarta geração de direitos fundamentais, identificada
por vários autores, encabeçados por Paulo Bonavides105, que decorreria da atual globalização
desses direitos, tais como a democracia, o direito à informação e ao pluralismo.
Os seus defensores argumentam que os direitos fundamentais precisam
acompanhar a globalização que, pondo fim as fronteiras geográficas entre os países, exigem
sua universalização. O homem não pode mais ser visto “em cada Estado”, mas como entidade
universal.
Se não há mais fronteiras para as relações políticas, econômicas e sociais é
preciso
que
também
não
haja
fronteiras
para
os
direitos
fundamentais.
Entretanto, é preciso ressaltar que essa universalização não pode ser instrumento de imposição
ou superação de culturas e de minorias. São reputados como direitos de quarta geração o
direito a democracia, o direito a informação e o direito ao pluralismo.
Vale observar que, embora se fale em gerações, não existe qualquer relação de
hierarquia entre estes direitos, mesmo porque todos interagem entre si, de nada servindo um
sem a existência dos outros. Esta nomenclatura adveio apenas em decorrência do tempo de
surgimento, na eterna e constante busca do homem por mais proteção e mais garantias, com o
objetivo de alcançar uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna, como defendia Noberto
Bobbio 106.
105
106
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p.524-526.
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 217 p. Tradução de Nelson Coutinho.
Por isto, a mais moderna doutrina107 defende o emprego do termo dimensões no
lugar de gerações, que onde "não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações
anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas" 108.
Tal questão surge pelo fato de os direitos gestados numa geração terem
ganhado outra dimensão com o surgimento de uma geração sucessiva. Dessa forma, os
direitos da geração posterior se transformam em pressupostos para a compreensão e
realização dos direitos da geração anterior.
A doutrina faz também a distinção entre as dimensões objetiva e subjetiva dos
direitos fundamentais.
Por dimensão objetiva entende-se que eles não são meramente direitos
subjetivos públicos do cidadão. Em sede de direitos fundamentais, há um complexo de
prestações heterogêneas.
Nesse sentido, a dimensão objetiva dispõe que os direitos fundamentais
expressam uma ordem de valores objetiva, isto é, objetivada na constituição. Em outras
palavras, eles saem da ordem axiológica para integrar a ordem objetiva do texto constitucional
– os valores se transformam em normas positivadas no sistema constitucional (“ordem de
valores objetivados na CR”).
Disso decorrem efeitos jurídicos relevantes à ordem jurídica pátria, dentre
outros:
a) eficácia irradiante dos direitos fundamentais: os valores expressados pelas
normas de direitos fundamentais devem impregnar toda a ordem jurídica, devendo a
interpretação jurídica do ordenamento legal levar em conta os direitos fundamentais. Surge a
idéia de interpretação conforme a constituição, interpretação conforme os direitos
fundamentais;
107
Entre outros: GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introdução ao Direito Processual Constitucional. Porto
Alegre: Síntese, 1999, p. 26; SARLET, Ingo Wolfgand. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1998, p. 47; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 524/525.
108
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Obra citada, p. 13.
b) função protetiva dos direitos fundamentais: ao Estado incube o dever de
proteção dos direitos fundamentais. Em cada norma de direito fundamental há uma norma
impositiva, isto é, vinculante aos entes estatais de proteger os direitos fundamentais.
Corolários: b.1) proibição de excesso por parte do Estado; b.2) proibição de insuficiência
onde o Estado deve alcançar um padrão mínimo de suficiência e satisfação dos direitos
fundamentais do cidadão; b.3) obrigação de o Estado tutelar os direitos fundamentais.
Nesse sentido, são apreciáveis os ensinamentos de Professor Ingo Wolfgang
Sarlet 109:
[...] ficando consignado que os direitos fundamentais não se limitam à
função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra
atos do poder público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas
de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o
ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos,
judiciários e executivos. Em outras palavras, de acordo com o que
consignou Pérez Luño, os direitos fundamentais passaram a apresentar-se
no âmbito da ordem constitucional como um conjunto de valores objetivos
básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos, e não apenas
garantias negativas dos interesses individuais, entendimento este, aliás,
consagrado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol
praticamente desde o início de sua profícua judicatura.
Por dimensão subjetiva dos direitos fundamentais entende-se que eles são
direitos subjetivos públicos do cidadão. Nesse sentido, eles podem ser exigidos pelo indivíduo
contra o particular ou o próprio Estado, inclusive na esfera judicial para sua satisfação.
2.1.5 Direito de Personalidade
2.1.5.1 Conceito e conteúdo
109
SARLET, Ingo Wolfgang – A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
Inicialmente, observa-se que a jurisprudência pátria tem buscado associar o
dano moral como aquele decorrente da lesão ao direito da personalidade, ainda que pouco
tenha enfrentado a conceituação de tal questão.
Assim, vale observar, por exemplo, a decisão de lavra do insigne Dr. Eduardo
Kraemer, analisando a questão de supostos danos morais em decorrência de apontamento
indevido de título de crédito.
Nesse julgamento, visualiza-se a correta análise de “ausência do próprio dano
moral eis não se perceber qualquer agressão à direito de personalidade”
110
, todavia, não é
enfrentado, talvez por se ter como despiciendo, o significado e alcance da personalidade.
Desta forma, faz-se mister a conceituação de tal direito fundamental, para se
aferir a relevante lesão a tal direito, ou seja, para concluir-se pela reparação dos danos, é
necessária a existência de relevante lesão a esse conjunto de direitos, somente alcançada com
o estudo da própria noção de personalidade.
A exemplo de tal questão, verifica-se que o inadimplemento da relação
contratual não possui o condão de, per se, ensejar a reparação por danos morais, eis que “só
restarão configurados quando demonstrada a efetiva lesão a qualquer dos atributos da
personalidade, não se encaixando nesta acepção eventual frustração ou incômodo decorrente
do desfazimento dos negócios” 111.
110
A decisão está assim ementada: DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. Dois motivos levam a
impossibilidade de caracterização do dano moral alegado. A primeira diz respeito a ausência do próprio dano
moral eis não se perceber qualquer agressão à direito de personalidade. A segunda razão da impossibilidade
de caracterização diz respeito com as inúmeras outras anotações de falta de cumprimento do avençado. Inexiste
crédito a ser preservado. Recurso provido. (Recurso Cível Nº 71000965632, Segunda Turma Recursal Cível,
Turmas Recursais - JEC, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 07/06/2006) (grifei).
111
Nesse sentido, vale observar aresto de decisão paradigmática acerca do tema: Consumidor. Compra de
automóvel em revenda. Desfazimento do negócio sob a alegação de que o motor fora alterado sem prévia
autorização do Detran, o que impossibilitou a transferência do veículo para o adquirente. Distrato concretizado,
com devolução do preço e do automóvel. Ressarcimento dos gastos com melhorias no veículo. Recurso do autor
para tentar obter a condenação da ré ao pagamento de cláusula penal não pactuada, além de Danos Morais. Em
se tratando de contrato verbal, sem previsão de imposição de cláusula penal, descabe a imposição de penalidade
pelo desfazimento do negócio. Danos morais inocorrentes, porquanto a mera responsabilidade contratual, salvo
situações excepcionais, não gera indenização por ofensa à personalidade. O que se configura são meros
transtornos decorrentes da frustração quanto às expectativas do negócio, não ultrapassando a seara do
aborrecimento, incapaz de ensejar indenização por danos morais. Sentença mantida. Recurso desprovido.
(Recurso Cível Nº 71000667139, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais - JEC, Relator: Eugênio
Facchini Neto, Julgado em 28/06/2005).
Todavia, no exame do caso concreto, em especial à luz do direito da
personalidade, caberá reparação por danos morais “se os efeitos do inadimplemento
contratual, por sua natureza ou gravidade, exorbitarem o aborrecimento normalmente
decorrente de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera da dignidade da
vítima” 112.
Assim, inicialmente pode-se sustentar que a personalidade é a capacidade
abstrata para possuir direitos e contrair obrigações na ordem civil. É indissociável da pessoa
humana, ainda que os positivistas mais ortodoxos tenham querido vê-la como simples
decorrência jurídico-normativa
113
. Afirma-se neste ponto a visão jusnaturalista de que tais
direitos são atinentes à própria natureza humana, ocupando posição supra-estatal114, sendo que
a positivação vem apenas a garanti-los, dotando-os de coercitividade. Mister é lembrar que no
Direito Romano os escravos não eram considerados pessoas, donde concluímos que neste
sistema nem todos os seres humanos eram sujeitos dos direitos hoje tutelados como inerentes
a esta condição.
A legitimidade para o exercício de direitos encontra-se disciplinada no artigo
9º do Código Civil, e não se confunde com a personalidade, cujo início se dá com o
nascimento com vida (representado pela primeira respiração do recém-nato). Sua duração
coincide com a da vida humana, extingüindo-se com a morte, natural ou presumida (i.e., a
ausência). Os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, cuja individualização
faz-se mediante a constatação de seus nome, estado e domicílio.
Como disse o mestre Pontes de Miranda 115:
Com a teoria dos direitos de personalidade, começou, para o mundo, nova
manhã do direito. A princípio, obscura, esgarçando-se em direitos sem
112
DIREITO, Carlos Alberto Menezes e FILHO, Sérgio Cavalieri. Comentários ao Novo Código Civil, Vol.
XIII. Rio de Janeiro: Forense, p. 104
113
Diz-nos Kelsen: “a pessoa física (natural) como sujeito de deveres e direitos não é o ser humano cuja
conduta é o conteúdo desses deveres ou desses direitos, mas que a pessoa física (natural) é apenas a
personificação desses deveres e direitos. (...) a pessoa física é a personificação de um conjunto de normas
jurídicas que, por constituir deveres e direitos contendo a conduta de um mesmo ser humano, regula a conduta
deste ser”. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
114
Afirma o eminente professor Caio Mário: “O princípio constitucional da igualdade perante a lei é a
definição do conceito geral da personalidade como atributo natural da pessoa humana (...)”. PEREIRA, Caio
Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol.1. Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 153.
115
PONTES DE MIRANDA, F. C. Direitos de personalidade. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi,
1954-1969. Tomo 7, livro 1, p. 6.
nitidez, com certa construtividade de protoplasma, como lhe argüiu Karl
Gareis (...), mas já permitindo a Bluntschli, em 1853, nela fundar o direito
de autor, teve a servi-la dezenas de escritores que acuradamente
procuraram definir os “direitos da personalidade”, em discussão e material
assoberbantes [...].
A despeito disso, em razão da complexidade advinda da natureza intangível de
tais direitos, não se obteve uma precisão conceitual e tipológica que esgote todas as
controvérsias ainda existentes. Não é possível encontrar na doutrina definição que explique de
maneira definitiva sua natureza.
Entre os estudiosos pátrios, o Prof. Limongi França define tais direitos como
“(...) faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito,
bem assim as suas emanações e prolongamentos.” 116
O Prof. Orlando Gomes, ao estudar o tema, desloca a questão da conceituação
para o objeto desses direitos, dizendo:
Reclama, assim, a definição do direito de personalidade o alargamento do
conceito de bem, que lhe reconheça significação diversa do que se lhe
atribui em Economia. Em direito, toda utilidade, material ou não, que incide
na faculdade de agir do sujeito, constitui um bem, podendo figurar como
objeto de relação jurídica, porque sua noção é histórica e não naturalística
(...) Nada impede, em conseqüência, que certas qualidades, atributos,
expressões ou projeções da personalidade sejam tuteladas no ordenamento
jurídico como objeto de direito de natureza especial.117
Para o Prof. Carlos Alberto Bittar os direitos da personalidade devem ser
compreendidos como: a) os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua
natureza, como ente humano, com o nascimento; b) e os referentes às suas projeções para o
mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a
sociedade).118
116
FRANÇA, Limongi. Direitos privados de personalidade: subsídios para a sua especificação e sistematização.
Revista dos tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 55, n. 370, ago. 1966, p. 08.
117
GOMES, Orlando. Direitos de personalidade. Revista forense, Rio de Janeiro: Forense, ano 62, n. 216, out.nov.-dez. 1966, p. 06.
118
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 11.
Já Pontes de Miranda os conceitua como “todos os direitos necessários à
realização da personalidade, à sua inserção nas relações jurídicas. O primeiro deles é o da
personalidade em si mesma (...)” 119, distinguindo, portanto, um direito da personalidade como
tal, ou seja, o direito que tem a pessoa de adquirir a própria personalidade – surgindo como
sujeito de direitos e obrigações no âmbito jurídico –, de outros direitos da personalidade, que
caracterizam a ontologia desta após o reconhecimento estatal.
Podemos definir estes direitos como aqueles “atinentes à utilização e
disponibilidade de certos atributos inatos ao indivíduo, como projeções biopsíquicas
integrativas da pessoa humana, constituindo-se em objetos (bens jurídicos), assegurados e
disciplinados pela ordem jurídica imperante”
120
. Ou, consoante Gierke, “aqueles que
garantem ao sujeito o domínio de uma parte da própria esfera da personalidade”
121
. Trata-
se, assim, de direitos cujo objeto são bens jurídicos que se convertem em projeções físicas ou
psíquicas da pessoa humana, por determinação legal que os individualiza para lhes dispensar
proteção
122
. Desta forma, não se há de confundir o objeto - as projeções que merecem tutela
jurídica - com a personalidade.
Os direitos da personalidade reputam-se direitos subjetivos privados nãopatrimoniais. De fato, visam a proteger a pessoa em face de todos os demais particulares,
sendo oponíveis erga omnes. São necessários, essenciais ao resguardo da dignidade humana,
portanto, universais, absolutos, imprescritíveis, intransmissíveis, impenhoráveis e vitalícios.
2.1.5.2 Natureza Jurídica
Ao se tratar da natureza jurídica dos direitos da personalidade cabe,
primeiramente, determinar se estes podem ser considerados direitos subjetivos.
119
PONTES DE MIRANDA, F. C . Obra citada. p. 13.
120
LOPES, Serpa. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro, Freitas Bastos S. A., 1989, p.205.
121
Gierke apud GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 1983, p.130.
122
GOMES, Orlando. Op. cit., p.131.
Os positivistas, como De Cupis e Tobeñas, consideram que devam ser
incluídos como direitos de personalidade apenas os reconhecidos pelo Estado, que lhes
fornece força jurídica. Argumentam que todos os direitos subjetivos derivam do ordenamento
positivo, resultando em sua delimitação pelo Estado em cada caso. 123
Já os jusnaturalistas, como Limongi França, salientam o caráter inato desses
direitos
124
. Estes nascem com o indivíduo, e cabe ao direito positivo apenas o seu
reconhecimento. Provém de direito supra-estatal, não sendo possível ao Estado negar o seu
reconhecimento sem transgredir a própria natureza humana. Esta é a posição
predominantemente aceita pelos doutrinadores, e a que mais se coaduna com o
desenvolvimento do pensamento jurídico moderno.
O Prof. Limongi França
125
os considera direitos de natureza híbrida, já que
inseridos entre as liberdades públicas constitucionais (por exemplo, C.F./88, art. 5º, inc. V e
X), tutelados pelo direito penal (exemplo: CP, arts. 121, 138, 139, 140, 211, 212, etc.) e
também protegidos na esfera civil.
Dessa forma, são os bens da personalidade verdadeiros direitos subjetivos,
inatos e híbridos, sendo direitos de natureza privada, quando encarados como dever geral de
abstenção entre particulares, e direitos públicos, inseridos nas Cartas Políticas como
liberdades públicas, quando considerados nas relações entre o Estado e o indivíduo.
Estabelecem a própria essência da personalidade, garantindo uma esfera de individualidade
sem a qual a própria pessoa se desnatura.
Ademais, ao Estado é imposto o reconhecimento e a positivação desses
direitos, dotando-os de eficácia sancionatória, sem o que, a despeito de sua existência,
poderiam tornar-se ineficazes.
Segundo José Afonso da Silva126, “[…] Não são normas de valor
supraconstitucional ou de natureza supra-estatal, como querem Duguit e Pontes de Miranda,
embora sejam cada vez mais de dimensão internacional […]”
123
Idem, ibidem, p. 05.
124
FRANÇA, Limongi Obra citada, p. 09.
125
FRANÇA, Limongi Obra citada, p. 08.
126
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 183-184.
E o referido mestre prossegue, dizendo que se tratam de normas de direito
constitucional, já que se apresentam no corpo do texto constitucional ou sejam parte de
“simples declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte”, tendo sua origem e
alicerce na soberania popular.
2.1.6 As restrições a direitos fundamentais
Impera observar que, com o fito de delinear e apontar qual afetação ao direito
da personalidade, enquanto direito fundamental gera o dano moral indenizável, deve-se
igualmente apontar até qual ponto estes direitos fundamentais são absolutos.
Consabidamente a vida em sociedade gera percalços nas relações entre os
sujeitos de direito e mesmo nas relações mais simples pode haver a influência de um na esfera
de patrimônio jurídico de outro, mediante o que é de ser perquirido acerca do absolutismo do
direito fundamental e como se solucionam tais situações.
Luís Roberto Barroso127 já observou que as colisões surgem em virtude de duas
razões:
[…] (i) complexidade e o pluralismo das sociedades modernas levam ao
abrigo da Constituição valores e interesses diversos, que eventualmente
entram em choque; e (ii) sendo os direitos fundamentais expressos,
freqüentemente, sob a forma de princípios, sujeitam-se […] à concorrência
com outros princípios e à aplicabilidade no limite possível, à vista de
circunstâncias fáticas e jurídicas.
127
BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de
ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista
Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 4, n. 16, out.- dez./2003, p.64.
Ora, pela própria dedução lógica já pode ser depreendido que os direitos,
quaisquer que sejam, não podem ser absolutos, sendo passíveis de restrições, cabendo ao
estudioso observar em quais situações, a fim de concluir pela ocorrência do dano moral ou
não.
Desta forma, como restrição deve-se entender qualquer ação ou omissão que
afete desvantajosamente o conteúdo de um direito fundamental, reduzindo, eliminando ou
dificultando “a vias de acesso ao bem nele protegido e as possibilidades de sua fruição por
parte dos titulares reais ou potenciais do direito fundamental”, bem como enfraquecendo
“deveres e obrigações, em sentido lato, que da necessidade da sua garantia e promoção
resultam para o Estado” 128.
Jairo Gilberto Schäfer129 define como restrição a direito fundamental como
“[…] a limitação ou diminuição do âmbito material de incidência da norma concessiva,
tornando mais estreito o núcleo protegido pelo dispositivo constitucional, interferindo
diretamente no conteúdo do direito fundamental que a norma visa proteger”.
Faz-se necessário observar que a doutrina130 sustenta que a estrutura do direito
fundamental pode ser delineada através de uma circunferência externa chamada de limite
imanente ou âmbito de proteção, possuindo dentro de si uma circunferência menor chamada
de núcleo essencial ou núcleo duro. A primeira circunferência diria respeito ao que o direito
protege, ao que se descobre com base no texto e através de interpretações teleológica e
sistemática. O núcleo essencial, por seu turno, seria aquilo sem o que o direito não existe, que
não pode ser restringido, justificando uma tutela de proteção mais intensa.
Vale assinalar, ainda, a propósito do tema, que a restrição ao direito
fundamental pode ocorrer, com base na ponderação, tanto pelo operador do direito no caso
128
NOVAIS, Jorge Reis. As Restrições aos Direitos Fundamentais Não Expressamente Autorizadas pela
Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 157.
129
SCHÄFER, Jair Gilberto. Direitos Fundamentais: Proteção e Restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001, p. 61.
130
Ana Paula de Barcellos, embora tratando de princípios fundamentais, traça raciocínio análogo in
BARCELLOS, A. P. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In BARROSO, Luís
Roberto. A nova interpretação constitucional – ponderação, direitos fundamentais e relações privadas.
Renovar: Rio de Janeiro: 2003. pp. 62-63.
concreto como pelo legislador, de uma forma mais abstrata, não sendo o campo dos direitos
fundamentais um campo refratário a intervenções legislativas.
Prosseguindo na lição de Jairo Gilberto Schäfer131, as restrições podem ser
classificadas de duas formas:
a) restrições stricto sensu: restrições expressas na própria norma
constitucional ou veiculadas através de lei infraconstitucional mediante
autorização da Constituição; b) restrições imanentes: restrições que,
embora não estajam expressamente descritas na Constituição, decorrem da
idéia de sistema constitucional, os denominados limites imanentes aos
direitos fundamentais.
Com base na estrutura dos direitos fundamentais supramencionada, verifica-se
que é aceitável, em determinadas hipóteses, restrição a tais direitos, atendidos os seguintes
pressupostos: (1) ocorrer no âmbito do limite imanente do direito fundamental, desde que
amparada por um outro valor prestigiado constitucionalmente; (2) tratar-se de matéria sob
reserva de lei, não podendo ato administrativo normativo restringir direitos fundamentais; (3)
respeitar ao princípio da proporcionalidade, nos três cânones em que o mesmo se desdobra
(adequação ou idoneidade, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido
estrito); (4) por fim, não pode atingir o núcleo essencial do direito fundamental.
2.2 Elemento da Personalidade e Dano Moral
2.2.1 Intimidade
Em que pese a interligação inerente entre os conceitos de intimidade e
privacidade, a maioria dos autores entende existir distinção entre intimidade e vida privada.
Neste sentido, o autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho132 ressalta que:
131
132
SCHÄFER, Jair Gilberto. Obra citada, pp. 61-62.
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, 2. ed. São Paulo,
Saraiva, 1997.p.35
os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam
grande interligação, podendo porém ser diferenciados por meio da menor
amplitude do primeiro que se encontra no âmbito de incidência do segundo.
Assim, o conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de
trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade,
enquanto o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da
pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho,
de estudo, etc.
Ora, tanto há a manifestação de diferenças entre tais direitos – o da privacidade
e o da intimidade – que a própria Carta Política alberga a diferença entre ambos, constando no
rol do inciso X do art. 5º a separação da intimidade de outras manifestações da privacidade.
Neste passo impera a busca pela conceituação de separadamente de tais
direitos.
Prosseguindo na lição de José Afonso da Silva133:
“Segundo René Ariel Dotti, a intimidade se caracteriza como ‘a esfera
secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os
demais’, o que é semelhante ao conceito de Adriano de Cupis que devine a
intimidade (riservatezza) como o modo de ser da pessoa que consiste na
exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma.
Outra definição da intimidade foi bem observada pelo professor Tércio
Sampaio Ferraz134:
A intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem
nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance da sua vida privada
que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na
família, no trabalho, no lazer comum). Não há um conceito absoluto de
intimidade, embora se possa dizer que o seu atributo básico é o estar só,
não exclui o segredo e a autonomia. Neste termos, é possível identificá-la: o
diário íntimo, o segredo sob juramento, as próprias convicções, as situações
indevassáveis de pudor pessoal, o segredo íntimo cuja mínima publicidade
constrange
133
134
SILVA , José Afonso da. Obra citada, p. 208.
FERRAZ, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do
Estado. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, 1993.
2.2.1.1 Dano moral decorrente da exposição da intimidade
Acerca da violação de tal esfera do direito da personalidade, vale observar a
fundamentação esposada no julgamento do Recurso Especial nº 506437/SP, de lavra do Min.
Fernando Gonçalves
135
, onde foi apreciada o dever de indenizar decorrente de publicação
equivocada de endereço residencial, equivocadamente, nas páginas amarelas de lista
telefônica, ofertando serviços de “massagens”, in verbis:
O anúncio erroneamente veiculado representa inequívoco dano, diante da
violação ao direito à intimidade da recorrente, que teve publicado seu
endereço e telefone residenciais de forma indevida. O direito à intimidade é
espécie do gênero "direitos da personalidade" sendo compreendidos como
"direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna
preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade" (GOMES,
Orlando. Introdução ao direito civil . 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001,
p. 141), de cunho extrapatrimonial.
Não se dispensa inteligência superior para verificação do constrangimento
e incômodo a que a recorrente esteve exposta, com a publicação (sem
autorização) de anúncio mal formulado contendo um nome feminino em
uma seção de "massagens" de uma lista telefônica.
Em se tratando de direito à intimidade, a obrigação da reparação decorre
da própria violação do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se
da prova da existência do dano
No caso em testilha, verifica-se que a autora da demanda foi erroneamente
colocada em situação que expôs seu âmbito de intimidade, na medida em que seu telefone
135
A decisão está assim ementada: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VIOLAÇÃO. DIREITOS
DA PERSONALIDADE. INTIMIDADE. VEICULAÇÃO. LISTA TELEFÔNICA. ANÚNCIO COMERCIAL
EQUIVOCADO. SERVIÇOS DE MASSAGEM. 1. A conduta da prestadora de serviços telefônicos
caracterizada pela veiculação não autorizada e equivocada de anúncio comercial na seção de serviços de
massagens, viola a intimidade da pessoa humana ao publicar telefone e endereço residenciais. 2. No sistema
jurídico atual, não se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da
personalidade, dentre eles a intimidade, imagem, honra e reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela
simples violação ao bem jurídico tutelado. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido. (REsp
506437/SP; Recurso Especial 2003/0045107-6. Min. Rel. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ 06.10.2003 p.
280).
residencial foi publicado em meio de comunicação de grande circulação - lista telefônica –
como “massagista”.
Nesta senda verifica-se que a lesão à intimidade se evidenciou quando a
exposição se deu através do telefone residencial da autora da ação, eis que expôs o seu lar,
que pode ser bem considerado como o reduto certo de sua intimidade. Assim, restou
evidenciada a lesão indenizável ante a exposição indevida da intimidade.
2.2.2 Vida Privada
Como já observado anteriormente, no que pese a interligação estreita, não há
que se confundir intimidade com vida privada.
A vida privada do indivíduo diz respeito a situações de opção pessoal, mas que
podem ser limitados e solicitados por terceiros. Também abrange situações que envolvam
aspectos onde, de alguma forma, não se admitiria qualquer publicidade ao seu redor, seja na
suas relações de trabalho, familiares ou setores da comunidade.
A vida privada é definida pelo professor René Ariel Dotti136 da seguinte forma:
abrange todos os aspectos que por qualquer razão não gostaríamos de ver
cair no domínio público; é tudo aquilo que não deve ser objeto do direito à
informação nem da curiosidade moderna que, para tanto, conta com
aparelho altamente sofisticados.
Novamente é oportuna a definição dada pelo professor Tércio Sampaio
Ferraz137 a respeito da vida privada.
136
DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1980.
137
FERRAZ, Tércio Sampaio. Obra citada.
A vida privada pode envolver, pois, situações de opção pessoal (como a
escolha do regime de bens no casamento), mas que, em certos momentos,
podem requerer a comunicação a terceiros (na aquisição, por exemplo, de
um imóvel). Por aí ela difere da intimidade, que não experimenta esta forma
de repercussão.
Finalmente, ainda vale consignar a lição de José Afonso da Silva138 que afirma:
Parte da constatação de que a vida das pessoas compreende dois aspectos:
um voltado para o exterior e outro para o interior. A vida exterior, que
envolve a pessoa nas relações sociais e nas atividades públicas, pode ser
objeto das pesquisas e divulgações de terceiros, porque é pública. A vida
interior, que se debruça sobre a mesma pessoa, sobre os membros de sua
família, sobre seus amigos, é a que integra o conceito de vida privada,
inviolável nos termos da Constituição.
2.2.2.1 Dano moral decorrente da violação da vida privada
Acerca da ingerência sobre a vida privada, bem como sobre a intimidade,
verifica-se em especial a oposição da liberdade de imprensa e do direito ao segredo da vida
privada, ambos assegurados pela Constituição Federal - a primeira no art. 5º, IV, IX e XIV, e
no art. 220; o segundo no art. 5º, X.
A exemplo desta questão, verifica-se a situação em tela na demanda movida
por Hélio Brito da Silva em face da Empresa Jornalística Santa Marta Ltda, quando esta
veiculou reportagens nas quais o nome do recorrente foi associado a vocábulo tido por
ofensivo, colhido de boletins policiais de ocorrência.
138
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 211.
Para o STJ 139, ficou evidenciado que a recorrida, ao reproduzir na manchete do
jornal o cognome - “apelido” - do autor, atitude que redundou em manifesto proveito
econômico, feriu o direito do recorrente ao segredo de sua vida privada, divulgando
desnecessariamente o “apelido” repugnado, portanto atuou com abuso de direito, exsurgindo
como conseqüência o ferimento ao direito de todo cidadão de manter a vida privada distante
do escrutínio público.
Segundo entendimento esposado pelo julgador, “a notícia da orientação sexual
de determinada pessoa, por si só, não enseja reparação indenizatória, mas, no presente
processo, não há dúvidas sobre a indevida agressão ao segredo da vida privada do
recorrente porque o cognome do recorrente foi divulgado por toda área de circulação do
jornal, além da cidade onde mora”.
Ainda é de ser considerada a questão onde o uso da imagem, indevidamente,
que per se já enseja o dano moral, e pode também ferir o direito de personalidade insculpido
no art. 5º, inc. X da Carta Política, consubstanciado na ingerência sobre vida privada do
indivíduo do indivíduo, conforme decisões já esposadas pelo Superior Tribunal de Justiça140.
Igualmente impera observar a lição de Yussef Said Cahali
141
, reproduzindo os
ensinamentos de Adriano de Cupis, no sentido de ser limitado o direito ao resguardo da vida
privada no que pertine às pessoas com notoriedade, que não podem obstacularizar a
publicação de sua própria imagem ou a divulgação de acontecimentos da sua vida, em face da
preponderância do interesse público sobre o privado, observando que “o povo, assim como
139
A decisão está assim ementada: Direito civil. Indenização por danos morais. Publicação em jornal.
Reprodução de cognome relatado em boletim de ocorrências. Liberdade de imprensa. Violação do direito ao
segredo da vida privada. Abuso de direito. - A simples reprodução, por empresa jornalística, de informações
constantes na denúncia feita pelo Ministério Público ou no boletim policial de ocorrência consiste em exercício
do direito de informar. - Na espécie, contudo, a empresa jornalística, ao reproduzir na manchete do jornal o
cognome – "apelido" – do autor, com manifesto proveito econômico, feriu o direito dele ao segredo da vida
privada, e atuou com abuso de direito, motivo pelo qual deve reparar os conseqüentes danos morais. Recurso
especial provido. (REsp 613374/MG; Recurso Especial 2003/0217163-0. Min. Rel. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, DJ 12.09.2005 p. 321).
140
Processual civil. Administrativo. Responsabilidade civil do estado. Imagem. Uso indevido. Dano moral.
Indenização. Cabimento. 1. Ingerência na vida privada, sem a devida autorização da pessoa, consiste em violar
direito de privacidade. 2. Cabe indenização por dano moral pelo uso indevido da imagem que, por se tratar de
direito personalíssimo que garante ao indivíduo a prerrogativa de objetar sua exposição, no que se refere à sua
privacidade. 3. Recurso especial do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro provido e recurso especial de
Daniel Faria Loureiro parcialmente provido. (REsp 440150 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2002/0060956-7, Min.
Rel. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Segunda Turma, DJ 06.06.2005 p. 250).
141
CAHALI, Yussef Said. Obra citada, p.633-634.
tem interesse em conhecer a imagem dos homens célebres, também aspira a conhecer o curso
e os passos da sua vida, as suas ações e as suas conquistas; e, de fato, só através de tal
conhecimento pode formar-se um juízo de seu valor”.
Tal mestre ressalta que é legítima a exposição em nome da arte, mas ilícita a
exposição romanceada ou dramatizada, eis que desnecessárias para a satisfação do interesse
público, qual seja, a obtenção das informações acerca da pessoa pública.
Em tal sentido, o REsp 625106142, já em sua ementa, observa que, como já
assinalado pelo TJRJ:
a limitação do direito de informar, em prestígio a honra e imagem dos
indivíduos, sofre uma mitigação quando se trata de pessoa pública, já que
esta condição traz para a coletividade o legítimo interesse de conhecer
sobre sua vida privada. Porém, este direito mais abrangente concedido aos
órgãos de imprensa tem que obedecer a duas condições básicas, sendo a
primeira tratar-se de pessoa pública, e a segunda ser a notícia verdadeira.
2.2.3 Honra
A honra traz, no seu bojo ontológico, uma noção polimorfa e mutável. Perpassa
pelos vários setores da atividade do homem, enfocado isoladamente ou como elemento
interferente na sociedade. Fala-se, então, em honra civil, cabente a todo cidadão; em honra
política, que favorece o eleitor na situação de candidato ou no exercício de proselitismo
partidário; em honra comercial, granjeada com a prática honesta e competente de atividade
mercantil ou industrial; em honra profissional, lastreada no longo e eficiente exercício de uma
função ou na dignidade que essa proporciona; e em honra artística, verificada através do
desempenho, talentoso e sensível, de qualquer das artes.
São as indigitadas modalidades, como tantas outras aqui não mencionadas,
variações da honra objetiva (a ser tratada adiante). Apresenta a honra, ainda, um atributo
proteiforme, porquanto muda de significação à medida que o tempo decorre, e de região para
142
REsp 625106, Min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito - Terceira Turma. DJ 23.06.2005.
região. Não é, pois, um conceito hermético e imutável. Pode ser delineado em seus traços
gerais e adaptado de acordo com as circunstâncias vertentes em cada caso. Por via de
conseqüência, é igualmente amplo o rol de atos atentatórios a que está sujeita143.
Mesmo em face do alargado delineamento conceitual que o instituto da honra
comporta, pode-se perfeitamente divisar uma bipartição, de interesse prático e didático, em
honra individual e honra coletiva.
Honra individual consiste no complexo valorativo intrínseco e extrínseco de
todo ser humano. Intrínseco, quando os valores pessoais percutem apenas no âmago do
indivíduo; e extrínseco, quando tais valores se espargem no meio circundante.
A par da honra individual, vislumbra-se a honra coletiva, como expressão de
reputação, dignidade ou decoro de um grupo, numericamente determinado ou não, de pessoas
ligadas entre si por liames de variada natureza como o profissional, o social, o religioso, o
racial etc. Assim é que qualquer ofensa ou ato atentatório à honra coletiva dá ensejo à
reparação dos danos materiais e morais144, uma vez que há necessidade de tutelar-se a
projeção da categoria ou classe lesionada no respectivo âmbito de atuação.
Acerca da questão da honra coletiva, vale observar o caso esposado na ação
civil pública proposta pelo Ministério Público Federal contra Paulo G. S. Corrêa e Orlando
Macedo Fernandes & Cia Ltda, na qual foi pedida a condenação dos requeridos ao pagamento
de indenização por danos morais, em decorrência de publicações no semanário Jornal
Cassino, que induziu e incitou a discriminação e o preconceito de etnia indígena.
Na apelação cível da aludida ação civil pública, que levou o n°
2003.71.01.001937−0 145, a Rel. Vânia Hack de Almeida, observou que:
143
Segundo Domingos Sávio Brandão Lima “os ataques à honra podem concentrar-se na atribuição ou
divulgação de defeitos físicos ou mentais, enfermidades ou doenças, vícios ou conduta imoral, carência ou
deficiências culturais, indignidades profissionais ou incompetências científicas ou meras palavras, gestos ou
atitudes destinadas a menosprezar ou ferir”. (LIMA, Domingos Sávio Brandão - Injúria grave, em "Enciclopédia
Saraiva do Direito", v. 44, p. 258).
144
O dilatado conceito de dano moral, formulado por Limongi França, corrobora tal ilação: “dano moral é
aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa, física ou jurídica, bem como a coletividade, sofre no aspecto não
econômico de seu patrimônio” (FRANÇA, Rubens Limongi. Reparação do dano moral, em Revista dos
Tribunais nº 631/29, p. 31).
145
A decisão está assim ementada: ação civil pública. Ofensas contra comunidade indígena. Dano moral
coletivo. Majoração. 1. Tendo restado demonstrada a discriminação e o preconceito praticados pelos réus contra
grupo
indígena
Kaingang,
é
devida
indenização
por
danos
moral.
É o que se verifica no caso dos autos. Por natureza, trata−se de um ilícito,
cujos efeitos atingiram a comunidade indígena. Mensurado individualmente,
não daria ensejo à indenização pela pouca importância na esfera de cada
membro da comunidade. Contudo, na sua generalidade, leva à sua
reparação aos olhos da sociedade.
Aliás, segundo Carlos Alberto Bittar Filho146 o dano moral coletivo pode ser
definido como "[…]. a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a
violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos". Para ao depois
arrematar: "Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o
patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado,
foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso
dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial".
Buscando o conceito de honra, vale observar os lançados conceitos que
fundamentaram a Apelação Cível nº 3.059/91, julgada em 19/11/2001, no TJRJ, tendo por
Relator o Des Carlos Alberto Menezes Direito. Embora longo, impõe-se a transcrição do
trecho, para facilitar o pleno entendimento aqui baseado:
Para os Mazeaud a questão não é nova, pois que o sentimento de honra, que
constitui um dos elementos do patrimônio moral, já era conhecido desde
tempos muito antigos, sendo que na época da vingança privada, os agravos
à honra eram reprimidos mais severamente do que os danos materiais. Os
redatores do projeto franco-italiano de obrigações e contratos, por
exemplo, cuidaram do dano moral no artigo 85, estipulando que o juiz pode
fixar indenização à vítima em caso de lesão corporal, de atentado à sua
honra, à sua reputação, ou àquela de sua família, à sua liberdade pessoal, à
violação de seu domicílio ou de um segredo que interesse à vítima manter
(cf. Mazeaud et Mazeaud, Traité théorique et pratique de la responsabilité
civile, p. 4. ed., 1947, v. 1, n. 293 e 297; no mesmo sentido, H. Lalou, Traité
pratique de la responsabilité civile, 4. ed., 1949, n. 149).
[…]
2. O dano moral coletivo tem lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, tomado individualmente, tem
pouca relevância para cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso comum.
3. Indenização por danos morais majorada para R$ 20.000,00, a ser suportada de forma solidária por ambos os
réus desta ação. (TRF4, AC 2003.71.01.001937-0, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, publicado
em 30/08/2006)
146
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Revista de
Direito do Consumidor, v. 12, p. 55 apud. MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral coletivo nas relações de
consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 380, 22 jul. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5462>. Acesso em: 09 out. 2006.
Pontes de Miranda afirma, sem meias palavras, que o homem "com os
direitos de personalidade, tem a honra como algo essencial à vida, tal como
ele a entende: a ofensa à honra pode ferir, por exemplo, o direito de
liberdade e o direito de velar a própria intimidade; mas a honra é o
entendimento da dignidade humana, conforme o grupo social em que se
vive, o sentimento de altura, dentro de cada um dos homens". (Tratado de
direito privado, Borsoi, t. LIII, §§ 5.509 e 5.510, t. 26, § 3.108).
[…]
E José Cretella Junior, tratando da honra, reproduz lição de Gian
Domenico Pisapia, para o qual "no conceito genérico de honra inclui-se a
honra, em sentido específico, consistente no conjunto dos dotes morais, e o
decoro, consistente no conjunto dos dotes físicos, intelectuais e sociais.
Estes dois conceitos podem entender-se sob duplo aspecto. No sentido
subjetivo, a honra e o decoro identificam-se com o sentimento que cada um
tem da própria dignidade moral, intelectual, física ou social. Em sentido
objetivo, a honra e o decoro identificam-se com a estima e a opinião que os
outros têm de uma pessoa, constituindo sua reputação. O sentimento
pessoal da honra e do decoro pode ser lesado, pois, com fatos de imediato
percebidos pela pessoa, independentemente do reflexo que possam ter na
opinião dos outros, isto é, com ofensas pronunciadas perante o sujeito
passivo; a reputação, ao contrário, pode ocorrer somente com a divulgação
para outros de ofensas que a diminuam" (Comentários à Constituição de
1988, Rio de Janeiro: FU, 1989, v. 1, p. 258).
[…]
Assim, entende a Corte que o apelante deve ser indenizado pelo dano moral
que sofreu em decorrência do ato ilícito positivo das apeladas, violador do
inciso X do artigo 5º da CF.
Finalmente, vale ser observada outra lição de José Afonso da Silva147 que
conceitua honra como:
[…] o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o
respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É o direito
fundamental da pessoa resguardar essas qualidades. A pessoa tem o direito
de preservar a própria dignidade – adverte Adriano de Cupis – mesmo
fictícia, até contra ataques da verdade, pois aquilo que é contrário á
dignidade da pessoa deve permanecer um segredo dela própria. Esse
segredo entre no campo da privacidade, da vida privada, e é aqui onde o
direito à honra se cruza com o direito à privacidade.
2.2.3.1 Inscrição indevida nos cadastros de Restrição de Crédito
147
SILVA, José Afonso da Silva. Obra citada, p. 212.
Na sociedade atual, verifica-se a corrente prática de abertura de crediários e
confecção de carnês com o fito de pagar as mais diversas mercadorias compradas mediante
prestações.
Igualmente comum, verifica-se a inadimplência dos compradores e sua
conseqüente inscrição nos órgão de restrição de crédito.
Nestes casos, o apontamento de título ou o aludido cadastro afiguram-se como
exercício regular de direito por parte do credor, nos moldes do art do CPC e posição
jurisprudencial, onde vale observar a fundamentação da decisão da Apelação Cível nº
70002395002148, de lavra do Des. Clarindo Favretto, do TSRS:
Do exame dos autos infere-se que o registro negativo nos cadastros do
SERASA do nome da apelante não fora ilegal, ou, pelo menos, não fora
suficientemente comprovada a sua ilegalidade, porquanto fora motivado
pelo inadimplemento, em três oportunidades, de obrigação assumida por
força de contratos de LIS Portfolio, firmado com o Banco réu.
Ao inscrever a apelada no banco de dados do órgão do controle do crédito,
o Banco o fez amparado no exercício regular de um direito a ele reservado.
Não se pode imputar, à toda evidência, ao Banco réu a culpa pelo registro
negativo, porquanto fora a própria autora quem dera causa aos fatos.
Todavia, há que ser considerada a hipótese do cadastramento ser indevido ou
até mesmo abusivo, como não é raro acontecer, sendo que:
o injusto ou indevido apontamento no cadastro de ‘maus pagadores’ do
nome de qualquer pessoa que tenha natural sensibilidade aos rumores
resultantes de um abalo de crédito, produz nessa pessoa uma reação
psíquica de profunda amargura e vergonha, que lhe acarreta sofrimento e
lhe afeta a dignidade. Essa dor é o dano moral indenizável, e carece de
demonstração, pois emerge do agravo na forma latente, sofrendo-a
148
A decisão está assim ementada: Responsabilidade civil. Dano moral. Registro negativo nos cadastros do
SERASA. Ilegalidade do ato não demonstrada. Fato constitutivo do direito invocado pela autora não
comprovado. Exercício regular de um direito do banco. Compete a autora fazer prova do fato constitutivo do seu
direito, pena de insucesso na sua pretensão, conforme inteligência do artigo 333 do CPC. Descabe indenização
por dano moral se não demonstrada, sequer, uma causa da ilicitude do ato de registro nos cadastros do SPC, mas
demonstrado, ao contrario, ter o banco agido no exercício regular de um direito seu, ante o inadimplemento de
obrigação contratual. Sentença confirmada. (Apelação Cível Nº 70002395002, Quinta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Clarindo Favretto, Julgado em 01/11/2001)
qualquer um que tenha o mínimo de respeito e apreço por sua dignidade e
honradez 149.
Ora, afigura-se palpavelmente a lesão à honra do indivíduo, a medida em que
causa sofrimento e lesão à sua honra e reputação, ou seja, ao valor honra sob o enfoque
coletivo, enquanto direito fundamental da personalidade, conforme estudado anteriormente,
tanto que tal situação já encontra é pacificada na jurisprudência, como, por exemplo, nos
casos das Apelações Cíveis nos 70016134702
150
e 70014856447
151
, ambas do Egrégio
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Bom exemplo de tal situação, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é a
argumentação expendida na decisão do Recurso Especial nº 705688152, de lavra do Min. Jorge
Scartezzini, veja-se:
149
JTJ 170/35
150
A decisão está assim ementada: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO
REDUZIDO. 1. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Evidenciada a ilicitude do ato praticado pela demandada,
que lançou o nome do autor no SPC, por dívida oriunda de terminais de telefonia instalados sem a sua anuência,
causando lesão a sua honra e reputação, caracterizado está o dano moral puro, exsurgindo, daí, o dever de
indenizar. Condenação mantida. […] APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº
70016134702, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado
em 17/08/2006)
151
APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DÍVIDA PAGA. INSCRIÇÃO NO
SPC/SERASA. MANUTENÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PREQUESTIONAMENTO. A indevida
inscrição ou manutenção no SPC gera direito à indenização por dano moral, independentemente da prova
objetiva do abalo à honra e à reputação, sofrida pelo autor, que se permite, na hipótese, presumir, gerando direito
a ressarcimento que deve, de outro lado, ser fixado sem excessos, evitando-se enriquecimento sem causa da parte
atingida pelo ato ilícito. Impossibilidade de utilização do salário mínimo como critério de correção monetária.
Inconstitucionalidade declarada pelo STF. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação
Cível Nº 70014856447, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi
Moreira, Julgado em 29/06/2006)
152
A decisão está assim ementada: RESPONSABILIDADE CIVIL - EXTRAVIO DE TALÃO DE CHEQUES SÚMULA 7/STJ. - DANOS MORAIS - QUANTUM – REDUÇÃO 1. A questão atinente à ocorrência do dano
e ao nexo de causalidade refoge ao âmbito do recurso especial, porquanto importaria em reexame fático, obstado
pelo enunciado da Súmula 7/STJ. O Tribunal a quo entendeu que restou comprovado "o nexo causal entre o ato
(furto do talonário) e o dano causado ao autor (vários constrangimentos e transtornos, especialmente a inclusão
no SPC e a negativa de concessão de crédito, como muito bem descritos na sentença)". 2. Precedentes desta
Corte, a propósito da responsabilidade civil da instituição bancária decorrente do extravio de talões de cheques:
REsp 684.150/RS, REsp 126.819/GO, REsp 241.771/SP. 3. O dano moral decorre do próprio ato lesivo de
inscrição indevida junto aos órgãos de proteção ao crédito, "independentemente da prova objetiva do abalo à
honra e à reputação sofrida pelos autores, que se permite, na hipótese, facilmente presumir, gerando direito à
ressarcimento" (Cf. REsps nsº: 110.091/MG; 323.356/SC; 165.727/DF) 4. Recurso especial conhecido em parte
e parcialmente provido para reduzir o valor indenizatório a um patamar mais adequado à espécie. (REsp
705688/RS; Recurso Especial 2004/0167015-1. Min. Rel. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, DJ 14.11.2005 p.
340)
Não procede, tampouco, a afirmação de ausência de danos, porquanto a
simples inscrição indevida do nome do recorrido no cadastro de devedores
já é suficiente para gerar dano reparável. De fato, consoante jurisprudência
firmada nesta Corte, o dano moral decorre do próprio ato lesivo de
inscrição indevida junto aos órgãos de proteção ao crédito,
"independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação
sofrida pelos autores, que se permite, na hipótese, facilmente presumir,
gerando direito à ressarcimento" (Cf. REsps nsº: 110.091/MG, Rel. Min.
Aldir Passarinho Júnior, DJ. 28.08.00; 196.824, Rel. Min. César Asfor
Rocha, DJ. 02.08.99; 323.356/SC, Rel. Min Antônio de Pádua Ribeiro , DJ.
11.06.2002; 165.727/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira DJ
21.09.98.)
2.2.4 Imagem
É importante destacar que o direito à imagem é um direito autônomo153, pois
embora possa ser conexo a outros bens, como a intimidade, a identidade, a honra, não
constitui parte integrante desses. Com efeito, é possível ofender-se a imagem sem atingir a
intimidade e a honra. Ademais, o direito à imagem possui uma característica particular, qual
seja a disponibilidade. Dessa forma, se do interesse do indivíduo, pode ele explorar a própria
imagem. Entretanto, outrem não poderá dispor da imagem alheia, sem a devida autorização.
O direito à imagem reveste-se de características comuns aos direitos da
personalidade, sendo inalienável, impenhorável, absoluto, imprescritível, irrenunciável e
intransmissível, vez que não pode se dissociar de seu titular. Contudo, apresenta uma
peculiaridade: a disponibilidade, isto é, a possibilidade de o indivíduo usar livremente a sua
própria imagem ou impedir que outros a utilizem.
153
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 2003, p.171
Segundo a lição de Otávio Piva154 “a imagem da pessoa constitui uma forma
do direito à intimidade e adquire principal importância a partir da invenção da fotografia e
sua conseqüente publicação nos meios de imprensa”. No mesmo sentido, segundo Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira155, imagem “é aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter
com ela relação simbólica; símbolo”.
Dessa forma, compreende-se por “imagem” não apenas a representação física
da pessoa, mas todos os caracteres que a evocam.
2.2.4.1 Dano moral decorrente do uso indevido da imagem
Para que se perpetre a lesão ao direito fundamental em tela, basta a utilização
indevida da imagem de outrem, sem a devida autorização – mediante paga ou não – com ou
sem caráter ofensivo ao titular de tal direito.
Explico, a imagem divulgada do sujeito não carece afigurar-se como vexatória
ou imprópria, bem como não necessita que se adentre no âmbito da intimidade ou da vida
privada do mesmo, como, por exemplo, a coleta de imagem de casal mantendo relações
sexuais, bastando para ensejar a indenização o simples uso indevido da imagem, ainda que
tenha sido veiculada imagem “positiva”, como exercício de benemerência ou serviços
comunitários.
Cumpre observar que o uso indevido da imagem de um sujeito é passível de
ensejar indenização por danos materiais – como no caso de uso comercial da imagem –
cumulada com o dano moral, ante a simples utilização indevida da imagem.
154
PIVA. Otávio. Comentários ao artigo 5º.da Constituição Federal de 1988. 2ª ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto,
2000, p. 25.
155
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, p. 742.
Coaduna com tal posicionamento a explicação de José Afonso156 sustentando
que:
a inviolabilidade da imagem da pessoa consiste na tutela do aspecto físico,
como é perceptível visivelmente, segundo Adriano de Cupis, que acrescenta:
‘Essa reserva pessoal, no que tange ao aspecto físico – que, de resto, reflete
também na personalidade moral do indivíduo -, satisfaz uma exigência
espiritual de isolamento, uma necessidade eminentemente moral.
É a seguinte a fundamentação do ilustre Ministro Carlos Velloso no julgamento
do RE 215.984-RJ, que, mesmo longa, vai transcrita como segue:
Destaco do parecer da Procuradoria-Geral da República, às fls. 211/216,
lavrado pela ilustre Subprocuradora-Geral, Dra. Helenita Caiado de
Acioli:
(...)
3. No caso, parecem pertinentes as razões da irresignação.
4. A Constituição Federal assegura no art. 5º, inciso X, a inviolabilidade da
imagem das pessoas e a indenização pelos danos materiais e morais
decorrentes de sua violação.
5. Não se trata, evidentemente, de discutir aqui a cumulatividade do dano
material com o dano moral, questão superada com o atual texto
constitucional, nem de reexame de fatos ou provas, mas sim, definir o
sentido e o alcance da norma maior, garantidora do direito de imagem e de
reparação no caso de sua violação, uma vez que o acórdão recorrido
entendeu que a publicação de fotografias da recorrente, por não ofender a
sua reputação, não gerava reparação por danos morais.
[…]
7. O eminente Ministro Rafael Mayer ao relatar o RE 95.872, mesmo antes
da nova Constituição, já afirmava:
'O dever de indenizar decorre da simples utilização de um direito
personalíssimo, o da imagem' (in Jurisprudência Brasileira, vol. 95, p. 95)'
8. Na hipótese sub judice a recorrente, artista consagrada, teve sua
fotografia publicada sem o seu expresso consentimento ou contratação, em
violação à norma constitucional, que protege e garante o direito à própria
imagem (CF/88, art. 5º, X). Sem dúvida, a imagem da atriz é um produto
que lhe pertence e foi obtido ao longo de sua carreira, compõe seu
patrimônio econômico e, não poderá ser utilizado sem a sua anuência, ou
contrato, principalmente em revistas, com evidente cunho publicitário. Daí
o constrangimento e o sentimento de revolta e indignação da recorrente a
caracterizar o dano moral.
9. O dano moral envolve conceito inerente ao sentimento, sendo
desnecessário que ofenda a reputação, como equivocadamente entendeu o v.
156
SILVA, José Afonso da. Obra citada, p. 212.
acórdão recorrido. Existe, sim, uma agressão moral, se considerada a
imagem como um dos direitos da personalidade, a ser compensada
satisfatoriamente.
[…]
- A publicação desautorizada de imagem exclusivamente destinada a certa
revista, em veículo diverso do pretendido, atinge a honorabilidade da
pessoa exposta, na medida em que experimenta o vexame de descumprir
contrato em que se obrigou à exclusividade das fotos.
- A publicação de imagem sem a exclusividade necessária ou em produto
jornalístico que não é próprio para o contexto, acarreta a depreciação da
imagem e, em razão de tal depreciação, a proprietária da imagem
experimenta dor e sofrimento.' (REsp nº 270.730-RJ, Rel. emin. Ministra
Nancy Andrighi, in DJ de 07.5.01)
12. Destarte, sobressai na exegese do art. 5º, inciso X da Constituição de
1988, que o uso de fotografia sem autorização, no caso em apreço, gera não
só o dever de reparar por danos materiais, como o de compensar por danos
morais, considerando que são cumuláveis as duas indenizações, por
violação ao direito de imagem, independentemente de ser afetada ou não a
reputação da vítima.
[…] (fls. 212/216)
Correto o parecer.
O acórdão recorrido entendeu indevida a reparação por dano moral ao
fundamento de que a recorrente não teria sofrido "nenhum abalo em sua
reputação ou constrangimento moral pelo uso indevido das fotografias" (fl.
153).
Todavia, a Constituição é expressa: "são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (C.F.,
art. 5º, X). É dizer, a Constituição não exige a ocorrência de ofensa à
reputação na reparação do dano moral. Na verdade, o Tribunal a quo
emprestou ao dano moral caráter restritivo, o que não se coaduna com a
forma como a Constituição o trata, no inc. X do art. 5º. O que precisa ser
dito é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito
comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento ao
fotografado, não importando o tamanho desse desconforto, desse
aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano
moral, que deve ser reparado, manda a Constituição (art. 5º, X).
[…]
No que toca à publicação de fotografias, sem o consentimento do
fotografado, doutrina e jurisprudência são no sentido da ocorrência de
dano moral que deve ser reparado. Leciona Yussef Said Cahali que, "em
linha de princípio, a utilização de imagem constitui direito exclusivo e
personalíssimo, inerente à reserva de governo sobre a própria pessoa, quer
para dispor, como para impedir a liberação a terceiros, mediante paga ou
não; a violação desse direito dá ensejo à correspondente indenização, seja
perpetrada com intuito de propaganda lucrativa, seja para difamar". E
acrescenta: "sob tal aspecto, é válido dizer-se, com Demongue, que 'le fait
d'exposer le portrait d'une personne contre sa volonté peut donner lieu à
indemnité'." E vai o ilustre autor ao caso específico: "Do mesmo modo,
afirma-se, em reiterada jurisprudência, ser indenizável o dano causado pela
reprodução não consentida da imagem da pessoa em material publicitário
ou de natureza promocional de atividade especulativa" (Yussef Said Cahali,
"Dano Moral", Ed. Rev. dos Tribs., 2ª ed., 1998, págs. 549 e 551).
Resta bem ilustrado, entre os demais fundamentos, que “a Constituição não
exige a ocorrência de ofensa à reputação na reparação do dano moral”, ou seja, a lesão ao
direito de imagem não necessita estar comungada com lesão à honra, ou qualquer outro direito
fundamental, como já esposado em diversas decisões da aludida Corte, como, por exemplo,
no julgamento do Recurso Especial nº 267529/RJ, Min. Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
Quarta Turma, DJ 18.12.2000 p. 208 157.
157
A decisão está assim ementada: Direito à imagem. Corretor de seguros. Nome e foto. Utilização sem
autorização. Proveito econômico. Direitos patrimonial e extrapatrimonial. Locupletamento. Dano. Prova.
Desnecessidade. Enunciado n. 7 da súmula/stj. Indenização. Quantum. Redução. Circunstâncias da causa.
Honorários. Condenação. Art. 21, cpc. Precedentes. Recurso provido parcialmente. I - O direito à imagem
reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio
segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. II - A utilização da imagem de cidadão, com fins
econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenização. III - O
direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por
proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à
sua vida privada IV - Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso
indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O
dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou
moral. V - A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a
constituir-se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operarse com moderação, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com
razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de
cada caso. VI - Diante dos fatos da causa, tem-se por exacerbada a indenização arbitrada na origem. VII Calculados os honorários sobre a condenação, a redução devida pela sucumbência parcial resta considerada. VIII
- No recurso especial não é permitido o reexame de provas, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 consagrou o dever de reparar integralmente o
dano moral e a jurisprudência pátria tem buscado a constante associação do dano moral à
efetiva lesão ao direito da personalidade.
Todavia, no que pese tal associação, averiguou-se que as decisões acerca da
questão, em geral, não apresentam a análise da violação de tal direito fundamental, quando da
aferição do dever de indenizar.
A partir de tal constatação, construiu-se a presente monografia.
Observou-se que o dano moral pode ser considerado como aquela lesão que
efetivamente atinge a carga patrimonial imaterial do sujeito de direitos, em especial o
conjunto de direitos que constituem a personalidade deste, tendo como fundamentos legais
para a reparação, primordialmente a Constituição Federal de 1988, com ênfase no preâmbulo,
artigos 1º e 5º, bem como o Código Civil de 2002 e seu antecessor de 1916.
Analisando os direitos fundamentais, entendidos como os núcleos invioláveis
de uma sociedade, verificaram-se suas características, dimensões ou gerações e classificações,
com a finalidade de analisar o direito da personalidade.
Superadas as análises iniciais sobre o direito da personalidade, da análise das
esferas da personalidade constantes no inc. X do art. 5º da Constituição – intimidade, vida
privada, honra e imagem – foi aferido a amplitude de cada uma delas e a reparabilidade das
suas lesões.
Neste sentido, a intimidade pôde ser entendida como o como a esfera mais
restrita do ser humano, de acesso “exclusivo” de seu titular, decorrendo o dever de reparar da
a intromissão ou exposição de tal círculo de direitos e valores pessoais.
Por sua vez, a vida privada foi definida com base na oposição à vida pública,
representado um conjunto de valores pessoais mais amplos do que a intimidade, e por isso
passível de repercussão no âmbito público, em conformidade com a necessidade gerada pela
situação.
Tal esfera da personalidade apresentou grande contato e limitações,
principalmente quando defrontada com o direito fundamental da liberdade de imprensa,
devendo para a apreciação do dano moral, nestes casos, a precípua análise sob o enfoque da
proporcionalidade.
Por foi entendido como o “complexo valorativo intrínseco e extrínseco de todo
ser humano”, bem como a “expressão de reputação, dignidade ou decoro de um grupo”. Neste
caso, são passíveis de indenização por dano moral, todos os atos atentatórios contra a
dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação, por exemplo.
Finalmente, observou-se o direito da personalidade consubstanciado no direito
à imagem. Tal direito apresentou como característica mais marcante a possibilidade de
disposição e até exploração comercial de tal atributo.
Em tal circunstância, o dever de reparar decorre tão-somente do uso indevido
ou não autorizado da imagem, com ou sem fim lucrativo, independentemente de tal utilização
ferir outro atributo da personalidade, tal como a intimidade ou a vida privada.
Assim, verificou-se que o dano moral somente será efetivo quando a conduta
do agente lesionar o direito da personalidade ou, em hipótese de conflito de direitos, a conduta
não atingir o núcleo essencial de tal direito, em qualquer das suas esferas: intimidade, vida
privada, honra ou imagem.
Por tais razões, conclui-se que se deve analisar a questão do dano moral sob o
mais amplo enfoque concedido pela disciplina do constitucional, à luz dos direitos
fundamentais, a fim de evitar caráter de locupletamento ilícito, e ao mesmo tempo contemplar
a reparação do dano havido, em seu duplo caráter: reparador e pedagógico.
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civil. São Paulo: Atlas, 2001.
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