1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 12a CÂMARA CÍVEL Desembargador Mario Guimarães Neto AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0015675-47.2013.8.19.0000 ORIGEM: 3ª VARA CÍVEL DE CAMPOS DOS GOYTACAZES AGRAVANTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO AGRAVADO: VICTORIA CARDEAL BORGES REP/ P/ S/ MÃE MARIA CONCEIÇÃO CARDEAL SANTOS AGRAVO DE INSTRUMENTO – DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM FACE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PARA FORNECER CADEIRA DE RODAS, CADEIRA HIGIÊNICA, EXTENSORES DE MEMBROS INFERIORES, ÓRTESES TIBIOTÁRSICAS PARA MEMBROS E MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS À SAÚDE DA AUTORA, PORTADORA DE SEQUELA NEUROLÓGICA POR PARALISIA CEREBRAL, HIDROCEFALIA E ANEMIA FALCIFORME – ESPECIFICAÇÕES DOS INSUMOS DETERMINADAS POR MÉDICO DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE SAÚDE – IRREPARABILIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL – SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS NO DEVER DE ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE - ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E LEI Nº 8.080/90 - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - NEGATIVA DE SEGUIMENTO, COM BASE NO ART. 557, CAPUT, DO CPC. DECISÃO MONOCRÁTICA Agravo de Instrumento interposto por ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face da decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes reproduzida às fls. 79/80 que determinou, caso constatado o descumprimento da decisão de antecipação dos efeitos da tutela, a busca e apreensão de cadeira de rodas, cadeira higiênica, extensores e órteses (fls.25-27); ou, inexistindo material, o bloqueio em conta corrente de titularidade do Fundo Municipal de Saúde da quantia necessária à aquisição dos equipamentos prescritos. Sustenta o agravante que o SUS é dotado de programa específico para atendimento e fornecimento de aparelhos aos portadores de necessidade especial (órteses e próteses), sendo descabido ao Poder Judiciário impor política diversa. Opõe-se quanto ao fornecimento de insumos personalizados pleiteados, pugnando pela possibilidade destes serem enquadrados no padrão já disponibilizado pelo SUS. 3 MARIO GUIMARAES NETO:9642 Assinado em 01/08/2013 19:49:34 Local: GAB. DES MARIO GUIMARAES NETO 2 Assevera, ainda, que a responsabilidade do Estado é subsidiária, surgindo apenas quando o Município não tiver implementado gestão organizada dos serviços de saúde, o que não ocorre in casu. Acusa o descabimento da fixação de multa cominatória, a desproporcionalidade do valor arbitrado a título de astreintes, e a ausência de determinação de prazo razoável para o cumprimento da tutela antecipada. Requer a concessão de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, seja dado provimento ao mesmo para reformar a decisão que antecipou os efeitos da tutela de forma a isentar o Estado do Rio de Janeiro do fornecimento dos produtos. Pelo princípio da eventualidade, requer a determinação do fornecimento pleiteado mediante apresentação de laudo médico do SUS, bem como sejam as próteses e órteses fornecidas de acordo com os padrões do SUS. É o relatório. Decido. No caso em tela, o autor/agravado apresenta sequela neurológica decorrente de paralisia cerebral, hidrocefalia e anemia falciforme, necessitando com urgência de cadeira de rodas (fls.24), cadeira higiênica (fls.25), extensores de membros inferiores (fls.26), órteses tibiotársicas (fls.27), nas especificações descritas por pediatra solicitante da Fundação Municipal de Saúde, bem como de cama hospitalar (fls.63). Em que pese o inconformismo do Agravante, certo é que o pedido da autora baseou-se em indicação de profissional médico da Fundação Municipal de Saúde fundamentada no caráter debilitante das sequelas e os riscos delas advindos. Desse modo, a controvérsia acerca da necessidade dos produtos conforme especificações médicas (fls.24-27; 63) não inviabiliza a concessão antecipada da tutela, dada a gravidade do caso. Portanto, diversamente do afirmado pelo agravante encontram-se presentes os requisitos autorizadores da medida antecipatória, não sendo razoável que o Judiciário, em sede de cognição sumária, questione o tratamento solicitado por profissional que acompanha o paciente, pois não possui conhecimento técnicocientífico para tanto. No mais, é sabido que o artigo 196 da Constituição da República dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, sendo solidária a responsabilidade dos entes federativos. Neste sentido o entendimento sumulado por este eg. Tribunal de Justiça, no verbete nº 65, que dispõe derivar dos mandamentos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988, e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde. 3 3 A regra da responsabilidade solidária é que o credor da obrigação pode cobrar a prestação de qualquer um dos devedores. No caso em tela, o agravado resolveu cobrar a prestação do Estado e do Município. Nesse sentido é a Sumula no 65 deste Sodalício: SÚMULA Nº 65 DIREITO À SAÙDE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DE MÉRITO RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. "Deriva-se dos mandamentos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e conseqüênte antecipação da respectiva tutela". Assim, a divisão administrativa de competências, para fins de distribuição de medicamentos/tratamentos não pode ser oposta ao paciente como forma de obstar-lhe o direito de pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos. Importante salientar que eventual compensação de valores entre os entes federativos deve ser discutida em ação própria, sendo descabido impor-se ao particular limitação ao seu direito à saúde, constitucionalmente garantido. Considerada a estreita via do agravo de instrumento, além das peculiaridades do caso concreto (indispensabilidade do tratamento da paciente, o alto custo do tratamento e a sua periodicidade), entendo presente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação à vida da agravada, ficando eventual irreversibilidade da medida mitigada pelo direito à saúde e à vida, em observância do princípio da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, a jurisprudência deste E. Tribunal: 0000616-57.2005.8.19.0078 - APELACAO / REEXAME NECESSARIO DES. GILDA CARRAPATOSO - Julgamento: 02/05/2012 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL. RITO ORDINÁRIO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA MENOR PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL. SENTENÇA QUE CONFIRMA A TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA E JULGA PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONDENAR O RÉU A FORNECER PARA A PACIENTE AUTORA TODOS OS MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS AO TRATAMENTO DA PATOLOGIA. IRRESIGNAÇÃO DO RÉU QUE ARGUI ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E PUGNA PELA IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO. A ATRIBUIÇÃO PARA ATUAR COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DA MENOR, NA GARANTIA DOS SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS E 3 4 SOCIAIS, ESTABELECIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE É DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS, PREVISTA NOS ARTS. 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A SAÚDE É DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO, INDEPENDENTEMENTE DA ESFERA ADMINISTRATIVA. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC. 0051116-91.2010.8.19.0001 - APELACAO / REEXAME NECESSARIO DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO - Julgamento: 28/11/2012 TERCEIRA CAMARA CIVEL PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVOS INTERNOS INTERPOSTOS PELO ESTADO E PELO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AOS APELOS NOS TERMOS DO ART. 557, CPC. O ESTADO PRETENDENDO A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO E DO MUNICÍPIO EXCLUSÃO DA TAXA JUDICIÁRIA. O AUTOR, PORTADOR DE PARALISIA CEREBRAL E OUTRAS CONDIÇÕES INCAPACITANTES PLEITEIA CADEIRA DE RODAS E CADEIRA HIGIÊNICA. APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O DIREITO À SAÚDE É OBRIGAÇÃO DO ESTADO, SEM DISTINÇÃO ENTRE OS ENTES POLÍTICOS, O QUE LEVA A QUE SUA OBRIGAÇÃO SEJA SOLIDÁRIA EM RELAÇÃO AO CIDADÃO. PREVALÊNCIA DESSES DIREITOS FUNDAMENTAIS EM FACE DAS ALEGADAS RESTRIÇÕES DE ORDEM ORÇAMENTÁRIA, ASSIM COMO EM RELAÇÃO AO PRINCIPIO DA DESCENTRALIZAÇAO DA GESTAO E A RESPONSABILIDADE SUBSIDIARIA. INOCORRÊNCIA DA APONTADA VIOLAÇÃO AO POSTULADO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, ANTES AQUI ATUANDO O PODER JUDICIÁRIO EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO (ART. 5º, XXXV, CRFB), DIANTE DE SUA FUNÇÃO PRECÍPUA DE CONTROLAR OS EXCESSOS COMETIDOS, MESMO POR OMISSÃO, EM QUALQUER DAS ESFERAS GOVERNAMENTAIS, QUANDO ESTES INCIDIREM EM ABUSO DE PODER OU DESVIOS INCONSTITUCIONAIS. TAXA JUDICIÁRIA CORRETAMETE IMPOSTA AO MUNICÍPIO. DESPROVIMENTO DOS AGRAVOS INTERNOS. Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, na forma do caput do artigo 557 do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 01 de agosto de 2013. Desembargador MARIO GUIMARÃES NETO Relator 3