Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0015899-82.2013.8.19.0000 AGRAVANTE: AGRAVADOS: CARLOS ALBERTO SIQUEIRA ESTADO DO RIO DE JANEIRO e MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO RELATOR: Desembargador MARIO ASSIS GONÇALVES Ação de obrigação de fazer. Antecipação de tutela. Fornecimento de medicamento. Uso off label. Estado e Município do Rio de Janeiro. Direito à saúde. Os documentos que instruem a inicial atestam que o autor apresenta a moléstia mencionada (retinopatia diabética) no olho direito e que tal doença, se não tratada num curto espaço de tempo, evolui para cegueira. Ainda de acordo com a declaração de fls. 17, subscrita por profissional do Instituto Benjamim Constant, o risco de cegueira é iminente e irreversível. E isso é o bastante para que, em cognição sumária, seja garantido o direito à saúde, e à própria vida do autor, que, de acordo com documentos acostados aos autos, é aposentado e não possui condições financeiras de arcar com os custos do medicamento, já que aufere proventos na ordem de R$ 565,83. Ressalte-se que o laudo e a declaração foram ambos emitidos por médicos integrantes do Instituto Benjamin Constant, centenário centro de referência para questões de deficiência visual, vinculado ao Ministério da Educação, o que basta para comprovar a necessidade e indispensabilidade do fármaco à manutenção da saúde do autor, não cabendo questionar o diagnóstico e a quantidade prescrita pelo profissional. De outro lado, vale frisar que as teses dos agravados não podem ser consideradas razoáveis neste momento processual, inclusive porque antecipam determinados aspectos da questão, que serão objeto da devida instrução, impedindo a apreciação em via recursal, pois vedada a supressão de instância. Recurso provido. DECISÃO (Artigo 557, §1º-A, do CPC) Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Carlos Alberto Siqueira contra a decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 4ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, nos autos da ação de obrigação de fazer movida em face de Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro, que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, sob o fundamento de que a medicação requerida pela parte autora é indicada para patologia diversa e não para o tratamento da retinopatia diabética, representando uso off label da medicação. O inconformismo do autor, ora agravante, lastreia-se no argumento de que o laudo médico de fls. 16/17 afirma que o autor necessita Pág. 1 MARIO ASSIS GONCALVES:000007650 Assinado em 30/10/2013 19:28:03 Local: GAB. DES MARIO ASSIS GONCALVES Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0015899-82.2013.8.19.0000 com urgência da aplicação do RANIBIZUMAB, sob risco de cegueira iminente e irreversível. Assim, requer a antecipação dos efeitos da tutela para que os réus forneçam ao autor o citado medicamento, conforme prescrição médica. Decisão (fls. 91) concedendo o efeito suspensivo. Ofício da juíza (fls. 94) informando o cumprimento do artigo 526 do CPC e a manutenção da decisão hostilizada. Contrarrazões do segundo agravado (fls. 96/111) e do primeiro agravado (fls. 114/128). É o relatório. Vistos e examinados, passo a decidir. A matéria devolvida a este Tribunal já está pacificada pela jurisprudência, sendo hipótese, portanto, de incidência das disposições contidas no art. 557, caput, do Código de Processo Civil. De fato, os documentos que instruem a inicial, mormente o laudo oftalmológico de fls. 16 e a declaração de fls. 17, atestam que o autor apresenta a moléstia mencionada (retinopatia diabética) no olho direito e que tal doença, se não tratada num curto espaço de tempo, evolui para cegueira. Ainda de acordo com a declaração de fls. 17, subscrita por profissional do Instituto Benjamim Constant, o risco de cegueira é iminente e irreversível. E isso é o bastante para que, em cognição sumária, seja garantido o direito à saúde, e à própria vida do autor, que, de acordo com documentos acostados aos autos, é aposentado e não possui condições financeiras de arcar com os custos do medicamento, já que aufere proventos na ordem de R$ 565,83 (fls. 14). Ressalte-se que o laudo e a declaração foram ambos emitidos por médicos integrantes do Instituto Benjamin Constant, centenário centro de referência para questões de deficiência visual, vinculado ao Ministério da Educação, o que basta para comprovar a necessidade e indispensabilidade do fármaco à manutenção da saúde da autora, não cabendo questionar o diagnóstico e a quantidade prescrita pelo profissional. Pág. 2 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0015899-82.2013.8.19.0000 De outro lado, vale frisar que as teses dos agravados não podem ser consideradas razoáveis neste momento processual, inclusive porque antecipam determinados aspectos da questão que serão objeto da devida instrução, impedindo a apreciação em via recursal, pois vedada a supressão de instância. Com efeito, o ente estatal apresenta um parecer técnico subscrito por três farmacêuticos e um médico, vinculados à Secretaria de Estado de Saúde, atestando que o medicamento RANIBIZUMABE não está padronizado em nenhuma lista oficial de medicamentos para dispensação através dos componentes especializado e básico da assistência farmacêutica no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Referido documento afirma, ainda, que o uso do medicamento é considerado off label, o que é desautorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Ocorre que as afirmativas dos agravados em relação à autorização da ANVISA e demais aspectos do parecer devem ser contraditados e analisados no curso da instrução processual, sob pena de supressão de instância, bastando, por ora, a verificação da existência de verossimilhança nas alegações autorais e, ainda, de risco para a saúde do autor, o que restou devidamente comprovado nos autos. Não é demais salientar que dentre os direitos e garantias fundamentais, o direito à vida é o bem maior do cidadão. Sendo a saúde, inerente a esse bem maior, também um direito assegurado constitucionalmente, é dever da União, do Estado ou Município suprir por todos os meios necessários a sua efetiva assistência, como asseveram os artigos 196, 197 e 198 da Constituição Federal e artigo 287 da Constituição Estadual. Assim, todos os entes integrantes do SUS – Sistema Único de Saúde, estão obrigados à prestação da necessária assistência às pessoas carentes. A saúde é direito de todos e sua prestação é dever do estado em primeiro lugar (artigos 6º e 196 da CR). Pág. 3 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0015899-82.2013.8.19.0000 Cabe trazer à colação o entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça em hipótese análoga: AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MEDICAMENTOS. Decisão agravada concessiva de tutela antecipada, determinando ao ente estatal o fornecimento de medicação indicada segundo prescrição médica, autorizando a concessão de medicamento genérico idôneo ao tratamento prescrito. Insurgência do Estado do Rio de Janeiro, aludindo à impossibilidade de condenação ao fornecimento de fármaco não padronizado para tratamento de enfermidade diversa da indicada na bula (off label) e autorizada pela ANVISA. Ausência de amparo à pretensão recursal. Juízo técnico que cabe ao médico da agravada. Primazia do direito à saúde em detrimento de fins meramente econômicos e formais. Aplicabilidade da súmula n.º 59 deste E. TJRJ. Decisão que não se mostra teratológica. Manutenção. Precedentes. Incidência do art. 557 caput do CPC. NÃO SEGUIMENTO DO RECURSO. (Agravo de instrumento nº 003792052.2013.8.19.0000. Rel. DES. SIDNEY HARTUNG - Julgamento: 15/10/2013 QUARTA CAMARA CIVEL). Grifei. E mais: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DETERMINOU O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS ÀS EXPENSAS DA PARTE RÉ. TUTELA ANTECIPADA DE MÉRITO. VERBETE 59 DA SÚMULA DO TJ/RJ. ALEGAÇÃO DE USO OFF LABEL QUE NÃO MERECE ACOLHIDA. MEDICAMENTOS PRESCRITOS POR MÉDICO ESPECIALISTA. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. SINGULARIZAÇÃO DAS DECISÕES COLEGIADAS. CELERIDADE E EFETIVIDADE 1. Somente se reforma a concessão ou a denegação de tutela antecipada de mérito, concedida em primeiro grau de jurisdição, se teratológica ou contrária à lei ou à prova dos autos. 2. O fenômeno da relativização do princípio do colegiado no julgamento dos recursos tem sido objeto de diversificadas e reiteradas teses doutrinárias. 3. A crescente opção pela singularidade do julgamento em diversas situações representa uma legítima tentativa de inovar sistematicamente na luta contra a lentidão do julgamento nos tribunais. 4. O uso off label de medicamento em tratamento médico não caracteriza por si só, inadequação ou incorreção, mormente se indicado por especialista médico. 5. Precedentes jurisprudenciais. 6. Desprovimento do agravo de instrumento, por ato da Relatora. (Agravo de Instrumento nº 0054190-54.2013.8.19.0000. Rel. DES. LETICIA SARDAS - Julgamento: 09/10/2013 - VIGESIMA CAMARA CIVEL). Grifei. Pág. 4 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0015899-82.2013.8.19.0000 Por conta de tais fundamentos, com base no artigo 557, §1º-A, do Código de Processo Civil, dou provimento ao recurso e defiro a antecipação de tutela para determinar o imediato fornecimento do medicamento prescrito pelo médico do autor – RANIBIZUMABE, necessário ao tratamento da retinopatia diabética que o acomete, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais). Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2013. Pág. 5