1º Promotoria de Justiça cível da capital PROC. Nº 0042037-74.2012.8.17.0001 OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C ANTECIPAÇÃO DE TUTELA AUTOR: ARTHUR MONTEIRO ALVES DE LIRA VARA: 28ª (VIGÉSSIMA OITAVA CÍVEL) PARECER MM JUIZ, A parte autora ARTHUR MONTEIRO ALVES DE LIRA representado por sua genitora, ROBERTA HOLLANDA PEDROSA MONTEIRO contratantes do plano SUL AMERICA AETNA SAÚDE, demandaram este Juízo em função da operadora de seu plano de saúde se negar a fornecer o medicamento PALIZIVUMABE de nome comercial SYNAGIS, eficaz contra o vírus sincicial respiratório, visto que todas crianças nascidas entre 29 e 32 semanas de idade gestacional e até 6 meses do período de sazonalidade do vírus, que em nossa região corre entre os meses de abril e agosto de cada ano, devem ser imunizadas. Recebida a inicial a tutela antecipada requerida foi deferida no sentido de que a parte demandada, qual seja, a Operadora Sul américa se encarregasse de ‘arcar’ com as despesas inerentes ao tratamento com a medicação SYNAGIS(PALIVIZUMABE) 1 (uma) dose mês – durante 5 (cinco) meses, a depeito da prescrição do médico assistente do menor internado no hospital Santa Joana, culminando a astreinte de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia, em caso de descumprimento,todavia, a questão do dano moral não foi apreciada. A ré na sua contestação aduz que o contrato celebrado entre as partes, ora litigantes, não previa o pagamento pela prestadora ré da vacina SYNAGIS(PALIVIZUMABE) 1 (uma) dose mês – durante 5 (cinco) meses, bem como que não era albergado pelo Código de Defesa do Consumidor vigente. Vieram-me os autos com vista passo a opinar: Do Julgamento antecipado da lide: Embora se trate de questão de fato e de direito, entendo que o feito está instruído e pode ser julgado no estado em que se encontra, portanto, a vertente ação está devidamente instruída sendo desnecessária a produção de novas provas. 1 Provar, na conceituação tradicional significa fazer conhecidos para o juiz os fatos controvertidos e duvidosos e dar-lhes a certeza do modo de ser. (Marco Antônio Borges, in "Teoria General de la Puebla em Direito Civil" - vol.I, p.3 Enciclopédia Saraiva, vol.62, pp.355/356). O artigo 330 do CPC do Código de Processo Civil de 1973, assim dispõe: Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II – quando ocorrer à revelia. Levando ao entendimento jurisprudencial de que: "(.....). Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder." (REsp 2.832/RJ, DJ de 17/09/1990, p. 9.513). Tribunal de Alçada do Rio Janeiro: PROVA PERICIAL APELACAO CIVEL 96332 - Reg. 5047 TERCEIRA CAMARA Unânime Juiz: MIGUEL PACHA - Julg: 01/12/83. E M E N T A: Produção de provas não requerida pela parte. “ Correto e' o julgamento antecipado da lide, quando inexistem outras provas a serem produzidas em audiência. Não pode pretender a nulidade do julgamento, pela não realização da audiência, a parte, que embora intimada, não propugna pela produção de prova oral e nem solicita qualquer esclarecimento do perito”. Ementário : 23/84 Num. Ementa : 22360 “Tem lugar o julgamento antecipado da lide, se a questão posta sob apreciação judicial é meramente de direito, sendo tal aquela que diz respeito à impossibilidade jurídica do pedido por não contar com o beneplácito do ordenamento positivo. (Ap. 8.475, 14.7.75, 1ª CC TJMT, Rel. Des. ATHAIDE MONTEIRO DA SILVA, in RT 479-189)”. Isto posto, em preliminar, pugno pelo Julgamento antecipado deste lide. 2 No Mérito: Preliminarmente, a alegação da suplicada de que não há relação de consumo no contrato firmado entre os litigantes não merecem prosperar por falta de amparo legal, doutrinário e jurisprudencial. A interpretação teleológica dos dispositivos insertos no Código de Defesa Consumidor conduz ao raciocínio de que a função social do contrato se realiza no momento em que a dignidade, a vida, a saúde e a segurança do consumidor são respeitadas em todas as suas relações com os fornecedores. A compatibilização entre os interesses dos fornecedores e dos consumidores deverá ser norteada pela idéia de que o consumidor é o parceiro contratual vulnerável e fraco na relação de consumo, merecendo, por essa razão, um tratamento jurídico diferenciado. Neste sentido decisão do TJ/SP prosperando em relação ao direito do menor: Processo: AI 766726920118260000 SP 0076672-69.2011.8.26.0000 Relator(a): José Joaquim dos Santos Julgamento: 26/07/2011 Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado Publicação: 23/08/2011 Ementa Ação de obrigação de fazer. Plano de saúde. Recusa no fornecimento do medicamento SYNAGIS para utilização hospitalar. Alegação de que há exclusão contratual do medicamento. Incidência do código de defesa do consumidor. Demonstrada a verossimilhança do direito pleiteado com evidente receio de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme preconizado no artigo 273 do CPC, devese deferir a tutela antecipada, procedendo o julgador a avaliação, segundo critérios de cautela e prudência, dos interesses em conflito. Necessidade de resguardar o direito à vida Decisão mantida. Recurso improvido. Portanto, como visto, a vertente questão vem sendo decidida em nossos tribunais de forma pacífica no sentido de reconhecer que tratando-se de plano de saúde, há a caracterização da relação de consumo decorrente da natureza da operação – fornecimento de serviços – e não da natureza jurídica da entidade prestadora. Pelo que se depreende da declaração médica acastelado aos autos, a criança, ora autora, necessita do medicamento como meio de prevenção, pois está suscetivel a contrair o virus sincicial respiratório (VSR), muito comum em crianças prematuras. 3 O Código de Ética do Médico estabelece que este profissional deverá sempre lançar mão de todos os recursos disponíveis para propiciar ao paciente o tratamento que mais lhe ofereça chances de restabelecer a sua saúde. Vejamos: “Art. 2. O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. (...) Art. 5. O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor progresso científico em benefício do paciente. (...) Art. 8. O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho. (...) Art. 16. Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou instituição pública ou privada poderá limitar a escolha por parte do médico dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente. É direito do médico: Art. 21. Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no País. É vedado ao médico: Art. 57. Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente.” Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial: SEGURO DE SAÚDE -ALCANCE E QUALIDADE DOS SERVIÇOS INEXECUÇÃO DO CONTRATO. As empresas de saúde, e as que prestam serviços de assistência médico hospitalar, estão obrigadas, por força da própria atividade que exploram, a dispor de mecanismos capazes de pôr em movimento todo o aparato médico-assistencial necessário para socorrer o segurado (ou assistido) no tempo oportuno e de acordo com a mais avançada técnica da medicina. Destarte, se a cirurgia a que o segurado precisava submeter-se já era conhecida e praticada no Brasil e outros países, não pode a seguradora negar-lhe cobertura ao argumento de se tratar de método experimental, não definitivamente consagrado na prática médica. (TJRJ). Ap. 4.055/95 - 2a Câm. - j. 12.09.1995. Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho) Ademais, é sempre interessante ressaltar que a vida humana não pode ser confundida com mercadoria. Embora as operadoras de planos de saúde e de 4 seguro/saúde sejam empresas privadas com direito a auferir lucros, há que pautar o contrato de acordo com a peculiaridade do seu objeto e com a sua finalidade. O direito à saúde foi reconhecido constitucionalmente como fundamental, prioritário e indisponível, devendo ser garantido pelo Estado aos seus cidadãos conforme se depreende dos dispositivos constitucionais a seguir descritos: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” Entretanto, diante da insuficiência do Poder Público, admitiu-se a prestação desse serviço de relevância pública por parte das empresas particulares, conforme se infere do art. 199 do texto constitucional. “Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Meritoriamente, no que se refere aos danos ocasionados pela demandada ao demandante entendo que dano material não houve, pois a operadora Sul América, ora litigada, arcou com os valores pecuniários do tratamento do autor e suportará as custas e honorários advocatícios quando de sua condenação neste feito. Destarte, vejo dano moral quando este se recusou apagar o tratamento do infante, pois abalou psicologicamente seus genitores. Observemos: O art. 5º da constituição Federal, em seu inciso X, assegura o direito à indenização pelo dano material ou moral em face de violação de direitos. WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA (ed. Julex, 1988, p. 132), traz à colação magistral lição do eminente e saudoso jurista NELSON HUNGRIA, assim posta, pertinente à questão: “O interesse jurídico que a lei protege na espécie refere-se ao bem material da honra, entendida esta, quer como o sentimento de nossa dignidade própria (honra interna, honra subjetiva), quer como o apreço e respeito de que somos objeto ou nos tornamos merecedores perante os nossos concidadãos (honra externa, honra objetiva, reputação, boa fama). Assim, como o homem tem direito à integridade do seu corpo e do seu patrimônio econômico, tem-nos igualmente à idoneidade de seu amor próprio (consciência do próprio valor moral e social ou da própria dignidade ou decoro) e do seu patrimônio moral. Notadamente no seu aspecto objetivo ou externo (isto é, como 5 condição do indivíduo que faz jus a consideração do círculo social em que vive), a honra é um bem precioso, pois a ela está necessariamente condicionada a tranqüilidade participação do indivíduo nas vantagens da vida em sociedade.” Maria Helena Diniz, em sua obra intitulada “Curso de Direito Civil Brasileiro”, 7º volume – ed. Saraiva, 6ª edição, ao conceituar responsabilidade civil, acrescenta: “A aplicação de medidas que abriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.” “(....) prática de ato ilícito, infringindo preceito normativo de tutela de interesse privado, produzindo dano a um bem jurídico, lesando direitos pessoais ou reais, dá origem ao ressarcimento do prejuízo. É de ordem pública o princípio que obriga o autor do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo que causou, indenizando-o.” A culpa e um ato ilicito são elementos essenciais para que exista reparação de dano A culpa é a violação de um dever jurídico. José de Aguiar Dias (1979, v. 1: 136) apud Silvio de Salvo Venosa assevera: A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude. O dano moral constitui uma fissura de interesses não patrimoniais de pessoas se físicas, se jurídicas, contraída por culpa desta, e sua única forma de reparação vem mediante a obrigação de indenização a pessoa ofendida mediante pagamento de quantia que não deve ser considerada apenas sob o ponto de vista meramente econômico, mas com obrigação de suportar em pecúnia o funesto efeito do ato insano praticado injustamente. Conclusão: Pelo exposto, opina o Ministério Público pela procedência do pedido atrial, ou seja, com a confirmação da tutela provisória, tornando-a assim definitiva, e a condenação da ré em danos morais ao autor ficando o cálculo a critério deste Juízo. É o parecer. Recife, 11 de novembro de 2013. 6 Paulo Henrique Queiroz Figueiredo Promotor de Justiça 7